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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizacáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTAQÁO
DA EDIQÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenca católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortaleza
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abencoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.

A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga


depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
^r

257

Em face do niilismo, só o Cristo

"Eu faco novas todas as coisas"

"Hipóteses sobre Jesús"

"Muitas moradas na casa do Pai"

I Calcas comprídas para as muiheres

Inocua, a vasectomia?

O caso Dmitri Dudko

Ano XXII - julho-agosto - 1981


PERGUNTE E RESPONDEREMOS Ano XXII -julho-agosto- 1981 -
Publ¡cacao bimestral N9 257

SUMARIO
Diretor-Redator Responsável:
ACONTECIMENTO INESOUECÍVEL ... 225
D. Estevao Bettencourt OSB
Man uma voz da Rbssia Soviética:
Diretor-Administrador: •FRENTE AO NOSSO NIILISMO.
NAO HÁ OUTRA ALTERNATIVA
D. Hildebrando P. Martins OSB
SENAO Q CRISTO" 226

Livro em ditcusiio:
Administragáo e distribuicáo: "EU FAQO NOVAS TODAS AS COISAS"
pelo Centre Saint •Ocunintque . . 237
Edicoes Lumen Christi
Dom Gerardo, 40 • 59and., sala 501 Um livro corajoso:
Cx. postal 2666 "HIPÓTESES SOBRE JESÚS"
por Vitioiio Messori 248
Tel.: (021 (291-7122
20000 Rio de Janeiro RJ Um versículo questionado:
". . . MUITAS MORADAS NA CASA DO PAI"
(Jo 14, 2) 266
Pagamento em cheque
Será antibíblica
ou vale postal ao:
A MODA FEMININA DAS CALQAS
Mosteiro de Sao Bento COMPRIDAS? 271

do Rio de Janeiro
Em vitta do planejamanto familiar:
Caí xa postal 2666 INOCUA, A VASECTOMIA? 274
20000 Rio de Janeiro RJ
Aínda a retpeito de ettranho episodio:
A EXPLICACAO DO CASO DUDKO .... 277
ASSINATURA ANUAL
LIVROS EM ESTANTE 288
1981-1982

Até 31 dejulho: Cr$ 500,00


Após 19de agosto: Cr$ 800,00
TEMARIO DO PRÓXIMO NÚMERO

Esgotados os meses de Janeiro, 258 — setembro-outubro - 1981


fevereiro, marco-abril de 1981.
A assinatura cometa
no mes da inscricáo. Análise marxista e Cristianismo
Renove-a o iríais cedo possível. A Igrejá e a Maconaria
Ensino religioso aconfessional ?
Sentido do casamento civil
COMUNIQUE-NOS QUALQUER O segredo de Fátima
MUDANZA DE ENDEREQO
Fenómenos mediúnicos em foco
Cinqüentenário da familia Paulina no Brasil
Composicao e imprestSo:

Marques-Saraiva
Santos Rodrigues, 240
Cnrr> anrnuartao eclesiástica
ACONTECIMENTO INESQUECÍYEL
Ainda que tardíamente, nao poderíamos deixar de tecer
breve comentario sobre o atentado a S. Santidade o Papa
Joáo Paulo II em 13/05/81.
Através da profunda dor que atingiu todos os homens
de boa vontade, o observador descobre motivos de recon
forto: o Papa tombou em pleno exercício de sua missáo, dando
um testemunho grandioso de coragem e coeréncia. Os homens
generosos de antemáo podem contar com tal sorte: seráo
vítimas da fidelidade á sua tarefa; dizia o próprio Senhor
Jesús: «O discípulo nao é maior. do que o mestre, nem o
servo maior do que o seu senhor. Basta que o discípulo se
torne como o mestre, e o servo como o seu senhor... Se
eles perseguiram a Mim, também a vos perseguiráo» (Mt
10,24s ; Jo 13,16 ; 15,20).
Precisamente um dos predicados que mais faltam ao
mundo contemporáneo, é a coeréncia; nao sao muitos os que
tém a coragem de ir até as últimas conseqüéncias das suas
premissas; numerosos sao aqueles que procuram adaptar-se
e acomodar-se, desde que a caminhada encetada se torne exi
gente. Ora Joáo Paulo II é a figura que no mundo de hoje
proclama urna mensagem extremamente coerente com o Evan-
gelho e, por isso, desagrada a certos tipos de ouvintes; mas
também é a pessoa que, por seu destemor incondicíonalmente
posto a servico de Cristo, se impóe ao respeito e a estima de
todos os homens de bem.
Entre os ecos dos acontecimentos de 13/05 pp. na praga
Sao Pedro, há, sim, algo que suscita outro tipo de dor, a
saber: a evocagáo de «profecías», como se tais eventos hou-
vessem sido preditos por Nostradamus e S. Malaquias...
Quem lé os noticiarios referentes ao cumprimento de tais
«profecías», concebe espontáneamente algumas perguntas:
entre os cronistas que redigiram essas noticias, quantos to-
maram contato direto com os textos de Nostradamus e «S.
Malaquias»? Conhecem tais textos? E, caso os conhegam,
cuidaran! de investigar a origem de tais «profecías» e o grau
de autoridade que lhes toca? Nao estariam, antes, cedendo á
onda de sensacionalismo que a imprensa muitas vezes ali
menta, porque é isto que lhe garante penetragáo no grande
público ?
Tais noticiarios, sensacionalistas e infundados como sao,
levaráo os fiéis católicos a mais aprofundado estudo da sua
fé para que possam discernir o que esta realmente ensina e
o que falsamente se lhe atribuí.
E. B.
— 225 —
PEROUHTE E RESPONDEREMOS»
Ano XXII — N« 257 — Julho-agosto de 1981

Mais urna voz da Rússia soviética:

"frente ao nosso niilismo,


nao há outra alternativa senáo o cristo"
Em sínlese: Tatiana Goritcheva é urna estudiosa russa que aos 33
anos de Idade foi expulsa da sua patria, por se ter feito crista e nio
compartilhar a ideología materialista soviética. Filósofa e feminista, Ta
tiana relata o seu itinerario do marxismo para o Cristianismo e enfatiza
a mensagem crista como única resposta cabal para os anseios do povo
russo, que se vé desiludldo das promessas marxistas. A estudiosa julga
que o orgulho é o obstáculo número um a que um intelectual reconheca
es verdades da fé e faz votos para que os seus compatriotas cristáos se
dediquem a multártela mais decidida dentro da nacáo russa, a fim de
n§o permitir a ingerencia do Estado nos assuntos da tgreja Ortodoxa.

Comentario: Tatiana Goritcheva, de 34 anos de idade


foi expulsa da Rússia Soviética em julho de 1980. Era urna
das animadoras da renovagáo crista e do movimento feminista
em Leningrad. No estrangeiro concedeu duas entrevistas nota-
veis: urna, publicada em Glauben in der zweiten Weltí (Zürich,
Suiga), e a outra em Religia i Ateizm V SSSR (Konigstein,
República Federal da Alemanha). Urna síntese desses dois
depoimentos foi editada pelo boletim SOP (Ssrvioc Orthodoxe
da Presas et Information) em seu n» 54, Janeiro de 1981,
pp. 14-20a. A Sra. Tatiana Goritcheva oferece alguns qua-
dros do surto religioso por que passa atualmente a Uniáo So-
viética; daí o interesse em transmitir ao público brasileiro as
suas informacóes.

1 Fé no Segundo Mundo.
* O boletim é da responsabilidade do Comité interepisconal orto
doxo, com sede em París. (N.d.t.b.)

— 226 —
CRISTIANISMO NA U.R.S.S.

I. A ENTREVISTA

Repórter (R.): «A Sra. é conhecida como crista ortodoxa


russa e como feminista. Pode-nos dizer alguma coisa a respeito de
si mesma?>

Tatiana Goritcheva (T. GJ: «Nasci em 1947. Meus genitores


sao ateus; por uto nao recebi educacáo religiosa. Meu pai é enge-
nheiro. Terminados os estudos colegiáis, estudei a técnica da radio-
comunicacao e a lín.gua alema num Liceu Técnico. A seguir, dedi-
quei-me á Filosofía alema na Universidade. Interessei-me especial
mente por Heidegger; escrevi-lhe algumas cartas. Certa vez cheguei
a receber dele urna resposta. Em 1973 terminei meus estudos na
Universidade e conseguí um emprego como professora de Filosofía.
Ao fim de dois meses era claro que eu nao me comporrava como
os outros professores de Filosofía. Meus alunos ouviam falar de
Kant e de Kierkegaard mais do que de marxismo-leninismo. Após
algumas advertencias, fui despedida. Nao uve dificuldade para
conseguir novo emprego, desta vez no Museu Russo. Mas eu já tinha
chamado a aten cao do KGB 1 para mim. Este ¡nterveio em minha
vida e cuidou de que, pouco tempo depois, eu fosse novamente exo
nerada. A partir daquele momento só me foi dado efetuar tarefas
simples. Assim durante um bom periodo de tempo trabalhei como
vigia de elevadores.

Em 1975 casei-me com o poeta Víctor Krivouline. Em nosso


apartamento, á Rúa Kourlíansfcaia 21/37, Leníngrad, comecamos um
Seminario filosófico e religioso. Pouco depois demos a lume urna
revista intitulada 37 de acordó com o número do nosso aparta
mento. Essa revista existe ainda hoje.

Em 1979 Tatiana Mamonova, Nathalia Malachovskaia e eu


fundamos a revista Mulheres e Rússia. Um ano mais tarde criamos
urna associacao e urna revista feminina chamada María. Esta é urna
revista ecuménica. A presidente atual é batista, as outras colabo
radoras sao ortodoxas.

Urna semana antes dos Jogos Olímpicos, o KGB nos deu a


escolher entre emigrar ou ir para o cárcere. Estovamos decididos
a escolher a prisáo. Mas, visto que as autoridades comecaram a
ameacar nossos genitores e a fazer pressao sobre eles, nao nos
restou senao emigrar. Aos 20 de julho um aviao especial nos levou
para Viena».

Policía soviética. (N.d.t.b.)

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4 tPERGUNTE E RESPONDEREMOS> 257/1981

R.: «O seu Seminario de Leningrad se caracteriza por um espi


rito ecuménico. Numerosos artistas e escritores se Ihe agregaran).
Como aconteceu isso?»

T. G.: «O assunto é muito interessante. Até ateus e agnósti


cos parridpam do Seminario. Entre 60 e 70 pescoas comparecen)
a cada sessáo. E, como se compreende, sem publicidade oficial!
Apenas damos a noticia ñas revistas samizdat1. Somente em Lenin
grad há atualmente dez revistas samizdat, a metade das quais tem
caráter religioso, ¡sto é, ortodoxo 2.

O nome oficial de 37 é Revista de cultura ortodoxa. Mas ¡sto


nao é somente um nome. Em Leningrad vive um sacerdote que acom-
panha o grupo inteiro. Confessamo-nos a ele; inspira tño grande
respeito que se torna até difícil pecar; a revista María foi lancada
com a sua béncao».

R.: «Voltando a falar da Sra. mesma, poderia dizer-nos qual


foi o seu itinerario espiritual? Que é que a levou a crer em Deus?»

T. G.: «No que diz respeito a mim e a numerosos amigos, meu


itinerario para Deus passou por metamorfoses e provacoes espiri-
tuais muito inesperadas e muito diversas. Para comecar, aos 17/18
anos fui responsável de Komsomol (Juventude Comunista) — o que
quer dizer que, em certa medida, eu acreditava no marxismo. A
seguir, apaixonei-me pelo existencialismo; muito estudei Heidegger,
Sartre, Camus e, essa paixao, eu a compartilhei com numerosos cole
gas, também eles intelectuais. Isto se deu nos anos de óO, quando
a inlelligentzia soviética descobriu ter sua subsisten da própria e se
voltou para o existencialismo ocidental a fim de tomar consciéncia
de si mesma. Depois desta experiencia, passet pela Yoga e, com a
idade de 25/26 anos, tornei-me crista.

Naturalmente, ao tancar um olhar retrospectivo, observe! que


o meu itinerario para Deus — tudo o que eu fazia — era normal
e que isso tudo se cumpria com a grata de Deus. A filosofía do
existencialismo levou-me a compreender algumas verdades referen
tes ao sentido do homem como tal e ao seu valor absoluto, mas tño
somente no Cristianismo estas verdades nos sao propostas da ma
nara mais auténtica; foi, alias, no Cristianismo que o sentido do

1 Samlzdat é toda publicacSo clandestina na U.R.S.S. (N.d.t.b.).


2 Como se sabe, ortodoxo (= concordé com a reta doutrlna) é o
titulo que tomam os crlstSos na Rússla. Estáo separados da Igreja Uni
versal, entregue por Cristo a Pedro e seus sucessores, desde o século XI,
em conseqüencia do cisma proclamado por Blzanclo em 1054. (N.d.t.b.)

— 228 —
CRISTIANISMO NA U.R.S.S.

valor absoluto do homem aflorou pela primeira vez. A seguir, de


modo geral, a filosofía mesma, as questoes concernentes á verdade
— «Tu amas a verdade no fundo dos coracóes», como dizemos no
salmo 50 —, a procura de urna verdade absoluta, que nao dependa
de algum criterio relativo... Sempre me tive na conta de filósofa;
foi isto o essencial da minha vida. Tal procura nao podia terminar
com um resultado intermediario; ela devia levar-me ao Absoluto.

Este Absoluto tomou, através da Yoga, um colorido religioso;


aínda nao estava plenamente maduro e ainda nao tinha condicoes
de satisiazer á alma de um russo e á de um intelectual contempo
ráneo, pois a Yoga é simplesmente um caminho; é a procura de um
Deus anónimo, ao passo que a alma tem evidentemente sede de urna
comunhao pessoal com Deus; e essa comunhao pessoal com Deus
foi-me concedida pela primeira vez quando eu tinha aproximada
mente 25 anos; eu praticava a Yoga e, de repente, de modo total
mente imprevisto, pus-me a recitar o Pai-Nosso cinco ou seis vezes
consecutivas. E eis que súbitamente o Deus pessoal se revelou a mirnx>.

R.: «Quais os aspectos da Igreja ortodoxa russa que a atrai-


ram particularmente no seu itinerario espiritual?»

T. G.: «Tornei-me crista ortodoxa muito lentamente, porque,


quando descobri o Deus dos cristáos, eu ainda nao sabia quem eu
haveria de ser. Eu absolutamente nao compreendia o que era urna
reli,g¡ao, pois ninguém ¡amáis me fizera entrar numa igreja e eu nao
recebera ¡nstrucáo religiosa alguma. Eu nao sabía absolutamente
nada. Mas aos poucos descobri a Igreja, a Igreja Ortodoxa, por
que na Rússia é a maís importante. Está ligada á tradícáo russa e,
de modo geral, ao espirito russo. Eis por que me dirigí para lá, e
em breve nela encontrei o meu lugar.

Eslou profundamente impressionada pela Liturgia e pela beleza


da celebracáo ortodoxa. A medida que eu ia descobríndo a Litur
gia, eu nao quería sair da igreja após os Oficios; parecia-me que
deíxava o paraíso para recair no inferno. Fui arrebatada por isto
tudo, nao pela estética apenas; isto tudo me penetrava profunda
mente, por assim dizer, ao nivel do próprio ser e nao a nivel super
ficial».

R.r «Mas havia também aspectos que a afastavam e que tor-


navam, por assim dizer, mais difícil a sua ¡dentificacáo com a Igreja
Ortodoxa?»

T. G.: «O que me atraía também na Ortodoxia, era a ascese


e a mística; foi por causa disto que me pus a freqüentar os mos-
teiros. O que me afastava, nao eram talvez as fainas da Igreja e

— 229 —
6 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 257/1981

da Ortodoxia, mas os meus próprios defeitos, os defeitos de seres


humanos que nao conseguem descobrir a Ortodoxia.

Por exemplo, há muitos intelectuais entre nos que, quando se


voltam para a fé, abandonam totalmente o 'mundo*. Está muito
bem, mas comeeam a criticar ludo o que acontece no mundo, todos
os nossos ¡nteresses no setor da cultura e da educacao. Temos ai
urna especie de 'maniqueísmo' ortodoxo, que faz que os cristáos ¡á
nao sejam a luz do mundo, mas, ao contrario, a maldicáo do mundo.
Eis o que compre me espanta muito na Ortodoxia: vejo-a como que
assentada numa poltrona confortável, a fugir dos problemas do
mundo. Desta forma assemelhamo-nos as velhinhas das nossas igre-
jas que estáo totalmente ao largo da vida, aposentadas, e nao se
Íntere:sam pelos problemas do mundo».

R.: «Em que sentido julga que se deve orientar hoje a teología
ortodoxa russa?»

T. G.: «Creio que na Ortodoxia temos poucas obras realmente


serias que sejam válidas para a nosra época. Houve, sem dúvida,
na década de 20, notável renovacao da teología e do pensamenio
filosófico e religioso; caminhávamos para urna dogmática estrita e
para nocóes rigorosas. Agora nem sequer temos catecismo; quase
nada temos. Nao temos apologética, nem antrolo.gia ortodoxa,
nem exegese, de modo que preciamos de criar isto tudo. Mas, nao
obstante, pensó que temos o essencial: um coracáo contrito, a peni
tencia e também a graca do Espirito Santo. A Igreja vive precisa
mente disto».

R.: «Em que medida pode-se dizer que o seu itinerario para
Deus é típico para um intelectual soviético de nossos días?»

T. G.: «Julgo que é itinerario muito típico, porque, dentre os


meus amigos, poetas, pintores, filósofos, que vivem em Leningrad ou
ém Moscou, a maioria descobriu a Deus em idade adulta; isto é
muito característico. Em segundo lugar, descobriram a Deus após ter
passado por um niilismo total e a negacao de todos e quaisquer
valores. Em terceiro lugar, coisa típica, todos es:es néo-convertidos
sao pessoas marcadamente livres, que chegaram até Deus nao por
ter sido formadas regundo esquemas tradicionais, nao porque seus
genitores Ihes tenham transmitido algo, mas, muito ao contrario, por-
que renegaram o passado, renegaran) a tradicao dos genitores ateus,
e desembocaran) na Hberdade absoluta. Mas, para poder assumir
essa liberdade absoluta, foi-lhes necessária urna obediencia absoluta».

— 230 —
CRISTIANISMO NA U.R.S.S.

R.: «Quais os principáis obstáculos que hoje em dio um inte-


leclual soviético encontró no caminho da fé?»

T. G.: «Há obstáculos numerosos, e todos de grande enverga


dura! Mas o principal é que quase todos descubrimos a Deus em
idade adulta e estamos acostumados á vía larga; ora a Igreja é a
via e:treíta e, para entrar na Igreja, é preciso, sem dúvida, passar
pela Cruz e, muitas vezes, isto nao é fácil. Tanto mais que somos
'recheados' no sentido mais denso da palavra. Somos ricos da noisa
ciencia, da nossa experiencia, dos nossos talentos, isto é — falo
aquí dos intelectuais —, somos ricos de muitas coiras que geram em
nos um incrível sentimento de orgulho; e o orgulho é o inimigo
número um em nosso itinerario para Deus. £ por isto que temos de
fazer algo com essa riqueza; temos que tentar transformá-la; temos
que saber renunciar a ela — o que nao é simples. Faz-se mister
verdadeiro combate interior.

Deste primeiro defeito decorrem todos os outros. A nossa inca-


pacidade de nos entregarmos a Deus através de todos os aconteci-
mentos cotidianos, ou mesmo simplesmente a nossa incapaddade de
assistir regularmente aos Oficios... Na verdade, todas essas pes-
soas dotadas, todos esses intelectuais se acostumaram a viver como
entendem, requndo o seu bel-prazer; é-lhes muito difícil renunciar a
vontade própria e submeté-la a lqre¡a; tanto mais que há muito
poucos sacerdotes que possam assumir os interesses espírituais da
¡uventude».

R.: «Como se manifesta atualmente o surto religioso na URSS?»


