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Aula 06 - Evidências, Significado e Efeitos da Ressurreição

Leandro Lima

Objetivo: Entender os aspectos históricos, teológicos e práticos da ressurreição de Jesus.

Introdução

A ressurreição de Cristo põe um ponto final em todo um sistema até então


invencível: o sistema da morte. A rotina de todos os seres humanos desde o início do
mundo sempre foi: nascer, crescer e morrer. Nenhum homem jamais conseguiu fugir deste
sistema. Todos, inevitavelmente, encontraram a morte, mais cedo ou mais tarde. Esta
indesejosa visitante sempre se apresentou, as vezes nos momentos mais inesperados,
rompendo elos, quebrando relacionamentos, destruindo sonhos e arrasando projetos. Algo
que sempre esteve muito claro na mente do ser humano é que tudo pode ser vencido, menos
a morte. Quando ela chega, as esperanças se acabam. Por isto os homens dizem: “Enquanto
há vida, há esperança”. Quando a morte chega é o fim. Mas um dia, um homem adentrou as
portas da morte. Pela maneira como tudo aconteceu, parecia ser só mais um. Aquele corpo
maltratado pelos açoites e pelo esforço desumano de carregar a cruz, se deixou vencer pela
velha conhecida dos seres humanos. Ela lançou suas antigas e inquebráveis cadeias sobre
ele e o dominou. A escuridão o engoliu. O último sinal de vida desapareceu. A velha
inimiga já começava sua rotineira tarefa de eliminar completamente quaisquer resquícios da
vida, pois o corpo já começava a se desintegrar, quando, de repente, algo inusitado
aconteceu, o processo de desintegração se inverteu. Ao invés de apodrecer, o corpo
começou a se recompor. As correntes invencíveis começavam a ceder, impotentes diante de
um poder incomparável, as cadeias da morte se arrebentaram como se fossem cordas
podres. O corpo terrivelmente maltratado se revelava intacto, radiante, invicto. O terrível
sistema aprisionador era demolido. A morte já não era invencível.
Infelizmente, o mundo moderno tem dificuldades em aceitar esse acontecimento
como um fato histórico. Isso se deve a dificuldade moderna em aceitar a existência dos
milagres. Não há mais espaço para a ressurreição na mente dos homens modernos. Muitos
teólogos no século dezenove, ao olhar para o progresso da ciência e as maravilhas da
tecnologia, chegaram a essa conclusão, imaginando não haver mais espaço para os
conceitos sobrenaturais nesse mundo. É incrível pensar que a ressurreição física de Jesus
seja negada, não por cientistas ateus, mas por teólogos da igreja. Desde aqueles que negam
a existência do sobrenatural, até aqueles que tentam interpretar os eventos sobrenaturais
descritos na Bíblia mais em função de sua mensagem do que de sua evidência histórica, de
um jeito ou de outro, a ressurreição física de Cristo tem sido desacreditada. É preciso
analisar as implicações dessa lógica: Se a ressurreição física e literal de Jesus não
aconteceu, o que resta do Cristianismo? Por outro lado, também precisamos questionar se
faz sentido crer que Jesus de fato ressuscitou após três dias de sua morte? Será que o mais
importante é crer na ressurreição literal de Cristo, ou o que importa é a mensagem do
cristianismo que aponta para a vitória sobre as dificuldades, uma espécie de “interpretação”
ou releitura da morte e da ressurreição de Jesus? Esses assuntos terão que ser tratados nesse
capítulo.
Evidências da ressurreição de Cristo

Ao contrário do que possa parecer, há boas e suficientes evidências a respeito da


ressurreição de Jesus. Essas evidências são muito fortes e convincentes, porém, com isso
não estamos querendo dizer que devem convencer a todos. Acima de tudo permanece que é
questão de fé. A fé, cuja ausência não pode agradar a Deus, é que determina se alguém
aceitará a veracidade da ressurreição ou não.

