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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanca a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanca e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenca católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortaieca
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabal no assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.

A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga


depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
SUMARIO

"Senhor, é Tempo de nos Vermos!"

"A Última Tentacao de Cristo"


C/5
LU

O
E a Credibilidade dos Evangelhos?
I-
co Dissidentes Voltam á Unidade da Igreja
UJ

A Escravidao no Brasil
O

00 "Igreja Católica Apostólica Carismática'


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S
LU
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m
O
cr
o.

ANO XXIX NOVEMBRO 1988 318


UNTE E RESPONDERESMOS NOVEMBRO - 1988
Publicapáo mensal
N?318

sponsável:
SUMARIO
Bettencourt OSB
e Redator de toda a materia "Senhor, é tempo de nos vermos!". . . . 481
da neste periódico
Um filme ousado:
Iministrador: "A Última Tentacao de Cristo" 482
ebrando P. Martins OSB
Fazendo eco á ¡mprensa:
acáb e distribuicáb: E a Credibiiidade dos Evangelhos? .... 489
> Lumen Christi
3erardo, 40 - 5? andar, S/501 Reconciliaba o:

121)291-7122 Dissidentes voltam á Unidade da Igreja . 502


'ostal 2666
— Rio de Janeiro — RJ Ainda no Centenario da A bol ¡gao:
A Escravidao no Brasil 509

Religiao e Plagio:
"Igreja Católica Apostólica Carismática" 519
MARQUES-SARA/VA"
saíneos F cañones s<

leítor,
NO PRÓXIMO NUMERO:
:amos-lhe que o prego da assina- 319 - Dezembro - 1988
nossa revista PR 1989 foi estipula-
o segué, em vista dos constantes Mil anos de Cristianismo na Rússia. — Ética
s de papel, Correios, máo-de- do Planejamento Familiar. — O Confucionis-
m nosso país. mo. — O Taoísmo. — "Mediunidade dos San
tos" (Clóvis Tavares). - Ainda "A Última
■nto efetuado até Tentacao de Cristo". — "Prier" (Rezar).
!: Cz$ 6.000,00
i: CzS 7.800,00 COM APROVACÁO ECLESIÁSTICA
): CzS 10.000,00
): CZS 13.200,00

Ja compreensáo de V.S. subscrevemo-nos atenciosamente

AADMINISTRACÁO
nto (á escolha)

E POSTAL á Agencia Central dos 3. No Banco do Brasil, para crédito na Con-


3¡os do Rio de Janeiro. ta Corrente n? 0031, 304-1 em nome do
OIIF RANCÁRIO Mosteiro de S. Bento do Rio de Janeiro, pa-
■ ~ •• ' • .O niici
"Senhor, é Tempo de nos VermosT
0 mes de novembro é marcado pela Comemoracao dos nossos defun-
tos em Finados. Pensar na morte é algo que horroriza muitas pessoas pois
parece que ela encaminha para o desconhecido e obscuro. Provocando urna
ruptura, com o mundo visfvel, a morte é tida como espantalho que nao se
deve encarar senáo quando bater á porta e nao for possfvel esquecé-la...
Tal estado de coisas é paradoxal, pois (sem ceder a masoquismo ou
pessimismo) o s.ábio deve dizer que a morte é a única certeza que o homem
tem desde que nasce; nao sabe se será sadio ou doente, rico ou pobre,... mas
sabe que há de morrer. Como entao evitar a reflexao sobre o desenlace final
desta caminhada?

O livro do Eclesiastes aprésenla a propósito bela página que merece


consideracao: "Lembra-te do teu Criador nos dias da juventude, antes que
venham os dias da desgraca e cheguem os anos dos quais dirás: 'NSo tenho
mais prazer'. Antes que se escurecam o sol e a luz, a lúa e as estrelas... antes
que o fio de prata se rompa e o copo de ouro se parta, antes que o jarro se
quebré na fonte e a roldana rebente no poco, antes que o pó volte a térra de
onde veio e o sopro volte a Deus, que o concedeu" (12,1s.6s>.
É precisamente antes que a morte se anuncie, quando o homem está
lúcido ou no pleno gozo de sua saúde, que se faz necessário pensar no desfe
cho. Com efeito; quando os precursores da morte já se fazem sentir, é, mui
tas vezes, difícil ao homem raciocinar com lucidez e profundidade; os acha
ques da doenca ou da velhice o acometem de tal modo que nao se pode
entregar a longas reflexoes; deve, antes, viver do que tenha armazenado nos
dias de seu vigor ffsico e intelectual. De resto, já os antigos romanos dizia/n:
"In ómnibus réspice finem. Em tudo o que fagas, leva em conta o fim". O
fim é o ponto de chegada, a meta, que deve nortear todos os passos anterio
res; é a partir do fim que cada qual concebe as etapas que deve atravessar.
E, para o cristá"o, o fim é o encontró com Deus face-a-face..., com
Deus, que já é reconhecido diariamente na penumbra da fé e se vai manifes
tando cada vez mais a quem O procura fielmente. Quem assim vive, deixa
• de ver na morte urna ruptura violenta para considérala como o pleno desa-
brochamento de urna realidade já possufda seminalmente desde o Batismo.
A morte vem a ser a etapa final de um nascimento que comeca quando a
críanca é dada á luz, mas só termina quando essa enanca feita adulta for
dada á visSo da Luz Eterna; entao é que acabaremos de nascer, pois teremos
atingido a plenitude de nossa estatura definitiva.
Quem assim reflete, já nao se assusta diante do espectro da morte mas
poderá dizer com S. Teresa de Ávila: "Senhor, é tempo de nos vermos!" ou
com o autor sagrado: "Maraña tha! Vem, Senhor Jesús!".
E.B.

481
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS"
Ano XXIX - N? 318 - Novembro de 1988

Um filme o usado:

"A Última Tentagáo de Cristo"


de Martín Scorsese

Em sfntese: 0 filme "A Última Tentacao de Cristo" merece o repudio


da opiniao pública, de fiéis e incrédulos, pois atinge o patrimonio da cultura
de numerosos povos da face da térra. Tal patrimonio deve suscitar o respeito
' dos cultores da arte, como toda pessoa humana o deve suscitar. A arte nao
há de ser utilizada para caricaturar valores que a historia pos em relevo. — As
alegacoes aduzidas para justificar o filme em foco sao inconsistentes; a fé
crista professa, sem dúvida, que Jesús tinha verdadeira natureza humana,
suscetfvel das tentacoes que o Evangelho refere. . ., mas incapaz de se des
viar da reta linha moral, pois Jesús tinha um único Eu ou urna so Pessoa — a
do Filho de Deus feito homem; por conseguinte, quaiquer pecado que Jesús
cometesse, deveria ser atribuido ao próprio Deus — o que é totalmente
absurdo.

Tem provocado calorosas discussoes o filme "A Última Tentacao de


Cristo" de Martín Scorsese, considerado um dos mais prendados produtores
de filmes dos Estados Unidos. Um dos síntomas de quáo delicada é essa pelí
cula está no fato de que a Paramount estava disposta a executar a filmagem
em 1983, mas desistiu de o fazer poucas semanas antes de comepar a tare-
fa.1 'Foi entao que a Universal Pictures decidiu assumir a iniciativa; prome-
teu exibir o filme a representantes religiososos antes de o entregar ao grande
público, a fim de ouvir os comentarios dos mesmos; parece, porém, que pro-
telou ao máximo o cumprimento dessa promessa e, quando o fez, muitos
dos convidados se recusaram a comparecer.

Esta desistencia explica talvez a carta do Cardeal Joseph Bernardin a Mons.


Pío Laghi, Pro-Núnclo Apostólico nos Estados Unidos, asseverando que nao
havia motivo para recear um filme irreverente sobre Jesús. Cf. PR 315/1988
pp. 383s. -

482
"A ÚLTIMA TENTAQAO DE CRISTO"

As páginas que se seguem, apresentarao ao leitor algumas informales


e pontos de reflexao sobre tao controvertida película.

1. O filme: aspectos característicos

Martín Scorsese é um ex-candidato ao sacerdocio católico, que entrou


em crise de fé e, após dezesseis anos de reflexao, resolveu produzir o seu
filme sobre Jesús (um Jesús que só aos poucos chega á consciéncia de ser o
Messias). Tal película, diz Scorsese, "é o meu modo de tentar chegar mais
perto de Deus".

A inspiracao de Scorsese é proveniente de um livro do escritor grego


Nikos Kazantzakis: "The Last Temptation of Christ" (A Última Tentacao
de Cristo); a atriz Barbara Hershey (a M adalen a do filme) o ofereceu a
Scorsese em 1972, provocando-o assim á reflexao. Nikos Kazantzakis parece
ter passado por urna evoluplo de pensamento, que o levou finalmente a ado
tar o socialismo militante; o seu livro sobre a última tentacao de Jesús va-
leu-lhe a excomunhao por parte da comunidade ortodoxa grega. Faleceu em
1957.'

Scorsese exibe urna figura de Jesús muito diferente da clássica. Filma


da no Marrocos durante dois meses e meio em fins de 1987,* a película
aprésente um Jesús inseguro, que nao sabe o que deve fazer (matar os roma
nos ou pregar o amor?); é um homem que aos-poucos vai concebendo a
idéia de que também é o Messias. Fabrica cruzes de madeira, que sao usadas
pelos romanos para punir os judeus rebeldes. Depois torna-se o gurú ou o
chefe, de olhar selvagem, posto a frente de um bando de seguidores violen
tos;, mas permanece ainda confuso a respeito da sua mensagem e missao.
Certa vez, Jesús abre o seu próprio tórax (que mais parece urna barriga), re
tira o coracao e o mostra aos apostólos para que o admirem e sigam (o que
parece ser urna sátira a devocao ao Sagrado Coracao de Jesús).

Outras sátiras ocorrem no filme: Lázaro, por exemplo, ressuscita num


ambiente de mau cheiro, que provoca tosse; entáo um zelota Ihe pergunta
qual a diferenca entre estar vivo e estar mono; pensativo, responde Lázaro:
"Fiquei um pouco surpreso. Nao rtá grande diferenca". As vezes Jesús apa
rece como um orador embaracado a dizer: "Umm, uh, l'm sorry (tenho pe
na, lamento)..."; outras vezes parece um neo-bacharel de Teologia da Shirley

lA respeito de Nikos Kazantzakis e seu livro "O Cristo Recrucificado", ver


PR 126/1970, pp. 265-274.
7 A fílmagem custou seis milhoes e meio efe dólares ou menos da metade do
prepo de um filme medio feito em Hollywood.

483
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 318/1988

MacLaine School of Theology, afirmando: "Todas as coisas sao partes com


ponentes de Oeus!"1

O filme tambám está cheio de cenas de sangüe. Os animáis sacrificados,


por exemplo, deixam escorrer sangue pelas rúas; Jesús come uma mapa, da
qual inesperadamente sai sangue (réplica grosseira a Génesis 3,6?); na
Última Ceia, o vinho se torna sangue...

Judas, o melhor amigo de Jesús, é um valente ativista e falador; quer


expulsar os ocupantes romanos, enquanto Jesús quer liberdade interior.
Exclama para este: "Vocé é uma desgrapa, vocé é um covarde!"; entao Je
sús o convence de trair o Mestre a fim de cumprir o plano de Deus; Judas
entrega, pois, Jesús aos romanos nao tanto por causa de trinta moedas de
prata, mas incitado pela grande amizade que tem a Jesús; Judas sacrifica seu
ideal revolucionario e entrega o homem que ele mais ama.

A cena mais dramática e típica do filme ocorre quando Jesús se acha


pregado a Cruz. Alucinado, Jesús tem um devaneio provocado pelo demo
nio: desee da cruz, renuncia ao seu papel de Messias, casa-se com María Ma
dalena e vive com ela uma longa vida conjugal: a película mostra entao ce
nas de sexo. O devaneio continua: Madalena morre;em conseqüéncia, Jesús
se casa com Maria, irma de Marta e Lázaro, e comete adulterio com Marta...
Comenta Richard Corliss: "The sex scene (in which Barbara Hershey'Mary
Magdalene entertains some customers) exposes a strong woman's degra-
datiori more than it does her flesh. And the filme's carnage is emetic.
- A cena* de sexo {na qual a Maria Madalena de Barbara Hershey se entre-
tém com alguns clientes) expoe uma forte degradacao da muiher mais do
que a sua carne. E a carnagem do filme é vomitoria..." (Time, 15/08/88,
p. 32).

Pergunta-se agora:

2. Que dizer?

Proporemos tres ponderales:

2.1. Tentacao e pecado

O filme é evidentemente irreverente.

Atribuí a Jesús (verdade é que a Jesús em devaneio) nao somente o


poder ser tentado ao pecado, mas o próprio pecado - o pecado de adulta-

1 Observafdes feitas pelo comentarista John Leo de Time (A Holy Furor)


15/08/1988. pp. 30-32.

484
"A ÚLTIMA TENTACÁO DE CRISTO"

rio, decorrente de urna natureza insegura e confusa. Ora isto fere frontal-
mente a fé crista. Esta professa, com o Concilio de Calcedonia (451), que
"em Jesús há urna s6 pessoa (a divina) e duas naturezas", isto é: em Jesús
há um só sujeito ou suporte de todos os atos, e este suporte é a segunda Pes
soa da SS. Trindade; por conseguinte, se Jesús podia pecar (e se pecou),
Deus podia pecar e pecou - o que é blasfemo, além de incoerente. Nao há
como contornar esta conclusao.

Verdade é que alguns se valem da tese de que Jesús era verdadeiro


homem; quem ná*o admite isto, cai na heresia dita "docetismo", segundo a
qual Jesús tinha um corpo aparente apenas (heresia condenada pelos pro-
prios escritos de S3o JoSo; cf. Jo 19,33-37; 20,31; Uo 5,6-8...). - Sem dú-
vida, excluindo o docetismo, os cristSos aceitam que Jesús pudesse ser ten
tado por estímulos extrínsecos (Satanás o tentou tres vezes no deserto;
cf. Mt 4,1-10; Le 4,1-11).' Satanás podia querer provar Jesús como ho
mem; mas em seu íntimo a humanidade de Jesús era plenamente submissa
ao Pai e á Lei de Deus, a ponto que no horto das Oliveiras o Senhor (como
homem) pediu que o cálice da Paixao fosse afastado, mas logo acrescentou:
"Faca-se, ó Pai, a tua vontade, e nao a minha" (Le 22,41-44 e paralelos; ver
também Jo 12,27-30). Alias, é de notar que nos Evangelhos Jesús é tentado
por propostas de Messianismo imperialista e glorioso (no plano terrestre),
mas nSo se refere alguma tentacao da carne; parece obvio ou subentendido
que Jesús 6 harmonioso em seus anseios íntimos; Ele veio, desde que entrou
no mundo, para fazer a vontade do Pai (cf. Hb IQ.,5-7). Vé-se assim que o
pecado é totalmente incompatível com a ¡dentidade que a fé crista atribuí
a Jesús. Deve-se, pois, dizer que o filme de Scorsese vem a ser mera ficcao...,
ficcao decorrente de mentalidade pansexualista disseminada por correntes
contemporáneas; a obsessao genitalista leva muitos a nao compreender que
os impulsos sexuais possam ser sublimados sem que haja detrimento para o
amor e a grandeza de urna personalidade. Em Jesús Nikos Kazantzakis
(e Scorsese) projetaram um problema que o próprio Kazantzakis descreve
no Prólogo do seu livro "The Last Temptation of Christ":.

"Minha principal angustia e a fonte de todas as minhas alegrías e tris


tezas, desde a minha juventude, tem sido a constante e implacável batalha
entre o espirito e a carne.

Dentro de mim estao as obscuras e imemoráveis foreas do Maligno,


humano e pré-humano; dentro de mim estao também as luminosas forcas,
humanas e pré-humanas, de Deus - o minha alma é a arena onde os dois
exércitos se tém encontrado e chocado.

1 Jesús quis livremente experimentar tentaedes a fim de merecer para os ho-


mens a forca de as vencer.

485
6 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 318/1988

A angustia tem sido intensa" (p. 1. Ed. Simón and Schuster New
York 1960).

Mas nao somente por admitir o pecado em Jesús o filme de Scorsese é


ofensivo...

