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Um resto de
café frio
Volume 1
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Volmar Camargo Junior
Um resto de
café frio
Volume 1
Canela – RS – Brasil
2009
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Apresentação
5
Volmar já deixou de ser, há tempos, um aprendiz dessa
feitiçaria. Ler seus poemas é embarcar numa viagem da qual
não se retorna intacto. Nessa viagem, o mais surpreendente é
encontrar num verso algo de nós mesmos que até então nos
passara despercebido. Pura mágica? Não. Pura poesia.
Marcia Szajnbok
São Paulo
Janeiro de 2009
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Guerreiro
7
A luta literária empreendida por ele é a mesma de outros
escritores latino-americanos, pretéritos ou de nossa época,
uma eterna busca por identidade, por entendimento e pela
maestria.
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Sumário
Apresentação
O fim da poesia 11
Esquecimento 15
Gravidade 17
Distância 18
A fonte das coisas imperfeitas 19
O fio do tempo 20
O pior dos deuses 21
O tempo, o verbo e o verso 22
Muito de tudo 23
O caroço de uma hora (A essência das horas) 24
Noite 28
Moléstia Rara 29
O poço 30
O ser definitivo 31
A bolha 32
Mundo solitário 34
Passado 36
O campo e a mancha 37
O chão verdadeiro 38
O que brota da terra 39
Força irresistível 41
Madureza 43
9
Ironia 44
Humor noturno 46
Espaço urbano 47
Ruído 48
Isso que se move em nós 49
Incógnita 51
Noite prenha 52
Retorno 53
Valsa para a poesia 54
Um tênue fio de prata (Janela aberta no tempo) 56
Sedução 57
Gula (Como a carne) 58
Transparência 59
Olhos ocultos 60
Poema sobre um resto de café frio 61
Um bom andar 62
Origem 63
10
O fim da poesia
é a própria possibilidade
de haver uma ferida
se há uma ferramenta
uma arma
um instrumento
um meio
é o poeta
11
há um fim, creio que haja
quem o saberá?
é muda e em si
não há nada
e há tudo
eis o que nem Deus
se existe
previa
o espaço e o tempo
não cabem nem duram
dentro de si próprios
tanto que dependem um
da existência do outro
mas cabem e duram tanto
quanto duram seus nomes
ressente-se porque
até mesmo poesia é uma palavra
e não há palavra sem palavras
como não há poesia sem poesia
14
Esquecimento
i.
a perfídia do leito
cada hora perdida
cada fio de cabelo
os princípios e os fins
as cãibras, o suor
o cheiro de noite e os sonhos
15
ii.
buscam-me mortas
as coisas, mortas as horas,
as letras, mortas
o nunca, o nada, o pó
de uma rua velha, numa casa velha,
num mundo invisível e velho
16
Gravidade
17
Distância
entre nós
um dois
espaço
18
A fonte das coisas imperfeitas
na criação do Universo
de inconcebível perfeição
alguém esqueceu de cobrir um buraco
de tanto derrubarem lá
o que não funciona direito
acabou ficando cheio
se um dia a misericórdia
permitir que alguém o encontre
e, pior, se puder consertá-lo
19
O fio do tempo
20
O pior dos deuses
21
O tempo, o verbo e o verso
um ilude
o outro finge
o terceiro acontece
22
Muito de tudo
há muito de tudo,
há, às toneladas
e é tão pesado
é pó
23
Do caroço de uma hora
(A essência das horas)
em nenhum recipiente
pude contê-la a contento
escapava sempre um tanto
às vezes muito
quase sempre dobrava de tamanho
e assim, aos poucos
às gotas
às partículas
preencheu o espaço
tão meu conhecido
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deixei-me entregue
à essência do caroço das horas
inalei, comi, bebi
despi-me
e assim, despido
cobri-me inteiro com ela
e
como é próprio das coisas