T. 6.: «Apenas posso dizer-lhe que continua, é isto um sinal
que nos enche de alegría e que suscita esperanto. Os Oficios sao
cada vez mais freqüentes; as igrejas estao cheias. Todos os que
constituem a intelligentzia receberam o batismo nos dois ou tres úHi-
mos anos. Por exemplo, em 1975, quando comegamos a publicar 37,
apenas Víctor Krivouline e eu éramos batizados. Agora todos os
membros da redacdo o sao. Mais: estes cristáos nao reconhecem
somente a religiao; aderem também á Igreja. Val crescendo o número
de batizados. Numa pequeña igreja dos suburbios de Leningrad,
por exemplo, sao batizadas atualmente anquento pessoas por día
(sic!). E só consideramos os batizados oficiáis e registrados; nao
levamos em conta os outros. Até mesmo funcionarios da Justica e
seus familiares comecam a pedir o Batismo. Esras pessoas se véem
todos os días diante da decadencia moral e da criminalidade cres-
cente; por isto estáo convictas de que a sociedade soviética nao pode
por termo a este processo. O único socorro que esperamos, é o da
Igreja. Procuram-na, mesmo em segredo. No interior do país tam-

— 231 —
8 cPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 2S7/1981

bém algo mudou. Os cristaos freqüentam sempre os Oficios, nao


porém, como outrora, quando o faziam rotineiramente; agora fa-
zem-no por fé pessoal.

Há cerca de dez anos na igreja só tínhamos velhinhas ou a


élite intelectual. Todo o resto da populacao ficava nos botequins
a beber ou diante da televisao. A9ora> na medida em que a com-
preendo, a situacáo mudou totalmente. Tem-se a impressño de que
todas as pessoas procuram reencontrar-se. Frente ao nülismo, frente
á paralisia espiritual que invadiu a nossa sociedade, nao temos outra
alternativa senáo o Cristianismo (...).

Nao se trata de imitar a moda da intelligentzia. Ñas aldeias,


por exemplo, nao há intelectuais, nem dissidentes, nem revistas; nada
há. Por conseguinte, nao pode haver moda. Nao obstante, sacer
dotes do interior disseram-me, antes da minha partida, que, quando
os camponeses levavam os filhos ao Batismo (sempre se batizaram
enancas), havia outrora zombaria; agora, porém, por ocasiao do
batizado proclaman) abertamente a sua fé e o sacerdote já nao tem
medo de Ihes perguntar: 'Credes em Déos?' Todos respondem en rao
coro ufanía: 'Sim, creio nele*. Parece-me que a gente do povo agora
comeca a prestar atencáo <ao culto divino, e isto é muito importante,
porque o culto sempre teve grande importancia entre nos.

Ainda nao faz muito tempo, os cristaos mandavam balizar e


pediam enterro religioso, como que por tradicao. Estavam quose
numa etapa de paganismo. Agora, porém, tudo parece esclarecer-se
no intimo de cada um».

R.: «Qual a posicao da Igreja diante dessa evolucáo?»

T. G.: «Sei que a Igreja é muito crítica entre nos e no Ocidente.


Mas devo dizer que estamos em excelentes relacSes com os nossos
sacerdotes. Muito nos podem ajudar mediante os seus conselhos e
as suas oracoes. Nao consideramos a Igreja como urna organizacáo
no sentido comum da palavra, mas, sim, como o corpo de Cristo.
Rezamos pelo Patriarca e pelos bispos: esta oracáo é, para nos,
muito importante. Nao temos contato pessoal com o Patriarca e os
bispos, e nao queremos que sofram dificuldades por causa de nos.
O contato com os sacerdotes é mais do que suficiente. Nao sabe
mos o que feriamos a dizer ao Patriarca e aos bispos. A situacáo é
terrivetmente complicada e temos os nossos problemas próprios. Além
disto, sabemos que, enquanto leigos, gozamos de maior iiberdade
do que a hierarquia eclesiástica».

R.: cQue significa a Igreja para a populacao soviética?!

— 232 —
CRISTIANISMO NA U.R.S.S.

T. G.: «O simples cidadao manda batizar seos filhos. £ a


minha experiencia pessoal. Pede as pessoas que ele conhece e que
sao cristas, livros de oracao, Evangelhos « simplesmerrte... oracóes.
As peregrinacoes aos mosteíros sao também mais freqüentes. Nao
sámente as velhinhas e a intelligentzia visitam os mosteiros, mas tam
bém pessoas da classe media urbana. Essa pertenca á igreja, pode-
ríamos qualificá-la como moda, nao, porém, no sentido negativo da
palavra. Na literatura e também ñas obras de erudicao, percebe-se
muitas vezes que o autor é cristáo; por veres sua fé chega a trans
parecer multo claramente».

R.: «A Sra. mencionou maior procura dos mosteiros. Existe lá


oportunidad^ de falar com um pai espirituat ou até com um starets *?»

T. G.: «Sim, muitos cristáos procuram os mosteiros, principal


mente o de Petchora, perto de Pekov. Podem ter que esperar me-es
para poder marcar urna entrevista com startsi como o abade Joco
ou o abade Adriano. Apesar da presenca do higúmeno2 Gabriel,
que nao está interessado por urna renovacao da Igreja, muitos cris-
táos se reúnem em Petchora. A policio controla freq Dentemente os
documentos dos visitantes para intimidá-los. Todavía sem resultado.

Os outros mosteiros dáo a mesma impressáo. A última vez que


fui a Zagorsk, um paralítico que venerara as reliquias de Sao Sergio,
acabava de ser curado da sua doenea. Perto de Riga encontra-se a
ermida da Transfiguracao do Senhor. O abade Taurion, que morreu
no veráo de 1979, era para muitos um pai espiritual. A¡udou muitos
¡oyens. Posso dizer a mesma coisa a respeito de outros mosteiros,
como, por exemplo, Potchaev e Pouchtitza.

Infelizmente os mosteiros quase nao acolhem novos itionges.


Diz-se que é mais fácil entrar no Comité Central do Partido Comu
nista da U.R.S.S. do que numa comunidade monástica. Disto resulta
o crue se chama 'os votos secretos', urna prática que se vai propa
gando largamente. Muitos bíseos dao secretamente a consaqracáo
monástica ás pessoas que deseiam tornar-se monges, mas nao podem
entrar no mosteiro. Tais pe'soas confínuam a trabalhar no mundo,
mas sao monges ou monjas. Isto se chama 'ser monge no mundo' »...

R.: «Como a Sra. explica a atuat onda de encarceramentos?»


T. G.: «Tres fatores exercem aquí a sua funcao: há, da parte
do Governo, urna tentativa de cortar o contato entre os dissidentes

i O etarels é um pai espiritual experimentado, multo caro aos mon


ges e aos fiéis russos. (N.d.t.b.)
* Higúmeno é vocábulo grego que designa o Superior ou o Diri
gente de urna comunidade. (N.d.t.b.)
oj<»! «.**.•»--••»--:•! •...'• •■ rv i ■•**-■-.■'■■'■/i.rwrv"*-£&?*

— 233 —
10 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 257/1981

e o Ocidénte. Há também ó desejo de desestimular eventuais conti


nuadores dos dissidentes. Há, por fim, a esperanza de poder exter
minar todo movimento disidente. £ importante que o contato com
o Ocidénte seja mantido.»

R.: «Que ¡ulga da lgre¡a aqui no Ocidénte? Qual a sua pri-


meira impressáo?»

T. G.: «Encontrei muito interesse pela Igreja Ortodoxa. Em


varias comunidades fazem-se oracSes pelos ortodoxos oprimidos. Isto
me comoveu profundamente. Todavia devo confessar que o que dizem
as comunidades eclesiais na televi:áo ou na imprensa me decepciona
muitas vezes... Mais: eu desejaria dizer que varios dos vocábulos
que nos estimamos nao sao absolutamente considerados aqui. Pala-
vras como obediencia, piedade, caslidade já nao sao levadas a serio;
na melhor das hipóte:es sao entendidas irónicamente. Entre nos a
linguagem nao foi secularizada como aquí. Conhecemos e utilizamos
tais palavras. Os comunistas nao as empregam e nos Ihes devemos
ser gratos por isto».

R.: «Quais os seus planos aqui no Ocidente?»

T. G.: «Meu pai espiritual encarregou-me de estudar a teo-


logic numa Universidade Católica. Na U.R.S.S. nao há mulher que
tenha formacao teológica. Espero também poder contribuir para o
contato espiritual entre os ortodoxos e a Igreja Católica. Ademáis
nao há «ntre nos catecismo algum. Eu quisera ocupar-me com isto».

R.: «Na imprensa a Sra. foi muitas vezes t¡da como feminista
e filósofa religiosa. Se o segundo predicado parece exato, que diz
a Srq. do primeiro?»

T. G.: «Agora todos os movimentos femininos sao compreendi-


dos sob o título de feminismo. Nao o posso impedir. Mas há dife-
rencas entre as nossas conceptees e as das feministas de nostos
dias: somos contrarías ao abortamento, mas as feministas sao quose
sempre favoráveis. Somos favoráveis á Igreja, ao passo que a maio-
ria das feministas deixou' a Igreja. Todavia há lambém paralelos.
Somos todas contra a .estrutura patriarcal. Entre nos as mulheres
muito sofrem por causa da conduta grosseira dos homens. As mu
lheres tém a responsabilidade da familia. Os homens estño muitas
vezes embriagados; nada mais podem fazer. As mulheres geram e
nutrem seus filhos; elas nao se suicidam porque sao responsávei:
por seus filhos. Desejamos mostrar a toda a sociedade a ¡magem da
mulher como um espelho, na esperanca de que a sociedade tire pro-
veito do maís alto nivel moral que as mulheres possuem.

— 234 —
CRISTIANISMO NA U.R.S.S. 11

As mulheres sao atualmente a forca motriz da sodedade sovié


tica. Quase todos os homens dignos de respeito foram encarcerados.
Geralmente sao mulheres anónimas e desconhecidas que ajudam a
Igreja pela sua firmeza. Há, por exemplo, mulheres que, na .quali-
dade de zeladoras da ¡greja ou responsáveis leigas da paróquia,
impediram o fechamento da sua ¡greja, recusando-se a entregar as
chaves. Outras obtiveram o mesmo efeito, atirando-se por térra
diante das portas da i.greja. Atualmente todos os sacerdotes orto
doxos na U.R.S.S. sao 'feministas'. Elogiam as mulheres nos seus
sermoes e as comparam áquelas que foram embalsamar o corpo de
Cristo antes de ser sepultado.

Creio que o mal absoluto em nosso país será ulírapassado pelo


bem absoluto do Cristianismo. E nos, as mulheres, desempenhamos
um grande papel».

II. REFLETINDO...

O testemunho de Tatiana Goritcheva é altamente interes-


sante. Sugere duas reflexóes principáis:

1) O ser humano é naturalmente voltado para Deus e


os valores transcendentais. Qualquer tentativa de contradizer
a esta índole significa destruido do que há de mais típico no
homem; cedo ou tarde, é obra fracassada, pois as aspiracóes
religiosas brotam espontáneamente do íntimo do ser humano,
á revelia de todas as contradices e ameagas que o cerquem.
É o que se verifica atualmente na Rússia Soviética, onde o
senso religioso renasce apesar de todas as campanhas de
ateísmo ali empreendidas desde 1917. Foi também o que
Tatiana Goritcheva experimentou em seu itinerario espiritual
e formulou em seu depoimento: chegou a Deus nao mediante
a orientacáo de alguma escola ou por influencia dos pais ou
da sodedade, mas, antes, a despeito de quanto o ambiente Ihe"
oferecia.

Tatiana observa aínda, com acertó, que o humanismo só


se torna pleno quando iluminado pela transcendencia de Deus,
e... de Deus proposto pela Kevelagáo crista. As palavras de
Tatiana fazem eco as de S. Agostinho (t 430): «Tu nos
fizeste para Ti, Senhor, e inquieto é o nosso coragáo enquanto
nao repousa em Ti» (Oonfissóes I, 1).

A mesma estudiosa chama aínda a atengáo para o fator


«orgulho»; este seria o inimigo número um no itinerario para

— 235 —
U cPERGUNTE E RESPONDEREMOS> 257/1981

Deus. Também esta averiguado é sabia. As verdades da fé


nao sao enigmáticas; elas podem ser (e tém sido) aceitas pelos
maiores genios da humanidade, mas requerem, da parte da
criatura, a humildade, que é simplesmente a verdade. Esta
humildade, por vezes, falta; a criatura tem medo de reconhe-
cer a soberanía do Senhor e de se entregar a Deus; e, por
isto, fecha-se muitas vezes numa atitude agnóstica ou atéia,
que nao é justificada aos olhos da razáo, mas é incutida pelo
orgulho e as paixóes da criatura. É importante enfatizar esta
observaeáo de Tatiana.

2) A escritora refere-se á índole profundamente mística


dos cristáos russos. Esta vem a ser um valor e um legado
para a humanidade toda. Mais do que nunca os homens de
hoje, dilacerados por febril atividade, experimentam a neces-
sidade de recolhimento, oragáo e contato com Deus transcen
dente. Daí o apreco que o povo de Deus — nao somente na
Rússia, mas no mundo inteiro — tem pelos mosteiros, que sao,
por vocagáo, centros de ascese e mística.

Acontece, porém, que, como observa Tatiana, a tempera


mística dos cristáos russos leva-os, por vezes, a esquecer as
realidades terrestres e a vocacáo do cristáo a santificá-las por
seu trabalho assíduo. Alias, é o que se dá, em geral, com os
cristáos orientáis; a consciéncia dos santos misterios celebra
dos na Liturgia os marca profundamente e corrobora a sua
índole contemplativa. — Com razáo, a escritora desejaria que
esta tempera mística valiosa nao extinguisse, nos fiéis russos,
o interesse pela consagragáo do mundo, á qual Cristo chamou
os seus discípulos, quando disse: «Vos sois o sal da térra...
Vos sois a luz do mundo» (Mt 5,13s). É talvez a falta de mili»
táncia crista mais decidida que permite ao Estado exerca na
Rússia excessivo controle sobre os assuntos da Igreja e da
religiáo.

O depoimento de Tatiana será útil a ulteriores reflexóes


e a conclusóes concretas.

A respelto do ressurgimento religioso na Rússia Soviética ver:

PR 200/1976, pp. 327-336;

207/1977, pp. 120-124;

209/1977, pp. 187-201;

253/1981, pp. 21-28.

— 236 —
Livro em discussáo:

"eu (acó novas todas as coisas"


pelo "Centre Saint-Domlnique"

Em símese: O livro em foco propoe a escatologia (doutrina dos


acontecimentos fináis) enfatizando o caráter comunitario da mesma; além
do que assume como premissa a nova antropología que nega a dísting&o
e a separabllldade de corpo e alma. Professa, portante a ressurrelcSo
logo após a morte. Ora tal tese é faina; redunda em materialismo antro
pológico; confunde dualismo e dualidade, evo e eternidade; atribuí, Inde-
vldamente, 6 S. Escritura determinado sistema filosófico... Ademáis a
S. Congregac&o para a Doutrina da Fé se pronunciou explícitamente con
tra tal tese em data recente (17/05/79).

Em conseqüéncla, o livro nSo é o Manual de Iniciac&o Teológica


que o "Centre Salnt-Dommlque'» teve em mira oferecer ao público.

Comentario: O «Centre Saint-Dominique L'Arbresle» de


Franga publicou urna «Iniciacáo Teológica», que compreende
duas señes de fascículos: a primeira com dezoito volumes e a
segunda com quinze. A obra se destina ao grande público. A
primeira serie (única traduzida para o portugués até agora)
apresenta fascículos muito válidos, ao lado de outros, que dei-
xam interrogagóes e dúvidas legítimas na mente dos estudiosos.
Entre estes últimos está o de n« 15 intitulado «Eu fago novas
todas as coisas» l, que trata dos acontecimentos fináis ou da
escatologia (individual e coletiva). — É, pois, para este fas
cículo que nos voltaremos ñas páginas subseqüentes.

1. As grandes linhas do volume

Na sua Introducáo, os autores observam que as clássicas


concepcóes escatológicas dos cristáos se ressentem de tres
falhas:

1 TraducSo portuguesa de Ir. Isabel Fontes Leal Ferreira. Ed. Pau


linas, S&o Paulo 1980, 150 X 220 mm, 79 pp.

— 237 —
J4 gPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 257/1981

1) Interpretagáo demasiado literal das imagens bíblicas,


que levaram certos cristáos a construir «teologias-de-ficgáo»,
baseadas principalmente no simbolismo do Apocalipse. As sei-
tas modernas exploram tais imagens na esperanca de definir a
data do fim do mundo e os acontecimentos precursores deste.
— É preciso, pois, que urna exposicáo renovada da mensagera
crista evite interpretagóes bíblicas subjetivas e arbitrarias a
respeito dos últimos acontecimentos.

2) Ccrto individualismo, que leva em conta quase exclu


sivamente a sorte postuma dos individuos e esquece o aspecto
comunitario e cósmico da escatologia biblica. Nos últimos tem-
pos alguns autores ateus passaram a interessar-se pelo desa-
brochamento da historia, propondo urna esperanga seculari
zada ou sem Cristo (assim, por exemplo, Karl Marx e sua
escola), incitando os cristáos a restaurar, para o mundo de
hoje, os ensinamentos bíblicos relativos á sorte final da huma-
nidade e do universo.

3) O dualismo, que distingue corpo e alma como duas


realidades separáveis urna da outra... Este terceiro ponto 6
explanado com énfase pelos autores do livro, deixando os lei-
tores perplexos. A própria Editora Paulina, responsável pela
publicaqáo do fascículo no Brasil, quis anexar, em Apéndice ao
fascículo, o texto de urna Carta-Instrugáo da S. Congregagáo
para a Doutrina da Fé datada de 17/05/1979; este documento,
por certo, leva á revisao dos dizeres do fascículo referentes a
«corpo e alma» *.

Eis por que nos deteremos especialmente sobre este ter


ceiro ponto mencionado na Introdugáo do fascículo.

2. Corpo-alma

Os autores do livro jülgam que o pensamento teológico


ocidental foi «profundamente marcado por um dualismo tenaz,
herdado do pensamento grego e apoiado pelo cartesianismo.
O homem seria feito da mistura de dois elementos: o corpo e
a alma» (p. 22).

Segundo o filósofo grego Platáo (f 347 a.C.) o corpo é


«a prisáo da alma»; há.pois, antagonismo entre corpo (soma)
e alma (psyché). A alma é, por si, imortal, de modo que ela

' 1O documento da S. CongregacSo é posterior á redacto do texto


francés do fascículo. .

— 238 —
ESCATOLOGIA EM DISCUSSAO 15

pode subsistir independentemente do corpo. — Tal modo de


pensar terá penetrado em certós livros da Biblia e haverá
desde cedo «contaminado» a doutrina crista, a ponto de influen
ciar a própria redacáo do símbolo de fé no século HE: «Creio
na ressurreigáo da carne».

Ora, conforme os autores do fascículo, «é preciso afastar


esta antropología, que nao corresponde á concepjáo do homem
que Jesús e os Apostólos propuseram» (cf. p. 23).

E qual seria a antropología bíblica?

Segundo se le as pp. 23-27, o homem é um todo monolí


tico dotado de duas dimensóes ou dois aspectos: o corporal e
o espiritual. Por conseguinte, corpo e alma sao inseparáveis
um do outro, de tal modo que nao se pode falar de alma imor-
tal ou de alma subsistente após a morte do composto humano.

Em conseqüéncia, dizem os mestres, o homem morre todo;


«a morte póe termo á existencia humana em toda a sua exten-
sáo» (cf. p. 31). Se no homem corpo e alma nao se distin-
guem um do outro, está claro que, quando o homem morre,
a alma humana morre. Por conseguinte, a morte é o drama
integral, absoluto, que destrói a existencia do homem em sua
própria raiz (cf. p. 32).

Acontece, porém, que Deus nao deixa perdurar o zero da


existencia do homem, pois ressuscita a cada um logo depois
da morte. Esta entáo passa a ser o limiar de urna metamor-
fose para vida sem fim. «O principio vital desta metamorfose
é o Espirito Santo, o próprio sopro de Deus, que vem substi
tuir, de certa maneira, o nosso sopro puramente humano...
mortal» (p. 33).

Todavía, observam os autores, a ressurreicáo pessoal que


se dá logo ápós a morte, nao é senáo a ressurreigáo primeira,
conforme a terminología de Ap 20,1.- Existirá urna ressurrei
cáo geral e final, segundo o mesmo livro bíblico, quando a
historia chegar ao seu termo (cf. Ap 20,11-13). > • .

