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Ebulições

Universidade de São Paulo


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Vice-reitor: Franco Maria Lajolo

Escola de Comunicações e Artes


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Departamento de Jornalismo e Editoração


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Editora Com-Arte
Editora: Josiane Camacho Laurentino
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Cristiana Passinato

Ebulições
Copyright © 2007 by Cristiana Passinato

Catalogação na publicação
Serviço de Biblioteca e Documentação
Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo

P288e
Passinato, Cristiana
Ebulições / Cristiana Passinato. - São Paulo:
COM-ARTE, 2007.
ISBN: 978-85-7166-085-4
1. Poesia - Brasil - Século 21 I. Título.
CDD 21.ed. – 869.15

Com-Arte
Editora Laboratório do Curso de Editoração
Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo
Departamento de Jornalismo e Editoração

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CEP: 05508-000 São Paulo - SP
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www.eca.usp.br/comarte
Aos meus avós Lygia e Antônio
(in memorian), aos meus pais Maria Inês
e Jandir e aos queridos Filipe, Carolina e
Marjorie. Aos amigos, mestres e leitores
que tanto me estimularam a escrever, eis
um sonho realizado.
Sumário
Água
Preciso de alguém . . . . . . . . . . . . . . . 13
Direito do homem . . . . . . . . . . . . . . 15
Poeta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
Medo do futuro . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
Não consigo mais sonhar . . . . . . . 18
Inocência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
Um dia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
Sobrevivente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21

Vinho
Cartas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
Decepção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
Identidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
Não se prenda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
Íntimo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
Lamentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
Perseguição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
Poetas podem morrer . . . . . . . . . . 34
Parada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36
Quer namorar, poeta? . . . . . . . . . . 37
Dono das letras . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
Punhal afiado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
Café
O algoz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
Colcha de retalhos . . . . . . . . . . . . . . 45
Espera . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
Sentimental . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
Antigo amor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
Paixão vil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50
O pranto da saudade . . . . . . . . . . . . 51
Sabes que estou aqui . . . . . . . . . . . . 52
Nada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
Baú de letras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54
Mal súbito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55

Morfina
Realidades impossíveis . . . . . . . . . . 59
Novo amor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
Quem sou eu . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62
Perseguição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
Samba de verdade . . . . . . . . . . . . . . 64
Pergaminho. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
Vento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66
Máscara . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68
Vontades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69
Quem não sente saudade? . . . . . . 70
Herança . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72
Desejos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74
Meus erros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
Metamorfose . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76
Olhos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
ÁGUA
Preciso de alguém

Preciso de alguém que me olhe nos olhos enquanto falo.


Que ouça as minhas tristezas e neuroses com paciência.
E, ainda que não compreenda,
respeite os meus sentimentos.

Preciso de alguém que venha brigar ao meu lado


sem precisar ser convocado;
alguém, amigo o suficiente,
para dizer-me as verdades que não quero ouvir,
mesmo sabendo que posso odiá-lo por isso.

Nesse mundo de céticos,


preciso de alguém que creia
nessa coisa misteriosa,
desacreditada,
quase impossível: a amizade.

Que teime em ser leal, simples e justo,


que não vá embora
se algum dia eu perder o meu ouro
e não for mais a sensação da festa.

Preciso de um amigo que receba com gratidão


o meu auxílio, a minha mão estendida.
Mesmo que isto seja muito pouco para suas necessidades.

13
Preciso de um amigo
que também seja companheiro,
nas farras e pescarias,
nas guerras e alegrias,
e que no meio da tempestade,
grite em coro comigo:
“Nós ainda vamos rir muito disso tudo”,
e ria muito.

Não pude escolher


aqueles que me trouxeram ao mundo,
mas posso escolher meu amigo.

E nessa busca empenho a minha própria alma,


pois com uma amizade verdadeira
a vida se torna mais simples,
mais rica e mais bela.

14
direito do homem

Deveria ser direito de cada homem


morar pelo menos em um casebre,
simples, singelo,
mas quentinho e aconchegante
que o abrigasse da chuva e do vento gélido.

