Você está na página 1de 2

Elegia 1938

Trabalhas sem alegria para um mundo caduco, onde as formas e as aes no encerram nenhum exemplo. Praticas laboriosamente os gestos universais, sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual. Heris enchem os parques da cidade em que te arrastas, e preconizam a virtude, a renncia, o sangue-frio, a concepo. noite, se neblina, abrem guarda-chuvas de bronze ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas. Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer. Mas o terrvel despertar prova a existncia da Grande Mquina e te repe, pequenino, em face de indecifrveis palmeiras. Caminhas entre mortos e com eles conversas sobre coisas do tempo futuro e negcios do esprito. A literatura estragou tuas melhores horas de amor. Ao telefone perdeste muito, muitssimo tempo de semear. Corao orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota e adiar para outro sculo a felicidade coletiva. Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuio porque no podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan.

Mulher mais adorada! Agora que no ests, deixa que rompa o meu peito em soluos Te enrustiste em minha vida, e cada hora que passa mais por que te amar a hora derrama o seu leo de amor em mim, amada. E sabes de uma coisa? Cada vez que o sofrimento vem, essa vontade de estar perto, se longe ou estar mais perto se perto Que que eu sei? Este sentir-se fraco, o peito extravasado o mel correndo, essa incapacidade de me sentir mais eu, Orfeu; Tudo isso que bem capaz de confundir o esprito de um homem. Nada disso tem importncia Quando tu chegas com essa charla antiga, esse contentamento, esse corpo

E me dizes essas coisas que me do essa fora, esse orgulho de rei. Ah, minha Eurdice Meu verso, meu silncio, minha msica. Nunca fujas de mim. Sem ti, sou nada. Sou coisa sem razo, jogada, sou pedra rolada. Orfeu menos Eurdice: coisa incompreensvel! A existncia sem ti como olhar para um relgio S com o ponteiro dos minutos. Tu s a hora, s o que d sentido E direo ao tempo, minha amiga mais querida! Qual me, qual pai, qual nada! A beleza da vida s tu, amada Milhes amada! Ah! Criatura! Quem poderia pensar que Orfeu, Orfeu cujo violo a vida da cidade E cuja fala, como o vento flor Despetala as mulheres que ele, Orfeu, Ficasse assim rendido aos teus encantos? Mulata, pele escura, dente branco Vai teu caminho que eu vou te seguindo no pensamento e aqui me deixo rente quando voltares, pela lua cheia Para os braos sem fim do teu amigo Vai tua vida, pssaro contente Vai tua vida que estarei contigo.

Você também pode gostar