O Testemunho das Escrituras


No capítulo 15 de 1Coríntios o Apóstolo Paulo desenvolve uma longa argumentação
em defesa da real e histórica ressurreição de Cristo. Ele começa o capítulo falando sobre os
aspectos escriturísticos da ressurreição: “Irmãos, venho lembrar-vos o Evangelho que vos
anunciei, o qual recebestes e no qual ainda perseverais; por ele também sois salvos, se
retiverdes a palavra tal como vo-la preguei, a menos que tenhais crido em vão. Antes de
tudo, vos entreguei o que também recebi: que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo
as Escrituras, e que foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras” (1Co
15.1-4). Paulo faz questão de dizer que, tanto a morte quanto a ressurreição de Cristo,
ocorreram de acordo com as Escrituras. Para os crentes, o testemunho das Escrituras é o
maior testemunho da ressurreição de Cristo. Tanto o testemunho do Antigo Testamento, ao
qual Paulo se referia naquele instante, como o próprio testemunho do Novo Testamento são
as provas definitivas para o crente. Note que são provas porque eles possuem fé na
Escritura como material fidedigno. Infelizmente, nem todas as pessoas vêem a Escritura
desse modo.
O Antigo Testamento anunciou que o Messias não seria vencido pela morte. O
Salmo 16 testemunhou: “Alegra-se, pois, o meu coração, e o meu espírito exulta; até o meu
corpo repousará seguro. Pois não deixarás a minha alma na morte, nem permitirás que o teu
Santo veja corrupção” (Sl 16.9-10). Igualmente o profeta Isaías fala que o Servo Sofredor,
após todo o sofrimento que teria que passar, não seria vencido pela morte: “Todavia, ao
SENHOR agradou moê-lo, fazendo-o enfermar; quando der ele a sua alma como oferta pelo
pecado, verá a sua posteridade e prolongará os seus dias; e a vontade do SENHOR
prosperará nas suas mãos” (Is 53.10). O profeta diz que após oferecer sua alma pelo
pecado, o Messias veria seus dias se prolongarem. Isso só pode ser um anúncio de sua
ressurreição. Como poderia ele ver seus dias se prolongarem se estivesse morto? O texto
está sugerindo que após a morte o Messias voltaria a vida.
Para os crentes do Novo Testamento, os registros dos Apóstolos e discípulos, que
testemunharam a ressurreição de Cristo, são suficientes para a fé. Marcos relata:
Havendo ele ressuscitado de manhã cedo no primeiro dia da semana, apareceu
primeiro a Maria Madalena, da qual expelira sete demônios. E, partindo ela, foi
anunciá-lo àqueles que, tendo sido companheiros de Jesus, se achavam tristes e
choravam. Estes, ouvindo que ele vivia e que fora visto por ela, não acreditaram.
Depois disto, manifestou-se em outra forma a dois deles que estavam de
caminho para o campo. E, indo, eles o anunciaram aos demais, mas também a
estes dois eles não deram crédito. Finalmente, apareceu Jesus aos onze, quando
estavam à mesa, e censurou-lhes a incredulidade e dureza de coração, porque
não deram crédito aos que o tinham visto já ressuscitado (Mc 16.9.14).
É importante que se entenda que este é um relato que tem a pretensão clara de ser
histórico. Marcos não está contando uma lenda, não está fazendo poesia ou qualquer outra
coisa, ele está narrando um evento que acredita ser histórico, o qual, possivelmente
testemunhou. Assim também relatam Mateus (Mt 28.1-10) e João (Jo 20.1-18), que foram
testemunhas oculares da ressurreição, e Lucas (Lc 24.1-15), que empreendeu uma estensa
pesquisa histórica para apurar e relatar os fatos. O testemunho do Novo Testamento é uma
prova documental que não pode ser ignorada. Por mais que muitos estudiosos se esforcem
em desacreditar o Novo Testamento, o seu testemunho da ressurreição permanece.

Testemunhas oculares
Dentre as muitas provas convincentes que Jesus ofereceu aos discípulos durante
aqueles 40 dias, estavam sua aparição dentro da sala com as portas fechadas (Jo 20.19), sua
permissão para que os discípulos tocassem nele para verem que não era meramente um
espírito (Lc 24.39; Jo 20.27; 1Jo 1.1-4), além de ter até mesmo comido com eles (Lc 24.41-
43). Estudos têm demonstrado que as pessoas perdem a memória sobre fatos que ocorreram
com extrema rapidez ou sob muita pressão, mas, este não foi o caso dos discípulos que
descreveram minuciosamente as aparições de Jesus. Ou seja, eles devem ter passado muito
tempo com Jesus. E de fato Lucas nos diz que ele apareceu vivo, por um intervalo de 40
dias (At 1.3).
Os discípulos não foram os únicos que tiveram o privilégio de ver o Senhor Jesus
ressuscitado. O apóstolo Paulo nos diz que Jesus “foi visto por mais de quinhentos irmãos
de uma só vez” (1Cor 15.5-6). Era até possível que alguns poucos discípulos inventassem
uma história com respeito à ressurreição de Cristo, mas, seria difícil mais de 500 pessoas
confirmarem isso. Seria impossível que tantas pessoas tivessem se enganado com respeito a
quem viram. Como diz Josh MacDowell, “quando ocorre um acontecimento na história e
existem pessoas vivas suficientes que foram testemunhas oculares ou participaram do
acontecimento, e quando se publica essa informação, é possível verificar-se a validade de
um determinado acontecimento mediante as provas circunstanciais” 1. Num tribunal, o
testemunho de tantas pessoas seria amplamente convincente. Além disso, ainda estavam
vivas quando Paulo escreveu a carta. Se não fosse verdade, procurariam demonstrar a
mentira. Se fosse uma invenção e havendo tantas supostas testemunhas, a fraude não
duraria muito tempo. É interessante Paulo dizer que viu o Senhor ressuscitado. Ele está
testemunhando não de algo que ouviu falar, mas de algo que viu. Ele é mais uma
testemunha ocular, e em qualquer tribunal, seu testemunho seria considerado uma prova.