2.2. A imagem de Jesús

A imagem de Jesús, no filme, é caricatural. Trata-sede um homem hesi


tante, passional, que acaba julgando ser Deus (pois ele quer muito aproxi-
mar-se de Deus) ou ser Messias e se assusta com a descoberta do designio
do Criador.

Além disto, Scorsese recorreu (consciente ou inconscientemente) a


ironía, quando, por exemplo, mostra Jesús a apresentar seu coracáo..., quan-
do na Última Ceia o vinho se transforma em sangue ou o sangue jorra de
urna maga que Jesús come.

Note-se que Cristo escolheu livremente a vida celibatária, á revelia da


tradipao dos judeus, que viam no casamento a preparacao da vinda do Mes
sias (este seria descendente de Davi). Escolheu-a porque Ele mesmo era o
Messias, que viera dedicar-se por completo ao anuncio da Boa-Nova do Rei
no de Deus: Jesús quería dízer que, com Ele, comecava a última fase da his
toria da salvacao; o celibato, após Jesús, tornar-se-ia urna atitude familiar
aos cristaos, que desde a década de 50 o cultivaram (cf. ICor 7,25-35);
exprime o anseío de viver na presenpa de Deus e dos valores definitivos com
a máxima disponibilidade possfvel. Alias, o próprio Senhor disse no Evange-
Iho: "Há eunucos que se fazem tais por amor do Reino dos céus" (Mt 19,12).

Embora Jesús ten ha tido urna auténtica natureza humana, sabe-se que
o sujeito das atividades de Jesús era a Pessoa do Filho de Deus (a segunda
Pessoa da SS. Trindade). Deste fato se deduz nao apenas que Jesús nao po
día pecar (embora pudesse ser atingido por estímulos ao pecado ou pela
tentacao), mas também que todas as acoes de Jesús eram divino-humanas ou
teandricas; tinham sempre valor salvffico para nos. É S. Tomás quem o diz,
desenvolvendo a fórmula do Concilio de Calcedonia atrás mencionada: as
apoes efetuadas pela humanidadé de Jesús "nao foram realizadas apenas
pelas potencialidades da natureza humana, mas também pelo poder da natu
reza divina, que I he está unida" (In epistolam I ad Thetsalon ¡censes 4,13).
Ou aínda: "A atividade humana de Jesús participa do poder da atívidade di
vina" (Suma Teológica III, qu. 19, a. 1, ad 1). Disto tira S. Tomás conse-
qüáncias muito importantes: "Tudo o que Jesús realizou em sua carne,
foi salutar para nos em virtude da Divindade, que Ihe estava unida" (Com
pendio de Teología 239). "Tudo o que Jesús fez e padeceu, age instrumental-
mente pelo poder da Divindade em favor da salvapao dos homens" (Suma

486
"A ÚLTIMA TENTACAO DE CRISTO"

Teológica III, qu. 48, a. 6c). Tal foi o caso da circuncisao (III, qu. 37, a.1,
ad 3), do Batismo (III qu. 39, a. 1), da Paixfo (III, qu. 48, a. 6, ad 2), da
morte (III, qu. 50, a. 6), da supultura (III, qu. 51, a. 1 ad 2), da ressurrei-
gao (III, qu. 56, a. 1), da Ascensao (III, qu. 57, a. 6, ad 1)... DizaindaS. To
más de Aquino:

"A Paixao de Cristo nao teve eficacia meramente temporal e transitó-


ría, mas sempiterna. . . Assim vé-se que a Paixao de Cristo nao teve maior
eficacia outrora do que ela a tem atualmente" (III, qu. 52, a. 8c).

Percebe-se, de ¡mediato, a enorme diferenca existente entre este clás-


sico modo de ver e a concepcáo adotada'por Scorsese, que aprésente Jesús
cedendo a devaneios pecaminosos nos momentos fináis da sua vida. A posi-
cao de Scorsese, alias, segué a tendencia de teólogos dos últimos decenios
a deixar de lado a teología do Concilio de Calcedonia em favor de um re
torno a certo tipo de Nestorianismo condenado pelo Concilio de Éfeso
(431); pensadores nao católicos e também católicos tendem a enfatizar a
humanidade de Jesús a tal ponto que acabam por tratar Jesús como mero
homem ou como mais um grande profeta, sem levar na devida conta a Divin-
dade de Cristo.

Com outras palavras: a Crístologia "de cima para baixo" (que parte
dos dados da fé para ler o Evangelho) tem sido suplantada pela Crístologia
"de baixo para cima", que pretende descobrir a transcendencia de Jesús
através da sua figura humana. . . Dizemos que urna e outra maneira de estu-
dar Jesús sao válidas e necessárias, mas nunca se poderá prescindir da fé ou
das verdades reveladas se se quer entender devidamente a figura de Jesús.
Ora o respeito aos dados da fé tem faltado em modernos estudos cristológí-
eos, de modo que Jesús vem sendo tratado praticamente como mero homem.

Mais um ponto de reflexao se impoe ao estudioso.

2.3. María Madalena nos Evangelhos

Scorsese apresenta Jesús tendo afetos para com Maria Madalena, mu-
Iher de má vida. . . A propósito há um equívoco exegético que precisa de
ser apontado.

Desde S. Gregorio Magno (Í604), os escritores ocidentais identificam


entre si tris mulheres: a pecadora anónima que ungiu os pés de Jesús com
suas lágrimas, conforme Le 7,36-50; María Madalena, que acompanha Jesús
e da qual o Senhor expulsou sete demonios, conforme Le 8,2, e María de Be-
tánia, ¡rma de Marta e Lázaro, que ungiu os pés de Jesús com perfume, con
forme Jo 12,1-8. As razoes desta fusao sao as seguintes:

487
8 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 318/1988

A pecadora anónima é identificada com María de Betánia, porque am


bas regaram os pés de Jesús (embora uma o tenha feito com lágrimas e per
fume por ser pecadora arrependida, e a outra com bálsamo apenas) e final
mente essa mulher anónima (que passa a chamar-se Maria) é identificada
com Maria Madalana, porque era de má vida e Maria Madalena foi tida como
pecadora (pois Jesús expulsou déla sete demonios).

Ora nao há fundamento sólido para tais interpretares. Na verdade,


trata-se de tres mulheres, como professam os escritores orientáis: a pecadora
de Le 7, 36-50 foi intencionalmente deixada no anonimato por S. Lucas
(respeite-se o estilo do Evangelista); além disto, a possessao diabólica nao
significa necessariamente grave pecaminosidade; e — mais — Maria de Betá
nia é uma santa mulher, que nao deve ser identificada com a pecadora de
Le 7, 36-50. Quanto a Maria Madalena, só se sabe que, beneficiada por Je
sús, acompanhava e servia o Mestre em sua vida pública (cf. Le 8,1-3); este-
ve ao pé da Cruz (cf. Mt 27,56) e foi encarregada de anunciar aos Apostólos
a ressurreicáo do Senhor (cf. Jo 20,11-18).

A identificacao das tres mulheres entre si deu margem á fantasia de


romancistas, que imaginaram Jesús assediado por Maria Madalena, mulher
de má vida. Ora Scorsese se acha nesta corrente, com a ressalva de que dis
tingue Maria Madalena, tida como pecadora, de Maria, irma de Marta e Lá
zaro. Nisto há um erro exegético. Reconhecamos que é de pouca monta em
comparacao com os outros graves erros veiculados pelo filme.

Em si'ntese, a película merece o repudio da opiniao pública, de fiéis


e incrédulos, pois atinge o patrimonio da cultura de numerosos povos da
face da térra. Tal patrimonio deve suscitar o respeito dos produtores de
obras artísticas, como toda pessoa humana o deve suscitar. Martín Scorsese
sabia que seu empreendimento era ofensivo, pois, antes de ser executado
pela Universal Pictures, foi rejeitado pela Paramount. A arte auténtica é
nobre e elevada. Quem hoje caricatura Jesús, amanha caricaturará Buda,
Maomé, Confúcio, Moisés... E a que título? — A título de causar sensacao,
projetar problemas pessoais, ganhar dinheiro, fazer celebridade, sem algum
resultado positivo para o grande público. As alegacdes que Scorsese e seus
adeptos tém aduzido (Jesús foi vérdadeiro homem) para justificar a produ
cto de "A Última Tentacáo de Cristo" sSo inconsistentes, como foi dito
atrás: Jesús foi homem, mas homem interiormente harmonioso, nunca peca
dor, pois no caso Deus seria o pecador.

Nos comentarios publicados sobre o filme, mais de uma vez esteve em


foco a credibilidade dos Evangelhos. Será abordada no próximo artigo.

488
Fazendo eco á imprensa:

E a Credibilidade dos
Evangelhos?

Em símese: Os mais recentes estados sobre a origém dos Evangelhos


permiten) dizer que o texto escrito de Mateus, Marcos, Lucas e Joao remon
ta até Jesús, sua fonte,... mediante tres etapas. Com efeito; a mensagem pas-
sou do Senhor aos Apostólos; estes a transmitiram és antigás comunidades
cristas por eles fundadas (Tessalónica, Corinto, Fifipos, Roma..,) e, final
mente, estas (ou a Igre/a) a entregaram aos Evangelistas. O texto sagrado da
ta da segunda metade do sáculo I, mas sem hiato entre Jesús e Mateus, Mar
cos, Lucas e Joao; ao contrario, a pregacSo oral da Boa-Nova comecou ccm
Jesús, continuou com os Apostólos e discípulos até chegar aos Evangelis
tas. Essa tramitacao permitiu um desdobramento homogéneo da mensagem
apregoada por Jesús sob forma seminal; o Espirito prometido pelo Senhor
(cf. Jo 14J26; 16,12s) assegurou a fidelidade do desenvolvimento da Boa-
Nova. Aiém disto, verificase que os Apostólos eram ciosos de guardar a ver-
dade dos fatos ocorrídos com Jesús, distinguindo nítidamente entre mythos
(mito, fábula) e logos (palavra da verdade ou da fé). As tentativas de detur-
par o Evangelho ou "inventar" mensagens ocorreram, sem dúvida, como é
compreensfvel, mas foram relegadas para a literatura apócrifa, cu/o estilo é
evidentemente fantasioso e diverso do estilo sobrio dos Evangelhos canóni
cos. Os Apostólos, longe de criar suas proposicbes de fé, nao queriam ser
senao testemunhas, como provam numerosas citacóes do corpo deste artigo.

Sao estas algumas ponderacoes que podem ser feitas frente a artigos
da imprensa profana que negam a veracidade dos Evangelhos.

* * *

Os debates sobre o filme "A Última Tentacao de Cristo" levantaram a


questao da credibilidade dos Evangelhos... Em mais de um órgao da impren
sa foi divulgada a tese de que nao sao narracóes históricas, mas, antes, a
expressao da criatividade das primeiras geragoes cristas, que imaginaram o
Jesús descrito por Mateus, Marcos, Lucas e Joao. Ora, a bem da verdade,
tais afirmacoes sugerem um atento exame da questao. Consideraremos os
dados do problema, e Ihes acrescentaremos as ponderales da crítica objeti
va e fundamentada.

489
_10 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 318/1988

1.0 problema

Eis, por exemplo, o que se lé sob a pena de Richard Outling na pági


na 80 de Mánchete n? 899,10/09/88:

"Do ponto de vista de muitos académicos, os autores anónimos dos


quatro Evangelhos (mais tarde, convencionalmente chamados de Mateus,
Marcos, Lucas e JoSo) trabalhavam com material de segunda e terceira maos,
transmitido verba/mente durante algumas décadas antes de ser registrado por
escrito.

Conseqüentemente, os Evangelhos nao podem ser aceitos como ver-


dade pura; isto é, nao podem, em todos os casos, ser considerados como a
descricao de acontecimentos indiscutfveis. 'O Novo Testamento é o teste-
munho de homens crentes', disse o teólogo católico liberal Edward Schille-
beeckx, da Holanda. 'O que dizem nao é a historia, mas expressoes de sua
fé em Jesús como Cristo'.

A tentativa dos estudiosos modernos de descobrir o Nazareno real e


histórico dos relatos supostamente enfeitados da Biblia - um processo co-
nhecido como o método histórico-crftico ou 'alta crítica' - produziu alguns
resultados nao ortodoxos. Alguns exemplos:

— Jesús nao afirmou ser o Messias. Essas declaracoes representan! a


crenca posterior da Igreja, que os autores dos Evangelhos ¡nseriram mais tar
de na vida de'Cristo.

- Quando Jesús disse que era 'Filho de Deus', nao quis ser entendido
ao pé da letra. A linguagem dessa natureza no Novo Testamento — referirse
a Jesús como o 'Cordeiro' ou o 'Verbo' de Deus - é metafórica".

No "Jornal do Brasil", caderno B, p. 2, de 8/8/88, lé-se o comentario


de John Dart:

"Quando um trabalho de ficcSo se afasia dos relatos dos Evangelhos,


muitos cristSos alegam que desviar-se do 'registro histórico' sobre a vida de
Cristo é urna ofensa a, pior. urna blasfemia. Mas o fato é que o consenso en
tre os especialistas — aqueles que aplicam os métodos críticos e históricos
contemporáneos ao estudo da Biblia — é de que os textos de Marcos, Ma
teus, Lucas e JoSo nSo sao registros históricos na acepcao moderna da pala-
vra, muito menos testemunhos oculares. Os Evangelhos, segundo eles, sao o
produto de mentes criativas no terco final do século I — bem depois da mor-
te de Jesús por voita do ano 30...

490
A CREDIBILIDADE DOS EVANGELHOS 1_1_

Elaboracoes criativas sobre a historia bíblica de Jesús fazem parte, há


muito tempo, da tradicao cultural do Ocidente. As Igrejas dos prímeiros
tempos da era crista produziram muitos textos apócrifos como o Evangelho
da Infancia de Tomé, que conta os milagres feitospeio Menino Jesús. Espe
cular sobre os tacos afetivos entre Cristo e Maria Madalena nao é exclusivida-
de de A Última Tentacío. O Evangelho de María, um texto gnóstico crístao
do sáculo II, e o Evangelho de Felipe, de origem semelhente, possivelmente
do secuto III, estSo cheios de especulacoes a respeito".

Um leitor nao iniciado em tais assuntos poderá, na verdade, julgar que


se acha diante.de conclusoes seguras e bem arquitetadas da pesquisa bíblica,
sem desconfiar de leviandade ou superficialidade do noticiario. Eis por que
passamos a expor o que a crítica seria e fidedigna hoje em día propoe sobre
a origem dos Evangelhos.

2. Origem e historicidade dos Evangelhos

Os estudos modernos recorrem ao chamado Método da Historia das


Formas, citado pela imprensa como "método histórico crítico" ou "alta crí
tica" (ver. p. 490 deste fascículo). Em que consiste?

2.1. O Método da Historia das Formas

Jesús nada deixou escrito nem mandou que seu» Apostólos escreves-
sem, visto que a escrita era difícil e rara na antigüidade. Por ¡sto o Evangelho
foi sendo pregado de viva voz na Palestina e fora desta. Aos poucos, porém,
para facilitar o uso da memoria, os pregadores foram redigindo seccoes avul-
sas (urna serie de parábolas que ilustrassem o Reino de Deus, a misericordia
do Pai, . . . urna serie de milagres de Jesús, ou de altercacoes com os fari-
se-js. . .). Essas pequeñas unidades (folhas volantes) foram sendo coleciona-
das, de modo a dar urna síntese dos ensinamentos e dos principáis feitos de
Jesús. Quatro dessas sínteses foram reconhecidas pela Igreja como canónicas
ou auténtica Palavra de Deus; tais sao os Evangelhos segundo Mateus, Mar
cos, Lucas e Joáo.

A compilacao e a redacao fináis devem ter ocorrido entre os anos de


60 e 100. Todavia é de notar que foram feitas em continuidade com a pre-
gacáo anterior, que procedía do próprio Jesús; ná"o houve hiato entre Jesús
e os evangelistas ou entre o ano 30 (Ascensao do Senhor) e as últimas déca
das do sáculo I: a palavra do Senhor foi sendo transmitida ininterruptamen-
te. Ora o Método da Historia das Formas estuda esse intervalo entre Jesús
e os Evangelistas (ou estuda a pré-história do texto escrito definitivo), pro
curando reconstituir o ambiente e os fatores que podem ter influido na re
dacao oral e escrita da pregacSo dos Apostólos.