Deveria ser direito de cada homem


ter educação
e lá aprender o que realmente é importante
não o que interessa aos outros.

Deveria ser direito de cada homem


ter saúde,
ter como ir ao médico,
não só de posto de saúde,
mas médico de corpo e de alma.

Deveria ser direito de cada homem


ter liberdade.
Essa que ninguém compra,
e só conhece quem não a tem.

Deveria ser direito de cada homem


poder amar sem limite,
poder caminhar de mãos dadas sem se envergonhar,
poder beijar sem melindres e sem maledicentes olhares,
todos invejosos por sabermos usar o direito de amar!
15
poeta

Poeta é aquele que transforma


sandice em verso.

Sai fantasiando e sonhando sem medo


embelezando até o que é terror.

Suavizando o horror
vestindo suamente a dor
descortinando o amor.

16
medo do futuro

Tenho medo do futuro


não me sinto segura.

Não só pelo abuso de poder


não só pelo descaso de autoridades,
mas pelo descaso com relação à natureza.

A falta de cuidado com o meio ambiente


o desleixo da humanidade com seu próprio habitat.

Ignoram o impacto que causam


as respostas cada dia mais intensas e revoltadas.

A ignorância hoje assola crianças e jovens


esquecem o que é primordial, essencial.

Tínhamos medo de que o futuro chegasse.


Tínhamos medo de um futuro sem esperança.
Será que chegou?

17
não consigo mais sonhar

Quando criança
tinha esperança
sonhava
imaginava.

Crescia e me via
cada dia mais linda
e mais bem sucedida.

Hoje não sonho mais.


Tanto aconteceu até agora!

Não dá mais para pensar


que o mundo é só de algodão-doce,
que tem gosto de bala.

A criança dentro de mim,


vive apenas em meus sonho.
Será que fugiu?

Cadê aquela menina?


Eu a quero de volta um dia!
Pelo menos um pouquinho
um pouquinho de nada.

18
inocência

No escuro da inocência
descoberto pela luz da ciência.

Não deve subserviência


essa humanidade em carência.

Distante dos olhos


perto dos sentidos.

Instintos desmentidos
pelos atos desmedidos.

Grande vulcão
em eterna extinção.

Tomado pela mão


às rédias da emoção.

Páginas viradas
de cartas marcadas.

Inocências mascaradas,
enfim, carnais formas encarnadas.

19
um dia

Um dia ainda me livro


dos pesos de minha existência
desisto da persistência
e fujo.

Com a coragem que não tive


dou fim no que todos dizem
que não presta em mim
a minha infeliz e pesada
dependência.

Ou consigo isso
ou desisto de viver.
Vegeto até morrer.

20
sobrevivente

Para que sobreviver


nesse mundo cão
nessa overdose de sangrias?

Balas perdidas
de gente querendo apenas se dar bem?

Para que suspirar


nesse poluído ar,
ver essas imagens deprimentes
de uma gente sem conteúdo
só mostrando sua carne?

Quero viver num sonho


numa eterna alegoria
um carnaval de magia
e me deixar levar por uma viagem sem fim.

Não me deixem acordar!


O sonho está bom...

Acordar para sofrer?


Para quê?

21
vinho
Cartas

Escrevo cartas
inúmeras cartas ao vento
amor que não chegou a tempo
sem nem razão de ter acontecido.

Só ficaram o simples bem querer


a simpatia e a saudade
o vazio e a distância
a recordação de pequenos gestos.

Parece coisa infantil


mas são dos lúdicos momentos
que sinto a febre mais ardente.

Dói e corrói a sensação


de que posso nunca mais olhar
nos olhos de quem
me passou essa paz
essa segurança
esse jeito menino e carinhoso.

Quantas noites irei suspirar a insônia


meu pranto calar
meus sussurros insanos
gemidos sem cúmplices?

25
Quanto mereço ainda sofrer desse amor que não tem fim
ao mesmo tempo não pode ocorrer
proibido e cativo
aqui dentro de mim?