Nao se julgue, porém, que .a criatura, humana ressuscitará


duas vezes, como se a ressurreicáo primeira nao >. fosse defini
tiva. A ressurreicáo segunda será apenas a plena realizacáo
das possibilidades que a ressurreicio: pessoal (primeira) traz
em germen: enquanto a historia aínda vai decorrendb, nao 5
possivel ao homem ressuscitado ter um relacionamento per-
feito com os demais homens, pois muitos destes aínda vivem

— 239 —
16 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 257/1981

na térra e outros aínda nao nasceram. Somente quando esti-


ver consumada a historia da humanidade, será possivel a cada
individuo ressuscitado unir-se á totalidade da comunidade hu
mana e do cosmo; enquanto a metamorfose de toda a criagáo
nao se realiza (ressurreicáo geral ou final), o homem ressus
citado permanece numa especie de expectativa.

Quanto ao purgatorio, nao é concebido como um estado


(longe esteja a nogáo de purgatorio como local), mas como
«urna prava provocada pelo encontró com ó Amor em pessoa:
este nos póe a descoberto em nossa pobreza de amor»; dai a
experiencia de urna crise aguda, de um dilaceramento, de urna
especie de agonía purificadora. «Passando pelo crisol desse .
dilaceramento libertador — depois do qual restará somente o
ouro — é que entraremos, eretos e inteiros, na gloria de Deus»
(p. 49).

É nestes termos que o fascículo em foco apresenta a dou-


trina concernente ao homem, á morte e á ressurreigáo. Pro
curemos refletír sobre a proposta.

3. Refletindo. ..

Deter-nos-emos sobre quatro pontos importantes.

3.1. Dualismo ou dualidade?

Os autores do fascículo rejeitam a distingáo e a separabi-


lidade de corpo e alma como se tal doutrina equivalesse ao
dualismo platónico e, por conseguinte, fosse contraria á men-
sagem bíblica.

Aqui já se desvenda um equivoco.

Na verdade, o Cristianismo rejeita qualquer sistema dua


lista, que oponha entre si materia (corpo) e espirito (alma)
como se aquela fosse má (cárcere ou sepulcro) e este fosse
bom. O dualismo foi professado pelos platónicos e neoplató-
nicos, pelos gnósticos, pelos maniqueus, e aínda é o substrato
do hinduismo e do budismo... Para o cristáo, a materia é
criatura de Deus, como também o é o espirito humano; nao
se opóem entre si, mas nem por isto se identificam um com
o outro; entre oposigáo (que geralmente é designada pelo
vocábulo «dualismo») e identidade existe um meio-termo, que
é a dualidade ou a distingáo de dois seres destinados a se com
plementar mutuamente; assim homem e mulher nao estáo em

— 240 —
ESCATOLOGIA EM DISCUSSAO 17

dualismo, mas nem por isto se identificam entre si; sao cha
mados a complementar-se mima dualidade que respeita a in-
confundibilidade de cada um.

Donde se vé que, para rejeitar a doutrina de Platáo, o


cristáo nao é obrigado a abolir a distingáo de corpo e alma;
pode, sim, adotar a posigáo de Aristóteles e a de S. Tomás
de Aquino, que viam na alma humana a forma substancial1
e harmoniosa do corpo humano.

Ademáis quem nao admite a distincáo entre corpo e alma


cai no puro materialismo. O homem seria apenas materia mais
eyoluída do que a dos simios e a dos demais viventes mate-
riais. Ao contrario, quem admite a identidade própria da alma
humana, reconhece que é ¡material, espiritual e, por isto,
dotada de imortalidade própria (o espirito nao morre, porque
nao se decompóe, nao tem partes). Em conseqüéncia, a alma
humana pode subsistir sem o corpo humano. Quando este,
desgastado pela doenca ou pela idade, deixa de ser a sede
adequada da vida humana, a alma nao morre, mas sobrevive
usufruindo da sorte que tiver preparado durante a peregrina-
gáo terrestre.

Ao rejeitar esta doutrina, os autores do fascículo de certo


modo a caricaturam: na verdade, nao há teólogos que digam
que «a alma humana sai voando» (p. 23) ou que «ela perma
nece no ar» (p. 37) ou que ela é urna coisa (p. 31) ou que o
homem é urna mistura de corpo e alma (p. 22). Nem se jul-
gue que a doutrina clássica admita que «pela graga de Deus
yoemos como estilhasos» (p. 38); talvez mais próxima desta
imagem esteja a tese que afirma a total destruicao (ou o
total desaparecimento) do ser humano por ocasiáo da morte
(cf. p. 30). Nem se creia que a alma separada do corpo, antes
da ressurreiQáo dos mortos, esteja «feliz e, no entanto, de
certa maneara sofrendo» (p. 42); nao há sofrimento para os
justos que tenham morrido na graga de Deus.
É outrossim estranho ler á p. 33 do fascículo que «o Es
pirito Santo substituí, de certa maneira, nosso sopro pura
mente humano... de tal modo que... se torne verdadeira-
mente nosso, isto é, nosso sopro, o mais pessoal possível»
(cf. Rm 8,11). — Se o Apostólo em Rm 8,11 afirma que o
Espirito habita em nos, ele nao quer dizer que o Espirito se

* Esta expressfio tem sentido próprio na filosofía aristotélico-tomista;


nSo significa "tragado" ou "contomo", como a palavra "forma" sugere na
llnguagem moderna.

— 241 —
18 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 257/1981

torna elemento integrante nosso ou elemento identificado com


o nosso próprio corpo, como a alma humana seria identificada
com o corpo na perspectiva dos autores em pauta. Preser-
ve-sc a transcendencia de Deus, que, embora se dé a nos, ja
máis fará as vezes de urna criatura em nos.

A diferenca mutua e a separagáo de corpo e alma acham-se,


alias, reafirmadas na referida Carta-Instrusáo da S. Congre-
gagáo para a Doutrina da Fé datada de 17/05/1979 :
"A Igreja afirma a sobrevivencia e a subsistencia, depois da morte,
de um elemento espiritual, dotado de consciéncia e de vontade, de tal
modo que o 'eu humano' subsista. Para designar esse elemento, a Igreja
em prega a palavra 'alma', consagrada pelo uso que déla fazem a Sagrada
Escritura e a Tradicáo. Sem ignorar que este termo é tomado na Biblia
em diversos significados, Ela julga, nao obstante, que nao existe qualquer
razio seria para o rejeitar e considera mesmo ser absolutamente indis-
pensável um instrumento verbal para suster a fé dos cristáos" (n? 3).

Esta declaragáo da S. Igreja nao se explica senáo como


resposta as teses e indagagóes dos autores que rejeitam a
subsistencia própria da alma humana e a sua sobrevivencia
sem corpo após a morte do homem. Vé-se, pois, que tal recusa
é incompatível com a doutrina da Igreja; em conseqüéncia, já
nao deveria ser explanada nos livros de catequese, nos ma-
nuais de teología e na pregagáo nem a tese que nega a dis-
tinsáo e a separabilidade de corpo e alma nem a proposta da
ressurreigáo logo após a morte.

3.2. Doutrina bíblica?

A antropología do fascículo, em oposicáo a clássica (dita


«platónica»), seria de Jesús e dos Apostólos. Cf. p. 23.

Ora é muito difícil depreender dos Evangelhos a antro


pología professada por Jesús, como é impossível depreender
das epístolas paulinas a antropología professada por S. Paulo
(em oposigáo a outras modalidades de antropología). Como
quer que seja, em Mt 10,28 lé-se urna advertencia que parece
supor a distincáo entre corpo e alma:
"Nao temáis os que matam o corpo, mas nio podem matar a alma;
temel, antes, aquele que pode fazer perecer no Inferno a alma e o corpo."

No epistolario paulino ocorre a trilogía «espirito, alma e


corpo» (ITs 5,23), que certamente é de origem grega1.

i Cf. FESTUGIÉRE, A. J., L'ldéal rellgieux des grecs el l'Evangile.


Paris 1932.

— 242 —
ESCATOLOGIA EM DISCUSSÁO 19

No livro da Sabedoria, capítulos 2-5, ocorre outrossim a


concepgao de alma separada do corpo na vida postuma. Ver-
dade é que em muitos outros livros do Antigo Testamento
aparece a perspectiva antropológica dita «semita», que nao
concebe a separacáo de corpo e alma.
Por tais motivos, nao há como atribuir a S. Escritura
determinado tipo de antropología (a semita, como apregoam
mais recentes autores), em antítese a outras concepgóes, que
seriam incompatíveis com a doutrina revelada. Os autores
sagrados nao pretendem professar nem canonizar algum sis
tema filosófico em detrimento de outros. Nao se diga, pois,
que a distingáo entre corpo e alma é incompativel com a Pala-
vra de Deus; o que importa observar apenas, é que ela nao
se confunde com platonismo nem com maniqueísmo.
Faz-se mister considerar ainda um equívoco subjacente á
doutrina do livro.

3.3. Tempe» e etemidade

Há quem julgue que, ao morrer, o ser humano deixa as,


categorías do tempo e entra ñas da etemidade: «A eterni-
dade de Deus em que entramos pela morte...» (p. 38). Se
assim é e se na etemidade nao há passado nem futuro, deduz-se
que nao existe intervalo entre a morte do individuo e a con-
sumagáo da historia ou a parusia (segunda vinda) de Nosso
Senhor Jesús Cristo. Disto se segué, a mais um título, que o
ser humano após a morte nao espera a ressurreigáo prome
tida para o final dos tempos (cf. ICor 15), mas ressuscita
imediatamente. Com outras palavras ainda: nao haveria o que
se chama «escatologia intermediaria».

Diante desta argumentagáo é importante frisar que


1) nao há dúvida, na vida postuma nao existem as cate
gorías do tempo ou a sucessáo de dia e noite, pois esta se
prende ao movimento da Térra em torno do sol.

2) Todavía disto nao se segué que a alma humana, ao


deixar esta vida, entre na etemidade propriamente dita. Com
efeito, a etemidade é a existencia de quem nao tem comeco
nem fim; por conseguinte, é exclusiva propriedade de Deus.
O ser humano tem comeco; por conseguinte, é evolutivo ou
progressivo; jamáis, nem na vida postuma, possui simultanea-

* Escatologia Intermediaria, no caso, seria o estado da alma que,


tendo deixado a vida presente, aguardaría a consumacfio dos tempos.

— 243 —
20 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 257/1981

mente toda a sua existencia (o nosso passado nao voltará ao


nosso poder depois da morte). Por isto deve-se admitir entre
o tempo e a eternidade um modo de existir característico da
criatura que teve comego, mas nao terá fim; tal modo é o que
se chama «o evo». Este consiste numa sueessáo nao de dias
e noites, mas de atos,... atos de conhecimento e amor, para
quem se acha face-a-face diante de Deus (a Beleza Infinita
será sempre nova e surpreendente para a criatura que a con
templa). Entende-se, pois, sem dificuldade que, após a morte,
a alma humana espere a parusia ou a consumagáo da historia:
esta nao poderá deixar de trazer algo de novo (como, alias,
reconhecem os próprios autores em pauta).

É de se notar que a tese que nega a escatologia interme


diaria também foi recusada pela S. Congregado para a Dou-
trina da Fé no citado documento de 17/05/79:

"A Igreja, em conformidade com a Sagrada Escritura, espera a glo


riosa maniíestacao de Nosso Senhor Jesús Cristo (cf. Constituicao Dei
Ve-bum 1,4), que ela considera como distinta e diferida em relacSo aqueta
condicáo própria do homem ¡mediatamente depois da morte" (n<? 5).

Donde se depreende que a realidade do homem logo após a


morte está distanciada temporalmente da realidade da segunda
vinda de Cristo. Alias, esta afirmacáo é muito lógica: como,
logo após a morte, pode alguém, hoje falecido, beneficiar-se
da existencia de criatutras que ainda estáo por nascer e viver
na Térra? — Os autores mesmos do fascículo em pauta admi-
tem que os mortos aguardam algo que só a consumacáo da
historia lhes oferecerá, a saber: a chamada «ressurreigáo
segunda» ou «ressurreHio geral» (interpretada segundo as
categorías dos autores do fascículo).
Note-se outrossim o n' 6 da mesma Carta-Instrugáo:
"A Igreja, ao expor a sua doutrina sobre a sorte do homem após a
morte, excluí quaiquer expllcacfio que tlrasse o sentido ¿ AssuncSo de
Nossa Senhora naquilo que ela tem de único, ou seja, o fato de ser a
glorificado corporal da Vlrgem Santfssima urna antecipacSo da glorifl-
cacSo que está destinada a todos os outros eleitos".

Ainda a bem da verdade, deve-se observar que a secgáo


de Ap 20, utilizada pelos mestres para fundamentar a ressur
reigáo logo após a morte, nao quer dizer o que lhe atribuem.
Com efeito, a ressurreicáo primeira e a ressurreigáo segunda
de que fala Ap 20, háo de ser entendidas á luz de outra pas-
sagem joanéia: Jo 5,25-29, cujos dizeres váo aqui transcritos:
"Em verdade, em verdade vos digo: vem a hora — e é agora —
em que os mortos ouvirSo a voz do Filho de Deus, e os que a ouvirem,

— 244 —
ESCATOLOGIA EM DISCUSSÁO 21

viverao. Assim como o Pai tem a vida em si mesmo, também concedeu


ao Filho ter a vida em si mesmo e Ihe deu o poder de julgar, porque é
Filho do Homem. Nao vos admiréis com isto: vem a hora em que todos
os que repousam nos sepulcros ouviráo a sua voz e sairáo: os que Ilve-
rem praticado o bem, para urna ressurreicáo de vida; os que tiverem
cometido o mal, para urna ressurreicio de condenacSo".

Como se vé, o evangelista menciona duas ressurreicóes,


como em Ap 20; acrescenta, porém, que a primeira se dá
agora, ao passo que a segunda fica sendo futura. Ora a res-
surreigáo agora é a que ocorre pelo sacramento do Batismo, o
qual equivale a urna partidpagáo na morte e ressurreigáo ds
Cristo (cf. Rm 6); para Sao Joáo, o cristáo ou aquele que eré
já possui a vida eterna; a escatologia Ihe é dada através do
regime mesmo da fé e da temporalidade (cf. Jo 11,25). A
primeira ressurreigáo, portante, é a que dá inicio a um pro-
cesso de transfiguragáo íntima do cristáo. Tal processo estará
terminado na ressurreigáo segunda, ou seja, quando, no fim
dos tempos, o Senhor Jesús ressuscitar os corpos dos defuntos,
dando-lhes a plena configuragáo ao seu corpo glorioso. Há,
pois, urna só ressurreigáo após a morte: a que Sao Joáo e Sao
Paulo fazem coincidir com a segunda vinda de Cristo; cf. ICor
15,23.11-55. Artificial ou mesmo errónea, porque incutida por
premissas nao bíblicas, é a interpretagáo que lé em Ap 20 a
tese da ressurreigáo logo após a morte.

3.4. O purgatorio

Os autores do livro em focp nao rejeitam a doutrina do


purgatorio. Está claro, porém, que, na perspectiva da ressur-
reigáo ¡mediatamente após a morte, tal doutrina é entendida
de modo diverso do clássico. Seria «nao um estado, mas urna
prova provocada pelo próprio encontró com o Amor em pes-
soa» (p. 47). Pode-se indagar o que isto signifique propria-
mente...
A Congregagáo para a Doutrina da Fé, no documento já
citado, professa:
"A Igreja eré existir, para os eleitos, urna eventual purificacáo pre
via á visSo de Deus, a qual no entanto é absolutamente diversa da pena
dos condenados" (n? 7).
"A Igreja excluí todas as formas de pensamento e de express3o
que, se adotadas, tornariam absurdos ou Inlntellglveis a sua oracio, os
seus ritos fúnebres e o seu culto dos mortos, realidades que, na sua
substancia, constltuem lugares teológicos" i (n? 4).

1 "Lugar teológico" significa "fonte da qual a Igreja depreende alguma


verdade de fé". Sao lugares teológicos: a S. Escritura, a Patrística, a
S. Liturgia, os pronunciamentos dos Concilios, dos Papas...

— 245 —
22 cPEPwGUNTE E RESPONDEREMOS» 257/1981

Ora, á luz da constante doutrina da Igreja, pode-se afir


mar a respeito da purificacáo postuma que

— nao ocorre em um lugar dimensional,

— nem está sujeita ao ritmo do tempo (días, semanas,


meses, anos...),

— mas é um estado no qual o amor a Deus, lento e tibio


na térra, penetra até o fundo da alma, «corroendo» os resqui
cios do pecado que nela permaneceram em vez de ter sido
extirpados durante a peregrinagáo terrestre.

Para que o amor realize mais firmemente tal tarefa, os


fiéis na térra oferecem a Deus sufragios diversos (oracóes, o
S. Sacrificio da Missa, obras meritorias...). Esses sufragios,
segundo a antiga Tradicáo da Igreja, beneficiam as almas no
purgatorio. — Nao é possivel descer a pormenores mais pre
cisos a tal respeito. Apenas a Igreja afirma que a prática de
sufragar as almas, antiga e constante como é, implica urna
norma de fé, a tal ponto que, se alguém quisesse hoje suprimir
a oragáo pelos mortos, estaría indiretamente afetando urna
verdade de fé.
Passemos agora a

4. Conclusao

No livro em pauta há certamente capítulos e enfoques


válidos. Importante, por exemplo, é a posicáo, assumida pelos
autores, de realcar o aspecto comunitario e cósmico da salva-
gao trazida por Cristo (pp. 19-22); o desenvolvimento deste
tema as pp. 58-70 também merece ser apreciado.

Todavía eremos que, de modo geral, o livro nao é pe;a


apta a urna «Iniciacáo á Teologia». E isto por tres motivos:

1) adota urna teoría antropológica que repercute em


toda a explanagáo da escatologia pessoal e que pousa sobre
bases falhas e equívocas (dualidade nao é dualismo, evo nao
é eternidade, o Espirito de Deus nao pode substituir o sopro
puramente humano, a S. Escritura nao professa algum sistema
filosófico...), como apontado atrás. Além disto, tal concep-
cao antropológica está em desacordó com o constante pénsa-
mento e o explícito magisterio da Igreja, embora os seus
arautos julguem estar voltando as fontes bíblicas... A Igreja

— 246 —
ESCATOLOGIA EM DISCUSSAO

houve por bem manifestar-se recentemente a fim de evitar


mal-entendidos que se propagavam entre os fiéis por efeito de
tal teoría; por exemplo, a expressao «Missa da ressurreigáo»,
utilizada para designar a Eucaristía no sétimo dia de faleci-
mento de alguém, pode sugerir aos fiéis que o irmáo defunto
já ressuscitou — o que nao é correto.

Como atenuante em favor do livro em pauta, deve-se reco-


nhecer que foi redigido em francés antes do pronunciamento
do magisterio da Igreja.

2) O livro aborda assunto muito serio dando por certa


uma concepgao que na verdade era discutivel quando proposta.
De certo modo ridiculariza a clássica concepcáo * para remo-
vé-la da mente dos leitores. — Ora tal procedimento nao é
recomendável num livro didático. Compreende-se ocorra entre
pesquisadores que saibam discernir os matizes da linguagem
proposta; nao cabe, porém, num livro de iniciagáo á doutrina.

3) Dado o caráter sumario dos capítulos do livro, há ai


afirmag5es um pouco genéricas que mereceriam ser mais
explanadas.

É original a apresentacjio do inferno como hipótese: os


autores nao querem dizer que seja hipótese teológica; ao con
trario, aceitam o inferno como parte da mensagem evangélica,
mas iulEjam que a possibílidads do inferno nao implica o fato
do inferno; ela é compensada pelo amor incansável e libertador
de Deus; este «tenta ver se a catástrofe que está para chegar,
nao acontece nunca» (p. 55). — A posháo dos autores é dis
cutivel: a linguagem poderia ser mais teológica e adequada.
A existencia real do inferno nao está em conflito com o amor
de Deus, desde que se entenda bem o que é o inferno.

Em suma, o livro pede profunda reconsideracáo de algu-


mas de suas linhas mais centráis.
A guisa de bibliografía:

BETTENCOURT, E., A vida que cometa com a marte. Río de Ja


neiro 1958.

"^*- BOFF, L. Vida para além da morte. Petrópolls 1973.

POZO, C, Teología del más allá. Biblioteca de Autores Cristianos 282.


Madrid
Z1LLES, U., Esperanza para além da morte. Porto Alegre 1980.