491
12 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 318/1988

A Igreja Católica reconheceu a validade desse estudo mediante a Ins-


trucao Sancta Mater Ecclesia da Pontificia Comissáo Bíblica, de 21/04/1964.
Tal documento apresenta tres fases na confeccá*o do texto escrito do Evan-
gelho:

1) A pregacáb de Jesús aos Apostólos. Jesús, portanto, está na ori-


gem do texto que hoje circula (e ná*o apenas a fá dos cristaos do fim do sé-
culo I, como disse Edward Schillebeeckx). A palavra do Senhor foi entendi
da com dificuldade pelos Apostólos antes de Páscoa (pois ainda estavam
impregnados de conceitos nacionalistas (cf. Me 4,13; 6,51s; 8,16-20; 9,10...).
- Todavia depois de Páscoa e Pentecostés os Apostólos compreende'ram o
sentido dos dizeres e feitos do Mestre; entenderam que o Jesús, companhei-
ro de viagens pelas estradas da Palestina, á o Kyrios, o Senhor Ressuscitado,
o Messias ou o Cristo (ver Jo 2,22; 12,16...); alias, o próprio Senhor Ihes
havia prometido que o Espirito Santo Ihes recordaría tudo o que Ele Ihes
dissera e os levaría á plenitude da verdade (cf. Jo 14,26; 16,12-14; 7,37-39).

Assim a imagem de Jesús cresceu na mente dos Apostólos; foi apro-


fundada e meditada homogéneamente sob a guia do Espirito Santo. O "Je
sús da historia" tornou-se o "Jesús da fé"; é o mesmo Jesús, outrora perce-
bido com hesítacoes e mal-entendidos, mas finalmente penetrado auténti
camente pela fé e pela experiencia dos seus primeiros seguidores.

Ainda se tém nos Evangelhos vestigios ou ecos diretos da pregagao


de Cristo ou ipsissima verba Christi (as mesmissimas palavras de Cristo);
vejam-se*, por exemplo,

- a seccSo de Mt 16,16-19, em que se encontram numerosos aramaís-


mos, inclusive o trocadilho "Pedro-Pedra", que so poderia ocorrer em ara-
maico com a palavra Kepha, e nSo em grego (Petros-Petra);

- as disputas de Jesús com os fariseus a respeito de textos bíblicos


utilizados segundo o método (pesher) dos rabinos antigos: Mt 22,34-40.
41-46; Le 11,29-32;

- as disputas com os saduceus, que também versavam sobre textos


bíblicos interpretados segundo as escolas dos mestres de Israel: Mt 22,23-33...

2) Dos Apostólos ás primeiras comunidades cristas. Tendo recebido


a ordem de pregar ao mundo inteiro (cf. Mt 28,18-20), os Apostólos disse-
minaram a Boa-Nova.

O primeiro tema da pregacao dos Apostólos devia ser a Páscoa, ou se-


ja, a Paixá*or-a Morte e o triunfo final do Senhor Jesús. Quem aceitasse esse

492
A CREDIBILIDADE DOS EVANGELHQS 13

primeiro anuncio (querigma), era levado á catequese ou ao estudo da doutri-


na e dos feitos de Jesús que durante a vida pública haviam provocado a
condenapao do Senhor. A pregacao dos Apostólos podia limitar-se a esses
dois momentos; compreendia as ocurrencias entre o Batismo e a Ascensao
do Senhor, sem retroceder até a infancia e a vida de Jesús na casa de Na-
zaré; cf. At 1,21.' Foi precisamente o que fez S3o Marcos no seu Evangelho;
Sá"o Mateus e SSo Lucas acrescentaram episodios avulsos da infancia de Je
sús (cf. Mt 1-2; Le 1-2) sem ter a intencSo de fazer urna biografía ou urna
narrativa completa da vida do Senhor.2

Ao transmitir a Boa-Nova, os Apostólos e discípulos tinham sempre


em vista as circunstancias e particularidades características dos seus ouvin
tes.3 Procuravam dar á Palavra de Deus o Sitz im Leben, o lugar, a resso-
náncia na vida dos ouvintes. Assim foram redigindo formas literarias adap
tadas á finalidade da pregacao:

- a forma da catequese sistemática (Mt 5-7; Le 15...);


- a forma do sermáo litúrgico (cf. as narrativas da Paixao e Ressur-
reicao em Mt 26-28; Me 14-16; Le 22-24; Jo 13-20);
- a forma de hinos (cf. Fl 2,5-11; Cl 1,15-20; Ef 1,3-14; 2Tm
2,11-13), doxologias (Rm 16,25s; Jd 24s);

1 Foi Sao Pedro mesmo quem fixou os termos da pregado dos Apostólos: ia
desde o Batismo ministrado por Joao até a Ascensao do Senhor, sendo que
a ressurreicao era o primeiro e mais importante. Tenhamos em vista as pala-
vras de Pedro antes da escolha de Matías: "É necessário que, dentre os ho-
mens que nos acompanharam todo o tempo em que o Senhor Jesús vlveu
em nosso meto, a comecar do Batismo de Joao até o dia em que dentre nos
foi arrebatado, um destes se torne conosco testemunha da sua ressurreicao"
{At 121s).

2É isto que explica a lacuna existente, nos Evangelhos, entre os 12 e os


27/30 anos de Jesús. - Há quem diga que ela se deve a urna hipotética vía-
gem do Senhor pelo Oriente remoto, de modo que os evangelistas nada sa-
biam a respeito de Jesús nesse período. Tal hipótese é falsa, pois os Evan
gelistas sabiam que Jesús fora carpinteiro (cf. Me 6,3; Mt 13,55). Nada ou
quase nada escreveram a respeito de tal período, porque este escapava ao
ámbito da pregacSo que os Apostólos tinham em vista. Cf. PR 206/1977,
pp. 61-76.

3Comparem-se entre si At 13,16-41 e At 17,22-31. No primeiro caso, Sao


Paulo em Antioquia da Pisfdia prega ajudeus recorrendo aos textos e feitos
do Antigo Testamento, familiar aos ouvintes. No segundo caso, o Apostólo
em Atenas prega aos filósofos pagSos gregos utilizando nao o Livro Sagrado,
mas argumentos filosóficos e testemunhos da tradiqao do povo ateniense.

493
14 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 318/1988

- a forma de apología: havia textos do Antigo Testamento devida-


mente selecionados paraprovar a messianidadede Jesús; Is 7,14 (cf. Mt 1,23);
Mq 5,1 (cf. Mt 2,6); Os 11,1 {cf. Mt 2,15); Jr 31,15 (cf. Mt 2,18); Is 40,3
e MI 3,1 (cf. Me 1,2s); Is 8,23-9,1 (cf. Mt 4,15s). . .;

- a forma de controversia destinada a responder as objecóes levanta


das pelos ouvintes; os Apostólos tiravam do repertorio das respostas de Je
sús as palavras adequadas ás necessidades dos seus interlocutores: assim de-
via haver dúvidas a respeito do sábado (Me 2,23-3,6), de casamento e divor
cio (Mt 5,31s; 19,3-12), do jejum (Me 2,18-22; Mt 6,16-18), da volta do Se-
nhor (Mt 24,36; 24,42-25,13; Me 13,32). ..

Assim se foi desenvoivendo homogéneamente a mensagem deixada por


Jesús sob forma seminal. Todo este trabalho foi assistido pelo Espirito San
to para que nao houvesse desvio nem perversao, como o próprio Senhor o
predisse; cf. Jo 14, 26; 16,12s. Esta afirmacao é essencial para o cristao; nao
somente a fé a sugere, mas também argumentos de ordem racional, que
adiante serao apresentados. O cristáo eré que o texto escrito dos Evangelhos,
embora tenha passado pelas fases preliminares que urna mensagem possa
atravessar, é o eco fiel da doutrina de Jesús, desdobrada orgánicamente pe
los Apostólos e discípulos a fim de a encarnar ñas diversas comunidades por
eles fundadas.

3) Das primeiras comunidades aos Evangelistas. Aos poucos foi to


mando vulto ñas comunidades cristas o desejo de possuir por escrito o en-
sinamentb de Jesús. Devem ter sido redigidos entao pequeños blocos lite
rarios avulsos portadores ou de parábolas ou de milagres ou de altercacoes
ou de traeos biográficos de Jesús.

Essas pecas independentes foram sendo aos poucos agrupadas a fim


de se ter o ensinamento completo de Jesús. Dos muitos ensaios resultantes
dessa tarefa (cf. Le 1,1), quatro foram reconhecidos pela Igreja como au
téntica Palavra de Deus ou como canónicos: os de Mateus, Marcos, Lucas e
Joao.

O agrupamento foi colocado dentro do quadro da vida terrestre de


Jesús. Os mensageiros da Boa-Nova conceberam um esquema simples da
vida pública do Senhor, composto de quatro partes:

1) preparacao do ministerio de Jesús (Joao Batista, Batismo do Se


nhor, tentacoes...);

2) a pregacao na Galiléia, com centro em Cafarnaum, á margem do


lago de Genesaré;

494
A CREDIBIUDADE DOS EVANGELHOS 15

3) a subida a Jerusalém;

4) os acontecímentos da última semana na Cidade Santa e a glorifica-


pao do Senhor Jesús.

Dentro deste esquema biográfico foram sendo enquadrados os blocos


que a pregacao anterior transmitía ¡ndependentemente uns dos outros.

Está claro que cada Evangelista, tendo recebido da Igreja a mensagem


de Jesús formulada pelos Apostólos, Ihe deu o seu cunho próprio, enfati-
zando mais este ou aquele aspecto da Boa-Nova e da figura do Senhor (Ma
teus, por exemplo, é o Evangelista dos judeo-cristáos, Lucas o dos pagaos
convertidos ao Cristianismo).

A cronología da origem dos Evangelhos pode ser assim concebida:

Mt aramaícogg Tradicao joanéía

Me grego65/70

Le grego75

Mt grego80
Joao grego 100

As datas ácima sao aproximadas, mas muito prováveis. A prímeira re-


dacao do Evangelho deu-se por obra de Mateus na térra de Israel e, por isto,
em aramaico. Esta redacao serviu de modelo para Marcos e Lucas, que utili-
zaram o esquema de Mateus, acrescentando-lhe características pessoais. O
texto de Mateus foi traduzido para o grego, visto que o aramaico entrou em
desuso quando Jerusalém caiu em poder dos romanos no ano de 70; o tra-
dutor, desconhecido a nos, retocou e ampliou o texto aramaico, servindo-se
de Me. Isto quer dizer que o texto grego de Mateus (único existente, porque

495
15 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 318/1988

o aramaico se perdeu) é, segundo alguns aspectos, o mais arcaico e, segundo


outros aspectos, o mais recente dentre os sinóticos.

Pergunta-se agora:

2.2. Pode-se crer nos Evangelhos?

Há quem julgue que a mensagem de Jesús, tendo passado por varias


instancias intermediarias, foi sendo aos poucos desfigurada, de modo que o
texto escrito já nfo refere a verdade histórica. — Em resposta observaremos
o seguinte:

2.2.1. Testemunhas

Os Apostólos eram muito ciosos da fidelidade a Jesús e á realidade his


tórica. Tinham consciéncia de que a Revelacao de Deus aos homens passou
pela trama da historia do Antigo Testamento e da vida de Jesús; os aconte
cí mentos da historia da salvacao sao portadores de mensagem; ligam-se a ver
dades, como também as verdades da Revelacao se prendem a fatos históri
cos. Sao Paulo chega ao ponto de dizer: "Se Cristo nao ressuscitou, vazia é
a nossa pregacio, vazia também é a vossa fé. . . Se Cristo nao ressuscitou,
ilusoria é a vossa fé" (1Cor 15,14.17). Isto quer dizer que toda a sublimi-
dade da sabedoria crista" se retira de campo ou renuncia a se apresentar se
nao está ligada ao fato concreto histórico da Ressurreicao corporal de Jesús.
Por conseguinte, em perspectiva crista nao se pode, sem mais, negar a histo
ria bíblica e, apesar disto, afirmar a doutrina religiosa do Cristianismo. Isto
se evidencia, entre outras coisas, pelo fato de que os Apostólos nao queriam
ser sen a o testemunhas. . . Com efeito; os conceitos de "testemunho", "tes-
temunha" e "testemunhar" ocorrem mais de 150 vezes nos escritos do Novo
Testamento. Ora "testemunha" é a pessoa que está habilitada a fazer afirma-
p5es verídicas, pois tem o conhecimento de causa mais seguro, que é a pro-
pria experiencia pessoal.

É ¡nteressante notar a insistencia com que os Apostólos se apresentam


como testemunhas de Jesús; afirmam nao transmitir senáo o que viram e ou-
viram. Parece, de certo, que a regra de "testemunhar apenas", sem nada
acrescentar de falso, marcava profundamente a vida e a profissao de fé das
antigás comunidades cristas. Tenham-se em vista as seguintes passagens:

Quando entre a Ascensáo e Pentecostés os Apostólos trataram de subs


tituir Judas, o traidor, estipularam, como qualidade própria do novo Apos
tólo, a de testemunha, e... testemunha principalmente da ressurreigao do Se-
nhor. Tais forarñ entao as palavras de Sao Pedro:

496
A CREPIBILIDADE DOS EVANGELHOS 17

"Convém que, dentre esses homens que tém estado em nossa compa-
nhia todo o tempo em que o Senhor Jesús viveu entre nos, a comecar do
batismo de JoSo até o día em que de nosso meio foi arrebatado, um deles
se/a incluido em nosso número, como testemunha da sua ressurreicao"
(At 121s)

No dia de Pentecostés, afirmava Sao Pedro: "A esse Jesús, Deus res-
suscitou. Disto todos nos somos testemú nhas" (At 2,32).

No seu segundo sermáo, voltava a dizer Sao Pedro: "Matastes o prín


cipe da vida, mas Deus o ressuscitou dos mortos. Disto nos somos testemu-
nhas"(At3,15).

Diante do sinedrio, Pedro e os Apostólos responderam:

"Foi Deus quem, com a sua destra, elevou (a Jesús) como Príncipe e
Salvador para dar a Israel o arrependimento e a remissao dos pecados. E
nos somos testemunhas dessas coisas, nos e o Espirito Santo, que Deus deu
a todos os que Ihe obedecem" (At S,31s).

Em casa de Comélio, dizia S. Pedro: "E nos somos testemunhas de


tudo que (Jesús) fez no pafs dos judeus e em Jerusa/ém. Eles O mataram,
suspendendo-0 a um madei'ro. Deus, porém, O ressuscitou ao terceiro dia,
e permitiu-Lhe aparecer de modo visfvel, nao a todo o povo, mas ás teste
munhas antes escolhidas por Deus: a nos, que comemos e bebemos com
Ele, depois que ressuscitou dos mortos" (At 10,39-41).

Palavras de Sao Paulo: "... Mas Deus O (Jesús) ressuscitou dos mortos.
Por muitos dias apareceu aqueles que com Ele tinham subido da Galitéia
para Jerusa/ém e que sao agora suas testemunhas perante o povo" (At 13
30s).

Sao Paulo, ao contar sua conversao, refere a seguinte ordem de Deus:

"Levanta-te e poe-te em pé, pois eu te aparecí para te constituir mi


nistro e testemunha das coisas que viste, e de outras para as quais hei de me
manifestar a ti" (A 126,16).

Sao Paulo fazia questao de lembrar aos corintios as principáis teste


munhas da ressurreicao:

"Cristo morreu por nossos pecados, conforme as Escrituras; foi se


pultado e ressuscitou ao terceiro dia, conforme as mesmas Escrituras; apa-

497
18 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 318/1988

receu a Cefas e depois aos doze. Posteriormente, apareceu, de urna vez, a


rhais de quinhentos irmaos, dos quaís a maior parte vive até hoje, tendo al-
guns fafecido. Depois apareceu a Vago e, em seguida, a todos os apostólos.
Púr fim, depois de todos, apareceu também a mim, como a um abortivo"
(Wor 15,3-8).

Por fim, Sao Pedro escrevia aos fiéis da Asia Menor:

"Eu, presbítero... e testemunha dos sofrimemos de Cristo..."

Alias, ao acentuar o seu papel de testemunhas, os Apostólos nao fa-


ziam senao cumprir os dizeres do Mestre: "Seréis minhas testemunhas"
(At 1,8; cf. Le 24,48).