Sim, aos olhos


e à mente de quem não sente
não entende e julga
banaliza esse tipo de paixão.

Mas para quem vive, é diferente.


Só quem vive um grande amor
verdadeiro, puro
entende a diferença.

Pena que muitas vezes chegamos atrasados.


O tempo é muito cruel
O destino, o que quer de mim?
O sofrer eterno?

Por que fui condenada à solidão?


Por que só sinto isso por quem não posso ter o coração?
Por que não me deixar ser feliz incondicionalmente?
Amar e ser amada?
Por quê?

26
decepção

Nunca espere algo a mais


de quem não sabe o que pode lhe dar.
Não esqueça de todos os momentos e choros
onde tudo não deu certo para não sofrer ainda mais.
Se fez algo errado nesses momentos,
esqueça, mas não repita os mesmos erros.

Não deixe de tentar ser mais esperto do que eu,


seja mais malandro.
Espere que essa pessoa venha a você e demonstre algo.
Não entregue de cara o seu ouro,
ele é precioso demais
pra que qualquer um pegue e o faça de esmola.

Não deixe de se valorizar.


Use todas as armas de que dispõe
para sentir que realmente valeu a pena.
Não deixe suas oportunidades passarem.
Tudo tem seu tempo.

Desgastar o que é mágico, pode acabar na vala, na lama.


Faça tudo sem maldade, só com carinho,
mesmo que seja por poucos momentos.
Mas faça com que sejam eternos, para que lá fiquem
sua memória, seu livro, sua vida.

27
identidade

Não quero me perder do horizonte.


Não quero deixar de avistar o arco-íris.
Não vou perder meus limites
nem meus objetivos,
minhas diretrizes mais íntimas.

Quero meu pé no chão!

Porém, nunca quero corromper


essa essência imatura,
ao mesmo tempo profunda,
mãe da minha orientada
mas divertida rotina,
essa minha forma de vida.

São maneiras de conseguir


respirar e não sofrer.
Fugas normais de todo ser.
Não é possível que se julgue por alguém ser assim!

Não acredito que sinceridade


e ingenuidade sejam defeitos.

Podem não ser os adjetivos perfeitos,


mas mal nenhum podem fazer.

28
não se prenda

Não se reprima a monossílabos


se tudo de dentro do seu coração
for para o bem e o amar.

Mostre todo o seu perdão


sua compreensão
sem falsas pretensões.

A doçura da visão
da verdade sem limites
do amor que poderia vir
servido como comprimidos
em doses diárias.

O amor
não se deve temer
não se deve correr
não se teme a overdose.

Creia nele,
não fuja como criança
do bicho-papão
venha com tudo, sem amarras,
solte as asas
e voe para sempre.

29
íntimo

Minto a cada dia.


Minto quando digo que esqueci.
Minto quando me aproximo de outro
para esquecer
e me lembro
de um nada,
de tudo.

Lembro de um olhar,
de um brilho
da voz
do calor
sem ter sentido.

Sinto um vazio
difícil de ser preenchido.
Talvez nunca possa ser preenchido.

Doído,
amargo,
distante de ser curado.

Quero sentir mas não consigo


pelo menos não por inteiro.
Apenas pela metade
só pela metade tenho tudo.
Estou acostumada.
30
Solidão por toda a eternidade
solidão que vive em meu ser.

Vem a indagação
será que algum dia
apagarei a luz
e não sentirei medo?

De caminhar, de esticar minha mão


e não encontrar uma outra
para me acompanhar?

De contar meus medos


os mais íntimos
sem enrubescer?

De fazer confidências
e poder viver todas elas?
Sem culpa de ser feliz?

31
lamentos

Chuva cai na flor,


bate ácida
tanto assim que corrói.

Descolore com o tempo,


Só dói
todo amor que constrói.

A flor não tem mais perfume.


Só consome o azedume
do mesmo ácido que a fez morrer.

