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A Utilidade da Arte Mas, com licena - diro os senhores - em que se funda; que razo concreta a sua para dizer

que a arte nunca pode ser contempornea e no corresponde realidade quotidiana? Respondemos: Em primeiro lugar, se tomarmos em conjunto todos os factos histricos, principiando no comeo do Mundo e acabando nos nossos dias, veremos que a arte esteve sempre com o homem; respondeu sempre aos seus anseios e ao seu ideal; ajudouo a procurar este ltimo... foi co-natural com ele, evolucionou em unssono com a sua vida histrica e morreu tambm ao mesmo tempo que a sua vida histrica. Em segundo lugar (e isto o importante), o gnio criador, base de toda a arte, vive no homem como manifestao de uma parte do seu organismo, mas vive inseparvel do homem. De onde se conclui que o gnio criador no pode tender para outros fins que no sejam os que visa o prprio homem. Se seguisse outro caminho, quereria dizer que se separara dele. E, por conseguinte, teria infrigido as leis da natureza. Mas o homem enquanto so no viola as leis da Natureza (de maneira geral). De onde se conclui que no h nada a temer no que diz respeito arte: esta no atraioar a sua misso. Viver sempre na vida real e presente do homem; no pode fazer outra coisa. Por conseguinte, sempre se manter fiel realidade. Claro, o homem sempre pode, no decurso da sua vida, afastar-se da realidade normal, infringir as leis da natureza: ento a arte, arrastada atrs dele, tambm se afastar. Mas isto s prova a sua ntima, inquebrantvel unio com o homem, a sua eterna fidelidade ao homem e aos seus interesses. Mas voltamos a repetir que a arte s ser fiel ao homem enquanto no servir de obstculo ao seu desenvolvimento. Assim, o primeiro dever, neste ponto, de no coibir a arte seja com o que for capaz de a entravar ou de a afastar para fins diversos, no ditar-lhe leis que, mesmo sem isso, j no so poucos os escolhos com que ela tropea no caminho. No lhe faltam sedues e aberraes inerentes vida histrica do homem. Quanto mais livremente se desenvolver tanto mais normalmente actuar e tanto mais depressa encontrar o seu caminho quotidiano e til. E sendo os seus interesses e os seus fins idnticos ao do homem, a que serve e de quem inseparvel, quanto mais livre for o seu desenvolvimento tanto maior utilidade trar aos mortais.

Fiodor Dostoievski, in 'Dirio de um Escritor

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