Intencionando, pois, passar por testemunhas, os Apostólos terao to


mado o devido cuidado para ser fiéis a mensagem de Cristo.

2.2.2. Os mitos e o Evangelho

Nao há dúvida, na Igreja nascente houve tentativas de deteriorar a


mensagem evangélica. Sao Paulo se refere a fábulas, erros gnósticos, dualis
tas, docetistas..., que ele compreendia sob a palavra grega mythoi, mitos,
e cuidou zelosamente de que tais mitos na"o se mesclassem com a auténtica
doutrina do Cristianismo, chamada logos.

Observemos como os Apostólos tinham consciéncia de que os mitos


nao fazem parte da mensagem evangélica e, por isto, devem ser banidos da
prégapao:

ITm 1,3s: "Ao partir para a Macedónia, pedi-te (6 Timoteo) que per-
manecesses em Éfeso a fim de admoestares certas pessoas a nSo ensinarem
doutrina diferente nem se apegarem a fábulas fmythoisj e genealogías ínter-
mináveis".

Sá*o Paulo tinha em vista lendas inventadas no século I d.C. para escla
recer fatos do Antígo Testamento; visava também a pesquisas que correspon-
diam ao gosto dos doutores judaicos e dos homens ecléticos da época.

Mais adiante volta o Apostólo a exortar:

"Rejeita as fábulas (mythousy profanas, verdadeiros coritos de vefhas.


Exercita-te napíedade" (ITm 4,7).

498
A CREDIBILIDADE DOS EVANGELHOS 19_

Na segunda carta a Timoteo lé-se ainda:

"Os homens afastarSo os ouvidos da verdade e os aplicarao ás fábulas


(mythous)" (2Tm 4,4).

Mais:

Tt 1,13s: "Sede saos na fé e nSo deis ouvidos a fábulas (mytho'n) ju


daicas ou mandamentos de homens desviados da verdade".

2Pd 1,16: "Nao foi seguindo fábulas fmythois,/ sutis, mas por termos
sido testemunhas oculares da sua majestade Que vos demos a conhecer o po
der e a vinda de nosso Senhor Jesús Cristo".

Do mythos se distingue o logos, a palavra, que Sao Paulo muito reco-


menda:

Rm 10,8: "Ao teu alcance está a palavra da fé que nos pregamos".

1Ts 2,13: "Sem cessar agradecemos a Deus por terdes acolhido a sua
Palavra, Que vos pregamos nao como palavra humana, mas como na verdade
é, a Palavra de Deus, que estáproduzindo efeito em vos".

2Tm 2,9: "Pelo Evangelho sofro até as cadeias... Mas a Palavra de


Deus nao está atgemada".

2Tm 2,15: "Procura apresentar-te... como um trabalhador.. . que dis


pensa com retidao a palavra da verdade".

Ver ainda Tt2,5; Tg 1,22s; 7Jo 1,1; At 13,26.

Donde se vé que nao se deve admitir tenha sido a mensagem crista pe


netrada por mitos e confundida com estes, como se os primeiros pregadores
da mesma fossem simplórios e destitufdos de discernimento.

De resto, os mitos todos tém estilo vago, do ponto de vista da cronolo


gía e da topografía; nao podem propor quadro histórico e-geográfico preciso;
é o que os isenta de controle. Ora dá-se o contrario nos Evangelhos: a topo
grafía da Palestina é por estes minuciosamente mencionada; também a cro
nología respectiva é relacionada com a cronología profana, como se depre-
ende de Le 2,1 (referencia a César Augusto) e Le 3,1s (referencia a Tiberio
César, Pondo Pilatos, Herodes, Filipe, Lisanias...).

Mais ainda: nenhum criador de mitos teria inventado c "mito" do


Evangelho, cujos trapos sao desafiadores e exigentes para a mente humana:

499
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 318/1988

a mensagem de Deus feito homem e, mai crucificado era escándalo


para os judeus e loucura para os gregos (ICor 1,23). A promessa de ressur-
reicao ou de re-uniao da alma com o corpo era contraria ao pensamento gre-
go; a Moral crista, que valorizava a mulher, a enanca mesmo ¡ndesejada, a
familia, o trabalho manual, o escravo (cf. a epístola a Filemon. ..), a estríta
monogamia sem divorcio..., só podia encontrar oposicao da parte da Filoso
fía greco-romana. Nada disso tinha condicoes de partir da mente dos homens
do sáculo I da nossa era.

2.2.3. Os apócrifos

Era natural que a fantasía humana elaborasse lendas e estórias a respei-


to de Jesús, visando a completar, de algum modo, o logos ou a Palavra da
pregapao dos Apostólos. Acontece, porém, que a Igreja, sabiamente guiada
pelo Espirito Santo, soube discernir da historia real essas ficcoes, relegan
do-as para a literatura apócrifa. Esta é caracterizada por estilo evidentemen
te ¡maginoso e ficticio, bem diferente do dos Evangelhos canónicos, como se
pode perceber através de simples amostragem:

"O menino Jesús tinha cinco anos quando um día se encontrava a


brincar sobre a passarela de um riacho depois da chuva. Recolhendo a agua
em pequeñas vasilhas, tornava-a cristalina no mesmo instante e a dominava
apenas com a sua palavra.

Depois fez urna massa de barro e com ela plasmou doze passarinhos.
Era enfao sábado e havia outros meninos a brincar com Jesús.

Certo judeu, vendo o que Jesús acabara de fazer em dia de festa, foi
ter correndo com seu pai José e Ihe contou tudo: 'Olha, teu filho está no
riacho e. tomando um pouco de barro, fez doze pássaros. profanando assim
o sábado'.

José foi ter com Jesús e, ao vé-lo, censurou-o dizendo: 'Por que fazes
no sábado o que nao é lícito fazer?' Jesús entao bateu palmas e se dirigiu
aos passarinhos de barro, dizendo-lhes: 'lde-vos\' E os passarinhos todos se
puseram a voar e cantar.

Ao ver isto, os judeus se encheram de admiracao e foram contar a


sous chafas o qua tinhnm visto Jnsus fninr" r'Evangalho do Pseudo-Tomé II).

"Acontaceu que um jovem. ao cortar lenha, deixou cair o machado


que Ihe cortou a planta do pé. 0 infeliz ¡a morrendo aos poucos por causa
da hemorragia. Houve entao grande alvoroco e tumulto de muita gente Je-
sus também se fez presente; depois de abrir passagem, pela forca, entre a

500
A CREDIBILIDADE DOS EVANGELHQS 21

multidao, chegou peno do rapaz ferido, e com sua mao apertou o pé dani-
ficado do jovem, e este ¡mediatamente ficou curado. Disse entao Jesús ao
moco: 'Levanta-te já; continua a cortar lenha e lembra-te de mim'. A multi
dao, ao ver o ocorrido, adorou o menino, exclamando: 'Realmente neste
menino habita o Espirito de DeusV " (ib. n? X).

"Quando Jesús tinha seis anos, sua mae deu-lhe um jarro para que o
fosse encher de agua e o levasse para casa. Mas Jesús tropecou no caminho
e o cántaro se quebrou. Entao ele estendeu o manto que o cobria, encheuo
de agua e levou-o a sua mae. Esta, ao ver tal maravilha, pós-se a beijar Jesús.
E conservava em seu coracao todos os misterios que ela o via realizar"
(ib. n? XI).

Ao contrario do que se dá nos apócrifos, quem le os Evangelhos ca


nónicos, observa ai' notável sobriedade de estilo, síntoma de que os Evange
listas tinham consciéncia de que a sua mensagem narrada com simplicidade
tinha em seu favor o fascfnio e poder da verdade e, por isto, nao precisava
de ser "embelezada" artificialmente para encontrar a aceitacao do público.

Pode-se, pois, concluir que a mensagem do Evangelho é de origem


transcendente e nao terá sido produto do ficcionismode judeus ou de pagaos
da antigüidade. - é isto que mais urna vez nos compete afirmar diante das
noticias sensación a listas de certa imprensa.

A propósito:

GUITTONJEAN, Jesús. Ed. Itatiaia, Befo Horizonte.


LAMBÍAS!, F., Autenticidade histórica dos Evangelhos. Ed. Paulinas.
MESSORI, V/TTORIO, Hipóteses sobre Jesús. Ed. Paulinas.
TÉRRA, JOÁO EVANGELISTA MARTINS. Jesús. Ed. Loyo/a.
PR 219/1978, pp. 95-108 (panorama da moderna crítica dos Evan
gelhos).

* * *

"PALAVRAS DO SENHOR"

O Pe. Alberico Volpe, da Diocese de Sao Carlos (SP), publicou um li


vro de breves meditacoes diarias intitulado "PALAVRAS DO SÉNHOR.
CENTELHAS DE PENTECOSTÉS", com a Apresentacao do Sr. Bispo Dio
cesano D. Ruy. Cada meditacao parte de um texto bíblico, ao qualse segué
urna reflexio acompanhada de oracio final. O livro é subsidio válido para
ajudar os fiéis a rezar com a S. Escritura ñas maos.

501
Reconciliapao:

Dissidentes Voltam á
Unidade da Igreja

Em si'ntese: Ñas páginas seguintes vio publicados dois documentos im


portantes: o primeiro é a Carta dos Cardeais Joseph Ratzinger e Paúl Augus-
tin Mayer, Que em nome do S. Padre comunicam a reconciliacao outorgada a
dois mosteiros seguidores de D. Lefebvre (um na Franca, outro em Nova
Friburgo, Brasil). O outro documento é a declaracao do Prior D. Gerardo
Calvet, explicando aos amigos os porqués de sua decisao de aceitar a recon
ciliacao com a Santa Sé. Verificase que os monges se deram conta de que a
sua fidelidade á Tradicao nao pode ficar desligada da Igreja visfvel e oficial;
precisamente escrevia S. Roberto Belarmino, contradizendo á concepcao
protestante de que a Igreja é invisfvel ou nao institucional: a Igreja 6 a so-
ciedade dos que professam a mesma fé, recebem os mesmos sacramentos
e obedecem aos mesmos pastores. Os tradicionalistas, menosprezando estas
notas, correm o risco paradoxal de incidir no protestantismo.

* * *

O cisma aberto por D. Marcel Lefebvre, cujas dimensoes eram ¡mpre-


visíveis a principio, vai tomando contornos mais nítidos: entre outros gru
pos lefebvristas, urna comunidade monástica com ramificacáo no Brasil re-
tornou á unidade da Igreja. Trata-se do Mosteiro de Santa Madalena du
Barroux (Franca), que fundou o Mosteiro de Santa Cruz (Nova Friburgo,
Brasil); da comunidade deste, parte aceitou e parte recusou a reconciliacáo
com a Santa Sé.

A origem destes cenobios é a seguinte: o monge francés Oom Gérard


Calvet, nascido em 1927, pertencia á Abadía de Tournay da Congregacáb
Beneditina de Subiaco (Provincia Francesa); como tal, desde 1963, e duran
te seis anos, fez parte de urna comunidade fundada em Curitiba por Tournay.
- Voltou, porém, para a Franca em 1968, permanecendo um ano em Tour
nay. Finalmente resolveu afastar-se de sua comunidade para constituir um
mosteiro de índole tradicionalista, inspirada por D. Lefebvre, em 1969 na
localidade de Bedoin (Sul da Franca). Em 1970 essa comunidade se transfe-
riu para o vilarejode Le Barroux, auns 25km de Avignone lOkm de Bedoin;
foi sempre crescendo o número de candidatos que se Ihe agregavam.

502
DISSIDENTES VOLTAM. . . 23

Em 1987 o monge brasileiro D. Tomás de Aquino foi nomeado Prior


da pnmeira fundacSo no estrangeiro. Estabeleceu a sua comunidade em ter
reno doado nos arredores de Nova Friburgo (RJ): o novo mosteiro foi inau
gurado aos 3 de maio de 1987 com a presenca de D. Antonio de Castro
Mayer, bispo emérito de Campos; tem desenvolvido suas construpoes no in
tuito de poder acolher 35 ou 40 monges.

Ocorre, porém, que estavam suspensos de ordens1 todos os monges


sacerdotes tanto da comunidade de Le Barroux como do mosteiro de Nova
Friburgo. Isto nao podia deixar de entristecer tais ¡rmSos. Contudo em julho
pp. abriu-se-lhes a oportunidade de regularizar a sua situaclo canónica: foi
retirada pelo Santo Padre Joáo Paulo II a censura que pesava sobre os mon
ges, contanto que se atenham as cláusulas estipuladas pela Santa Sé e aceitas
por D. Marcel Lefebvre aos 05/05/88 (infelizmente, porém, canceladas pelo
mesmo aos 06/05/88). Acontece, porém, que nem todos os monges de Santa
Cruz aceitaram a reconciliacao; permanecem em Nova Friburgo, ao passo
que os confrades reconciliados voltaram para a Franca.

A noticia, importante como é, vai aqui apresentada mediante dois


documentos: a Carta da Santa Sé a D. Gérard Calvet, comunicando-lhe a re-
conciliacfo, e a explicacao dada por D. Gérard aos amigos que Ihe pediam
esclarecimentos."

1. O Comunicado da Santa Sé

Aos 25/07/88, a Congregacao para a Doutrina da Fé, em carta n? 75/83,


dirigiu-se nos seguintes termos ao Pe. Gérard Calvet, Prior do Mosteiro de
Santa Madalena de Le Barroux:

"Reverendo Padre Gérard Calvet,

Em resposta á carta que V. Rma. enviou ao Prefeito da Congregapao


para a Doutrina da Fé aos 08/07/88 e á súplica dirigida ao Santo Padre na
mesma data, o Cardeal Prefeito desta Congregapao e o Cardeal Presidente da
Comissfo Especial instituida segundo o Motu proprio 'Ecclesia Dei' de
02/07/88, tém o prazer de comunicar-lhe conjuntamente o que se segué:

1 Tratase da censura ou penalidade segundo a qual ao sacerdote nao é licito


celebrar a Missa e as funcoes sagradas.

5 Os dois textos foram traduzidos dos origináis franceses publicados pelo


jornal Présent, de París, edicio de 18/08/1988.

503
24 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 318/1988

No decorrer de urna audiencia concedida ao Cardeal Joseph Ratzinger


em 23 de julho de 1988, o Sumo Pontífice quis bondosamente:

1) absolver de todas as censuras e irregularidades contraídas - por


causada recepcao de Ordens sacras das máos de S. E. Mons. Marcel Lefebvre
ele mesmo suspenso a divinis1 - todos os membros das comunidades de'
Santa Madalena de Le Barroux e Santa Cruz de Nova Friburgo que se achem
em tais condicóes;

2) conceder ás duas mencionadas comunidades a plena reconciliacao


com a Sé Apostólica dentro das cláusulas já oferecidas pelo Cardeal Paúl
Augustin Mayer por ocasiao de sua visita ao Mosteiro de Le Barroux aos 21
de junho de 1988 e em conformidade com o parágrafo 6a) do Motu proprio
'Ecclesia Dei', a saber:

- o uso, privado e público, dos livros litúrgicos vigentes em 1962,


para os membros das comunidades e aqueles que freqüentam as Suas casas;

- a possibilidade de solicitar a um Bispo, conforme as regras ca


nónicas vigentes, que confira as Ordens sacras segundo o Livro Pontificial
outorgado, desde que o Superior de cada casa autónoma aprésente as cartas
dimissoriais exigidas2;

- o direito, para os fiéis, de receber os sacramentos segundo os li


vros litúrgicos concedidos ás casas das comunidades, levando-se em conta os
cánones'878, 896 e 1122 do Código de Direito Canónico;

- a possibilidade de exercer urna ¡rradiacao pastoral mediante


obras de apostolado e de conservar os ministerios atualmente assumidos pe
las comunidades, observados os cánones 679-683.

Estas medidas terao vigencia na data do recebimento desta Carta Ou-


tros problemas jurídicos eventuais hao de ser submetidos á competencia da
Comissao Especial encarregada da aplicacao do Motu proprio 'Ecclesia Dei1.

Por fim, no tocante á inserpao das duas comunidades na Confederacao


Bened.t.na. o Cardeal Presidente da Comissáb Especial pede ao Rmo Abade
Primaz que tome as providencias necessárias, levando em c «a as aspirares
manifestadas na citada Carta de V. Rma. datada de 8 de julho de 1988.