Pena que se vai


toda a beleza.
Só fica o ardor
esvai o fervor.

32
perseguição

Corro
por um socorro,
por um porto seguro
que apareça na minha frente.

Mas a gente
não se deu conta
do tempo que havia.

Sempre corria
e perdia,
que agonia de ver a saída.

A partida
desse trem
da sua vida
da minha
que se esvaía
sem sintonia
com a minha melodia.

33
poetas podem morrer

Navegante
viajante
diletante?

Mas não é distante!

Pobre de ouro
mas pensava ser rica de boa-fé.

Mas a boa-fé é fama


que o ouro compra.

Não tem mais por quê?


Não é assim que se faz...

Não consigo entender


não sei como fazer
não sei como lidar
com esse tipo de ser.

São vis os seres que mentem


usam artifícios
e pobreza de espírito.

Articulam maneiras de tripudiar


Mais ainda,
manipular...
34
Dói no peito
orvalho nos olhos brotam.
Não quero mais sentir isso pesar
meus versos vieram pra sintetizar.

Elementos...
Amor
Paz
Amizade
Carinho.

Não!

Nunca
Falsidade
Maldade
Mentira
Má-fé.

Nunca faça isso com um poeta


ele pode morrer.
Pode sofrer até adoecer.
Fisicamente pode não parecer
mas apaga aos poucos sua alma.

Não faça isso com um poeta


ele pode morrer...
35
parada

Inconscientemente corremos
esbarramos com o tempo
remamos contra a maré.
Não respeitamos o nosso próprio tempo.

Para quê?
Para onde nós vamos?
O tempo é algo tão relativo...

Vamos fazendo sem pensar,


amando sem amar,
usando coisas
e consumindo outras sem cessar.

Ansiosamente,
compulsivamente,
freneticamente.
Somos seres que pensamos,
porém não parece.

Podemos parar um pouco?


Mesmo que seja pra pensar?

36
quer namorar, poeta?

Com quem o poeta quer namorar?


Com o vento que passa pelos seus cabelos?
Com o tempo que sempre deixa vestígios de ansiedade?
Com a beleza que é relativa?
Com o bem querer que nunca chega ao outro?

Com qual desses quer o poeta namorar?


Poetas tendem a querer somente mirar o infinito
olhar para o impossível
se esconder no vazio dos seus sentidos
usando a fantasia e o sonho para se esconder do real.

O que pode doer quando não se concretiza?


O que pode levar para a morte o lado secreto
do todo romântico?

O poeta sempre corre linhas tortuosas e íngrimes


nunca consegue chegar onde gostaria de fato.
Se quer namorar?
Sempre deixa o rastro de mistério no ar...

37
dono das letras

Não preciso de letras,


palavras,
sons.

Sou eu.
São palavras de uma alma.
Prova.
Verdade.

Não preciso de nome.


Tão logo se lê,
se vê.

Não preciso de forma


nem forma
para escrever.

Jogo e brinco
elas se arrumam.

O som nasce.
A poesia cresce
em meu ser.

38
punhal afiado

Podemos querer dizer coisas boas


para Deus e para o mundo.

Mas sem que os ouvidos estejam abertos


ou mesmo quando abertos
pouco receptivos,
ou ainda pior,
receptivos a uma interpretação própria,
invertida de tudo o que é dito,
tudo que é falado nada vale,
é jogado ao vento.

Quem vence
na maioria das vezes
fecha-se,
não fala.

Cala-se e aprende a observar


e sentir até quando estão chegando,
pelo instinto,
com a faca em punho
para lhe fincar pelas costas.

Já, então, virando para o peito


olham nos olhos
de quem não teria a mesma coragem.

39
CAFÉ
O algoz

Ele nunca desiste


enquanto não espolia
não suga a energia
não vampiriza a vivacidade.

Tira o sorriso do rosto


arranca lágrimas
até o sangrar da alma.
Não sossega.

A felicidade desse ser


está no ardor da alma
se alimentando da maldade.
A cada momento
um toque de perversidade.