nascidas ou tiradas
da árvore que dá os frutos do tempo
o vidro que tinha a mim cristalizado
sumiu
voltaram as roupas
as paredes, as janelas
a paisagem
os sapatos
saí
fechei as janelas, tranquei as portas
segui como pude
vivo como consigo
27
Noite
28
Moléstia rara
29
O poço
30
O ser definitivo
o ser definitivo
tal homem e bicho
será finito
etéreo, incorpóreo
crescerá como quiser
e quando quiser, morrerá
31
A bolha
se de vazio ou
de incompletude ou
de infinito é repleta, não sei
ignoro seu conteúdo
nasceu comigo
não aumenta
não diminui
mas está-se degradando
incita-me a perscrutar
sua superfície que já foi lisa
temo que seu desejo
seja finalmente romper-se
32
às vezes escapa-me
aos poucos cuidados que lhe dedico
desliza sem ser notada
assume uma nova forma
cobre-se de atrevimento
veste-se com paixão
tira-me o sono e se exibe
não raro me desacomoda
33
Mundo solitário
nas profundezas
no espaço vazio
ou alhures
— como achares melhor —
existe um mundo
um outro mundo
feito ele todo
de imprecisão
campos imensos
ruas sem fim
janelas de cortinas fechadas
casas sem endereço
34
lá jamais encontrei alguém
nem sei bem como chegar
nem como percorrer esse caminho
35
Passado
36
O campo e a mancha
muitas, desordenadas
obedecem a um líder
que desconhecem
trazem-no, as manchas,
impresso na intimidade
agora tudo
campo e mancha
são uma coisa só
37
O chão verdadeiro
o chão ruiu
abriu-se a terra em galerias, labirintos
uma teia infinita de túneis
descobriu-se
sem qualquer pudor
para promover a revolta em ânimos e estômagos
bastou-lhe
para causar tamanho desespero
escarrar em todos a ignorância do perigo
38
O que brota da terra
giram no ar
uma dança ou
enlace ou
alguma forma de comunicação
sem ruído
unidos no ar
contornam as linhas
de um desenho irreproduzível
uma vez separados
tornam a se enfiar na terra
escondem-se daquelas linhas invisíveis
e de uns olhos curiosos
39
o desenho e as linhas traçadas
ficaram plantados nalgum canteiro da memória
e por mais atenção que lhes dedique
deles jamais brotou sequer um rascunho
40
Força irresistível
arrastaram-me os braços
contra a força da terra
contra o peso que carrego
ainda tão pesado
é a permanência
a imobilidade
a irresistível e magnífica
atração dos corpos
41
algo se desprende e vai
leve e tão sem compromisso
desconhecido de si
e nem sabe que existo
42
Madureza
43
Ironia
i.
ii.
iii.
44
iv.
v.
as cascas do ovo virariam comida
o ninho da ave viraria comida
o oco da pedra viraria comida
vi.
45
Humor noturno
46
Espaço urbano
47
Ruído
e vagarosamente se movia
48
Isso que se move em nós
49
ainda habitaria em nós
tornar-nos-íamos fascinantes
comeríamos o pão do tempo
e eternamente existiríamos
50
Incógnita
51
Noite prenha
os cães e os uivos
os segredos e o sono
as fortunas que lhe preenchem
52
Retorno
53
Valsa para a poesia
gira a dança
gira o tempo
gira em curvas
arbitrárias
volta inteira
volta imensa
vai ligeira
volta breve
curvilínea
gira a dança
no espaço
sem sentido
gira a dança
anti-horária
gira o tempo
ao contrário
gira em curvas
desafia
cem mil horas
arbitrárias
gira e paira
volta e pára
pisa em falso
cai desfeita
54
volta inteira
volta imensa
volta breve
volta sempre
gira a dança
gira o tempo
vai e volta
eternamente
55
Um tênue fio de prata
(Janela aberta no tempo)
sem parapeito
escancarada
uma janela aberta no tempo
56
Sedução
57
Gula
(Como a carne)
58
Transparência
59
Olhos ocultos
60
Poema sobre um resto de café frio
61
Um bom andar
62
Origem
63
64