1 Isto é, suspenso da celebrado do culto divino.


2Nenhum membro de Ordem ou Congrégalo Religiosa pode receber de um
B.spoalguma Ordem sacra (diaconato, presbiterato) sem que o respectZ
Supenor o aprésente e recomendé a tal Bispo. respectivo

504
DISSIDENTESVOLTAM. .. 25

Devemos acrescentar que o Santo Padre, correspondendo aos senti-


mentos de fidelidade e adesSo que V. Rma. Ihe manifestou, nao duvida do
sincero desejo de V. Rma. de contribuir para o bem das almas mediante o
sen apostolado em comunhao com o Papa e todos os Pastores da Igreja;
S. Santidade conta muito particularmente com as orapoes de V. Rma. e de
seus ¡rmáos.

Queira acolher, Reverendo Padre, a expressao de nossos sentimentos


de religiosa dedicacao no Senhor.

Joseph Ratzinger

Paúl Augustin Mayer"

É de notar que ao Mosteiro de Santa Madalena de Le Barroux está


associado também um Mosteiro de monjas, que aceitaram unánimemente
a reconciliacao com a Santa Sé.

O texto da Carta dos dois Emos. Cardeais é esclarecido pelas ocorrén-


cías antecedentes, as quais se refere o próprio D. Gerardo Calvet na Decla-
rapao seguinte.

2. A Declaracao de D. Gérard Calvet

"Desde 30 de junho pp. recebemos urna quantidade de cartas de todos


os matizes: conselhos, ameacas, aprovacóes, desaprovacoes, súplicas, intima-
coes, etc. . . Visto que nao posso responder a todos e que a nossa Carta aos
Amigos do Mosteiro só aparecerá no comepo de setembro, resolví dirigir-me
a vos através das colunas do jornal PRESENT, ao qual agradeco a acolhida.

Desminto como destituido de todo fundamento o rumor segundo o


qual eu teria sido cogitado para ser ordenado bispo.

Por que aceitoi o Protocolo que D. Lefebvre recusou logo depois de


o ter assinado?

Esta é urna longa historia, para a qual peco alguns minutos de atenpáo:
já há quinze anos que pedimos ser absolvidos da suspensao de Ordens e rein
tegrados na Confederado dos Mosteiros beneditinos; mas as condicoes a nos
impostas eram ¡nexeqüíveis (renuncia ao rito tradicional); por isto recusa-
mo-las, resignando-nos a ficar na ilegalidade de preferencia a trair a verdade.
Muito após tais conversacóes, na sexta-feira 17 de junho do corrente ano, o
Vaticano chamou ao telefone o Padre Prior. O Cardeal Mayer anunciava-nos
a sua visita; ele chegaria na segunda-feira 20 de junho ás 18h 30 min com

505
26 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 318/1988

Mons. Perl, a fim de nos propor, da parte da Santa Se", o Protocolo de acor-
do assinado aos 5 de maio e cancelado na noite de 5 para 6 de maio.

No día seguinte, reunimos urna dezena de padres em torno do Cardeal


a fim de estudar a proposta do Papa. Realizamos duas sessoes, urna de ma-
nha e outra á tarde, de atento debate, no qual nada foi esquecido. O texto
do Protocolo que nos era apresentado, correspondía aos postulados que sub-
metemos á Santa Sé desde 1983. O que pedramos desde o inicio (Missa de
Sao Pío V, Catecismo, Sacramentos em conformidade com o rito da Tradi-
cSo secular da Igreja), nos era concedido, sem restripoes doutrinárias, sem
concessoes nem retratacoes. Por conseguinte, o Santo Padre nos oferecia a
integracSo na Confederacáo Beneditina a nos tais como somos.

As nossas razoes

Tudo bem ponderado, após diversas reunioes do Conselho dos Padres,


aceitei a proposta e expliquei aos nossos fiéis, durante a Missa de domingo,
as razoes que, no nosso caso, pareciam militar em favor do acordó:

a) Nao é désejáve I que a Tradicá*o da Igreja seja colocada fora doseu


perímetro oficial visfvel. Isto é contrario a honra da Esposa de Cristo. A vi-
sibilidade da Igreja é urna de suas características essenciais.

b) É lamentável que os únicos beneditinos afastados da grande familia


beneditina seiam precisamente os que guardam a sua tradicáo litúrgica. Nao
é esta um apanágio da Ordem Beneditina?

c) Em ¡gualdade de condicoes, isto é, ressalvados a fé e os sacramen


tos, é melhor estar de acordó com as leis da Igreja do que as violar.

d) Por último, a razao. talvez determinante, que nos levou a aceitar a


absolvicao da suspensao a divinis de nossos sacerdotes prende-se a um ponto
de vista missionário: nao é necessário que o maior número possível de fiéis
possa assistir as nossas Missas e festas litúrgicas sem serem entravados por
seus capeláes ou seus Bispos? Pensó principalmente nos jovens estudantes,
escoteiros, seminaristas, que as vezes nunca viram urna Missa tradicional.

Parece que seríamos culpados se, por nao aproveitarmos a ocasiáo,


milhares de jovens ficassem para sempre privados da Missa latina e gregoria
na, da Missa diante de Deus, na qual o Canon é envolvido no silencio, na
qual a Hostia Santa, centro da adoracáo dos fiéis, é recebida de joelhos e
na boca.

O desafio rilo é insignificante, como vemos.

506
__ DISSIDENTES VOLTAM... 27

Nossas condicoes

Estipulamos duas condigoes para assinaro acordó:

1) Que tal acontecimento nao implique descrédito para a pessoa de


D. Lefebvre: isto foi dito varias vezes no decorrer do nosso coloquio com o
Cardeal Mayer, que aceitou a condipáío. De resto, nSo foi gracas á tenacidade
de D. Lefebvre que tal estatuto nos foi concedido?

2) Que de nos nao se exija alguma restripao doutrinária ou litúrgica


e que nao se imponha o silencio a nossa pregapao antimodernista.

As reacoes

Muitos dos nossos correspondentes, mal informados, mostraramse


desconfiados e suspeitosos. Esperamos ter apaziguado a sua inquietude.

Lamentamos cá ou lá certas reapoes amargas decorrentes mais de espi


rito de partido do que do senso eclesial. Há quem queira intimar os fiéis a
'escolher o seu partido', menosprezando o respeito devido as almas, que é a
condipao primeira de todo apostolado. Seria grave erro querer instituir na
Igreja urna especie de grande Partido unificado que tenha á frente um chefe
manipulador arbitrario de suas tropas. A Tradipáo assumiu, por forpa das
circunstancias, urna atitude de resistencia. Ficamos sendo nos mesmos
fiéis aos imperativos da fé integral e á Tradipáo imutável da Igreja, mas é
preciso que a nossa resistencia legítima nao se transforme em resistencialis-
mo, no qual reinem a suspeita e o espirito de facpao; a santa liberdade dos
filhos de Oeus seria a primeira vftima desta atitude e, com ela, muitas ou-
tras preciosas virtudes, a comecar pela caridade.

Nosios tres anseio»

Para terminar, desejo formular tres anseios, que me estío a peito:

1) Que ninguém se apresse em proferir julgamentos precipitados so


bre situapoes complexas sem ter conhecimento de todos os-elementos; pre-
cipitapSo e malevolencia trabalham em favor do Inimigo. Se quiséssemos pa-
cientar um pouco, ten'amos a ocasiao de julgar a árvore pelos seus frutos...
Nao é este o criterio proposto pelo Evangelho?

2) Nao nos desgastemos em litigios internos, em rivalidades de cía ou


de jurisdipao. Ao contrario, permanepam em amizade fraterna todos aqueles
que combatem em prol da Tradipáo: doutrina, pregapSo, Missa, sacramentos.
Quem nos poderá dividir se trabalharmos todos para Cristo Rei?

507
28 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 318/1988

3) Por fim, desejo que tiremos proveito do trecho do Evangelho em


que Sao Joao, dirigindo-se a Jesús, Ihe diz: 'Mestre, vimos alguém expulsar
os demonios em teu nome e nos o quisemos impedir porque nao nos acom-
panha'. Mas Jesús Ihe disse: 'N5o o impecais, porque quem nao é contra
vos, está convosco ' (Le 9,49).

Dom Gerardo O.S.B.


Prior do Mosteiro de Santa
Madalena do Barroux"

* * *

O fiel católico nao poderá deixar de se regozijar profundamente pela


reintegrapáo dos monges franceses na Igreja Católica. Ao mesmo tempo, pe
de ao Senhor ilumine os olhos daqueles que ainda hesitam em aderir plena
mente á única Igreja que Cristo fundou; sem o querer, tais irmSos estao ado
tando os principios do protestantismo, segundo os quais a Igreja é invisível.
Contradizendo a esta concepcao protestante, Sao Roberto Belarmino
(t 1621), que os tradicionalistas certamente acatam e estimam, definía a
Igreja como "a sociedade cujos membros professam a mesma fé, recebem os
mesmos sacramentos e obedecem aos mesmos pastores". D. Gerardo Calvet
foi iluminado ao averiguar que nao se atinha a esta definicao proposta por
S. Roberto Belarmino em vista do cisma protestante; vejarse a razao a apon-
tada para justificar a reconciliacao com a Santa Sé. Querendo ser extrema
mente católicos, os tradicionalistas arriscam-se paradoxalmente a incidir
no protestantismo. É de crer que o Senhor Deus os preserve de tao doloro-
sa surpresa. A túnica de Cristo inconsútil nao foi dividida pelos soldados ro
manos no Calvario (cf. Jo 19,23$); nao seja dividida pelos discípulos do Se
nhor!

A propósito das idéias-mestras de D. Marcel Lefebvre ver PR 316/1988


pp. 407-422.
* * *

"O DISCÍPULO"
Na diocase de Sa~o José dos Campos (SP) é publicado periódicamente
o caderno "O DISCÍPULO. SEGU/NDO AS PEGADAS DO SENHOR". Tra
tase de urna coletánea de artigos extraídos de revistas e livros merecedores
de maior atencSo da parte dos fiéis católicos. A selecSo é criteriosa, visando
á formacao doutrinária, á vida espiritual e á acSo pastoral dos interessados.
Com tal caderno em mios, o cristao tem urna antología que Ihe permita
acompanhar as publicares católicas sem grandes despesas. Recomenda-se
vivamente a assinatura de tal periódico, cuio endereco para correspondencia
é: Avenida Madre Tereza 519, ap. 4A, - 12200 Sao José dos Campos (SP)
Fone (0123)-21-5911.

508
Ainda no Centenario da Abolicao:

A Escravidáo no Brasil

Em síntese: O Centenario da AbolicSo da Escravatura no Brasil oca-


sionou a publicacSo de verías obras atinentes ao assunto, portadoras de no
ticias e documentos pouco divulgados referentes á acao humanizadora da
Igreja em favor dos escravos. Tres dessas obras sao utilizadas ñas páginas
seguintes, pondo-se em relevo traeos da atitude da Igreja frente á escrava
tura.

* * *

Já em PR 267/1983, pp. 106-132 e PR 274/1984, pp. 240-247 foi


abordado o tema "Igreja e Escravatura"; foram a( publicados textos de Pa
pas, Bispos, sacerdotes e leigos que censuram tal regime, procurando abran-
dá-lo e colaborando para extingui-lo. Em muitos manuais e tratados de his
toria, tais depoimentos sao ignorados ou silenciados, pois se registra a ten-
dSncia a afirmacoes genéricas e contundentes, destituidas de qualquer do-
cumentacao comprovante.

A ocorréncia do Centenario da AbolicSo no Brasil oferece-nos ocasiao


de voltar ao assunto, valendo-nos de obras recém-editadas sobre o mesmo
e portadoras de novos dados, extrai'dos de Arquivos, que poem em mais cla
ro relevo a acao humanizante da Igreja perante o fato escravagista. De modo
especial referimo-nos a tres publicacoes:

Cónego José Geraldo Vidigal de Carvalho, A Escravidáo. Convergen


cias e Divergencias. Ed. Folha de Vicosa 1988.

ídem, A Igreja e a Escravidáo. As Irmandades de Nossa Senhora do


Rosario dos Pretos. Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, Rio de Ja
neiro 1988.

Jaime Balmes, A Igreja Católica em face da Escravidáo, com Adendo


do Cdn. José Geraldo Vidigal de Carvalho: A Igreja e a Escravidáo no Bra
sil, Sao Paulo 1988.

509
30 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 318/1988

Estas tres obras apresentam informacoes e documentos pouco divulga


dos, que passamos a resumir ou ocasionalmente transcrever ñas páginas
subseqüentes.

1. O Tráfico Negro no Brasil e a Igreja

1. As tribos da África Ocidental praticavam a venda de homens negros


como escravos. Procuravam assim os vencedores na guerra retirar algum lu
cro da vitória: trocavam por dinheiro ou mercadorias os adversarios prisio-
neiros; para estes, era preferível ser vendidos como escravos a permanecer
sob o dominio de africanos vencedores; estes tratavam ignominiosamente
os vencidos.

No Brasil, a explorapao das minas e demais riquezas naturais sugeriu


aos portugueses a procura de escravos na África - coisa, alias, que já outros
povos (como, por exemplo, os árabes da península ibérica) praticavam, pa
ra atender aos servicos da agricultura e da industria. Principalmente após
D. Afonso, que reinou até 1453, os reis de Portugal perderam o controle
sobre a importacao de escravos, de modo que os colonos portugueses le-
varam multidoes de africanos para a Europa. Conseqüentemente também
os trouxeram para o Brasil, fazendo negocios altamente lucrativos tanto
para quem vendia como para quem comprava os negros.

2. A Igreja nao se calou diante de tais costumes. Entre os documen


tos que o atestam, além dos que já foram citados em PR, existe urna carta
do Papa Joáo VIII, datada de setembro de 873 e dirigida aos Príncipes da
Sardenha, que diz:

"Há urna coisa a respe/to da qual desejamos admoestar-vos em tom


paterno; se nSo vos emendardes, cometeréis grande pecado, e, em vez do
lucro que esperáis, veréis multiplicadas as vossas desgrapas. Com efeizo;por
instituicio dos gregos, muitos homens feitos cativos pelos pagaos sao ven
didos ñas vossas térras e comprados por vossos cidadaos, que os mantém
em servidao. Ora consta ser piedoso e santo, como convém a cristaos, que,
urna vez comprados, esses escravos sejam postos em liberdade por amor a
Cristo; a quem assim proceda, a recompensa será dada nSo pelos homens,
mas pelo mesmo Nosso Senhor Jesús Cristo. Por isto exortamo-vos e com
paterno amor vos mandamos que compréis dos pagaos alguns cativos e os
deixeis partir para o bem de vossas almas" (Deminger-Sch'ónmetzer, En-
quirfdio dos Símbolos e Def inipoes n? 668).

O Papa Pió II, em 7 de outubro de 1462, condenou o comercio de


escravos como magnum scelus (grande cr.ime)'.

'O. RainaMi, Annales X (a. 1482).

510
A ESCRAVIPAO NO BRASIL 31_

Em 1571 Tomás de Mercado, teólogo de Sevilha, declarava desumana


e ¡Ifcita a traficáncia de escravos, tanto mais que instaurava uma luta fratri
cida entre os próprios africanos. Em sua Summa de Tratos y Contratos, este
autor afirmava nao haver justificativa para negocio tío infame.

3. Houve mesmo sacerdotes que se sacrificaram, tanto no Brasil como


fora, em favor dos escravos. Sejam citados, entre outros, os Padres Afonso
Sandoval S.J. e Pedro Claver. 0 primeiro foi o pioneiro do trabalho em
prol dos negras em Cartagena das Indias, porto de tráfico no Mar das Anti-
Ihas; com grande coragem denunciou os maus tratos de muitos traficantes;
através de seus escritos, tentou suscitar urna mentalidade antiescravagista;
para melhor trabalhar, procurou conhecer a cultura africana a fim de enten
der mais perspicazmente aqueles pobres seres humanos que ele defendía.