Infelizmente, ainda tenho


que conviver com esse mal.
Um dia, hei de poder ver a luz
não mais as trevas
turvas pelas lágrimas que não secam.

43
colcha de retalhos

Sensibilidade...
Está na pele,
no ar,
aquecendo meus momentos
de solidão.

Sonho...
Dormindo
ou acordando,
saio voando
em busca do clarão.

Vida...
sem isso
ou aquilo
é muito difícil
porque viver é um desafio.

45
espera

Espero tua sombra,


dias e noites
na varanda,
na janela,
seja onde for.

Espero teu cheiro


invadindo e sendo exalado
como o aroma da dama-da-noite
que junto ao cair da madrugada
vem mais forte, ao mesmo tempo suave.

Seu colo,
esse é o que mais quero.
Só quero poder recostar
e de meu travesseiro fazer
minha paixão por ti.

Não me deixe
como tua Penélope,
pois tu não és meu Ulisses,
mas preciso de ti.

Não me moleste com tua ausência


venha para esse leito.
Não tens como fugir
de tua essência.
46
sentimental

Só há um amor válido
o amor da renúncia.

Não aquele egoísta


tolhe e causa angústia.

Ás vezes utópico
não consegue sobreviver
não prevalece.

Sobra o egoísmo
mata o sentimento.

Com dúvidas não se estabelece.


Feridas não se curam,
rachaduras não se colam,
dores não passam.
Confiança não se reconquista.

47
antigo amor

Bela mulher,
um desenho de menina.
Rosto, feição feminina.
Seus olhos não imaginavam
o que um dia viriam a querer.

Bela época da meninice


não sofreria com a sandice
do amor que a flecharia
deixando-a em prantos um dia.

Provocante e com ousadia


destacaria-se um dia
com sua postura de bailarina
dançando em salões pela marina.

Soldados, civis e marinheiros


mesmo de seus veleiros
avistavam sua silhueta
travavam disputas pelas suas piruetas.

Um dentre eles seria


o felizardo do beijo dado
olhares e valsas rodopiaria
com o faisão das águas de coração armado.

48
Mal sabia ela
que seria somente usada.
Após desalmada
jogada pela janela.

Após a tragédia,
nada seria mais colorido
nunca mais haveria sorriso
nem mesmo um gracejo fazendo-lhe média.

Para a bela donzela


a vida teria ali o fim,
o triste destino
seria um só:
a solidão com a maturidade
e falta de glamour.

49
paixão vil

Gostaria de poder ser


sem ter medo de ser feliz.
Gostaria de achar meus erros
e não ter o peso da consciência.

Gostaria de estar sempre prestes à loucura


e explodir por um triz.
Gosto de rompantes.

Sou estopim,
viro cor de carmim,
quando zombam de mim.

Não ouse tratar-me assim,


como qualquer uma,
não sou sua,
nem de ninguém.

Vá daqui,
sem nada nas mãos,
não volte com nada nos braços,
como aquele ramalhete de vis rosas rubras.

Amor não tem fim,


paixão sim.
Foi apenas isso que senti.

50
o pranto da saudade

Como conviver com a distância


como se pode dormir assim?

Sem carinho
imagino
fantasio.

Chego a sentir
os beijos e carinhos
que me fazem surtar
queimar.

A saudade que me consome


o tempo esconde
meus olhos se emocionam
enfim,
choram.

51
sabes que estou aqui

Sou aquela que beija-te dentro do teu coração.


Aquela que sentes com a brisa macia tocando a tu’alma.

Toco com carinho teus cabelos.


Quero teu amor.

Sabes que sou aquela


que te quer
com muito ardor.

Sentes mesmo com a distância


a minha ânsia
o meu fervor.

Cura essa minha febre,


essa minha agonia
que para sempre se inicia.

Quando lembro de teu chegar


ninguém sente,
ninguém vê,
só eu.

Só eu,
tua menina,
tua mulher.

52
nada

Estou me destilando
estou me purificando
derrentendo-me em saudade e poesia
sustentando meu amor mais intenso.