1 Lé-se a p. 11: "Esta breve evocacSo dos novfsslmos, tais como


eram formulados num passado n§o muito distante, é um pouco caricatural".

— 247 —
Um livro corajoso:

"hipóteses sobre jesús"


por Vittorio Messori

Em síntese: O livro de Vittorio Messori considera as hipóteses que


a critica racionalista formulou a respeito de Jesús. Este, segundo deter
minada corrente, seria mero homem endeusado pelos discípulos; segundo
outra escola, seria um deus da mitología que nunca existiu. As duas hipó
teses mostram-se insuficientes para explicar o fenómeno "Jesús Cristo e
o Cristianismo", como se depreende das perspicazes e acertadas ponde-
racóes de Messori (que, alias, faz eco a Jean Guitton, Pascal e um con
junto de apologistas católicos). — Resta, pois, a clássica tese — a da
fé —, segundo a qual Jesús era realmente Deus feito homem. Esta ter-
celra posicáo supóe urna intervencáo portentosa de Deus na origem e na
contlnuidade do Cristianismo; todavía é mais plauslvel e admite um mila-
gre menos retumbante do que as teses racionalistas, segundo as quais
o pedestal de vinte séculos de Cristianismo seriam a mentira e a aluci-
nacáo de alguns pescadores da Galiléia.

Estas considerares sSo acompanhadas de muitas outras observares


e cltacoes aduzidas por Messori, cujo livro multo se recomenda, embora
seja um tanto prolixo e por vezes recorra a linguagem jornalística e
sensaclonalista.

Comentario: Vittorio Messori é um jornalista italiano que,


outrora incrédulo, tomou contato com a obra «Pensamentos»
do filósofo e matemático francés Blaise Pascal (t 1662) e se
pos a pesquisar a véracidade do Cristianismo durante muitos
anos. Finalmente, chegou á conclusáo de que Jesús é Deus e
homem, portador da mensagem do Pai, e resolveu escrever o
livro em pauta. Este leva em conta as diversas hipóteses que
a crítica desde o sáculo XVm levantou a respeito de Jesús;
considera as objecóes mais comuns suscitadas contra a auten-
ticidade da mensagem crista. Tem-se verificado, porém que
algumas pessoas nao percebem, de ¡mediato, a posicáo assu-
mida pelo autor.

Em vista disto, as páginas seguintes apresentaráo sintéti


camente o denso conteúdo do escrito de V. Messori, ao que
se seguiráo sumarias reflexóes.

— 248 —
«HIP6TESES SOBRE JESÚS» 25

O livro poderá ser útil a quem procure sólida fundamen-


tacáo para a sua fé num mundo em que se pergunta se Jesús
existiu, ou se nao foi um impostor ou se nao deveria ser tido
como um dos grandes iniciados do esoterismo, etc.

1. O livro

Na obra de V. Messori distinguimos oito capítulos, além


de urna Introducáo (pp. 13-25).

A Introdugáo («E se fosse verdade?») lembra a necessi-


dade de se pesquisar a respeito de Jesús. Se é verdade (ou se
fosss verdade) o que Cristo disse ao mundo, ninguém pode(ria)
ficar indiferente á sua mensagem. Daí a importancia, para
os incrédulos, de tentar adquirir a certeza de que Jesús nao
merece crédito K Para os fiéis, imp5e-se paralelamente um
conhecimento firme dos fundamentos de sua fé, a fim de que
á possam justificar perante aqueles que nao créem.

"Queirantos ou nao,... há sáculos... estas duas silabas (Jesús)


estSo ligadas ao sentido do nosso destino" (p. 17).

1.1. «Um Deus escondido e incomodo» (pp. 27-54)

Deus nao quis impor-se aos homens com a evidencia que


caracteriza urna verdade matemática.

Nao há dúvida, a razáo pode conceber provas filosóficas


da existencia de Deus, chegando a apontar o Primeiro Mo-
vente Imóvel, o Ser Absoluto e a Inteligencia Suprema, que
dispós o mundo e o homem com maravilhosa sabedoria...
Esta possibilidade foi claramente afirmada pelo Concilio do
Vaticano I (1870) contra aqueles que depreciavam o acume
do intelecto humano. Todavia o misterio de Deus em si e o
seu plano de salvacáo ultrapassam os limites da razáo, de
modo que esta nao explica toda a grandeza do Altissimo; além
do qué, é de considerar que as paixóes nao raro obnubilam a
mente humana, impedindo-a de raciocinar sem preconceitos.

Por isto, além de dar ao homem o instrumental da filo


sofía, Deus quis revelar-se á criatura: fé-lo mediante os Pa-

1 "Aprendam pelo menos qual a fé que rejeltam, antes de rejeltá-la"


(Blalse Pascal, citado á p. 27).

_ 249 —
26 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 257/1981

triarcas, os Profetas e, finalmente, pela mensagem de Cristo.


A Palavra de Deus desconcerta, por vezes, o homem, pois fala a
linguagem da cruz, que é loucura e escándalo (cf. ICor 1,23);
ela se aprésente associada a fatos históricos, como sao a morte
e a ressurreicáo de Jesús, de tal modo que, se tais episodios
pudessem ser comprovados como nao-históricos, o Cristianismo
já nao merecería ser levado em conta.

Daí a necessidade, para o estudioso, de pesquisar a histo-


ricidade de Jesús e dos feitos a Ele atribuidos pelos Evan-
gelhos.

1.2. «Desde sempre anunciado ou adorado» (pp. 55-102)

O autor cometa pelo Antigo Testamento a sua pesquisa


de historia da salvacáo.

A nocáo de Messias vindouro foi anunciada pelas Escri


turas judaicas, ñas quais se encontram mais de trezentas pas-
sagens messiánicas. Essas profecías esbocam urna figura hu
mana e um enredo de vida, que parecem só ter sua realizacáo
concreta em Jesús de Nazaré. Verdade é que, ao abordar tais
textos bíblicos o apologista cristáo nao se pode valer dos cri
terios da fé'.

Foram justamente o número e a veracidade de tais profe


cías que levaram muitos judeus a se converter a Jesús Cristo2;
o próprio Jesús e, depois, Sao Paulo e os subseqüentes prega-
dores cristáos recorriam freqüentemente aos testemunhos do
Antigo Testamento para provar a messianidade do Nazareno;
tal recurso foi válido para boa parte do povo de Israela. «Se
muitas vezes os pregadores encontraram oposigáo, esta parece
que se devia nao tanto á falta de acordó sobre o argumento
profético quanto á recusa apriorístioa de qualquer diálogo por
parte dos chefes das comunidades judaicas» (p. 64).

1 Oportunamente observa V. Messorl:


"Manter-nos-emos a todo custo longe do erro (Jaqueles que, para sus
citar a fé, apelam para argumentos de fó" (p. 60).
2 A palavra Cristo vem do grego Cfcristós, ungido, e corresponde a
Mashah = Messias, em hebraico.
8 "Pelo ano 250, um escritor crlstáo, Orígenes, estima em mals de
150 mil os judeus crlstSos. E é provável que Orígenes tale apenas dos
recóm-converlldos... Se esta cifra é válida, trata-se de percentagem bas
tante elevada" (p. 62).

— 250 —
«HIP6TESES SOBRE JESÚS» 27

Nao há estudioso serio que julgue terem sido interpoladas


essas profecías nos livros do Antigo Testamento. Existem hoje
criterios seguros para estabelecer o teor auténtico do texto
bíblico.

Mais: deve-se notar que o monoteísmo do povo de Israel


é totalmente inexplicável pelas ciencias humanas. Com efeito:
humanamente falando, nao se entende que um povo pequeño
como o de Israel, inferior aos vizinhos no tocante á industria,
á ciencia e ao poderío bélico, tenha ultrapassado os demais no
plano religioso ; enquanto egipcios, assírios, babilonios, feni
cios. .. tinham sua mitología e seus deuses, os judeus, desde
a origem no sáculo XIX a. G, professavam o monoteísmo o
que certamente é a única forma de religiáo condizente com a
lógica. Os israelitas nao aprenderam isto dos povos que os
cercavam, mas (só fica esta hipótese) da revelacáo que Deus
fez de Si a Israel; o monoteísmo desta na-jáo, portante, já é
por si um sinal da intervencáo de Deus na historia dos homens;
o Senhor se revelou a Israel como sendo o único Deus nao de
um povo especial, mas de todos os povos. E — note-se bem —
este monoteísmo de Israel resistiu as sedugóes politeístas dos
povos vizinhos, cujos mitos podiam ter sufocado a cren;a pura
dos judeus.

Foi a crenca monoteísta de Israel que inspirou a esta


nacáo o seu conceito de historia: enquanto os demais povos
assemelhavam a historia a urna serie de círculos que se repe-
tem ou a urna serpente cuja cabega morde a cauda (símbolos
da monotonía e do absurdo), os judeus entendiam a historia
como um cone que se abre ou que tende á plenitude; para eles,
a historia tinha seu dinamismo e seu significado valiosos.

Jesús veio em resposta as expectativas messiánicas dos


Profetas de Israel. Ele respondeu as aspira;6es mais profun
das do ser humano: sem armas (antes, recusando o uso das
armas; cf. Le 22,36-38), sem dinheiro nem recursos materiais
(cf. Mt 10,9s), Jesús conquistou multidóes pelo cultivo dos valo
res mais elevados. Com efeito, há tres modos de reinar: 1) o
dos caudilhos e políticos, 2) o dos genios da inteligencia, 3) o
dos santos. Ora Jesús escolheu a terceira e mais sublime ma-
neira de se impor: a da santidade.

"Sem bens, sem manifestagSo exterior de ciencia, Ele acha-se em


sua ordem de santidade. Nao dominou, nada inventou. Foi, porém, hu
milde, paciente, santo, santo para Deus, terrlvel para os demonios, sem

— 251 —
28 ■sPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 257/1981

nenhum pecado. Teria sido inútil que Ele, para ser glorioso em seu reino
de santidade, tivesse vindo como Reí terreno. Mas veio com toda a gloria
de sua ordem" (Pascal, citado á p. 99).

Vém ao caso também as palavras de Pascal, entre as


quais Messori intercala os seus parénteses:

"Todos os corpos juntos (a grandeza de César) e todas as inte


ligencias juntas (a grandeza dos sabios, de Arquimedes e de Aristóteles)
todas as suas producóes nao valetn o menor movimento de caridade. Isto
pertance a urna ordem (justamente aquela em que Jesús se move) infini
tamente mais elevada" (p. 99).

Incutindo aos homens a ordem de valores aparentemente


mais frágil, Jesús realizou urna obra que atravessa os séculos
e nao passará. É o que atestam pensadores nao cristáos abaixo
aduzidos:

Bsnedetto Croce, filósofo italiano liberal (f 1912), obser-


vava: «O Cristianismo foi a maior revolucáo que a humani-
dade jamáis realizou».

Paúl Louis Couchoud, médico francés que negava a pro-


pria existencia de Jesús (que ele concebia como figura mito
lógica), escrevia no inicio do século XX:

"As proporgoes d° Jesús estác além de qualquer comparagáo; sua


ordem de grandeza mal é cancebtve!. A historia do Ocidente, do Imperio
Romano em diante, ordena-se em torno de um fato central, de um evento
gerador: a representado coletiva de Jesús e de sua morte. O resto saiu
daf ou a isso se adaptou. Tudo o que se fez no Ocidente no correr de
tantos séculos, fez-se á sombra gigantesca da cruz".

Acrescentava Renán (f 1892), o incrédulo historiador:

"Arrancar do mundo o nome de Jesús sería o mesmo que abalá-lo


nos fundamentos".

Por último, seja citado também Helio Vittorini, autor de


«Politécnico», pensador neutro em materia de religiáo:
"Como cultura, Cristo nSo é menos Importante do que como fé ou
vida dos fiéis. Nada de quanto os homens dlsseram de novo ou concreto
ou mesmo apenas útil depois dele, fol dito em contraste com Ele".

1.3. «A plenitude do lempo» (pp. 103-133)

O momento histórico em que Jesús veio ao mundo, cha


mado biblicamente «plenitude dos tempos» (cf. Gl 4,4), é mar
cado por fatos importantes da historia universal, que dáo tes-

— 252 —
«HIPÓTESES SOBRE JESÚS» 29

temunho de expectativa generalizada entre os povos civiliza


dos. Com efeito,

a) Subjugados por estrangeiros desde 587 a.C, os ju-


deus do sáculo I a.C. viviam na férvida expectativa de que o
Messias viesse quanto antes: varios falsos Messlas se apresen-
tavam, todavía sem conseguir impor-se.

Urna facgáo de judeus ditos «essénios» retirara-se para


Qumran (deserto de Judá), a fim de esperar em penitencia e
oragáo Aquele que havia de vir.

b) Na Mesopotámia, os astrólogos (quase certamente os


magos de Mateus 2) esperavam o nascimento do «Dominador
do Mundo» a partir do ano 7 a.C, ano em que provavelmente
Jesús deve ter nascido. E por que assim esperavam? — O
calendario estelar de Sippar (cidade as margens do Eufrates,
sedo de importante escola de astrologia), publicado pela pr¡-
meira vez em 1925, indica todas as conjungóes de astros do
ano 7 a.C; ora a conjungáo de Júpiter e Saturno na conste-
lagáo de Peixes devia, conforme o calendario, verificar-se por
tres vezes: a 29 de mato, a 1» de outubro e a 5 de dezembro.
Cumpre notar que tal conjungáo só se verifica urna vez em
794 anos; todavia em 7 a.C. deu-se tres vezes; provoca sem-
pre luz intensa e deslumbrante no céu estrelado (luz que alguns
comentaristas querem identificar com a da «estrela» que apa-
receu aos magos no Oriente, conforme Mt 2,2.9). A conjun
gáo de Júpiter e Saturno em 7 a.C. foi confirmada pelos astró
nomos contemporáneos.

Alias, na Mesopotámia como em todo o Oriente antigo, se


esperava um Messias que devia vir de Israel.

Também os escritores latinos do inicio da era crista atesta-


ram a expectativa de Alguém que havia de se manifestar a par.
tir de Israel. Assim, por exemplo, escreve Tácito (t 120 d.C):

"Mullos estavam persuadidos de que constava das antigás escrituras


dos sacerdotes que por esse tempo o poder do Oriente subiría. E da
Judéia vlriam os dominadores do mundo".

Suetónio (t 140 d.C), por sua vez, refere:

"Aumentava em todo o Oriente a anttga e constante oplniio de qué


estava escrito no destino do mundo que da Judéia vlriam naquele tempo
os dominadores do mundo" (Vida de Vespaslano).

— 253 —
30 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS* 257/1981

Esse dominador (nao politico nem militar) do mundo nao


seria o Cristo Jesús, cuja mensagem berc.ou a civilizado oci-
dental ou mesmo mundial?

Trata-se agora de considerar diretamente o fenómeno


«Jesús» e tentar explicá-lo: uns o fazem aplicando-lhe un'ca-
mente as luzes da razáo; outros, verificando que estas sao insu
ficientes para elucidá-lo satisfatoriamente, admitem a trans
cendencia de fatos que aceitam pela fél.

1.4. «Tres hipóleses» (pp. 135-165)

Diante do fenómeno (ou problema) Jesús os estudiosos


propuseram tres atitudes (e nao é possivel urna quarta): duas
negativas e urna afirmativa. As duas que negam, sao: 1) a
do endeusamento de um homem e 2) a do mito. A que afirma,
é a posigáo da fé.

Examinemos cada qual dessas posicóes.

1.4.1. A hipótese do endeusamento

Foi esta a primeira posigáo da crítica moderna: dissolveu


o binomio «Deus feito homem», para considerar Jesús qual
mero homem endeusado pelo simplismo dos discípulos. Terá,
pois, existido um homem chamado Jesús, que se impós como
pregador itinerante e exaltado; os seus seguidores, de boa fé
(alucinados, doentes, ou simplórios) ou talvez de má fé (com
intenses perversas) o endeusaram.

Os autores de tal hipótese (Paulus, Reimarus, Strauss...)


foram retirando dos Evangelhos todos os tragos de transcen
dencia, de modo a tentar descobrir o mero Jesús. Mas, assim
procedendo, chegaram a imagem táo pálida e «anémica» do
homem Jesús que provocaram a oposigáo de outros críticos:
nunca um homem táo despojado de predicados (como queriam
tivesse sido Jesús) haveria podido ser endeusado pelos discí
pulos. Em conseqüéncia, a critica, criticando a si mesma, for-
jou outra hipótese:

1 "O último passo da razáo pode consistir em reconhecer a existen


cia de urna infinidade de coisas que a superar»" (p. 145).

— 254 —
«HIP6TESES SOBRE JESUS> 31

1.4.2. O deus mítico

Em vez de admitir que Jesús foi homem divinizado, a


nova corrente passou a negar a existencia do homem Jesús e
afirmou que Jesús foi Deus (um deus, porém, da mitología,
um deus ficticio, irreal) projetado pelos homens na literatura
religiosa de Israel. Assim o mito «Jesús», oriundo na Judéia,
tena seus paralelos na Babilonia, na Assíria, na Fenicia, no
Egito... Com outras palavras: na origem do Cristianismo
nao haveria fatos reais, mas táo somente o mito (a ficgáo) de
um deus que se encarna, sofre, morre e ressurge para a sal-
vacáo dos homens. A figura de Jesús teria sido inteiramente
inventada para dar nome, lugar e «vida» ao mito do deus que
vence a morte e o pecado.

Verifica-se que os autores tanto da primeira como da


segunda hipótese crítica se baseiam muito mais em princíp-'os
filosóficos do que em dados históricos ou em documentos de
arqueología. Rejeitam a autenticidade da mensacem evangé
lica em virtude de urna tese preconcebidamente afirmada sem
demonstrado, a saber: é impossível urna ordem de coisas trans
cendental; tudo o que se assemelhe a esta, há de ser explicado
como lenda ou mito. Donde se vé que o racionalismo é urna
posigáo gratuita; é também táo dogmático quanto é dogmá
tica a fé, ou talvez seja ainda mais dogmático do que esta, pois
a teología ensina que ninguém deve crer cegamente, mas há de
exitrir credenciais para aceitar alguma proposicáo religiosax.
— Diante deste fato, vale o anigo principio da lógica dássica:
Quod gratis affirmatiír, gratis negator (o que se afirma sem
prova, pode, do mesmo modo, ser negado). Observa Messori:

"O método que decreta de antemSo a Impossibllldade de qualquer


colsa, é contrario ao espirito científico. A ciencia progrlde asslmllando as
experiencias antes reputadas Imoosslvels. Quando um cultor da ciencia
enuncia um sistema cuja base é filtrar os fatos, deixa de ser cientlsta para
6e tomar filósofo" (p. 155).

Dito isto, passamos á terceira hipótese.

1 Espécimen assaz significativo de racionalismo dogmático é ase-


guinte declaracSo de Ernest Havet, famoso critico dos Evangelhos:
"O prlmelro dever que nos ImpOe o principio racionalista, que é o
fundamento de toda critica, é afastar da vida de Jesús o sobrenatural,
isto varre todos os milagros do Evangelho com urna so vassourada. Quando
a critica recusa crer em narrativas mlraculosas, nao tem necessidade de
aduzlr pravas para sufragar sua negacSo: o que é narrado é falso pela sim
ples razio de nfio poder ter acontecido" (citado por V. Messori, pp. 154s).

— 255 —
32 <PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 257/1981

1.4.3. A hipótese da fé

Esta terceira atitude profeesa a existencia real de Jesús,


que nao era (é) somente homem, mas Deus feito homem, como
atestam os Evangelhos lidos á luz da Tradigáo crista. Todavía
deve-se reconhecer que os Evangelhos nao sao livros de cró
nicas no sentido moderno da palavra, mas, sim, relatos histó
ricos que póem em relevo verdades de fé. Tais narragóes fo-
ram-se formando através de tres etapas:

1) Jesús pregou aos Apostólos a Boa-Nova por via oral;

2) Os Apostólos transmitirán! essa Boa-Nova as popu-


lacóes mediterráneas, constituindo as primeiras comunidades
de fé ou eclesiais;

3) As comunidades eclesiais entregaram a Boa-Nova aos


evangelistas, que, aproveitando a tradigáo oral e fragmentos
escritos da mensagem, redigiram os Evangelhos.