Quanto a Pedro Claver, em 1610 chegou de Sevilha a Cartagena das


Indias, onde o Pe. Sandoval Ihe ensinou o amor aos negros. Na Colombia
foi ordenado sacerdote e passou a trabalhar com o Pe. Sandoval junto aos
negros. No ano seguinte, foi para o Perú; retornou depois a Cartagena e as-
sumiu também as missoes entre os escravos das fazendas do interior. Duran
te toda a sua vida, cuidou de cerca de trezentos mil escravos. Em 1639,
quando o Papa Urbano VIII publicou um documento em favor dos escravos,
viveu dias felizes. Todavía esse servidor dos escravos morreu paralítico, de
doenca contraída ñas missoes da regiáo pantanosa de Tolu e Finu, aos 8
de setembro de 1654.

4. As Constituicoens primeyras do Arcebispado da Bahia (1707) mais


de uma vez se voltaram para a sorte dos escravos, procurando fazer que os
senhores Ihes propiciassem ou facilitassem os bens espirituais. Assim, por
exemplo, no tocante ao sacramento do matrimonio, rezavam as Constituí poes:

"Conforme o direito divino e humano, os escravos e escravas podem


casar com outras pessoas cativas ou livres e seus senhores Ihes nSo podem
impedir o matrimonio nem o uso dele em tempo e lugar conveniente, nem
por esse respeito os podem tratar pior, nem vender para outros lugares re
motos, para onde o outro, por ser cativo ou por ter'outro justo impedimen
to, o nao possa seguir, e, fazendo o contrario, pecam mortalmente e tomam
sobre suas consciéncias culpas de seus escravos, que por este temor se dei-
xam muitas vezes estar e permanecer em estado de condenacao" (D. Sobas-
tiSo Monteiro de Vide, Constituipoens, título 71).

Os sacramentos da Eucaristía e da Penitencia eram de fácil acesso aos


escravos, principalmente na Quaresma, em vista do cumprimento do precei-
to pascal.

511
32 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 318/1988

No concediente ao sacramento da Ordem, o impedimento para os es-


cravos nao era racial, mas provinha da própria condicao de escravos. Regozi-
javam-se, porém, quando entravam em contatos oom sacerdotes negros, que
vinham da Costa de Angola ou da ilha de Sao Tomé, onde havia um cabido
de cónegos todos negros.

5. Oeve-se notar também o papel benéfico desempenhado pelas Ir-


mandades de Nossa Senhora do Rosario dos Pretos, cujas igrejas eram pon
tos de encontró de escravos e livres; af cultuavam a Deus e faziam suas de-
vocoes como também exprimiam suas aspiracoes e deixavam vir á tona seus
íntimos sentimentos.

Oentre os Estatutos dessas Contrarias me rece m destaque alguns tó


picos como os seguintes:

"Toda pessoa, preta ou branca, de um ou outro sexo, forro ou cativo,


de qualquer nació que seja, que quiser ser Irmio desta Irmandade, irá á
mesa ou é casa do Escrivao da Irmandade pedir-lhe faca assento de Irman
dade" (cap. I do Compromisso da Irmandade da Paróquia do Pilar de Ouro
Preto).

O capítulo II do mesmo Compromisso reza:

"Haverá nesta Irmandade um Rei e urna Rainha, ambos pretos, de


qualquer nació que se/am, os quais serio eleitos todos os anos em mesa a
mais votos e serio obrigados assistir com o seu estado as festividades de Nos
sa Senhora e mais Santos, acompanhando no último día atrás do palio".

Vé-se que nestes textos desaparecem as diferencas raciais; além do


que, escravos e livres sao equiparados entre si.

6. Descendo através dos tempos, temos urna Carta do Papa Pió Vil
enviada ao Imperador Napoleao Bonaparte da Franca, em protesto contra
os maus tratos infligidos a homens vendidos como animáis; ao que acres-
centava: "Proibimos a todo eclesiástico ou leigo ousar apoiar como legítimo,
sob qualquer pretexto, este comercio de negros ou pregar ou ensinar em pú
blico ou em particular, de qualquer forma, algo contrario a esta Carta Apos
tólica" (citado por L. Conti, A Igreja Católica e o Tráfico Negreiro, em
O Tráfico dos Escravos Negros nos sáculos XV-XIX. Lisboa 1979, p. 337).

O mesmo Sumo Pontífice se dirigiu a D. Joáo VI de Portugal nos se


guintes termos:

"Dirigimos este oficio paterno á Vossa Majestade, cuja boa vontade


nos ó plenamente conhecida, e de coracio a exortamos e solicitamos no Se-

512
AESCRAVIDÁONOBRASIL 33

nhor, para que, conforme o conselho de sua prudencia, nao poupe esforcos
para que. .. o vergonhoso comercio de negros se/a extirpado para o bem da
religiSo e do género humano ".

Pío Vil também muíto se empenhou para que no Congresso Interna


cional de Viena (1814-15) a instituipSo da escravatura fosse condenada e
abolida.

7. Quanto á travessia do Océano Atlántico por parte dos escravos tra-


zidos em navios negreiros, veriftca-se hoje que descricoes de Castro Alves
e outros autores sao hiperbólicas e poéticas, fugindo á realidade histórica.
Os brancos tinham interesse em prover á conservacao da vida de seus escra
vos em condicoes tao boas quanto possfvel, visto que os negros deviam ser
oferecidos aos colonos do Brasil, que os examinariam de perto antes de os
comprar. Julga-se até que os traficantes contratavam médicos que acompa-
nhavam a populacao dos navios negreiros.

2. Alforrias e "Mao Posta"

1. A alforria é ato de libertar um escravo. Tal prática foi notável no


Brasil colonial nao só em favor dos inválidos (como erróneamente já se dis-
se).

Havia ocasioes propicias á concessao de alforria por parte dos senho-


res: festas familiares, confeccao de testamento, visitas episcopais.. . A alfor
ria podia ser concedida também como recompensa á lealdade no servico.

Além disto, registram-se os varios casos de escravos que compravam a


sua liberdade ou a conseguiam através de padrinhos e madrinhas benfeitores.

Os libertos ajudavam os ex-companheiros de servico a conseguirem a


sua libertacáo. As próprias Irmandades emprestavam dinheiro para que o
escravo se tornasse forro.

Podia outrossim ocorrer a chamada "coartacao": o escravo e o patrao


estipulavam o prepo do resgate, que o servo ia pagando aos poucos; entre-
mentes, o cativo já gozava de varios direitos do homem livre.

Mais: os escravos que denunciassem um contrabando, eram libertados


pelo Estado. Aqueles que encontrassem diamantes ácima de vinte quilates,
eram alternados.

Na Bahía os negros organizaram "fundos de empréstimos" para faci


litar a compra da alforria; essas organizap5es foram-se convertendo em so-

513
34 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 318/1988

ciedades emancipacionistas. A eficacia de tais instituigoes pode-se avallar


pelo seguinte depoimento de Herbert S. Klein, doutor pela Universidade
de Chicago e autor do livro African Slavery ¡n Latin América and the
Caribbean, onde assevera:

"Na época do prímeiro censo nacional brasileiro, em 1872, havia


42 milhoes de pessoas de cor livres e 1,5 milhio de escravos. As pessoas de
cor livres nSo apenas ultrapassavam em número os 3,8 milhoes de brancos,
mas também representavam 43% da populacao brasileira, de 10 milhoes de
habitantes. Tudo isto mais de urna década antes da abolicao da escravatura'*
(pp. 241-3).

A Igreja incentivou as formas de libertacáo dos cativos, como bem di-


zia D. Pedro Mari a de Lacerda, bispo do Rio de Janeiro:

"Provemos que os aplausos tantas vezes dados a quem dava alforria,


eram aplausos sinceros, nascidos de um coracao ansioso de ver a liberdadet
refulgir mais e mais entre os homens á sombra da Cruz" (Carta Pastoral
anunciando a Lei n? 2040 de 27/09/1871).

2. A Manu posita (Mao posta) era a prática de angariar recursos para


redimir cativos por parte de pessoas caridosas; estas eram chamadas "ma-
nuposteiros". Constituiam associa?5es com seu Regimentó; os membros
dessas entidades tinham cada qual a sua funcao: ora a de esmolér, que pedia
donativos por ocasiao das festas ou ñas fazendas, ñas igrejas, ñas ermidas...,
ora a de escriturar as receitas (escrivaes), ora a de guardá-las e distribui-las
na qualidade de tesoureiro...

Alias, existiam na Igreja a Ordem da SS. Trindade, desde 1198, e a


dos Mercedários ou Nolascos desde 1222, destinadas a redimir os cativos
detidos pelos Sarracenos. A existencia dessas Ordens era, por si mesma,
urna réplica á prática da escravatura: como explicar a arrecadagao de eleva
das somas para p6r em liberdade cativos, se, de outro lado, os próprios por
tugueses aprisionavam africanos e os reduziam aescravidSo? Os Trinitarios
e os Mercedários suscitaram, por seu trabalho, urna mentalidade anticatí-
veiro, que se exprimiu no Brasil através dos manuposteiros. Assim descreve
o historiador Vítor Ribeiro a solenidade do resgate realizada pelas Ordens
Religiosas:

"Era revestida de pompas estranhas a expedicao de resgates. Os reden


tores, depois de terem recolhido as esmolas em cofre especial, despediam-se
de El-Rey e do seu convento, deixavam crescer tongas barbas, embarcavam
com o cofre, _e iam á Mauritania expor-se a mil perígos, vexames e embos
cadas com a cautela que a experiencia Ibes ia aconselhando; negociavam os

514
AESCRAVIDÁONOBRASIL 35

resgates por intermedio do governo de Bey ou das autoridades e, por fim,


conseguindo libertar os cativos, reconduziam-nos ao reino, onde faziam e
publicavam tongas listas de resgates, com os nomes, idades, naturalidades,
condicoes de cativeiro e libertacao e custo dos resgates. . . Depois, em día
aprazado, fazia-se em Lisboa solene procissao em que entravam varias Or-
dens e Contrarias, especialmente a da Misericordia e a de Nossa Senhora
do nésgate, a qual dava volta á igreja velha da Misericordia e regressava ao
convento" (cf. Historia de Portugal, vol, IV, Damiao Peres (DirJ Barcellos,
Portucalense Editora 1932, p. 565).

0 Bispo do Rio de Janeiro, D. Pedro María de Lacerda, em 1871 es-


crevia na sua Carta Pastoral referente á Lei do Ventre Livre:

"A Igreja Católica alegrase ¡mensamente á vista do que acaba de rea


lizarse entre nos. E como nSo? Por ventura nao é a Igreja Católica que deu
ao mundo Sao Joao da Mata e que aprovou a Ordem dos seus Religiosos da
Santíssima Trindade, cujo fim principal foi resgatar os que gemiam cativos
em poder dos Sarracenos? NSo foi a Igreja Católica que aprovou a Ordem
dos Religiosos das Mercés, instituida por SSo Pedro Nolasco com o fim de
resgatar os cativos que viviam sob o poder dos infléis, obrigando-os a um
heroísmo assombroso de caridade, ligando-os com um solene voto a se dei-
xarem eles mesmos em ferros como penhora e reféns, se tanto fosse preciso
para o resgate dos Cristaos? E a Igreja Católica nao celebra há tantos sé-
culos a 24 de setembro de cada ano a instituicao dessa heroica Ordem Re
ligiosa, criada por inspiracao de María Santíssima, a quem a Igreja reconhe-
ce tanti operis Institutricem? E gracas a Deus, no quinto dia dentro do oi-
tavário desta festa é que a nova lei brasileira foi sancionada pela Augusta
Princesa Imperial Regente".

Os frutos da mentalidade humanitaria despertada pelo Cristianismo


sao atestados por varios relatos de viajantes e cronistas que passaram pelo
Brasil. Entre outros, merece atencao Henry Koster. Filho de ingleses, nasci-
do em Portugal, chegou ao Brasil em 1809. No seu livro Travels in Brazil re
lata viagens ao Nordeste e refere-se a condicao dos escravos:

"Atesta Koster: 'Os escravos no Brasil gozam de maiores vantagens


que seus irmaos ñas colonias británicas. Os numerosos días santos para os
quais a Religiao Católica exige observancia, dio ao escravo muitos días de
repouso ou tempo para trabalhar em seu proveito próprio. Em trinta e cinco
desses días e mais nos domingos é-lhes permitido empregar seu tempo como
Ihes agradar'. Atribuí á opiniao pública forca suficiente para obstar que os
senhores diminutssem o número destes dias, o que revela urna mentalidade
altamente humanitaria da sociedade de entao.

515
36 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 318/1988

Desee Koster a detalhes sobre as a/forrias, porta abena para a liberta-


gao dos cativos...

Destaca o papel nao relevante das associaedes religiosas: 'Os escravos


possuem sua Irmandade como as pessoas livres, e a ambicio que empolga
geralmente o escravo é ser admitido numa dessas contrarias, e ser um dos
oficiáis ou diretores do conselho da sociedade'...

Focaliza a terna devocao dos cativos a Nossa Senhora do Rosario, 'al-


gumas vezes, pintada com a face e as maos negras'. Ressalta que 'os reis do
Congo brasileiro invocam a Nossa Senhora do Rosario e sSo vestidos como
vestem os brancos. Conservam, é verdade, a danca do seu pafs, mas nessas
festas sao admitidos pretos africanos de outras nacoes'. £ que tríbos de di
versas regioes africanas, muitas até rivais na África, aquí se irmanavam sob
o signo da Mié comum, a Virgem Mana, que tanto amavam e veneravam.

Que os escravos eram respeitados se deduz deste assento: 'Os escravos


po Brasil sao regularmente casados de acordó com as fórmulas da Igreja Ca
tólica. Os proclamas sao publicados como se fossem para pessoas livres. Te-
nho visto varios casáis felizes ftio felizes quanto podem ser os escravos},
com grande número de filhos crescendo ao redor deles'. Nota aínda Koster
que era permitido que os escravos se casassem com pessoas livres. Se a mu-
Iher era escrava, o filho permanecía cativo; mas se o homem era escravo e a
mulher forra, o filho era também livre.

'Aos escravos pertencem os sábados de cada semana para providenciar


sua própria subsistencia, além dos domingos e dias santificados. Os que sao
diligentes raramente deixam de comprar sua liberdade. Os monges náb guar-
dam interferencia alguma quanto as rocanas dadas aos escravos, e quando
um desses morre ou obtém sua alforria, permitem que leguem seu pedaco
dé térra a qualquer companheiro de sua escolha. Os escravos alquebrados
sao carinhosamente próvidos de alimento e roupa'. (Grifo nosso).

Testetnunha aínda que muitos agricultores tratavam sua escravaria


com carinho. Alias, alega textualmente: 'Embora os negros sejam sustentados
por seus amos, existindo térras com abundancia, permitem aos escravos
plantar o que quiserem e vender as colheitas a quem Ihes aprouver. Muitos
críam galinhas e porcos e, ocasionalmente, um cávalo para alugar e possuir
o dinheiro assim obtido'" (transcrito do livro de J. Balmes: A Igreja Cató
lica em face da Escravidáb, pp. 108-110).

Sao estes alguns aspectos da historia da escravidao no Brasil que de-


vem ser postos em relevo para que se ten ha urna visá*o tao objetiva e fiel
quanto possrvel do período analisado.

516
A ESCRAVIDAO NO BRASIL 37

3. Observado final

É necessário, sim, reconhecer o passado com realismo e veracidade.


Mas nao se pode esquecer o presente ainda trágico, que a humanidade vive,
trazendo até hoje a chaga da escravatura, embora dissimulada ou elegante
mente rotulada.

Eis, a propósito, o que se refere na imprensa de nossos días:

Mundo tem 200 miihoes de crianpas escravas

"Londres - Em alguns países podem ser comprados pelo equivalente


a apenas USS 15 e em outros trabalham até 20 horas por dia. Nao se trata
dos robos produzidos pela moderna tecnología, mas de vt timas de um comer
cio que se acreditava há muito desaparecido: a escravidao de criancas.

Segundo a Sociedade contra a Escravidao, que tem sede em Londres,


há no mundo pelo menos 200 miihoes de criancas escravas, trabaihando em
fazendas, fábricas, na industria do sexo, esgotando-se em longos expedien
tes, freqüentemente maltratadas e sempre pagas com migalhas.

No livro 'Criancas escravizadas', recentemente /aneado, fíoger Swayer,


de 57 anos, doutor em Historia, afirma que há no mundo mais escravos hoje
que durante o sáculo passado, quando a escravidao se tornou ilegal. Autor
de muitas outras obras sobre a escravidao, ele explica que aparece até como
participacao toreada das vítimas em conflitos bélicos.