Pedaços de mim reluzem por todo canto.


Neste aqui só quero revelar a sombra
brilhar pra quem vale à pena
esconder na penumbra o mistério
para aqueles que quero conquistar.
Me omitir no eclipse profundo
dos que não me querem bem.

53
baú de letras

Estou com saudade de mim mesma,


com saudades dos meus amigos de verdade...

Não tem como voltar no tempo, não?


Ou então, juntar todo mundo,
juntar os caquinhos da vida
e sonhar em remoçar.
Usar melhor a nossa máquina,
dançar até o sol raiar.

Esquecer de tudo
e só viver e lembrar.
Pegar as mágoas e jogar na latrina.
Unir pessoas com quem tivemos discussões, e resolver
abraçar e sonhar que esqueceu...

Tudo isso é uma utopia gostosa de ser vivida.


Como na vista das fotos antigas
de um baú mal resolvido de uma vidinha truncada.

Ainda tenho mesmo tanta coisa para viver?


Não é que queira me prender ao passado,
mas ele foi tão saudável e o mundo está tão cruel!
Prefiro os sofrimentos bobos e meus medos infantis.

54
mal súbito

Pisaram, chutaram, sugaram.


Até onde?
Até quando?

Não é justo morrer suando,


esse suor malvado,
essa dor maldita, sem despedida.

Alegria passa ao lado,


a emoção passa batida.
Não mais seguro o rojão da vida.

Pára tudo!
Sai fora!
Arrego!
Seu mal agouro,
sai do pensamento,
desejo insano, sem discernimento.

Sai mal nojento, tão súbito quanto o vento.


Não fica perturbando, vai pro esquecimento.

Canto
e assim
sinto-me segura.

55
MORFINA
Realidades impossíveis

Queria poder ser a música que te tocou


o verso que soou
som que não sai do ouvido seu.

Vontade de ver!
Ah! Como queria...
Como gostaria
que a saudade fosse maior
que me procurasse,
mesmo que pelo pensar,
e, enfim, poderia ter todo seu calor.

Meu coração procura


o bater do tambor
ritmado pelo desejo
pelo olhar mais ansioso
sem medo de ser feliz
esperando, minha boca seca
o beijo que nunca vem.

Imagino o seu tocar


mas isso não me satisfaz,
nem ao menos o sonhar.
Só queria uma chance de mostrar
todo esse amor.

59
Inconseqüente, eu sei
mas, sim, eu merecia pelo menos
uma forma
de poder te mostrar
tudo que eu quero,
todo alcance do prazer
pois feliz te realizaria.

Mas enquanto isso


a única coisa que posso oferecer
é minha dor.

60
novo amor

Como sofrer
se tudo que fiz
foi querer um dia te ter
e fazer do som o amor?

Cada nota faz o toque


mas agudo, infindo e profundo.

Gosto assim,
quando você não diz
o que quer de mim.
Só me faz feliz.

Do nada, aparece como um vulto


revolto, solto,
trazendo uma paz, no susto.

Calma da confusa bagunça,


solta em mim o riso,
luz e vida,
mostrando por onde seguir.

Sem querer, o caminho que vai dar


no seu.
Deixa então o meu riso,
uníssono ao seu,
mostrar o que é a verdade.
61
quem sou eu

Está difícil
eu me ver,
me reparar.
Reparar e detalhar.
Reparar e consertar.

Cadê aquela que fazia mazelas?


Cadê aquela que fazia gracejos?
Cadê aquela que falava fazendo carinha de anjo?
Não sei.
Não encontrei.

Era capaz de seduzir.


Era capaz de olhar sem medo de ser olhada.
Era olhada e não ridicularizada.
Era olhada e não penalizada.
Era olhada e não banalizada.
Era olhada e desejada.

Cadê aquela que era eu?


Cadê o que eu era?
Não, eu sei que não.
Adormeceu...

62
perseguição

Corro
por um socorro,
por um porto seguro
que surja na minha frente.