O texto final destes apresenta urna imagem de Jesús, que


é a do próprio Jesús histórico, peregrino ñas estradas da Pa
lestina \ Tal imagem, porém, se beneficia do aprofundamento
que a fé e a vivencia dos cristáos durante alguns decenios lhe
puderam comunicar3.

Examinemos agora de mais perto as dificuldades com


que se defrontam as duas hipóteses negativas atrás mencio
nadas.

1.5. «As cruzes de urna crítica» (pp. 167-247)

Comecemos pela hipótese do homem endeusado.

1.5.1. Obleeros

Eis as principáis objecóes que os próprios críticos levan-


taram contra tal hipótese:

1 Com outras palavras dir-se-ia: o Jesús da fé é o próprio Jesús da


historia.
2 Julga-se que a redacSo do texto dos Evangelhos que hoje temos,
se deu entre os anos de 50 e 100.

— 256 —
«HIPÓTESES SOBRE JESÚS*. 33

a) Um judeu divinizado por jadeos... Os filhos de Is


rael professavam o mais estrito monoteísmo, devendo diaria
mente repetir a fórmula do Chema: «Ouve, Israel, teu Deus
é um só» (Dt 6,4). Por esta fé haviam perecido os macabeus
no século II a.C; os fariseus a alimentavam ferrenhamente
no povo contemporáneo a Jesús. Por isto nao se pode crer
que os discípulos de Jesús, judeus como eram, tenham feito
de Jesús mero homem «um Deus feito homem». Este endeu-
samento, se tivesse ocorrido, teria sido verdadeiro milagre, o
maior dos milagres concernentes a Jesús. E como se teria fir
mado e propagado no povo de Israel tal endeusamento? Tal
propagacáo seria ela mesma um prodigio ou um milagre.

b) A nogao de Encarna^áo. Os judeus contemporáneos


a Cristo exaltavam de tal modo a transcendencia de Deus que
nem sequer ousavam pronunciar o santo nome Javé. Ora admi
tir que hajam concebido Deus feito homem e pregado á cruz
significa ignorar por completo a mentalidade israelita. Bem
notava Sao Paulo que tal concepcáo era escandalosa ou blas
fema para os filhos de Israel (cf. ICor 1,23; Mt 26,63-66).

Santo Estéváo, em 36 aproximadamente, morreu apedre-


jado pelos judeus porque proclamara a Divindade de Jesús;
cf. At 6,11-13; 7,56-60.

c) E a ressurreisa»? — Os Apostólos, ao verem o Mes-


tre preso e condenado á morte, deram-se por frustrados e per-
deram as esperancas em Jesús; tenham-se em vista Me 14,50;
Le 24,17-25. Ora em tais condicóes psicológicas jamáis teriam
«inventado» a ressurreigáo de Jesús. Em vez de se mostrar
propensos a conceber tal tese, resistiram fortemente á noticia
de que Jesús ressuscitara; seja citado Tomé (Jo 20,24-29).

1.5.2. A crítica dos Evangelhos

Desde que comecou o estudo científico do Novo Testa


mento, a crítica se preocupou com a identificagáo, nos relatos
evangélicos, das partes mais antigás, pois admitía que, quanto
mais arcaica é urna seceáo tanto mais garantía de autentici-
dade ela possui. — Ora afirmam todos que o Evangelho se
gundo Marcos é o mais arcaico; nesse livro mesmo a critica
detectou estrados mais notavelmente arcaicos, que fazem eco
direto á primeira pregacáo dos Apostólos. Dentre estes, há os
de Me 2,3-12.23-28; 3,1-6. Trata-se de episodios que atribuem a

— 257 —
34 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 257/1981

Jesús os poderes de perdoar os pecados e de dispor do sábado,


isto é, de fazer o que só Deus pode fazer. Tais passagens do
Evangelho atestam que, poucos anos após a morte de Jesús,
já estava consumada a imagem que os discípulos faziam de
Jesús; tinham-no na conta de Deus e homem.

Estes dados, aos quais outros se poderiam acrescentar,


mostram que a fé em Jesús Deus e homem nao foi criada pelos
Apostólos alucinados ou simplórios, de modo a se implantar no
decorrer de decenios de pregacáo, mas, ao contrario, logo após
a ressurreigáo de Jesús ela se impós aos seguidores de Cristo,
tímidos e hesitantes, como verdade objetiva, incontomável,
cujo fulgor vencía qualquer dúvida ou temor. Sabe-se que,
interpelados pelas autoridades judaicas a respeito da sua pre
gacáo os Apostólos responderam: «Nao podemos deixar de
anunciar o que vimos e ouvimos» (At 4,20).

Esta conclusáo é confirmada aínda pela observacáo


seguinte:

1.5.3. A despretensóo dos evangelistas

Quem percorre as páginas dos Evangelhos verifica que os


respectivos autores nao utilizaran! artificios para «dourar» ou
«embelezar» a figura de Jesús. Ao contrario, narraram com
simplicidade o que os Apostólos pregavam, a ponto de nos
transmitir passagens que diríamos «desaceitadas» ou pouco
felizes sob a pena de quem quer «vender seu pebce». Assim,
por exemplo,

em Me 13,82 Jesús diz ignorar a data do fim do mundo1;

em Me 10,17s Jesús parece estranhar que um discípulo o


chame «Bom Mestre:», visto que o predicado «bom» convém a
Deus só2;

em Le 24,1-11, o Evangelista apresenta as mulheres como


primeiras mensageiras da ressurreigáo de Jesús. Precisamente

1 Jesús a Ignorava como homem ou como mestre, visto que nSo


estava dentro de sua missSo revelá-la aos homens.
2 Jesús respondeu precisamente: "Por que me chamas bom? Ninguém
é bom senSo Deus só" (Me 10,18). Com estas palavras Jesús quería levar
até as últimas conseqüéncias o pensamento do jovem que o interpelava:
se este O chamava bom, predicado que jiSo se atribula a um rabino, mas
a Deus sotnenie, compreendesse que Jesús era mals do que um rabino,
mas era o próprio Deus.

— 258 —
«HIP6TESES SOBRE JESÚS» 35

a noticia mais significativa foi confiada as mais desqualifica-


das testemurfhas no mundo judaico: as mulheres nao se dava
crédito (cf. Le 24,11). Ou este episodio é real ou nao se
explica por que o Evangelista o teria forjado;

em Mt 10,55 Jesús diz aos discípulos, em missáo apostó


lica, nao tomem o caminho dos gentios nem entrem era cidade
de samaritanos, mas, antes, se dirijam as ovelhas perdidas da
casa de Israel. — Ora tal injun;áo, se nao é o eco genuino
das palavras de Cristo, era inoportuna, pois parece contradi-
zer á universalidade que o Evangelho adquiriu logo depois de
Pentecostés K

Estes e outros textos «desajeitados» dos evangelistas evi-


denciam que tais autores nao forjaram suas narragóes, mas
as referiram como eco fiel da historia, certos de que a fé em
Jesús Deus e homem era tranquila entre os seus leitores.

1.5.4. A sobriedade dos Evangelhos

Sao estranhos certos «silencios» dos evangelistas. Nada


dizem, por exemplo, a respeito do aspecto físico de Jesús ou
a propósito da sua formagáo escolar ou ainda no tocante á
sua vida dos doze aos trinta anos de idade. Se os autores
dos Evangelhos tivessem inventado seus episodios, certamente
nao teriam omitido o que os evangelistas silenciaram. A prova
disto é que os evangelhos apócrifos (tidos como espurios pela
tradigáo crista) sao ricos em pormenores sobre a infancia e a
adolescencia de Jesús, atendendo nao á realidade histórica,
mas evidentemente á fantasía dos antigos cristáos. Aqueles
que forjaram os apócrifos, forjaram-nos de modo a nao deixar
insstisfeita nenhuma das espontáneas indagagóes dos leitores:
«explicaram» tudo mediante a sua criatividade, apresentando

1As palavras do Senhor assim consignadas se coadunam com a


mlssSo universal que Jesús mesmo conflou aos Apostólos em Mt 2812-20:
s'gniftcam a prlmelra etapa da pregagao do Evangelho; este deverla ser
apregoado primeramente aos judeus e, depois, aos nSo judeus.
*Os evangelistas guardan) silencio ao menos sobre nove décimos
da vida de Jesús. Isto se deve nSo ao fato de nada saberem sobre tal
período nem a uma pretensa viagem de Jesús ao Oriente remoto (India,
Tibe...) ou ao Eglio, mas simplesmente ao fato de que os Evangelhos
nao s5o relatos biográficos; vém a ser tSo somente o eco da pregaefio
dos Apostólos, que enfatlzava a Paix&o e a Ressurreicáo do Senhor como
aconteclmentos salvlficos, e a vida pública de Jesús como fundo de
cena Inseparável da última Páscoa de Cristo.

— 259 —
36 «PERGUNTE E RESPONDEREMOSi> 257/1931

eempre um Jesús portentoso e taumaturgo K Ao contrario, os


Evangelhos canónicos sao extremamente sobrios, nao formu
lando um comentario ou urna exclamagáo a respeito do que
narram * e deixando muitas vezes o leitor desejoso de conhe-
cer mais pormenores.

1.6. «O mito e a historia» (pp. 249-283)

Detenhamo-nos agora sobre as dificuldades que a hipó-


tese do mito (ou do Deus mítico) teve de enfrentar pouco
depois de proposta.
Todo mito (e sao muitos os que a literatura relata) fur-
ta-se a cronología e topografía exatas; a «estória» é colocada
em contexto geográfico e histórico vago e impreciso exata-
mente porque deve estar subtraída ao controle dos dentistas
(geógrafos, arqueólogos, historiadores...). Ora acontece que
os evangelistas descreveram os feitos e dizeres de Jesús em
moldura histórica e geográfica bem definida, mencionando
regióes, cidades, piscinas, portas, partidos políticos, Imperado
res, governantes... Tais indicagóes dos evangelistas, por mais
estranhas que parecessem á primeira vista, foram confirma
das pelas pesquisas históricas e arqueológicas dos últimos de
cenios. Assim o contexto geral da vida de Jesús foi compro-
vado como auténtico — o que certamente contraria as leis
da mitología.
Mais ainda: é de notar que em 70 d.C. a Palestina foi
totalmente invadida pelos romanos, que de lá expulsaram os
judeus, pondo fim eo cenário humano e político que os evan
gelistas descrevem. Isto significa que estes seferem aconteci-
mentos observados por testemunhas oculares e auriculares
antes de 70 d.C; nao forjaram tardíamente o que narram,
pois, se o quisessem fazer, já nao teriam á vista o quadro geral
que descrevem.

1 Este trago deu origem á expressSo "impassibilidade evangélica".


* "Nos apócrifos há aqullo que nSo existe nos Evangelhos que a
Igreja fez seus: o milagre gratuito, inútil, narrado só para atordoar. Há,
descrito em linguagem exaltada, um Jesús menino que plasma passari-
nhos com barro e, soprando-lhes em cima, Ihes dá vida e os faz voar;
ou que alivia o cansado de sua mSe, criando com sua onipoténcla moto
res para tirar agua do pojo.
É o inconfundível sabor da lenda.
Os apócrifos traem-se, arrebentam a corda da fé puxando-a em
demasía. Confundem o sobrenatural com o maravllhoso. Os evangelhos
canónicos nSo cedem nunca a esta tentacSo. Para eles os milagres sao
simples sfnais para apolar e confirmar a verdade do ensinamento"
(p. 246).

— 260 —
«HIPÓTESES SOBRE JESÚS» 37

De modo especial, o fim de vida de Jesús pregado á cruz


era algo de táo horrendo aos antigos cidadáos judeus e roma
nos que jamáis um «inventor» teria atribuido ao seu herói tal
tipo de morte. Os próprios cristáos, nos primeiros sáculos, nao
representavam o Crucificado na sua iconografía, mas prefe-
riam pintar a cruz gloriosa (sem o corpo pendente de Cristo).
É oportuno que o leitor tome conhecimento dos porme
nores arqueológicos relacionados por V. Messori ñas pp 251-
-283 do seu livro.

A seguir, Messori enfatiza ainda a singularidade da men-


sagem crista, a varios titulos insólita e rebarbativa para judeus
e cristáos, a fim de mostrar que tal mensagem nao brotou da
piedade ou da imaginagáo dos primeiros cristáos, mas foi-lhes
realmente comunicada ou revelada.

1.7. «De onde és tu?» (pp. 285-336)

«Em seus vinte sáculos de encarnacáo histórica, a mensa


gem que se quería atribuir a obscuras comunidades de faná
ticos, nao apenas assumiu imensa relevancia histórica..., mas
também mostrou urna universalidade única no tempo e no
espaco» (p. 288).

Tal mensagem é viva até hoje e em todas as partes do


mundo, apesar de exigente ou, por vezes, desconcertante, como
se depreende dos seguintes tópicos, colhidos entre outros:
— o amor apregoado por Jesús estende-se até aos inimi-
gos (cf. Mt 5,44s). A este conceito jamáis chegaram nem ju
deus nem maometanos;
— todos os homens sao iguais entre si, qualquer que seja
a sua condicáo social ou a sua raca, pois o Senhor se identi
fica com cada um; cf. Mt 25,31-46; Le 10,25-36;
— Jesús pede renuncia cotidiana do cristáo a si mesmo:
«Quem nao toma a sua cruz e nao segué após mim, nao é
digno de mim» (Mt 10,38) ou ainda: «Nao julgueis que vim
trazer paz á térra; nao vim trazer paz, mas espada. Porque
eu vim por em discordia o homem contra seu pai, e a filha
contra a sua máe, e a ñora contra sua sogra. E assim os ini-
migos do homem seráo os seus familiares» (Mt 10,34-36);
.— Jesús valorizou de maneira estupenda as mulheres e
as enancas, que a civilizacáo antiga menosprezava. Ver teste-;
munhos pagaos e cristáos em contraste as pp. 312-321 de
V. Messori;

— 261 —
38 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 257/1981

— Jesús ensinou a compreensáo e a misericordia para com


aqueles que falham (sem prejuízo, porém, para os valores da
justija e do bem comum). Condenou assim o nrgulho hipó
crita dos que se julgam irrepreensíveis; cf. Le 7.3&-51 (a peca
dora anónima); Le 19,1-10 (Zaqueu, o publicano); Le 18,10-14
(o fariseu e o publicano);
— Jesús incutiu a primazia da observancia e da pureza
interores sobre as formalidades meramente extrínsecas ou
rituais. Nao basta ser santo perante a Lei ou os homens, mas
é preciso ser santo perante Deus (cf. Me 7,17-23; Mt 5,20-48).

O fato de que a mensagem crista, exigente como é, tenha


atravessado os sáculos e frutificado em todas as partes do
mundo, mostra que
— ela corresponde as aspiracóes mais nobres e genuínas
de todo homem;

— por conseguinte, nao é produto de um grupo de homens


condicionados por sua cultura e seus problemas, mas é pro
grama de vida incutído pelo próprio Deus, Criador da natureza
humana.

1.8. «Se for um equívoco» (pp. 337-364)

No último capítulo do seu livro, V. Messori aborda a ques-


táo do mal no mundo e chama finalmente a atencáo para as
diferengas existentes entre o Cristianismo e as outras grandes
religióes da humanidade.

1.8.1 O escándalo do mal...

É Jacques Natanson quem formula a objecáo:


"Ou Deus pode impedir o mal e entáo nSo é bom porque nSo o
Impede, ou nSo o pode impedir e enlSo nao é onipotente. Em ambos os
casos falta a Deus um atributo essencial: a bondade ou o poder. E Isto
autoriza a jiegar-lhe a existencia".

Esta diñculdade merece longas consideragoes, pelas quais


se demonstraría ser ela improcedente ou sofismática. V. Mes
sori prefere responder-lhe apontando o fato de que no Cris
tianismo o Onipotente se apresenta as suas criaturas como
escravo crucificado (p. 343). Desta maneira o sofrimento no
Cristianismo aparece como fenómeno natural, decorrente das
limitacóes mesmas das criaturas, mas transfigurado e divini
zado pelo fato de que Deus feito homem o quis assumir fazendo
da cruz o preludio da ressurreicáo e da gloria.

— 262 —
«HIP6TESES SOBRE JESÚS» 39

"Jesús nao destrói a cruz, mas estende-se sobre ela... Os Evan-


gelhos anunciam a felicidade dos pobres, dos perseguidos, dos que cho-
ram e sofrem. Em outras religides o sofredor pode crer que seu Deus o
abandona. Somente aqui o crente oprimido pelo mal pode estar certo de
que seu Deus atribulado Ihe está mais próximo" (p. 346).

1.8.2. O CrisKanismo e as demais crenjas religiosas

V. Messori termina o seu livro acentuando a originalidade


e a vitalidade que tornam o Cristianismo inconfundivel no con
junto das crengas religiosas da humanidade.

"Estamos convencidos de que o Cristianismo é diferente, de que o


Deus que anuncia é realmente o absolutamente outro... 'Acreditamos que
os gestos e palavras de Jesús sao sempre completamente diferentes dos
que se esperam de um Deus íeito por mSo de homem1 (Natanson)"
(p. 348).

É a consciéncia desta verdade que leva o cristáo a rejeitar


a afirmacáo segundo a qual todas as religióes sao igualmente
verdadeiras. A consciéncia da «irredutibilidade» do Deus de
Abraáo e de Jesús pode explicar por que muitas tentativas de
criar urna religiáo universal, como, por exemplo, a da Socie-
dade Teosófica, acolhem todas as crengas exceto a judaica e
r. crista. «O fato é que o Cristianismo nao é urna provincia de
vasto imperio religioso... O Cristianismo nao compreende a
si mesmo como tuna das religióes, mas como a revelagáo sufi
ciente e definitiva de Deus na historia» (p. 362).

Estas palavras caracterizan! a conclusáo do longo estudo


de V. Messori, que procura, sim, auscultar sinceramente todas
as explioacóes racionalistas dadas ao fenómeno cristáo, para
fínalmente chegar «a evidencia de que nenhuma elucida satisfa-
toriamente o fato «Cristianismo em suas origens e em sua
historia». O fenómeno «Cristianismo» nao se entende se nao
se admite ñas suas raízes e na sua continuidade urna real
intervengáo do Senhor Deus, que torna o Cristianismo exce
lente e singular entre todas as demais correntes religiosas. Se
algo de censurável ocorreu ou ocorre na historia do Cristia
nismo, isto se deve nao á mensagem crista, mas aos homens
cristáos, que nem sempre foram ou nao sao a expressáo autén
tica do Evangelho. Os escándalos produzidos na historia do
Cristianismo ocorreram precisamente na medida em que os
homens nao foram cristáos ou agiram á revelia dos ditames
evangélicos.

— 263 —
40 <PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 257/1981

2. Algumos reflexoes sobre o livro

Procuremos avaliar o livro de V. Messori.

2.1. Em favor...

Em seu conjunto, a obra é valiosa, pelo fato de que o


autor tenta prescindir da fé para encarar o Cristianismo como
o consideram os racionalistas (ou como podem ser tentados a
considerá-!o muitos cristáos), a fim de verificar se a fé tradi
cional nao resulta de certo bitolamento ou obscurantismo pre
concebido.

Desempenhando sincera e lealmente o seu papel, o autor


mostra que o fato cristáo supoe realmente a manifestagáo de
Deus aos homens em Jesús Cristo; quem nao admita o por
tento dessa manifestacüo, terá que admitir outro milagre ainda
mais retumbante, a saber: a mentira, a fraude, a doenca men
tal, a alucinacáo de pescadores da Galiléia seriam o pedestal
de vinte sáculos de Cristianismo do Cristianismo que ber-
cou e marcou a civilizagáo ocidental ou mundial. Ora aceitar
esta outra hipótese significa ter fé maior e menos plausível ou
credenciada do que a fé dos cristáos propriamente ditos. Ainda
é preferivel este tipo de fé, que os racionalistas, sem querer,
propóem aos seus clientes.

Assim concebido, o livro de Messori atende a ampia faixa


de leitores. Verdade é que nao aborda diretamente a crítica
dos Evangelhos movida pelas mais recentes escolas exegéticas
de Bultmann (a de-mitizacáo, Entmytholo^isiernng) e outros
autores — o que seria objeto de livro de igual espessura K
A bibliografía brasileira precisava de um estudo cpmo o
de Messori, que é paralelo ao que Jean Guitton publicou em
francés com o título «Jésus». O éxito do trabalho de Messori
pode ser aferido pelo fato de que foi traduzido para pito idio
mas, conta dezoito edicóes e mais de 240.000 exemplares
vendidos.