Swayer descreveu em seu livro as condicoes imperantes numa fábrica


do norte da índia, onde foram libertadas 27 criancas. Algumas haviam sido
seqüestradas, outras vendidas por mies desesperadas para receber algumas
rupias imprescindfveis a alimentar o resto da familia e outras 'hipotecadas'
a prestamistas que os parentes das vftimas utilizam para adquirir comida.

'Qualquer tentativa para escapar dos estreitos limites de urna ¡ornada


de trabalho de 20 horas era reprimida por golpes com urna vara de ferro
ou bambú, e a penalidade por chorar era ser golpeado por urna pedra envol-
ta de paño. O castigo por tentar fugir era ser pendurado numa árvore de ca-
beca para baixo'.

Na Europa e nos Estados Unidos, as criancas-escravas trabalham fun


damentalmente para a industria do sexo. 'O sofrimento fi'sico das criancas
utilizadas na industria do cinema pomo, na prostituicSo e no tráfico de nar
cóticos faz com que, comparadas ás criancas do Terceiro Mundo, parecam

517
38 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 318/1988

privilegiadas', escreveu Swayer, segundo quem a prostituicao infantil e ju


venil está proliferando em París, Nova York e Londres.

Somente em París, segundo especialistas, existem 8.000 enancas de


ambos os sexos dedicadas á prostituicSo, em sua maioria provenientes da
Argelia e Mañocos. Em varias grandes cidades dos Estados Unidos existem
os denominados 'cavalaricos', meninos de entre 12 e 14 anos que praticam
a prostituicao" (O Globo, 25/07/88, p. 12).

Como se vé, aínda mais importante do que censurar o passado é consi


derar o presente e dar-lhe os remedios de que carece para evitar a persisten
cia da escravatura em nossos días. Na verdade, somente a fé em Deus, que
suscita o amor ao próximo, é capaz de con te r a onda de erotismo e ganancia
que degradam o ser humano em nossos tempos. Possa, pois, o passado servir
de escola e advertencia ao presente, contribuindo para despertar a cons-
ciéncia do homem contemporáneo para urna das grandes nódoas do momen
to i

A propósito:

TÉRRA, JOÁO EVANGELISTA MARTINS, A Igreja e o Negro no


Brasil. Ed. Loyola 1983.
PR 274/1984, pp. 240-247 (sfntese do livro ácima).
Biblia, Igreja e Escravidáb. Coordenador Joao Evangelista Martins
Térra S.J. Ed. Loyola 1983.
PR 267/1983. pp. 106-132.

* * *

ESPIRITUALIDADE FRANCISCANA

Sáb Francisco e o Misterio da Vida, por Frei Carmelo Surion OFM.


- Ed. Santuario, Aparecida (SP), 135 x 205 mm, 171 pp.

O conhecido teólogo franciscano Frei Carmelo apresenta a vida de Sao


Francisco como fonte de espiritualídade. tendo em vista especialmente a
Ordem Terceira Franciscana. Procura outrossim mostrar pontos de contato
entre o espirítualidado franciscana e o Documento de Puebla. O livro será
muito útil aos discípulos e admiradores de Sao Francisco, que foi certamen-
te um auténtico intérprete do Evangelho.

518
Religiáfo e Plagio:

"Igreja Católica
Apostólica Carismática"

Em símese: A "Igreja Católica Apostólica Carismática"pediu registro


civil de pessoa ¡urfdica e o obteve. Todavía o Sr. Arcebispo de Campiñas,
D. Gilberto Pereira Lopes, entrou na Justica com recurso contra tal registro,
mostrando que causaría confusao no grande público, visto que o nome da
sociedade registrada e toda a sua linguagem sio o plagio do nome e dos sím
bolos da Igreja Católica. - A apelacao de D. Gilberto foi acolhida pelo Tri
bunal de Justica de Sio Paulo, que resolveu, após longos estudos, cancelar
o registro da "Igreja Católica Apostólica Carismática". O parecer e o acor-
dao que concluem o processo, vio abaixo reproduzidos; os seus dizeres apli-
cam-se a todas as denominacoes que praticam o curanderismo e o plagio.

* * *

É notorio o avaneo de denominacoes religiosas que prometem ao pú


blico curas e dons extraordinarios em ge ral mediante ritos que utilizam a
linguagem, os paramentos e os símbolos da Igreja Católica: hostias, agua
benta, "Missa", etc. Esses ritos sao muitas vezes ocasiao a que as pessoas
interessadas (geralmente as mais carentes no plano económico) deixem con-
siderávéis quantias de dinheiro nos cofres dos respectivos templos. Entre ou-
tras, á Rede Nacional de Missoes Católicas e ramos das Igrejas B ras i le ¡ras co-
metem tais abusos. Esse comportamento é ilícito a varios títulos: 1) os
novos grupos praticam o curanderismo, isto é, propiciam alivio ilusorio a
pacientes que nao sao curados, mas, apesar disto (por causa da sugestao e
da sua credulidade), deixam de se tratar, permitindo o recrudescimento das
suas molestias; 2) exploram o bolso dos pobres, que sao generosos ao dar
dinheiro em troca da "restituicáo mágica" de sua saúde; 3) praticam o pla
gio ou a imitacao desonesta de práticas e símbolos da Igreja Católica.

Ora este terceiro título de delito foi considerado em 1987 pelo Tri
bunal de Justica de Sao Paulo. Com efeito; a "Igreja Católica Apostólica Ca
rismática" pediu registro civil de pessoa jurídica e o obteve. Todavia o Sr.
Arcebispo de Campiñas, D. Gilberto Pereira Lopes, entrou na Justica com
recurso contra tal concessao, mostrando que causaría confusao no grande

519
40 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 318/1988

público, visto que o nome da sociedade registrada e toda a sua linguagem


sao plagio da designacáfo e dos símbolos da Igreja Católica.

A apelacao de D. Gilberto foi acolhida pelo Tribunal de Justica de


Sao Paulo, que resolveu, após longos estudos, cancelar o registro da "Igre
ja Católica Apostólica Carismática". O Parecer e o Acórdao que concluem
o processo, vém a ser de grande interesse para o público, pois o que neles
se diz se aplica a todas as entidades religiosas que praticam o plagio, dando
a crer ao povo católico que sao legítimos órgaos do Catolicismo. Eis por
que, ñas páginas seguintes, publicaremos o texto do Parecer do Dr. José
Renato Nalini, Juiz de Direito Corregedor, e o Acórdao subseqüente assi-
nado pelos Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura em ou-
tubrode 1987.

A linguagem usada em tais documentos é a do Direito, com suas ex-


pressSes técnicas e convencional, cujo sentido se torna claro a um leitor
atento.

Merecem, pois, consideracao os arrazoados que se seguem, dado que


se poderiam aplicar a numerosos outros casos paralelos ao da "Igreja Cató
lica Apostólica Carismática".

I. O PARECER

APELACAO ClVEL N? 7.150-0/5 - CAMPIÑAS

"Excelentfssimo Senhor Desembargador Corregedor Geral:

Na"o se conforma D. Gilberto Pereira Lopes, Arcebispo Diocesano de


Campiñas, como representante da Igreja Católica Apostólica Romana, com a
r. decisao de fls. 85/87 do d. Juiz Corregedor Permanente do 1? Cartório
de Registro Civil das Pessoas Jurídicas que, desacolhendo a dúvida suscitada
pelo Oficial, determinou registro e arquivamento do estatuto social da Igreja
Católica Apostólica Carismática no Brasil.

Em seu apelo ao E. Conselho Superior da Magistratura, aduz que a uti-


lizacffo de nome análogo e de estrutura semelhante á da apelante, induzirá
a populapao em erro e isso autoriza a recusa do registro, com fundamento
no artigo 115 da Lei de Registros Públicos...

OPINO:

I. Suscitou o erudito oficial do registro civil das pessoas jurídicas da


Comarca de Campiñas a presente dúvida, com fundamento no artigo 115 da

520
"IGREJA CATÓLICA APOSTÓLICA CARISMÁTICA" 41

Lei de Registros Públicos, quando se Ihe apresentou a registro o estatuto


social da pessoa jurídica denominada Igreja Católica Apostólica Carismática.
no Brasil.
Aduziu que o nome e a própria organizacao da entidade se prestariam
a propiciar engodo e confusSo ao povo da cidade, em relapao a Igreja Católi
ca Apostólica Romana. Exemplifica o receio, com a enunciacáo dos cargos
existentes na hierarquia da entidade registranda: 'padres, sacerdotes, bispos,
freirás, madres e seminaristas', nomeados por um 'Supremo Concilio'...

II. A teor do disposto no § 5? do artigo 153 da Constituicao da Re


pública, 'é plena a liberdade de consciéncia e fica assegurado aos crentes o
exercício dos cultos religiosos, que nao contrariem a ordem pública e os
bons costumes'.

Quer isso dizer que o Estado brasileiro é leigo. 'É-lhe vedado, pela
Constituicao, estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los ou em-
baracar-lhes o exercício (artigo 9? , II, da CF). A neutralidade do Estado em
materia confessional constitui importante fator de garantia e de respeito ás
liberdades religiosas (liberdade de crenca e culto)' (José Celso de Mello F¡-
Iho, 'ConstituicSo Federal Anotada', 2? ed., 1986, Saraiva, p. 439).

É da tradicao do Estado Liberal que o núcleo dos direitos garantidos


aos cidadaos seja definido e caracterizado pela pretensao de excluir interven-
cóes do poder estatal, consideradas perigosas para as liberdades individuáis.
Assim, a liberdade de pensamento e suas manífestacoes quanto a conscién
cia, culto, educagao e Imprensa, estaria totalmente ¡muñe a qualquer contro
le do organismo estatal.

Sob prisma tal, concluir-se-ia — como o fez o d. magistrado correge-


dor permanente — que descabe tolher registro a sociedade religiosa cuja de-
nominacao nao coincide, exatamente, com aquela da terceira interessada.

III. A questao merece outras reflexoes, contudo.

0 fator religioso fortalece como nenhum outro a unidade e a digni-


dade dos valores políticos. Nao que a Igreja se reduza a mero suporte de
estabilidade política, mas sao reconhecfveis nela tais efeitos temporais. 'Mais
prudente sois - escreve Cicero - quando cercáis a cidade com a religiao,
do que quando a rodeáis de muralhas'. O respeito a autoridade, o freio dos
apetites de gozo e predominio, o clima de honestidade e confianca que toda
convivencia requer, a moralidade profissional, a abnegacao no cumprimento
do dever, o sacrificio, o heroísmo, tém na religiáo suas mais fundas e seguras
raízes' (José Corts Grau. 'Curso de Derecho Natural', 5? ed., Ed. Nacional
Madrid, 1974, p. 458).

521
42 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 318/1988

Esse principio foi adequadamente formulado por Donoso, ao advertir


que a ordem passou do mundo religioso ao mundo moral e do moral ao po
lítico. Assim, 'nao há mais do que duas repressoes possíveis, a religiosa e a
política. Estas sao de tal natureza, que quando o termómetro religioso está
alto, o termómetro da repressao está baixo e quando o termómetro religioso
está baixo, o termómetro político, a repressSo política, a tiranía, está alta'
('Discurso sobre la Dictadura', t. II, p. 107, apud Corts Grau op cit
p. 459).

Daquilo que superficialmente se abordou, deflui que um Estado libe


ral moderno, mesmo nao confessional, admita a tolerancia de culto, mas nao
a sua irrestrita liberdade. Do ponto de vista cristao, o governo de um país ca
tólico nao pode predispor seus súditos ao indiferentismo ou á apostasia. Do .
ángulo filosófico, nao Ihe é lícito cair num relativismo que equipare o erro
a verdade. E do ángulo político, ¡mporta-lhe manter um fator decisivo para
a unidade nacional.

Igreja e Estado sao sociedades perfeitas, cada urna em sua ordem. 'Ao
Estado importa cooperar com os fins da Igreja, por razoes de intrínseca hie-
rarquia e porque, os riscos da Igreja, acaba por sofre-los sempre a sociedade
civil, e a Igreja importa manter no Estado um máximo ético e velar pela es-
tabilidade social, porque também a dissolucao civil se propaga á eclesiástica'
(CORTS Grau, op. cit., p. 464).

Nao interessa ao Estado fomentar a contradicao, sob pretexto de


viabilizar a Kberdade religiosa. Por esse motivo é que a Constituicao assegura
aos crentes o exercício dos cultos religiosos que nao contrariem a ordem
pública e os bons costumes.

IV. Por bons costumes se entendem as atitudes ou valores sociais con


sagrados pela tradicáfo e que se impóem aos individuos do grupo e se trans-
mitem através das geracoes. Sao os comportamentos prescritos do ponto de
vista moral. E sob esse enfoque, nao corresponde com os ditames da moral
pretender-se o registro de entidade com denominapao quase idéntica a outra,
muito mais antiga e de evidente prestigio.

A despeíto da inequívoca diferenca entre direito e moral, ninguém re


cusa a interpenetracSo entre os dois campos. É da rotina forense a api ¡cacao
de preceitos moráis na solucfo de questSes jurídicas. Citando RIPERT, lem-
bra o Prof. ALVINO LIMA a necessidade de recorrer a lei moral, a fim de
reforcar, atenuar ou esclarecer a regra jurídica' ('A fraude do Direito Civil'
Saraiva, SP, 1965, p. 7).

Constata-se urna migracáo continua e irrepreensível de prescricoes


moráis para o direito positivo, de tal forma que 'o progresso do direito posi-

522
"IGREJA CATÓLICA APOSTÓLICA CARISMÁTICA" 43

tivo é um esvaziamento progressivo do campo da moral social', na frase de


George Renard ('Le Droit, La Justice et la Volonté', Sirey, París, 1925,
p. 108).

No momento em que a entidade registranda pleiteou o registro da


Igreja Católica Apostólica' Carismática no Brasil, quis se valer do dissemina
do respeito de que usufrui a Igreja Católica Apostólica Romana. E a lei
positiva nao pode ser indiferente a atitudes calcadas em falta de originali-
dade que destoa da mera coincidencia. 'A missáfo do direito nao é apenas a
de disciplinar coativamente atividades humanas para dirigí-las e conté-las
dentro dos limites legáis prefíxados, mas é, outrossim, um fator de civili-
dade, urna forpa de persuasao em virtude dos valores moráis que encerra'
(Alvino Lima, op. cit. p. 10).

Existe, a rigor, um preceíto que impede o registro da entidade que se


inspira integralmente em similar mais longeva. Admitir-se a protecao decor-
rente da publicidade registrária nesse caso seria premiar a esperteza e des
considerar a regra moral a qual repugna a ¡mítacao. E "a substancia interna,
a medula nutritiva da regra de direito positivo é a regra moral, o preceito
de justica que ela se contenta de determinar ao contacto das condicoes
históricas da época" (J. T. Dedos, 'Le probléme des rapports du droit et de
la morale', in 'Archives de Philosophie et Science Jurídique', 1933, p. 80).

Aínda que nao exístísse 'preceito legal que condene expressamente


a conduta desleal, desonesta, fraudulenta, lesiva de direito de terceiros, a
regra usual de retidao, de probidade se impoe, nao só porque está implí
cita e virtualmente incerta em ¡números preceitos legáis, regulando casos
particulares; mas ainda por ser o ato de improbidade lesivo do direito de
outrem, repudiado como contrario ao principio geral de direito — neminem
laedere' (Alvino Lima, op. cit. p. 10). ..

Ao se atentar para essa possibilidade vivificadora propiciada pelos


principios gerais de direito - dentre os quais o que determina nao prejudicar
a ninguém - estar-se-á a reconhecer que o direito nao pode ser desvinculado
de seu fím. 'O fim é a vida interna, a alma escondida, mas geratriz, de todos
os di re ¡tos' (Saleilles, 'De La Personnalité Jurídique', p. 497).

Lembrava o grande Benjamín Cardoso, que 'nao colhemos as nossas


regras de direito ¡nteiramente maduras das árvores. Cada juiz, consultando
a sua própria experiencia, deve ter consciéncia do momento em que o livre
exercício da vontade, dirigido com o propósito de promover o bem comum,
deve determinar a forma e a tendencia de urna regra, a qual, nesse instante,
se origina de um ato criador' ('A Natureza do Processo e a Evolucáo do
Direito' 3? ed., Col. Ajuris-9, p. 112/113). ..