Mas a gente não se deu conta


do tempo que havia.

Sempre corria
e perdia.

Quanto desespero
para encontrar a saída.

A partida desse trem,


da sua vida
da minha que se esvaía
sem sintonia
com a minha
com a sua.

Comigo
com quem
por quê?

63
samba da verdade

Quero hoje compreender


toda a forma de perdão
para poder chorar sem dor
as libertas crias do coração.

Sem palavras para dizer


minha surdez cega minha mão
calejada e suada de não ter.
Querendo, implorando,
estendida por mais compaixão.

Cadê a compreensão?
Cadê a criança?
Que tipo é essa de esperança
que tira todo pensar sem maldade?

Quero sua palavra


impressa em letras garrafais
mostrando que não foi à toa,
nem em vão todo o discurso
mesmo com o vai-e-vem do percurso.

Vem, me mostra de vez!


Para que essa chaga
essa ferida funda da fatalidade
seja curada com amor
e com a tua palavra cicatrizada.
64
pergaminho

Saudade é grande
tão imensa
que dá vontade de escrever um pergaminho
colocar numa garrafa
e jogar lá longe no mar.

Sim,
para ver se chega algum dia
a tempo, mas algum dia
lá do outro lado
de onde possa avistar o seu olhar.

No dia que chegar,


quando ler,
não me interprete mal
só saiba que guardo
um imenso bem querer.

Que na garrafinha
vá meu perfume
minha esperança
e meu amor.

Só quero poder
um dia mostrar
sem culpa
que te amo de verdade.
65
vento

Veloz como vento,


tranqüila feito brisa macia.
Tranco-me em mim
como ostra vazia.
Como num convento
esperando aquele que me acaricia.

Viajo sobre nuvens branquinhas


vendo todos seus movimentos.
Não me conformo
por não estar em seu templo
com a pérola da sua companhia,
dádiva que me alumia.

Preciso como do ar
de um momento.
Minuto que esclareça
essa enorme desavença.

Ilusão do lindo dia


fulgor da noite em eterna agonia.
Preciso ver,
acreditar que está perto
para não parar de respirar.

Voltar suspirando
vida sem despedidas.
66
Sou como o vento.
O Sol irradia
o doce calor
ardência dando alento
sombreando o dissabor.

Quisera eu que nunca


parassem seus raios
de minha pele tocar,
meus pêlos arrepiar,
minha vida iluminar
e meu amor soar.

67
máscara

Essa máscara que não sai.


Que aderiu tão completamente.
Que não sai.

Quero tirá-la,
mas dói.

Dói mostrar o que tem por trás.


Será que é o de antes?

Antes...
Muito tempo atrás?

Será?
Ela vai sair?

Vai tirar algum pedaço


pedaço de mim?

E me aleijar
aleijar o meu criar?

68
vontades

Quero ir embora
quero sair fora.

Quero o mundo de longe


quero sair de mim.

Um anjo poderia me puxar


para longe desse ninho
onde as cobras
comem a alma.

69
quem não sente saudade?

Quem um dia disser


que de saudade nunca sofreu
de amor nunca quase morreu
que de soluços quase se engasgou
do pranto doído que no peito guarda cativo

Pode se dizer mentiroso.

Mentiroso aquele que diz que é cético


aos sentimentos mais insanos
daqueles que nos tiram o sono
nas noites pensando e vagando
sozinho esperando
sem nunca ninguém receber.

Quem nunca foi até a janela


e ficou esperando?
Nem ouviu uma canção
que o fez chorar?

Quem nunca pensou


ou quem nunca sonhou
o que não devia imaginar?

70
Sofrer disso tudo
é se eternizar
humanizar
marcar como mero mortal
levar os doces sentimentos
a fundo
mostrar que não é de pedra
e sim de carne e osso.

Quem me dera mostrar ainda mais


poder gritar a quem pudesse
que sou eterna, humana e de carne e osso.
Amo incondicionalmente, mas não devia.