2.2. Mas...

A obra de Messori tem desconcertado certos leitores cató


licos. .. E por qué ?
— Talvez por dois motivos:

1Esta tarefa, alias, foi realizada pelo Pe. JoSo Evangelista Martins
Térra em seu livro "Jesús". Ed. Loyola, Sao Paulo 1977.

— 264 —
«HIPÓTESES SOBRE JESÚS» 41

1) Usa de linguagem jornalística, que é sempre provoca


dora e, por vezes, sensaciorialista. Seriam desejáveis mais pre-
cisáo e cuidado em certas passagens do livro; assim
— no capítulo 2 («Um Deus escondido e incómodo») o
autor parece acentuar demais o ocultamento de Deus e a insu
ficiencia da razáo natural para elaborar urna certa teología.
Afirmamos, sim, que o misterio íntimo de Deus (a SS. Trin-
dade) é insondável ao intelectto humano, mas eremos que a
razáo de todo homem, isenta de paixóes e preconceitos, pode
descobrir Deus e alguns de seus predicados, como lembrou o
Concilio do Vaticano I em 1870;
— á p. 49, nota 3, o autor nao é muito feliz quando fala
da filosofía grega e da sua influencia sobre «muitos teólogos
cristáos»;

— á p. 51, o autor refere-se com sarcasmo leve, mas ino


portuno, á Concordata existente entre a Santa Sé e o Governo
Italiano;
— á p. 72, as palavras de Messori parecem menosprezar
o fato de que Jesús descende de Davi;
— á p. 344, o escritor nao aprecia suficientemente a res-
posta que a teología sistemática costuma dar ao problema
do mal.
2) O livro poderia ser mais conciso e sistemático (o que
nao quer dizer que nao tenha planejamento lógico). Isto faci
litaría grandemente a tarefa do leitor, que as vezes pode sen-
tir-se fatigado pelas repeticóes e os cruzamientos de idéias que
cá ou lá encontra na obra. O essencial do livro parece-nos
consistir nos capítulos 5, 6 e 7 (pp. 135-283).

É para desejar que, nao obstante estes senóes, a obra de


V. Messori continué a encontrar a merecida aceitacáo do pú
blico estudioso, ao qual está destinada a oferecer importante
subsidio.

Para ulteriores estados:


CERRUTI, P., O Cristianismo em sua orfgem histórica e divina. Pon
tificia Unlversldade Católica, Rio de Janeiro 1963.

QUITTON, J., Le probleme de Jesús, 2 vols. París 1950 e 1953.


L'fivanglle et l'Eglise. París.

LAMBIASI, F., Autenticidade histórica dos Evangelhos. Sao Paulo


1978.

PIAZZA, W., Teología Fundamental para Leigos. Petrópolis 1972.

— 265 —
Um versículo questíonado:

"...muitas moradas na casa do pai"

Em síntese: As palavras de Jesús em Jo 14, 1-3 sao, ás vezes,


tldas como expressao da tese de que existem outros mu ¡tos planetas
habitados... e habitados por seres terrestres desencarnados. Ora tal
interpretagao é alheia ao teor do texto. Jesús, querendo reconfortar os
seus discípulos após a última cela, Ihes assegurou que todos teriam a
oportunidade de usufruir da visáo de Oeus na gloria eterna. O termo
marrsoes ocorre no Evangelho nao para significar um habitáculo físico,
mas para designar a duracio estável ou perene da gloria futura, em opo-
sicao á transitoriedade dos bens da térra. A forma de plural (mansóes)
nao significa a variedade dos graus de gloria futura, mas serve para
incutlr a certeza de que nenhum dos justos ficará excluido do convivio
eterno de Oeus.

Como se vé, os versículos em pauta nada tém a ver com a habita-


cao de outros planetas (hipótese esta que a fó católica nao rejeita, mas
deixa ao estudo dos dentistas), nem com a tese da reencarnacSo.

Comentario: Muitos cristáos, ao lerem o texto de Jo 14,2,


sentem-se impelidos a penetrar a fundo o seu sentido aparen
temente misterioso. Julgam descobrir ai a revelacáo de qu«!
existem habitantes em outros planetas (= moradas na casa
do Pai), habitantes que seriam homens terrestres «desencar
nados», capazes de entrar em comunicacáo com os seus irmáos
na térra.

Por causa desta interpretacáo, o versículo é muitas vezes


objeto de debates entre católicos e espiritas ou reencarnacio-
nistas. Eis o que nos leva a procurar, mima atitude serena e
objetiva, o auténtico significado de tal passagem bíblica.

1. A exegese do texto

Eis a passagem que vem ao caso:

"* Nao se perturbe o vosso coraclo I Credes em Deus, crede tam-


bem em mlm.

2 Na casa de meu Pai há multas moradas. Se nao fosse assim, eu


vo-lo lerla dito, pols vou preparar-vos um lugar.

— 266 —
cMUTTAS MORADAS NA CASA DO PAI.. ■> 43

3 E, quando eu me for e vos tlver preparado um lugar, virei nova-


mente e vos levarei comigo, a fim de que, onde eu estiver, estejais vos
também" (Jo 14, 1-3).

Examinemos atentamente o sentido das palavras ácima.

Jesús anunciara a traigáo de Judas (Jo 13,21-27) e a


renegacáo de Pedro (Jo 13,36-38) — o que certamente era
apto a perturbar os discípulos. Mais aínda: o Senhor anun
ciara a estes a sua partida (cf. Jo 13,33-35) —o que deprimía
os Apostólos. Eis por que o Mestre, em 14,1, tenciona recon-
fortá-los.

Tivessem confianga em Deus e, conseqüentemente, em Je


sús. Mesmo que se sentissem frustrados pela ausencia do Se
nhor, deveriam guardar a sua fé confiante; nao duvidassem
do Pai nem do Senhor Jesús, que nao os haveriam de aban
donar (cf. Jo 14,27; 16,33).

A perseveranca paciente e a expectativa dos discípulos nao


seriam vas ou frustradas, pois existem numerosas mansóes na
casa do Pai. A palavra grega moné quer dizer propriamente
mansáoi e nao comporta pluralidade de significados. Mencio-
mando as muitas mansóes, Jesús quer dizer que existem em
número suficiente; nem Pedro nem algum dos discípulos teriam
motivo para recear nao ter «lugar» na casa do Pai; na corte
do Reí celeste, todos teráo seu «lugar» próprio e como que
um aposento pessoal, que Jesús preparará para os discípulos.

A palavra mansóes em Jo 14,2 é, de certo modo, equiva


lente aos «tabernáculos eternos» mencionados em Le 16,9. Nao
se trata de cámaras dimensionais ou físicas, pois o Pai nao
tem casa física dimensional no céu; mas trata-se da perma
nencia enfatizada em oposicáo á transitoriedade e fugacidade
da vida peregrina na térra; todos os Apostólos (ou mesn;o
todos os cristáos) poderáo usufruir permanentemente da visáo
de Deus face-a-face (cf. Uo 3,1-3; ICor 13,12). Repitamos: o
Evangelho recorre á palavra moné (= mansáo) para acen
tuar a duracáo definitiva ou a estabilidade da gloria postuma
em oposigáo á provisoriedade da peregrinacáo terrestre.

Desde os tempos de S. Ireneu (t 202), os Padres da Igreja


entenderam as mansóes como símbolos dos diversos gratis de
bem-aventurante celeste ou visáo face-a-face de Deus; os mais

— 267 —
44 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 257/1981

santos contemplariam mais profunda e lucidamente o misterio


de Deus do que os homens menos santos. Todavia os mais
abalizados exegetas contemporáneos julgam que o Senhor, ao
enfatizar a multidáo de mansóes, nao quis significar a varié-
dade das mesmas ou dos graus de visáo beatifica, mas apenas
quis dizer que todos os discípulos tinham sua oportunidade de
usufruir do celeste convivio de Deus.

As subseqüentes palavras de Cristo tém sido entendidas


segundo matizes de interpretacáo diversos1. Em qualquer
hipótese, porém, elas significam que Jesús, deixando os Apos
tólos na térra, lhes há de preparar a mansáo na casa do Pai;
a partida de Jesús é penhor, para os discípulos, de um reen
contró com Ele na vida eterna. Jesús entraría na gloria como
o Precursor (cf. Hb 2,10;6,20), como o Primogénito da estirpe
humana chamada á vida gloriosa (cf. ICor 15,20); os homens
seriam co-herdeiros com Cristo (cf. Rm 8,17s).

O versículo 3 continua a metáfora do v. 2: Jesús, tendo


preparado as mansóes de seus amigos, voltará para levar cada
qual á respectiva morada.

Pergunta-se: quando se dará essa vinda do Cristo ? Há


quem indique o fim dos tempos, quando o Senhor vira visivel-
mente para consumar a historia; haverá entáo a ressurreigáo
dos mortos e o juízo final. Outros autores julgamtratar-se da
vinda invisivel de Cristo que se dá por ocasiáo da morte de
cada ser humano. — Na verdade, o texto do Evangelho nao
se refere explícitamente a nenhuma dessas duas modalidades.
Pode-se dizer que ambas estáo implicadas ñas palavras de
Cristo, pois na verdade nunca o cristáo fiel está separado do
Senhor que lhe é latente durante a vida terrestre; a comu-
nidade dos cristáos, como comunidade, será tornada partici
pante da gloria quando estiver consumada a historia deste
mundo e o número dos justos completo. Assim se realizará
rematadamente a promessa do Senhor: «Onde eu estou, lá
estará também o meu servidor» (Jo 12,26; 17,24).

Tal é o sentido das palavras de Jesús em Jo 14,1-3. A


título de complemento, examinemos sumariamente a historia
das religióes.

i Há, por exemplo, quem lela: "Se nio houvesse mullas mans5es,
será que eu vos teria dito: 'Vou preparar-vos um lugar' ?"

— 268 —
«MUITAS MORADAS NA CASA DO PAI...» 45

2. Um pouco cíe historia

A religiáo persa antiga admitía que, após a morte, a alma


tinha que viajar pelos espacos celestes, onde se recolhia em
tabernáculos ou mansóes provisorias; continuaría, pois, a sua
peregrinacáo pelo cosmos depois de deixar a térra.

Platáo (f 347 a.C.),na Grecia, falava das mansóes celes


tes, as quais se dirigiria a alma depois da peregrinado ter
restre (cf. Phaedon 53-63).

Os judeus após Cristo imaginavam o trono de Deus no


céu cercado pelas tendas dos anjos servidores e dos homens
justos dispostos em círculos concéntricos. Cada justo teria sua
morada ou sua mansáo física no paraíso.

Ora todas estas conceptees sao fantasistas; transpóem


para o além as realidades e as imagens da vida presente (trono,
tendas de cortesáos, cerimonial de corte, círculos concéntri
cos. ..). A outra vida nao estará confinada por termos geo
gráficos e físicos. É preciso guardar sobriedade ao falar da
mesma, pois, como diz Sao Paulo, «o que o olho nao viu, nem
o ouvido ouviu nem o coracáo do homem percebeu, eis o que
Deus preparou para aqueles que O amam» (ICor 2,9). As
concepgóes de topografía do além nao foram aceitas pelo ma
gisterio da Igreja, embora o ser humano (mesmo cristáo) seja
propenso a transpor para o além as categorías do aquém. No
Evangelho é clara a nogáo de que, logo depois da morte, cada
qual recebe a sua sorte definitiva; tal é, por exemplo, a dou-
trina incutida pela parábola do ricaco e de Lázaro (cf. Le 16,22)
e pelas palavras de Jesús ao bom ladráo («Hoje estarás
comigo no paraíso», Le 23,43). Nao há topografía do além;
nao se imagine a vida futura como segunda edicáo, aumentada
e melhorada, da vida presente; tudo que é espacial, é finito e
limitado. Observe-se, antes, a sobriedade que o Apostólo incute
aos cristáos.

A luz destes comentarios, verifica-se que nao tem funda


mento no Evangelho a tese de que há outros mundos habita
dos; em Jo 14,1-3 nada está dito a propósito. A fé católica
aceita, sem hesitar, a hipótese de que existam outros planetas
habitados; julga, porém, que toca á ciencia, por suas pesquisas,
dirimir as dúvidas relativas ao assunto.

269
46 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 257/1981

A habitacáo de outros planetas é independente da tese


da reencarnacáo; nao se associam necessariamente entre si a
piuralidade de mundos habitados e a reencarnacáo. Os anti-
gos hindus, ao admitirem a reenoarnagáo, nao pensavam em
outros planetas habitados; do seu lado, os pesquisadores que
procuram vestigios de vida humana tora da térra, nao se preo-
cupam necessariamente com a reencarnagáo.
Em suma, o texto de Jo 14,13 é muito reconfortante por
que assegura a todos os fiéis a fruigáo do encontró com Deus
face-a-face. Todavía nada tem que ver com reencarnacáo e
outras teses espiritas.
A guisa de bibliografía:
BEHLER, G.-M., Les parales d'adieu du SeEgneur. París 1960.
BRAUN, F. M., Jean le théologien. 3 vols. Paris 1953-1966.
DE LA CALLE, F., A (eologia do quarto Evangelho. Sao Paulo 1978.
DODD, C. H., A interpretacáo do quaito Evangelho. Sao Paulo 1977.
LAGRANGE, M.-J., Evangile selon saint Jean. Paris, 6a. ed. 1236.
VAN DEN BUSSCHE, H., Jean. Commentaire de lEvangile sprl-
tuel. Paris 1967.
* * *

LIVROS EM ESTANTE
(ContinuagSo da pág. 268)

Já estava pré-definida antes do Interrogatorio. O autor do livro, Pe. Schühly,


conseguiu ter acesso aos autos do processo e ao texto da carta de despe
dida do Pe. Grimm, escrita poucas horas antes da sua decapitado, com
alegría e paz.
A leltura do livro é interessante, pois manlfesta os tópicos principáis
da filosofía nacional-socialista, que, apregoando a "religiio do sangue",
vitlmou milhdes e milhoes de seres humanos. Revelou também a coragem
nSo só do Pe. Grimm, mas de dols outros sacerdotes que resistiram ao
nazismo até a morte. O leltor destas páginas se tecordará de que é (ilho
e irmáo dos santos, cuja linhagem o cristSo nao pode trair.

: Casas mal-assoptbradas. Fenómenos de lelergia, por Edvino Friderichs


S.J. Colecao de Parapsicología X. — Edlcóes Loyola, Sao Paulo 1980,
140 x 210 mm, 235 pp.
O Pe. Edvino Friderichs S. J. é notável parapsicólogo, colaborador
do Pe. Osear Quevedo S. J. no CLAP (Centro Latino-Americano de Pa
rapsicología). Dedica o livro Inteiro ao fenómeno que tanto assusta o
público, das casas mal-assombradas: em poucas páginas (9-24) expSe
os conceitos teóricos que Iluminan) o fenómeno; a seguir, narra e comenta
numerosos casos tanto do Brasil como do estrangelro. As casas mal-assom
bradas nada tém que ver com espirites do além ou com demonios, mas
devem-se exclusivamente & presemea de urna pessoa (geralmente jovem)
que sofre de um confuto psíquico (é rejeitada pelos país ou padeceu
algum trauma afetlvo...); mediante a telergla (forca psíquica) a pessoa
Inconscientemente faz que o seu problema intimo se traduza em problema
(Continua na pág. 273)

— 270 —
Será antibíblica

a moda feminina das calcas compridas ?

E/n sinlese: Um estudo detldo e objetivo de Dt 22, 5 mostra que


o preseilo de Moisés nao lem em mira simplesmente o uso de caifas
compridas por parte de mulheres, mas, sim, os abusos que este tipo
de traje ocasionava nos cultos pagaos; favorecía o deboche e outros vicios
inspirados pela mentalidade de povos pré-cristáos. Por conseguinte, nao
se pode condenar a moda feminina das caigas compridas em nome da
Escritura Sagrada. Tal tipo de indumentaria tornou-se algo de natural e
geralmente aceito, sem chamar a atencSo do público, a .nao ser que as
próprias calcas, por sua índole "colante", sejam feitas para provocar
os instintos sexuais.

Comentario: O uso de caigas compridas por pessoas do


sexo feminino tem sido impugnado em nome de um texto do
Deuteronómio, freqüentemente aduzido sem procura exata do
respectivo significado. Eis por que passamos a examinar tal
secgáo e o problema citado.

Dt 22,5: "A mulher nao trajará vestes masculinas, e o homem nao


usará vestes feminlnas. Quem assim proceder, será abomlnável ao Senhor
teu Deus".

1. Este texto há de ser entendido como qualquer outra


passagem bíblica, dentro do respectivo contexto histórico. Sa-
be-se que a Biblia oferece a Palavra de Deus «encarnada»
dentro da linguagem e da cultura dos homens que Deus quis
assumir como hagiógrafos.

Ora, ao procurar reconstituir o quadro histórico e cultu


ral do versículo ácima, os comentadores unánimemente afir-
mam que

1) o texto nao tem em mira condenar o uso, como tal,


de caigas compridas por parte das mulheres, como se esse uso,
pop si mesmo, fosse provocacáo ao pecado;

2) nem tem em vista defender diretamente os diferengas


naturais existentes entre o sexo masculino e o feminino, mas

— 271 —
48 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 257/1981

3) foi redigido em vista de certas práticas usuais nos


cultos pagaos da Siria e de Canaá, práticas que davam ocasiáo
a agóes grosseiras e imorais.

Vejamos de mais perto este último tópico.

2. É notorio o fato de que entre os gentíos se praticava


a prostituigáo sagrada. Chamava-se bierodula (servidora do
santuario) a pessoa, as vezes de sexo masculino, mais freqüen-
temente de sexo feminino, que se prestava á prostituipáo sa
grada nos templos; tanto o homossexualismo quanto o hete-
rossexualismo podiam entáo ser cultivados; em conseqüéncia,
nao era rara a figura do (a) travestí (e). — A prostituigáo sa
grada existia nos santuarios egipcios e mesopotámicos de Isis
e Istar; principalmente, porém, nos templos de Astarté em
Canaá (= Palestina). Sob a influencia dos cananeus (cf.
Nm 25,1-18), o mal penetrou também no culto israelita. Com-
preende-se que, neste contexto histórico e geográfico, a Lei de
Moisés proibisse tal abuso e excluisse das ofertas feitas no tem
plo do Senhor o salario de urna prostituta, que era também
chamado «salario de cao» (cf. Dt 23,17s).

Na época de Jeroboáo (931-910) o abuso aumentou nota-


velmente (cf. IRs 14,24), mas Asá (911-870) e Josafá (870-
-848) expulsaram as hierodulas da térra de Israel (cf. IRs
15,12; 22,47). De novo as hierodulas apareceram em Israel
sob Manassés (687-642) e Amon (642-640); todavía Josias
(640-601) mandou demolir as suas habitacóes (cf. 2Rs 23,7).
Ainda a respeito do uso de vestes ou insignias masculinas
por parte de mulheres, note-se o seguinte:
Segundo Macrobio (séc. V d.C), em Satornalia 1. TTT,
VIH, havia em Chipre urna estatua de Venus, barbatum cor-
pore, sed veste muliebri, cum sceptro ac statura virili (dotada
de barba, de cetro e de estatura viril, mas vestida de trajes
femininos), que era considerada indiferentemente como mas
culina e feminina, e á qual ofereciam sacrificios homens ves
tidos como mulheres e mulheres vestidas como homens. Ver
também Servus (t Fun do séc. IV), In Aentídam n 632; Apu-
leio (f 185 d.C), Meíamorphoses vm 24 s.
Por conseguinte, nao pode restar dúvida a respeito do
caráter circunstancial e delimitado (geográfica e histórica
mente) da proibicáo de Dt 22,5.
3. Passando ao plano da Teología Moral propriamente
dita, pode-se ainda observar quanto segué:

— 272 —
CALCAS COMPRIDAS E MODA FEMININA 49

Urna veste deverá ser tida como imoral se provocadora


ou excitante de concupiscencia: assim toda roupa que deixe
descobertas ou faga transparecer ou ponha em evidencia par
tes sexuais ou erógenas do corpo humano, torna-se, via de
regra, excitante. Por isto deve ser banida como imodesta e
imoral. Verifica-se, porém, que o uso de caigas compridas hoje
em día por parte das mulheres nao costiuna excitar nem sedu-
zir para o mal. Tomou-se algo de natural e geralmente aceito,
sem chamar a atengáo do público (a nao ser que as próprias
caigas, por sua índole «colante», sejam feitas para provocar
os instintos sexuais). Eis por que nao se vé razáo para con
denar o uso de caigas compridas por pessoas do sexo feminino
em nossos dias, de mais a mais que tal traje é muitas vezes
mais decente do que certos vestidos ou saias.