523
44 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 318/1988

É problema da jurisprudencia delimitar o conceito de imoralldade


num sentido estrito. Na espacie, diffcil concluir-se que a pretensao ao regís-
tro de sociedade eclesiástica inspirada integralmente numa outra, de que sao
reproduzidos, com pouca imaginacSo, os tres primeiros e identificadores no-
mes, possa revestir um ato moralmente idóneo. É l¡ca"o de senso comum que,
obtido o registo, essa Igreja se prestará a confundir as pessoas, com a ¡ma-
gem que elas tém da Igreja Católica tradicional. E o conceito de senso co
mum pode auxiliar o convencimento de que o acesso á protecib registraría
é de ser impedido: 'Todo mundo entende por senso comum certo número de
nocSes evidentes por si mesmas, onde todos os homens va*o buscar os moti
vos de seus jufzos e as regras de sua conduta. Mas o que nao se sabe bastante
é que esses princfpios sá*o, simplesmente, as solucdes positivas de todos os
grandes problemas que a filosofía agita... o senso comum é urna filosofía
propriamente dita, pois se encontra espontáneamente no fundo de todas as
conscifincias, independente de toda pesquisa científica' (Jouffroy, 'Mélanges
Philosophiques', apud Garrigou-Lagrange, 'Le Sens Commun' Nouv. Lib.
Nat., 1922, p. 85/7).

É a perene filosofía, imorredoura como a razio humana. Obra dos


sáculos, essa filosofía tradicional ná*o é sená*o a perpetua justificagáfo das so-
lucóes do senso comum, ou do bom senso, ao qual repugna a idéia de apro-
priacáo do nome de entidade semelhante, ainda que aparentemente destina
da a práticas de elevacáo.

V. Sob,outro prisma o tema admite análise. O Direito Brasileiro con


templa a protecáo de marcas, patentes e direitos autorais, a constituir 'um
incentivo á criatividade', além de evitar 'o caos, a deslealdade e a prepoten
cia' (AC. 56.690-1, SSo Paulo, Reí. Des. Jorge Tannus, RJTJESP-97/228).

A entidade apelada inclui em sua denominacao tr6s expressoes, que


revestem significado bastante em si: Igreja Católica Apostólica. A locucao de
que se utilizou é elemento integrante, constitutivo e distintivo do nome da
apelante. Tanto que, ao se referir qualquer pessoa a Igreja Católica, pressu-
p5e-se a expectativa de comportamento de que o* ouvinte ¡mediatamente
absorva e assimile o significado relativo a Igreja Católica Apostólica Roma
na. A colidéncia á manifesté e a mera possibilidade de confusao afastaria
a possibilidade de utilizacfo do nome posterior, reconhecida a preferencia
de uso pela entidade prejudicada. Assim tem entendido a jurisprudencia
do E. Tribunal de Justica de SSo Paulo (RJTJESP-60/191).

N5o se pode exigir urna imitacSo completa. É suficiente, como o fez a


entidade de denomínacSo registrada, se cónfiam ao nome elementos comuns,
indistintos, para tomar viável o quid pro quo por parte das pessoas media
nas, quase sempre imunes a um exame mais atento. Valeria recorrer ao con-

524
"IGREJA CATÓLICA APOSTÓLICA CARISMÁTICA" 45

ceito de imitado de Gama Cerqueira, tantas vezes invocado nos julgamen-


tos referentes á protecao da propriedade industrial: 'Verifica-se imitacSo
sempre que urna nova marca, em seu conjunto ou em urna de suas partes,
despena a impressao visual ou fonética da outra existente, ou sugere ao es
pirito a mesma idáia que esta, de modo a induzír em erro ou confusao o
consumidor' ('Patentes e Máquinas', p. 300, in RJTJESP-75/142). O princf-
pio é o mesmo e a natureza diversa da atuaca'o das duas entidades aquí con
sideradas, mas legítima a cautela com que se houve o registrador.

A proximidade léxica entre as duas denominares perturba a atuaca'o


apostólica de cada qual. A confusffo, aqui, nffo caí na sede da inconseqüén-
cia de contaminado. A identidade nlo é acidental e molesta, nao apenas
potenciaImente, á primeira délas, ora apelante. Ressalte-se que atuarSo no
mesmo universo, arrebanhando idéntica faixa de fiéis, com a explicacao* de
individualidade insuficiente para acentuar sua diferenca institucional. Con
creta e aparente, portanto, a ilicitude entrevista.

NSo se houve a Igreja Carismática com a boa-fé cujos contornos os


Romanos precisaran). 'A boa-fé deve ser considerada de um modo negativo.
Desde que o interessado ignore a situaca*o do seu parceiro, ... é lícito con
cluir pela sua boa-fé. Os Romanos, designando essa ocorréncia, se valem des-
tas expressoes: - ignorare, putare, existimare, nescire, e quando se referem
á má-fé, a qualificam como um estado de ciencia. Daf dizer-se que a boa-fé
se caracteriza somente pelo estado de ignorancia do sujeito, ou pela sua
crenca e opiniao de que o direito é aquele que sua compreensao representa'
(Octavio Moreira GuimarSes, 'Da Boa-Fé no Direito Civil Brasileiro' 2a ed
Saraiva.SP, 1953. p. 30).

É fato notorio a existencia de urna Igreja Católica Apostólica Roma


na. Ninguém poderia ¡gnorá-lo e, nestes autos, a circunstancia restou perfei-
tamente caracterizada, mediante a recusa do registrador, seguida de cha-
mamento da terceira ¡nteressada. Escusado a Igreja Carismática alegar deseo-
nhecimento.

Ao pretender o registo, nele insistindo mesmo após explicitadas as


razoes da apelante, desacompanhou a Igreja Carismática o último dos pre-
ceitos carácter¡2adores da tríplice inclinacSo natural do homem, com vis
tas á conservacSo, a propagacáfo e aelevacfo do homem. Sobre isso discorre
Alceu Amoroso Lima, remetendo á obra de GREDT: 'Pode-se distinguir
no homem urna tríplice inclinacSo natural, como substancia, como animal
e como racional. Enquanto é substancia, inclina-se a conservar o seu ente,
e. segundo essa inclinacSb veda a lei natural o suicidio e preceitua aqui lo
que se refere á conservacá"o de si mesmo, como seja a nutricSo. Enquanto é
animal, inclina-se a conservar a sua espacie pela geracáb e educaca*o dos fi-

525
46 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 318/1988

Ihos e de acordó com essa ¡nclinacao existem todos os preceitos, que dizem
respeito á geracá"o, ao matrimonio e á educacáo dos filhos. Enquanto é ra
cional inclina-se a conhecer a verdade e a viver em sociedade, e segundo essa
inclinacao ordena a lei natural que o homem evite a ignorancia e náb ofenda
aqueles com quem deve conviver' ('Introducto ao Direito Moderno' 3a ed
Agir, 1978, Rio, p. 99).

Por último, ná"o se trata de qualquer orientacao confessional, que pu-


desse direcionar a análise no sentido objetivado pela apelante. É a mera
constatacao de que a boa-fé, a imaginapao criadora, o repudio pela imitacao
e pela apropriacío de idéias, preordenada ao proveito que se extrairá da con-
fusao, reside na consciéncia do comum dos homens.

Catherein já reconhecia que 'O Cristianismo derramou abundante luz


sobre tais verdades. Porém elas já sSo, por si, acessfveis á razao, como o pro-
vam.os exemplos dos grandes filósofos da antigüidade: Sócrates, Platao,
Aristóteles, Cicero e outros' ('Filosofía Del Derecho', trad. A. Jardon e C.'
Barja, 4a ed., Reus, Madrid, 1941, p. 205/206). A propósito, basta a reffe-
xao serena sobre c texto de Confúcio que segué: 'O homem, dizem os nossos
antigos sabios, é um ser á parte, em que se reúnem as qualidades de todos
os outros seres. Ele é dotado de inteligencia, perfectibilidade, liberdade e so-
ciabilidade; é capaz de discernir e comparar, de agir em vista de um fim e
escolher os meios necessários para a consecucao desse fim Pode aperfeipoar-se
ou depravarse, conforme o bom ou mau uso que fizer de sua liberdade; co-
nhece virtudes e vicios e senté que tem deveres a cumprir para com o Céu,
para consigo mesmo e para com o próximo' (apud T. Rothe, 'L'Esprit du
Droit chez les Anchiens', R. Sirey, París, 1928, p. 154/155).

VI. O parecer que me permito submeter á superior consideracfo de -


Vossa Excelencia é no sentido do provimento do apelo para que se recuse o
registro á Igreja Católica Apostólica Carismática no Brasil, com fundamento
no artigo 115 da Lei de Registros Públicos, de acordó com a interpretacao
que ora se Ihe conferiu.

Ao elevado discernimento de Vossa Excelencia.

Sao Paulo, 15 de setembro de 1987.

(a.) José Renato Nalini, Juiz de Direito Corregedor".

II.OACÓRDAO

'"Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelacao Cfvel N°


7.150-0/5, da Comarca de Campiñas, em que 6 apelante a Igreja Católica
Apostólica Romana, rep. p/ Dom Gilberto Pereira Lopes, apelado o Sr.
Oficial do Cartório de Títulos e Documentos e Pessoa Jurfdica e interessa-

526
"IGREJA CATÓLICA APOSTÓLICA CARISMATICA" 47

da a Igreja Católica Apostólica Carismática no Brasil, rep. por Euclides


Nunes.

Acórdam os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura,


por votacao unánime, em dar provimento á apelacSb. Custas na forma da
leí.

O relator inicialmente confirmava a sentenca, mas reconsiderou seu


ponto de vista em face do voto do eminente 3? Juiz, que ficou unánime
mente acolhido como razao de decidir, nos seguintes termos:

'Meu voto, com a devida venia, acompanha o do Sr. Revisor e dá pro


vimento ao apelo.

Pouco se tem a acrescentar ao primoroso parecer do Dr. Nalini que, a


meu ver, bem enfoca a controversia e Ihe dá solucSo adequada.

A ordem pública e os bons costumes referidos no artigo 115 da Lei


de Registros passam, na especie, pelo exame do artigo 153, § 5? da Cons-
tituicao Federal, onde se garante aos crentes o exercfcio do próprio culto
religioso.

Essa garantía há de compreender a seguranca de que a prática do culto


nao seja inibida por contrafases maliciosas capazes de induzir em erro os
adeptos de determinada religiSo'.

Dentro desse ángulo, como no parecer se observa, 'difícil concluir-se


que a pretensa^ ao registro de sociedade eclesiástica inspirada integralmen
te numa outra, de que sSo reproduzidos, com pouca imaginacao, os trts
primeiros e identificadores nomes, possa revestir um ato moralmente idó
neo, é licáo de senso comum que, obtido o registro, essa Igreja se prestará
a confundir as pessoas, com a imagem que elas tém da Igreja Católica tra
dicional'. Como, alias, noticias existentes nos autos já deixam claramente
entrever. De qualquer forma, 'a proximidade léxica entre as duas denomi
nares perturba a atuacáo apostólica de cada qual'.

Mutatis mutandis, aplica-se aqui a conhecida I ¡cao de GAMA CER-


QUEIRA, no sentido de que ocorre im¡taca*o proibida 'sempre que urna nova
marca, em seu conjunto ou em urna de suas partes, despena a impressao vi
sual ou fonética da outra existente ou sugere ao espirito a mesma ¡déla que
esta, de modo a induzir em erro ou confusSfo o consumidor'.

A permissao do registro importaría em conseqüente ambigüidade em


prejufzo da Igreja antes estabelecida e a qual nSo se pode negar o legítimo
direito de defesa das notas características de sua identidade, netas compre-
endidas o nome, a estrutura organizacional e o culto religioso, a cujo exercf-

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48 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 318/1988

ció o Poder Público, na forma da Leí Maior, nao deve criar embaraco (art.
9,11).

Participaran! do julgamento, com votos vencedores, os Desembarga-


dores Marcos Nogueira Garcez, Presidente do Tribunal de Justica e Milton
Evaristo dos Santos, Vice-Presidente do Tribunal de Justica.
Sao Paulo, 19 de outubro de 1987.

(a.) Sylvio do Amaral, Corregedor Geral da Justica e Relator"

Passam os dizeres de tais documentos despertar a atencao para quanto


de ¡Ifcio e fraudulento ocorre no plagio, na explorapao financeira e no
curanderismo praticados por varias correntes religiosas do Brasil contempo
ráneo!

Estévao Bettencourt O.S.B.

* * *

UM COMPENDIO DE TEOLOGÍA MORAL

Foi publicado recéntenteme o terceiro volunte da serie "OBEDIEN


CIA E SALVACÁO". Tratase de um Manual de Teología Moral editado
pelo Instituto Diocesano Missionárío dos Servos da Igreja (Diocese de Sio
José do Rio Preto, SP), com a palavra de Apresen ta^ao do Sr. Bispo Dio
cesano D. José de Aquino Pereira. O prímeiro volunte estudava os Principios
Fundamentáis da Moral; o segundo, as Virtudes e os Vicios; este terceiro é
dedicado aos Sacramentos e Sacramentáis, incluindo a temática das Indul
gencias, das Penas Eclesiásticas, das Vocacdes em geral e da Familia. Cada
capitulo é acompanhado de questionárío para favorecer o estudo e de um
texto de leitura espiritual. A orientacio é fiel ao pensamento da Igreja. Muí-
to úteis serio as páginas dedicadas ás tres condicSes para que naja matrimo
nio válido na Igreja; os cánones relativos aos impedimentos matrimoniáis sao
passadosem revista com bastante clareza, de modo a informar devidamente
os interessados (futuros nubentes e Párocos encarregados dos processos ma
trimoniáis).

Fazemos votos para que tal obra se difunda em nossos Seminarios e


Institutos de formacSo do laicato. Pedidos ao endereco seguinte: Centro Vo-
cacional Coracio Imaculado de María, Rúa Osvaldo Aranha 585 - Caixa
Postal 55 - 15001 SSo José do Rio Preto (SP); fone (0172) 32-1598.
Como ulterior subsidio para o estudo, podemos indicar os CURSOS
POR CORRESPONDENCIA DA ESCOLA "MATER ECCLESIAE". Mor-
macdes sejam solicitadas á mesma Escola, Rúa Benjamín Constant 23 —
20241 - Rio de Janeiro fRJ).

528
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língua original, o grego. A Autora, Monja beneditina do Mosteiro de Nos-
sa Senhora das Grapas, em Belo Horizonte, estuda o vocabulario que
mais ¡nteressa ¡mediatamente, isto é, o do Novo Testamento, e ás vezes
também o dos Santos Padres. Escrita manual, impressa em off-set. 220
páginas Cz$ 700,00

SAGRADA ESCRITURA:

ENCONTRÓ COM A BIBLIA, Pe. Louis Monloubou e Ir.


Dominique Bouyssou, 1980.
Pontos de referencia para urna primeira leitura da Biblia.
1? volume, Antigo Testamento, 130 págs Cz$ 700,00
2? volume. Novo Testamento, 104 págs Cz$ 700,00
GUIA DE LEITURA Bl'BLICA, toda a Escritura, exceto
Salmos e Evangelhos. Por Dom Estévao Bettencourt, OSB Cz$ 280,00

TEOLOGÍA:
RIQUEZAS DAMENSAGEM CRISTA, Dom Cirilo Folch
Gomes, OSB. Comentario ao Credo do Povo de Deus, a
luz do Vaticano II. 1981. 2a ed CzS 4.700,00
O MISTERIO DO DEUS VIVO, Pe. Albert Patfoort, OP..
traducao de Dom Cirilo Folch Gomes, OSB. Tratado de
"Deus Uno e Trino", de orientacáo tomista e de i'ndole
didática. 230 págs CzS 2.200,00
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Estévao Bettencourt, OSB. 1984. 278 págs CzS 2.500,00
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pleto da Instrupao Geral sobre a Oracáo do povo de Deus
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A PALAVRA DO PAPA: Constituicáo Sacrosanctum Con-
cilium (Sobre a Sagrada Liturgia) Edicao Bilingüe.
1985. 153 págs CzS 1.200,00

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