71
herança

Quando avisei
julgaste-me criança.
Quando acudi,
não viste meu esforço em auxiliar-te.

Não assumiste tuas culpas,


colocando-as em cima de mim.
Vislumbras meus defeitos
como se teus os fossem.

Sou tua filha,


mas nada a mais tenho
além de teus genes.
Sou concepção tua,
mas eu sou eu.

Gosto do teu amor,


mas não do teu jeito de amar.
Sufocas-me com a tua frustração,
projetando-me em sua imaginação
como tua perfeita criação.

Não fui criada por ti,


mas pelo mundo.
Consegui não ser uma qualquer,
mas por um segundo podia ter-me revirado.

72
Enfim,
algo de bom deste-me:
tua força,
tua coragem,
teu senso de luta.

Mas graças ao Pai,


em quem tu teimas em não acreditar,
mas a quem em tua difícil reclusão
pões a chorar,
pedi e consegui
por orações e pedidos.

Não tenho tua conduta,


que de canhota e torta,
faz por vezes tuas vistas
rumarem para vias tortas.

Quero-te bem
não quero tua herança
não quero teu rancor.
Quero um pouco mais
desejo-te algo maior
juízo.

73
desejos

Um dia, o homem não terá mais que se humilhar


não terá que pedir migalhas de felicidade.

Terá direito ao seu canto,


onde poderá fazer o que desejar
o que achar que tem direito.

Por que se culpar por ser feliz?


Por que achar que o prazer é pecado
e que tudo tem que ser conquistado
pelo sofrimento e ardor?

Não é justo o homem ter de sentir dor


até um dia conseguir ser feliz.

74
meus erros

Quero me redimir
e não consigo.
Seria tão bom poder
não ter escrúpulos
e nem vergonhas.

Será que adiantaria


quebrar o orgulho?
Os muros do senso e da razão?
Seguir o coração?

São tantos os erros,


mas não se tem mais tempo.
Esse tempo que queria correr
revolta e desarvoradamente
para trás.

Ter a chance de retornar,


de tentar acertar.
Não tem como!
Já perdi!

Nem sempre se tem o perdão,


como e quando se quer.
Depois que se fez e
falou o que se quis.

75
metamorfose

O olhar embaçado
enquadrado pela janela
a chuva caindo
do céu cinza e escuro
demonstrando a tristeza do mundo.

Ruídos que embaralham


misturam-se com o sonho
enganam e nos fazem achar
que são dos nossos amores se aproximando.

Visões turvas que nos levam


à semelhança da realidade,
vemos o que não temos que ver
imaginamos o que não devemos sentir.

A dor lateja
pois nunca podemos fazer
a dor virar afinal amor.

76
olhos

Olhos normais que parecem querer descobrir


algo valioso onde ninguém viu.

Olhos que vêem de um jeito


olham do jeito de menino
olham com fome de lobo
olham desejando como homem.

Olhos que sorriem e brilham quando não podem.


São olhos que gostam do sabor do proibido
mas logo lembram do gosto da distância e da rotina.

Olhos que se cerram para tudo isso


olhos que se perdem, se ofuscam.

Saudade de deixar o olhar curioso e livre


saudade de cruzar com esse olhar
que fazia o coração pulsar e o corpo queimar.

Mistérios são necessários


segredos são direitos de todos nós.
Sonhar é preciso, viver é obrigatório.

77
Título Ebulições
Autora Cristiana Passinato
Supervisão Plínio Martins Filho
Diagramação Josiane Camacho Laurentino
Produção editorial Josiane Camacho Laurentino
Capa Vanessa Sayuri Sawada
Ilustração da capa Vanessa Sayuri Sawada
Revisão de texto Josiane Camacho Laurentino
Formato 14 x 20 cm
Tipologia Sylfaen 11/15
Palatino Linotype 18/21
Papel Pólen Bold 90 g/m² (miolo)
Cartão Supremo 250 g/m² (capa)
Número de páginas 80
Tiragem 500 exemplares
Impressão Prol Editora Gráfica

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