A propósito:
PIROT-CLAMER, La Sainte Bible. Teme II. París 1946.
VAN DEN BORN, A.. Dlckmárlo Enciclopédico da Biblia. Petrópolis
1971. Verbetes "ProstltuIgSo" e "Hlerodulas".
* * "•
LIVROS EM ESTANTE
(ContinuagSo da pég. 270)
externo, físico: os movéis se deslocam, os quadros caem, as lámpadas
se quebram...; tnslaura-se assim um clima de pandemonio, que é slm-
plesmente o reflexo da agitacSo existente no dito sujeito.
A telergla pode ter acSo também sobre as plantas, modificando o
crescimento e a evolucSo das mesmas. Pode outrossim produzir aportes,
ou seja, a transferencia de um objeto de um lugar para outro, mesmo
que deva atravessar muros; este último fenómeno aínda está sujeito a
ulteriores pesquisas, pois é dos mais curiosos que a parapsicología
contiena.
É de toda conveniencia que o público estude o livro do Pe. Edvlno,
visto que esclarece grande número de casos Impresslonantes, dissipando
llusSes falsamente religiosas ou místicas que a propósito existem.
Felttoelros, bnixos e possessos, por Pedro José Gonzalez-Quevedo.
Tradug§o de Manuel Losa. Colecto de Parapsicología XII. — Ed. Loyola,
SSo Paulo 1981, 138 x 208 mm, 309 pp.
Els outro livro que desfaz erróneas Interpretares de fenómenos
extraordinarios. Mostra especialmente como a sugestfio pode causar enor
mes danos: quem ere que algum feltlco faz mal, pode ser danlficado, nfio
porque o feltlco como tal prejudlque, mas porque a pessoa se predlspóe
a sofrer algum acídente ou daño; tendo a resistencia psíquica abalada, o
sujeito cal fácilmente em desastre ou outra desgrasa.
Fazemos, porém, restribes a tercelra parte do livro, em que o autor
liega a possessSo diabólica nos Evangelhos, atribuindo a Jesús o papel
de quem se adapta ás crendlces populares ou aos erras da gente Igno
rante. Tal atltude é Incompatlvel em Jesús, que velo ao mundo para dar
testemunho da verdade (cf. Jo 18,37).
E. B.
— 273 —
Em vista do planejamento familiar:

inocua, a vasectomia ?

Em síntese: A vasectomia tem sido objeto de estudos apurados


por parte de dois dentistas norte-americanos, Nancy Alexander e Thcmas
Clarkson, que julgam ser tal operac§o provocadora ou catallsadora de
arteriosclerose; com efeito, os espermatozoides, nao podendo ser expe
lidos, penetram dentro dos tecidos e do próprlo sangue do organismo,
acarretando finalmente a formacSo de placas escleróticas. Embora haja
vozes que Ihes cantradigam, os dois pesquisadores vém multiplicando as
suas experiencias e advertem o público no sentido de nao aceitar tal
Intervengio cirúrglca enquanto nSo se esclarecerem meihor as suas
conseqüéncias.

A posicáo de Alexander e Clarkson compreende-se bem a partir do


principio de que "a natureza é sabia", de modo que, quando se viola a
respectiva ordem, todo o organismo se ressente.

Comentario: Entre os meios apregoados para conter a


natalidade no mundo inteiro, e também no Brasil, aponta-se a
vasectomia. Esta consiste na extragáo dos cañáis (vasa defe-
rentia) que, no homem, conduzem os espermatozoides para
fora do organismo; em conseqüéncia, o homem já nao pode
ejacular — o que lhe permite ter. relagóes sexuais sem 6 perigo
de tornar grávida alguma mulher.

Cerca de 35 milhóes de homens no mundo inteiro, sendo


que seis milhóes nos Estados Unidos, sofreram tal operagáo.
Ésta se realiza em quinze minutos num consultorio médico,
mediante anestesia local, sem grandes despesas' para os res
pectivos pacientes. A potencia sexual destes fica incólume;
Tais características tornam «popular» a vasectomia. .

Ora esta maneira de considerar os fatos vem sendo posta


em xeque por recentes experiencias realizadas nos Estados
Unidos. Da revista TEME (édigáo latino-americana), 9/02/81;
p. 43 extraímos as noticias subseqüentes,

— 274 —
INOCUA, A VASECTOMIA? Bl

1. As experiencias mais recentes

A Día. Nancy Alexander, físiologista do Oregon Regional


Primate Researdh Center em Beaverton, e o Dr. Thomas
Clarkson, patologista veterinario da Bowman Gray School of
Medicine em Winston-Salem, N.C., realizaram duas experien
cias de vasectomia em diferentes especies de macacos. De urna
feita, dez individuos machos foram submetidos a regime die
tético portador de forte percentagem de colesterol, a saber:
cerca do dobro do nivel de colesterol que a media dos norte-
-americanos costuma ingerir. Após seis meses de dieta, cinco
dos animáis foram submetidos á esterilizacáo por vasectomia.
Os outros cinco se viram preservados para servir ao controlé
da experiencia; foram, sim, sujeitos a cirurgia, nao, porém, á
vasectomia. Dez meses mais tarde, as arterias de todos foram
extraídas a fim de se examinar o depósito de colesterol que
traziam. Verificou-se entáo que, embora todos os animáis
apresentassem lesóes adiposas, os individuos submetidos á
vasectomia estavam afetados em proporcóes muito mais vastas.

Numa subseqüente experiencia, os pesquisadores compa-


raram as arterias de dez macacos machos que tinham sido
esterilizados havia nove, dez ou mesmo quatorze anos, com as
arterias de oito machos que nao tinham sofrido intervencáo
cirúrgica. Todos haviam sido alimentados com baixo nivel de
gorduras e sem uso de colesterol. Ora averiguou-se que os ma
cacos sujeitos a vasectomia apresentavam mais ampios depó
sitos de gordura.

A explicagáo para os fatos proposta pelos dois pesquisa-


dores é a seguinte: por ocasiáo da vasectomia os cañáis por
tadores de esperarías sao extraídos; isto, porém, nao impede
que os espermatozoides continuem a ser produzidos pelo orga
nismo. Nao podendo ser ejaculados, penetram dentro dos teci-
dos que lhes ficam próximos ou mesmo dentro do fluxo san
guíneo; em tais novos ambientes sao tidos como corpos «estra-
nhos» e atacados por antícorpos. Ora os Drs. Nancy Alexan
der e Thomas Clarkson julgam que os compostos resultantes
de espermatozoides e antícorpos prejudicam as paredes das
arterias e aceleram a formacáo de placas arterioscleróticas.
Essas placas, porém, nao aparecem necessariamente logo depois
de efetuada a vasectomia, mas podem manifestar-se alguns
anos, ou mesmo dez anos, após a esterilizacáo.

— 275 —
52 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS* 257/1981

As conclusóes dos dois pesquisadores nao podiam deixar


de suscitar dúvidas e contradigdes. Assim, por exemplo, o
New York Cify-base Assodatíon for Voluntary Sterilization
objetou que as experiencias realizadas em primatas nao eram
suficientemente sólidas do ponto de vista estatístico. Também
o fisiologista Ira Richards declarou nao haver evidencia de que
as doencas cardiacas sao mais freqüentes em homens esteri
lizados.

Nancy Alexander e Thomas Clarkson continuam a susten


tar suas teses. Em conseqüéncia, a Dra. Alexander apregoa
cautela quando os colegas aceitam praticar em seres humanos
a esterilizacáo que tém efetuado em macacos. Adverte textual
mente:

"Se um tiomem soíre seria ameaca de arleriosclerose — por exem


plo, se padece de pressSo alta ou se seus pais foram vítimas de algum
mal cardíaco —, quelra esperar mais seguras Informacoes sobre os ris
cos da vasectomla".

Entrementes a medicina vem-se interessando mais e mais


pela questáo, de modo que nos Estados Unidos estáo em curso
importantes estudos sobre vasectomia e arteriosclerose.

Faz-se oportuno dizer a propósito algumas palavras de

2. Reflexóo

Nao é difícil aceitar a perspectiva de que a vasectomia


tenha serias contra-indicagóes. E isto, pelo fato mesmo de
mutilar a natureza humana e permitir o uso «mutilado» de
urna das fungóes do organismo. A natureza se defende espon
táneamente quando agredida ou quando sujeita a excessos ou
desvíos. A própria pilula anticoncepcional, que é outro meio
de mutilar a fungáo sexual, apresenta suas ponderáveis contra-
•indicagóes. No caso da vasectomia a pesquisa moderna nao
fez mais do que evidenciar, com certa precisáo, a maneira
como a intervengáo antinatural é repelida pelo organismo
masculino.

Donde se vé que tal tipo de operagáo cirúrgica nao é


auténtico meio de planejamento da populagáo. Antes merece
recusa nao só por parte da consciéncia moral, mas também
por parte da ciencia médica mais atualizada.

— 276 —
Ainda a respeito de estranho episodio:

a explicando do caso dudko

Em sintese: O presente artigo continua, de certo modo, o de


PR 256/1981, pp. 210-220, pois reproduz o depoimento do cronista Ana-
tole Krasnov-Levitine, que explica a rápida mudanca de posicáo do sacer
dote russo ortodoxo Dmitri Dudko exposta em tal número de PR: ardente
defensor da fé até Janeiro de 1980, o Pe. Dudko foi encarcerado; na prisSo
sofreu evolucao tal que em junho de 1980 se retratou, desabonando as
posicdes de fé anteriormente assumidas. TSo brusca transformacio se
deve supostamente a urna lavagem de cránio, como julgaram varios obser
vadores do caso, inclusive o escritor Levitine. — O artigo acrescenta ao
testemunho de Levitine algumas consideracSes sobre o que seja propria-
mente a lavagem de cránio, os seus fundamentos científicos e as suas
etapas, tentando mostrar como o caso do Pe. Dudko se enquadra dentro
de tal procedimento.

Comentario: Em PR 256/1981, pp. 210-220, publicamos


a noticia da misteriosa retratagio do sacerdote russo ortodoxo
Dmitri Dudko. Em poucas palavras: este ardoroso apostólo da
fé em Moscou foi, mais urna vez, encarcerado em Janeiro de
1980 e, finalmente, em junho do mesmo ano, fez declaracpes
que contradiziam a quanto havia afirmado até entáo. A opi-
niáo pública, surpresa ante o fato, julgou tratar-se de mais
um caso de lavagem de cránio, na U.R.S.S.

Ora a documentagáo que a propósito foi publicada em


PR 256/81 é agora completada pelo testemunho de Anatole
Krasnov-Levitine, jomalista e historiador russo exilado na
Suíga. Expulso da sua patria em 1974, Levitine conutinua a par
dos acontecimentos ocorrentes na Russia. Concedeu urna entre
vista sobre os episodios de perseguicáo religiosa mais recentes
na Russia ao periódico mensal Religia i Ateizm V SSSR
(Konigstein/Taunus, FRA). O texto desta entrevista foi publi
cado em tradugáo francesa pelo boletim ortodoxo SOP (Ser-
vice Orthodoxe de Presse et dinfonnation) n» 14, Janeiro 1981,
pp. 10-14. É de tal fonte que extraímos a secgáo abaixo rela
tiva ao Pe. Dmitri Dudko.

— 277 —
54 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 257/1981

I. A ENTREVISTA

Repórter (R.h «Aqui no Ocidente estamos estupefatos e abis


mados pelas últimas noticias provenientes de Moscou e nao sabe
mos o que pensar. Parece que as pilastras do renasdmento reli
gioso na Unido Soviética capitularan!: o Padre Dudko, Lev Regel-
son... A agencia TASS feria anunciado que o Pe. Gleb Yakounine
também 'reconheceu a sua falta'. Que pode o Sr. dizer a respeito?»

Levitine (L): «O que aconteceu em Moscou, se o fivéssemos


lido nos escrito? de um romancista, feriamos acusado a este de arti-
ficiosidade totalmente inverossímil: todos os indigitados, rem exce-
cao, dividiram-se em dois grupos distintos — os fracos, de um lado
(embora bons, sinceros e religiosos) e, do outro lado, os auténticos
heróis, de coragem excepcional. Já que os conheco pessoalmente
há muiío, creío estar habilitado a trazer os esclarecimentos que
o Sr. pede.

Como sabe, o mais popular (dos recentes heróis da fé) era o


Padre Dmitrí Dudko. O arrependimento que ele manifestou na vés-
pera do seu processo constituiu para todos enorme decepcao. Toda
vía posso detectar o que ocorreu com o Padre Dmitrí. — Depois de
encarcerado, ele a principio julgou-se capaz de defender as suas
conviccoes. Mas pouco depois comecou o período da grande Qua-
resma pascal; o Padre Dmitri experimentou enfáo forte desánimo. Do
ponto de vista psicológico, isto se compreende: ele, um dos sacer
dotes mais populares de Moscou, estava acostumado, naqueles días
de preparacao para a Páscoa, a se ver cercado por urna multidao
de filhos espirituais (o número destes aumentava sempre); o Padre
Dmitri naquele período do ano se encontrava sempre em excepcional
estado de ardor espiritual. Ora em 1980 ele se viu só, numa cela
de prisáo, afastado dos seus fiéis e, sem dúvida, para sempre, pois
ele conta 59 anos de idade, e o que aguardava era urna pena de
dez anos de cárcere. Via-se outrossim separado da familia, também
para sempre (havla pouca probabilidade de que pudesse rever os
filhos e a esposa). Estava aínda separado de todos os seus amigos.
— Pois bem; faz-se mister conhecer o temperamento do Padre Dmitri:
é homem impulsivo, muito su¡eito a altos e baixos emocionáis. Quando
estava cercado de numerosos fiéis, as suas duposicoes eram bem
diversas daquelas que o afetaram em seu total ¡solamento, de mais
a mais que, evidentemente, ele nao tinha conhecimento de todos os
protestos que haviamos levantado em favor dele no estrangeiro.

— 278 —
EXPLICAQAO DO CASO DUDKO 55

Eis que, nesse estado de prostracao interior e inseguranca, escre-


veu ao Patriarca Pimen 1, com que está ligado por vínculos muito
particulares; foi precisamente o Patriarca Pimen, entao bispo de
Dmitrov, qve o ordenou diácono e, a seguir, presbítero; era o pro-
tetor e, por assim dizer, o pa¡ do Pe. Dudko. Este, portanto, deso
rientado e abatido, escreveu ao Patriarca para pedír-lhe que conti-
nuassem a I he dispencar a sua amizade, pensasse nele e rezasse por
ele. A carta tendo sido escrita no cárcere, compreende-se que logo
tenha caído ñas maos dos agentes do KGB; estes perceberam clara
mente o bom partido que poderiam tirar de tal documento. O Padre
Dmitrí sem demora recebeu na sua cela carcerária a visita do metro
polita Juvenal2...»

R.: «O sr. está certo disso?>

L: «Absolutamente certo. O metropolita Juvenal foi visitar


Dudko como enviado do Patriarca. Comecou por perguntar ao pri-
sioneiro, com grande gentileza, como ia passando. O metropolita Ihe
disse que estova pronto para a¡udá-lo. Ao mermo tempo, porém,
transmitia-lhe um pedido do Patriarca. Tal pedido era análogo ao
que, no romance 'A filha do Capitáo' de Pouchkine, Savelitch dirige
o seu patrao Grinev3: 'Rogo-te, cospe e beija a mao do bandido!'

O Pe. Dmitri hesitou por muito tempo, mas o metropolita Juvenal


teve com ele varios outros encontros. Mais aínda: há indicios, nao
confirmados, de que ao Pe. Dmitri tenha sido concedido um encontró
também com o próprio Patriarca: o prisioneiro haveria sido levado á
sede do Patriarcado de Moscou. Como quer que seja, o metropolita
Juvenal é que desencadeou o procesco; posso imaginar o que disse
ao prisioneiro, durante as numerosas conversas que teve com Dmitri.
Tais pessoas geralmente dizem o seguinte: 'As sagradas ofertas, o
pao e o vinho da Eucaristía esperara que vocé os aprésente ao
Senhor. Seus filhos espirituais nao tém mais ninguém que os dirija.
Volte a estar com eles! Ninguém exige coisa alguma de vocé. Vocé
ficará sendo um crente, vocé ficará sendo sacerdote... Apenas um
gesto de pouca importancia...' Enquanto estas coisas iam sendo

»Patriarca de Moscou, primaz da Igreja Ortodoxa Russa. (Nota do


tradutor brasllelro).
1 Metropolita de Kroutitsi e de Kolomna, responsável pelas retacees
públicas do Patriarcado, e também responsável pela Pastoral da diocese
de Moscou (Nota da Redacáo da revista alema).
s Qrlnev era um jovem oficial que caira ñas mfios dos rebeldes. Dele
exiglam os inimlgos, para que tivesse a vida salva, fizesse reverencia ao
cossaco Pougatchev, que pretendía ser .o Imperador da Rússla. (N. d. R.).

— 279 —
56 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 257/1981

ditas ao Padre Dmitri, nos bastidores do Patriarcado o famoso


documento l já eslava pronto...

Como estou acostumado aos cárceres, sei que em tais casos basta
um primeiro passo. Por conseguirle, o Pe. Dmitri assinou o documento.
O passo subseqüente foi este: 'Muito bem, vocé assinou. Agora nao
Ihe custa nada ler este texto na televisao, nao é?' Ele o leu, e as
coisas depois se desenrolaram como segué: o Pe. Dudko foi liber
tado; naquele me:mo dia eu Ihe telefonei, mas ele recusou responder;
só pude falar com a sua sogra. Depois, durante os Jogos Olímpicos,
ele foi exilado por um mes no distrito de Bríansk, onde vivem seus
¡rmaos e irmás. Finda a temporada, ele voltou. Oficiou pela pri-
meira vez aos 21 de setembro por ocasiáo da festa da Natividade
da Virgem, concelebrando com o metropolita Juvenal. Foi este último
que pronunciou a homilía, na qual falou da reconcilíaselo geral,
enquanto Ihe permanecía ao lado o Pe. Dmitri, revestido de todos os
paramentos sacerdotais. Mais tarde, recebeu um encargo e atual-
mente é vigário numa paróquia...»

II. COMENTANDO...

Lavagem de cránfo

A opiniáo pública, ao tomar conhecimento da «retratagáo»


do Pe. Dudko (reproduzida em PR 256/1981, pp. 217-219),
julgou que se tratava de efeito de lavagem de cránio. E com
razáo, mormente se é verídica a exposigáo feita por Krasnov-
-Levitine.

Vejamos, pois, de perto o que se entende por «lavagem


de cránio».

II. 1. Que é a lavagem da cránio?

A expressáo «lavagem de cránio» (ou «lavagem de cere


bro» ou «limpeza da mente») entrou no vocabulario moderno
no fim da última guerra mundial; parece ser a traducáo do
termo chines Hsi-Nao. Designa a aplicagáo de urna serie de
recursos da medicina e da psicología que visam a influir no
comportamento de urna pessoa a ponto de mudar (ou, como
dizem, «limpar, lavar») por completo o modo de falar e agir
de tal pessoa. Em conseqüéncia de urna dessas lavagens de

i Trata-so de um documento de retratacSo, como aquele que Dmitri


assinou e que foi publicado em PR 256/1981, pp. 217-219 (N. d. t b.).

— 280 —
EXPUCAQAO DO CASO DUDKO 57

cránio, quem, por exemplo, sempre foi infenso ao sistema mar


xiste, faz declaragóes entusiastas em favor do comunismo,
denuncia os colegas «capitalistas burgueses», «reconhece» ter
cometido delitos contra o regime vigente e a patria; numa
palavra: desdiz totalmente os seus hábitos e suas afirmagóes
de outrora... — Por isto, há quem proponha para tal técnica
o nome, certamente mais fiel, de «menticídio».

Tal fenómeno nos interessa na medida em que constituí


urna manifestacáo requintada de ciencia e técnica, associadas
á hipocrisia sádica, a fim de servir ao odio, á mentira e á
deturpagáo da personalidade. Toda a grandeza da criatura
parece assim empenhada em contrariar ao Criador e as leis
do Criador — o que é satánico !

II. 2. Os fundamentos científicos

A inteligencia e a vontade, facilidades características da


alma humana, necessitam, para agir, do concurso do corpo e,
em particular, do cerebro. O cerebro vem a ser quase a «cen
tral telefónica» onde as impressóes captadas pelos sentidos
externos e pelo sistema nervoso em geral sao colecionadas e
ulteriormente transmitidas á inteligencia, a fim de que este
distinga o essencial do acidental, formule definigóes, avalie as
proporgóes entre meios e fins, etc.

Daí a grande importancia que tem a saúde ou o fundo-


namento normal do cerebro para as manifestagóes da inteli
gencia e da vontade do respectivo sujeito. Ora, conscientes
disto, médicos e psicólogos modernos tém concebido métodos
esmerados que conseguem influir no sistema nervoso e, por
conseguinte, no cerebro de um paciente de modo tal que este
produza manifestacóes da inteligencia e da vontade bem diver
sas das que ele antes produzia. Tais métodos consistem ora
em parausar, por inteiro ou em parte, urna determinada fun-
cáo do sistema nervoso ou do cerebro, ora em canalizar essa
funcáo a fim de que ela reaja sempre do mesmo modo.

A lavagem dé cránio utiliza multo particularmente as des-


cobertas do fisiologista russo, pai da medicina córtico-visceral,
Ivan Petrovitch Pavlov, sobre os chamados «reflexos adquiri
dos» ou «condicionados»: por cerca do ano de 1929, Pavlov
averiguou, sim, que certos estímulos ou agentes extrínsecos
podem provocar ou condicionar reflexos (isto é, reagoes incons-

— 281 —
58 ePERGUNTE E RESPONDEREMOS> 257/1981

cientes) táo arraigados em determinado sujeito que este passa


a reagir de tal modo (mesmo fora de propósito e em circuns
tancias ridiculas) todas as vezes que seja atingido por tal ou
tal estímulo...

Urna das experiencias mais significativas realizadas por


Pavlov versava sobre um cao e urna campainha. — Sempre
que se levava o alimento a um cao, Pavlov mandava tocar urna
campainha; depois de assim haver feito numerosissimas vezes,
o cientista mandou tocar a campainha, mas nada dar de comer
ao animal por essa ocasiáo. Observou entáo estranho fenó
meno: o cao acostumado a comer logo após ouvir a campai
nha, conservou o hábito de salivar copiosamente a boca ao
som da campainha, mesmo quando já nao lhe serviam co
mida. O animal ficou assim «condicionado» a responder ao
som da campainha como se este som tivesse o odor e o sabor
de alimento. Pavlov verificou aínda que outros estímulos, re
petidamente aplicados ao mesmo animal, provocavam rea-
cóes ou, como se diz, reflexos ainda mais complicados.

Ora, de experiencia em experiencia, os cientistas descobri-


ram que também o homem é capaz de adquirir reflexos condi
cionados inconscientes; o que quer dizer: é capaz de contrair
certos hábitos e tomar atitudes marcantes (por palavras ou
gestos) mediante a influencia de fatores mecánicos devida-
mente concebidos pelos psicólogos e médicos.

No homem a capacidade de adquirir reflexos condiciona


dos pode ser utilizada para remediar a situares doentias e
comportamentos moralmente viciados da personalidade hu
mana. Ela pode, porém, ser explorada para o mal, ou seja,
para esmagar e destruir a personalidade. É isto justamente o
que fazem os «limpadores de cránio» nos países totalitarios.

A técnica longa e complexa da lavagem de cránio con


serva até agora índole um tanto misteriosa; as declaragóes das
respectivas vitimas parecem, a certos peritos, tendenciosas,
nao merecedoras de pleno crédito.

Como quer que seja, pode-se reconstituir o curso geral de


um processo de limpeza de cránio nos termos que váo abaixo
delineados.

II. 3. Como se desenvolve - a técnica


A lavagem de cránio pode processar-se em tres etapas, de
crescente penetracáo e eficiencia.

— 282 —
EXPLICAgAO DO CASO DUDKO 59

a) Príroeira etapa: a violencia

A primeira etapa costuma recorrer á violencia, a fim de


induzir o «réu» a confessar suas culpas ou a professar a ideo-
logia que ele jamáis quis aceitar.

A vitima é encerrada num cubículo de prisáo. Dáo-lhe


vestes características, que as vezes apresentam urna particula-
ridade aparentemente secundaria: nao tém botóes; basta isto
para provocar urna situagáo estranha; o «réu» terá que ficar
continuamente sentado ou, todas as vezes que se quiser levan
tar, deverá fazer o papel ridículo de segurar as caigas com
as máos.

Apenas dois orificios perfuram esse cubículo de cimento:


urna boca para entrada do ar, e urna viseira na porta, através
da qual dois olhos, de dez em dez minutos, controlam qual-
quer atitude do prisioneiro. A iluminagáo é fornecida por urna
lámpada elétrica que «pisca» em ritmo regular, produzindo luz
ora vermelha, ora amarela. Se o encarcerado pergunta ao
vigía por que a iluminacáo é táo anómala, após a centésima
interrogacáo respondem-lhe que a instalacáo elétrica está com
defeíto; é, porém, um defeito apto a tornar louco o paciente!

Alias, tudo que vai acontecendo nesse cubículo, é apto a


gerar a loucura. O prisioneiro nao pode ver a luz natural,
mas também nao tem relógio, de modo que nunca sabe ao
certo que horas sao; assim as nocóes básicas de «dia» e «noite>
para ele se váo esvanecendo. Quando saiu de casa, a esposa
e os filhos estavam para voltar das ferias, ela esperando mais
um nene; «que susto nao terá ela experimentado?», pergunta
constantemente o prisioneiro de si para si. Nao sabe por que
nem por quanto tempo se acha na situagáo presente. Todo
contato com o mundo externo lhe é peremptoriamente vedado;
esse isolamento absoluto tende a desarraigar o prisioneiro e a
subtrair-lhe os pontos cardeais segundo os quais a sua perso-
nalidade se orientava antigamente.

Dentro do cubículo, durante meses a fio verificam-se fenó


menos intrigantes, de índole aparentemente inofensiva e casual,
mas na realidade todos premeditados e desencadeados de modo
a desconsertar cada vez mais o paciente. Por exemplo, fre-
aüentemente lhe dirigem a pergunta: «És realmente N. N...?»
Fazem-lhe ouvir discos que imitam a sua voz, em tom de sus-

— 283 —
60 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 257/1981

surro, de modo que é levado a confundir vozes reais e a voz


do íntimo da sua consciéncia em soliloquio. Um día, a refeigáo
principal consta de um osso apenas, como se nada mais hou-
vera na cozinha; há ocasióes em que os olhos do carcereiro
ficam a espreitá-lo incessantemente durante urna hora, a tal
ponto que o encarcerado comega a duvidar da realidade da
sua própria visáo. O piscar sistemático da lámpada, o fato de
ter que segurar as calcas ñas máos sempre que se levante,
ainda contribuem para dar á vitima a impressáo de que está
vivendo num mundo novo, mundo em que tudo é absurdo.
Nem sequer lhe permitem dormir um pouco a fim de esquecer
a triste realidade em que se acha! Desta maneira o sistema
nervoso da vitima se vai esgotando; cedo ou tarde poderá pare-
cer-lhe que o preto se tornou branco, e que o branco «virou»
preto.

Finalmente, nesse estado de extrema debilidade e vacilagáo


mental o prisioneiro recebe certo dia a visita de um homem...
Vira para conversar? — O estranho, munido de capacete de
acó, comega a interrogar...; mas que coisas absurdas nao per-
gunta ele!? Mostra-se, além disto, brutal; esbofeteia, aplica o
choque elétrico mediante pingas fixas as partes mais sensíveis
do corpo, e durante quarenta e oito horas continuas intima
periódicamente: «Confessa ! Confessa ! Confessa !»

Após tres visitas deste tipo, o complexo do medo está im


plantado na maioria dos homens corajosos; a vitima perde
todo senso de critica e de resistencia, assemelhando-se a um
animal medroso!

Alguns pacientes, de temperamento fraco, após tais tra-


tamentos, se tornam totalmente maleáveis ñas máos de seus
carrascos. Confessam tudo que se lhes sugira, mesmo as coi
sas que eles reconhecem como falsas.

b) Segunda etapa: a brandura

Admitamos que o «réu» ainda queira contradizer aos seus


acusadores, mesmo após tais maus tratos. Comega entáo um
segundo grau de «lavagem» ou de «extorsáo». — Outro visi
tante o vai procurar no cárcere:... alguém que, desta vez, o
parece deixar á vontade e confiante; é um operario, no caso
de ser o prisioneiro um operario, ou entáo um militar, um inte
lectual, urna mulher, um jovem ou um anciáo, de acordó com

— 284 —
EXPUCAQAO DO CASO DUDKO 61

a identidade do «réu». Usa de voz branda, aütudes calmas, a


fim de explorar a situacáo psicológica do paciente: este, ven-
do-se no extremo abandono, mil vezes hostilizado, tende a se
deixar cativar espiritualmente pela primeira pessoa que se Ihe
mostré benigna. Consciente disto, o «benévolo» visitante póe-se
a aconselhar: «Nao tens esperanga de escapar, caso nao con-
fesses. Confessa, e recuperarás teu regime de vida normal,
com tua esposa e teus filhos». Essas palavras, de teor aparen
temente táo amigo, nao podem deixar de impressionar e mesmo
desconsertar a quem só espera maus tratos. A vítima entáo,
já muito debilitada física e moralmente, desarmada como
crianza, fácilmente se entrega confiante, ou mesmo sentimen
talmente, ao conselheiro... E confessa tudo, chegando a inven
tar a narrativa de faltas que Ihe sejam sugeridas pelos acusa
dores.
O conselheiro aproveita-se da situacáo para fazer um exame
juntamente com a vítima:
"Nunca dlsseste tal ou tal coisa?"
— "É posslvei... creio que sim... Ah, agora lembro-me: dlsse-ol"
— "Serias capaz de o confessar em público ?"

— "é melhor. A verdade tem que ser dita".


— "Levaráo em conta a tua declaragSo espontanea".
— "Sim; hei de confessá-lo".

Assim se processa a autocrítica, muito explorada por oca-


siáo dos «expurgos stalinianos» empreendidos pelo Governo
soviético após a morte de Stalin. Muitas vezes a autocrítica se
efetua numa atmosfera de «delirio místico», em que a vítima
é estimulada a se penitenciar e sacrificar em prol dos «inte-
resses da coletividade», chegando mesmo a aceitar como graca
ditosa a pena capital!

c) Terceira etapa: os metas farmacéuticos

Dado que o segundo grau de «lavagem cerebral», assim


descrito, nao produza todos os efeitos desejados, os técnicos
conhecem mais um recurso, que constitui o terceiro grau, de
todo irresistivel. Utilizam desta vez táticas nao propriamente
psicológicas, mas fisiológicas e violentas; aplicam, sim, ao pa
ciente injecóes de insulina e series de choques elétricos. A insu
lina queima a glicose do organismo, glicose indispensável para
que o cerebro possa controlar as suas percepcóes; assim o ce
rebro- fica exposto a receber, sem defesa, nem capacidade de
discernimento, todas as palavras e imagens sugestivas que se

— 285 —
52 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 257/1981

incutam á vítima. Os choques elétricos, por sua vez, acabam


de destruir qualquer vestigio de resistencia. Desta maneira
destrói-se a antiga personalidade moral do individuo e outra,
nova, lhe pode ser impingida, feita segundo a medida dos
«lavadores de cranio». Como dizem, essa nova personalidade
moral é extremamente tenaz; a vítima doravante é um autó-
mato sem identidade, «teleguiado» até a morte.
Como se compreende, os resultados obtidos pelos recursos
da «lavagem» dependem, em parte, do temperamento do pa
ciente: pessoa colérica reage aos choques mais rápidamente
do que pessoa sanguínea; quem tem o senso prático da reali-
dade, resiste melhor do que um sonhador ¡solado do mundo
em que vive. Conscientes dessas particularidades, os limpado-
res de cranio tendem a produzir em tomo do povo urna atmos
fera de entusiasmo ou delirio coletivo; em vista disto, costu-
tnam promover vultosas concentragóes de massas, em que lon
gos discursos, espetáculos e demonstragóes de esporte ou de
forga brutal, holofotes e gritos apoteóticos marcam profunda
mente a mentalidade dos participantes.

Quem respira dentro de tal atmosfera, difícilmente se sub-


trai á sua influencia nefasta. A resistencia á acáo dos limpa-
dores de cranio tem que ser empreendida já a longa distancia.
O conhecimento dos artificios que eles empregam, certamente
ajuda o individuo a desmascará-los e a imunizar-se psicológi
camente contra eles. Além disto, para que alguém lhes possa
resistir, torna-se necessário que viva da maneira mais coe-
rente possível com a sua consciéncia, isento de conflitos inter
nos, de paixóes obcecantes, procurando dominar em tudo os
impulsos e as reagóes da sua sensibilidade. Está claro que tal
nivel de vida só poderá ser adequadamente atingido com o auxi
lio da graga de Deus, ou seja, mediante um procedimento cris-
táo que, removendo toda languidez e rotina de ánimo, utilize
em grau máximo os dons que Deus dá a cada um de seus filhos
para que se tome «sal da térra e luz do mundo» (cf. Mt 5,13s).

II. 4. E o caso do Padre Dudko?

Pode-se crer que o Pe. Dmitri Dudko tenha sido subme-


tido a processo de lavagem de cranio em conseqüéncia do qual,
após cinco meses de detencáo, professou o contrario do que
sempre dissera.
Se sao verídicas as declaracóes de Krasnov-Levitine,
deve-se concluir que ao Pe. Dudko foram aplicados o clima e

— 286 —
EXPLICAgAO DO CASO DUDKO 63

alguns procedimentos da primeira e da segunda etapas da


lavagem de cránio. Com efeito,
— a atmosfera de hostilidade pesou sobre a vitima, como
costuma pesar desde que alguém seja tido como réu e crimi
noso. Essa hostiidade foi acompanhada do sentimento de soli-
dáo... solidáo que o sacerdote experimentou de modo especial
duratne a Quaresma (fevereiro e marco), visto que justa
mente durante tal periodo a multidáo dos fiéis o procurava
com mais intensidade;

— dentro desse ambiente altamente mortificante, o Pa


dre Dudko recebeu urna visita aparentemente amiga, que o
procurava em nome de outro amigo, o Patriarca Pimen. Essa
presenta cativou naturalmente a atencáo e os anseios do «réu»
oprimido, que se deixou convencer de que havia errado e devia
assinar a sua retratacáo. No caso em foco, parece que o KGB
e o Patriarcado de Moscou estavam de acordó entre si sobre
a necessidade de subjugar o padre e levá-lo a desdizer as suas
atitudes corajosas do passado. Essa conivéncia do Patriarcado
nao é de todo estranha para quem conhece os testemunhos de
Soljenitzyn e outros cristáos, referentes ao Patriarca de Mos
cou; este é tido como dependente da autoridade estatal e pro
penso a colaborar com esta a fim de poder sobreviver ou nao
ser de todo sufocado. Observe-se, alias: o Pe. Dudko nao foi
destituido do seu ministerio sacerdotal; antes, foi libertado do
cárcere, mas o fato é que se viu de entáo por diante cerceado
no exercício do mesmo, de tal modo que só realizará as pou-
cas atividades que o Estado permita; assim procedendo, nao
mais será considerado «antipatriótico». O Governo Soviético
estará contente por haver sufocado urna voz incómoda e o
Patriarcado de Moscou passará por patriótico e por libertador
.de um sacerdote detido no cárcere (embora na verdade o Pa
triarcado tenha feito o jogo do Governo anticristáo).
É esta a triste atitude do comunismo frente a Igreja. Tal
é também a condigáo a que se podem ver reduzidos os cristáos
nos países totalitarios1. Para evitar que isto lhes acontega,
procurem, nos dias bons e tranquilos de que gozem, arrai-
gar-se mais e mais na fé e no amor cristáos; possam exclamar
com fundamento sempre mais sólido: «Vivo eu, nao eu; é
Cristo que vive em mim» (Gl 2,20).
Estévao Bettencourt O.S.B

'Fazendo esta observacio, desojamos abster-nos de ¡ulgar o Pe.


Dmitrl Dudko, violentado no cárcere por fatores extremamente sorrateiros
e capciosos.
— 287 —
livros em estante
Teología para o crlstao de Me; vol. 9: Igreja e Sacramentos, pelo
Instituto Diocesano de Ensino Superior de WQrzburg. TraducSo a cargos
dos professores do Colegio M. Cristo Rei, Sao Leopoldo. — Ed. Loyola,
SSo Paulo 1981, 156 x 230 mm, 300 pp.
O presente volunte faz parte de urna colecSo digna de estima pela
densldade das suas afirmacdes. Trata da Igreja nos séculos XIX/XX e do
ecumenismo; a seguir, aborda a Liturgia em geral e os sacramentos da
Ordem e da ReconciliacSo.
A obra é rica em dados redigidos de maneira sucinta para a cate-
quese. Chamam especialmente a atencáo do estudioso as páginas fináis
270-296, em que os autores estudam a historia do sacramento da Peni
tencia;'o assunto tem sido multo pesquisado, sem que se possa chegar
a unanimidade de conclusoes entre os autores. O Hvro em pauta respeita
a praxe da lgre)a atualmente em uso; todavía, dado o caráter sumarlo
das suas explanacSes, nao desee, como serla para desejar, a matlzes Im
portantes na exposicao da historia do sacramento; esta, por ¡sto, aparece
um tanto simplificada. O leitor saberá, portante, que poderiam ser recen-
seadas outras poslcóes e sentencas de doutores e escritores da Igreja
antiga, além daquelas que o manual aprésenla. Sentimos falta tamben» da
Instrucáo da Santa Sé que em 1972 regulamentou a admlnlstracao do sa
cramento da Penitencia para os nossos tem pos.
Em seu conjunto a obra é útil. Exigirá explicac5es oráis (as que
um professor ministra em aula) para que se possa tornar plenamente
acessfvel a um aprendiz de teología no Brasil. Elogiamos os tradutores
pela bibliografía e a apresentacSo geral da obra.
A oracao do crlstao, por Ladlslaus Boros. TraducSo de Arnaldo
Bruxel S.J. — Ed. Loyola, SSo Paulo 1981, 135 x 210 mm, 141 pp.
Ladislaus Boros é conhecido por obras |á traduzidas para o portu
gués referentes á teología da vida espiritual. O presente estudo sobre a
oracáo contém belas páginas sobre o essenclal da oracáo, sobre a ado-
raefio, o louvor, a petlcSo. sobre a oracáo medlatlva, a mística, etc. Toda
vía nao podemos deixar de observar que o autor professa a tese da res-
surrelcSo do homem logo após a morte (p. 69). Esta tese tem-se difun
dido na bibliografía católica; deve-se notar, porém, que desde 1979 existe
urna Deciaracfio da S. CongregagSo para a Doutrlna da Fé que rejelta
tal sentenca; vejam-se as pp. 243-246 deste fascículo. A tese da ressur-
relcSo após a morte carece de fundamentaefio tanto na Biblia como na
filosofía; quem a rejeita, nSo cal no dualismo platónico ou gnóstico, mas
professa slmplesmente a poslcáo tomista, que fol, e aínda é, vigente na
Igreja Católica.
Estas ponderacóes nSo anulam o apreco que merecem as profundas
considéraseos de Boros sobre a oracáo, mas podem ajudar o leitor a
exercer o devido dlscemlmento ao utilizar o Hvro em pauta.
O AnUcrlsto, por Pe. Günther Schühly S. J. — Ed. Loyola, S§o
Paulo 1981, 136 x 208 mm, 54 pp.
Este Hvro reproduz o drama do jesuíta Pe. Alols Grlmm, vlttma do
nacional-socialismo, que o decapltou aos 11/09/1944 na Penitenciaria Bran-
denburg-Gorden. Ludlbrlado por um hipócrita agente do Governo hlllerista,
o Pe. Grimm fol submetido ao julgamento de um tribunal cuja sentenca
(Continua na pág. 270)

— 288 —
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