O Testemunho do Sepulcro Vazio


Os túmulos daquele período normalmente tinham uma entrada de até 1,5 metro de
altura. A construção era feita de tal forma que a pedra ficava numa vala bem na entrada do
túmulo e um tipo de suporte era usado para fazê-la escorregar e tapar a entrada. Mateus diz
que aquela era uma “grande pedra” (Mt 27.60). De fato para cobrir uma entrada de 1,5
metro precisaria pesar cerca de duas toneladas. Mas, a pedra não era o único empecilho a
impedir a saída do túmulo, Mateus diz que foi colocada uma escolta junto ao sepulcro para
impedir que os discípulos roubassem o corpo. A guarda romana era composta de até 16
homens. Além disso, aquela guarda selou a pedra (Ver Mt 27.65-66). O selo foi
provavelmente fornecido por Pilatos e demonstrava que o túmulo estava sob a proteção do
Império Romano. Não seria fácil roubar o corpo. Não havia a mínima possibilidade de que
o grupinho de desanimados discípulos fosse enfrentar a escolta romana e retirar o corpo. A

1
Josh McDowell. Evidência que Exige um Veredito, p. 239-240.
punição para a quebra do selo seria a crucificação. Os judeus admitiram a evidência do
túmulo vazio. Existem evidências históricas de que eles mandaram mensageiros aos quatro
cantos do mundo desmentindo que Jesus tinha ressuscitado, alegando que os discípulos
tinham roubado o corpo, ou seja, admitiram que o corpo desapareceu. O fato histórico
permanece: O corpo sumiu, o túmulo está vazio.

O Testemunho de Vida dos Apóstolos


De onde teria vindo todo o entusiasmo dos discípulos e toda intrepidez para
proclamar a mensagem da ressurreição? A morte de Jesus foi um duro golpe para eles. O
próprio João descreve que eles estavam reunidos as escondidas, ainda naquele domingo à
tarde, portas fechadas “com medo dos judeus” (Jo 20.19). Quê medo era esse? Era o medo
natural de homens que viram seus planos frustrados e seu líder morto. Sabiam que se
aparecessem certamente seriam punidos, e quem sabe até mortos, até porque os boatos do
desaparecimento do corpo estavam se espalhando e eles eram os principais suspeitos. É
claro que não estavam dispostos a aparecer. Quem arriscaria a sua vida por um homem
morto? Essa pergunta é muito importante, pois ninguém arriscaria a sua vida desse modo.
Dá para perceber que, até aquele momento, eles não estavam dispostos a isso, pois estavam
reunidos secretamente. Muitos até mesmo voltaram para suas casas, numa demonstração
clara de desistência (Lc 24.13). Mas, de repente, Pedro está pregando com ousadia para
uma multidão (At 2.12-41). O que poderia explicar uma mudança tão grande? Da desolação
para euforia em tão pouco tempo? Significativa é a descrição dos capítulos quatro e cinco
de Atos. Os Apóstolos têm a coragem de proclamar a ressurreição de Cristo perante as
autoridades (At 4.10), e mesmo após serem ameaçados (At 4.21), presos e açoitados (At
5.40), não só continuam, como se regozijam (At 5.41-42). Ninguém colocaria sua vida em
risco por uma mentira, por isso, o entusiasmo dos Apóstolos fala muito acerca da
ressurreição de Cristo. E deve ser lembrado que não foi só entusiasmo que eles
demonstraram, foi martírio também. Eles não só colocaram sua vida em risco, como
realmente morreram pela causa de Cristo. Aparentemente o único Apóstolo que não foi
martirizado foi João2, todos os demais sofreram a morte de mártir. Se negassem a Jesus
antes da execução poderiam ser perdoados, mas não fizeram isso. Alguém até pode
defender uma mentira para benefício próprio, mas quantos estariam dispostos a morrer por
uma mentira? O martírio dos apóstolos é uma evidência poderosíssima da ressurreição de
Cristo.

O fato mais atestado


Como diz Charles Hodge, “pode-se asseverar com segurança que a ressurreição de
Cristo é, ao mesmo tempo, o fato mais importante e mais autenticado da história do
mundo”3. Esse autor descreve uma série de razões que confirmam isso 4: 1) Foi predita no
Velho Testamento. 2) Foi predita pessoalmente por Cristo. 3) Foi um fato que admitia
muito fácil verificação. 4) Forneceu evidência abundante, apropriada e reiterada de sua
verdadeira ocorrência. 5) As testemunhas do fato de que Cristo foi visto vivo após sua
morte na cruz eram numerosas, competentes e em todo o sentido dignas de confiança. 6) A
sinceridade da convicção delas foi demonstrada por seus sacrifícios, inclusive o de suas

2
João, entretanto, foi prisioneiro na terrível Ilha de Patmos.
3
Charles Hodge. Teologia Sistemática, p. 951.
4
Charles Hodge. Teologia Sistemática, p. 951.
vidas, em decorrência de seu testemunho. 7) Seu testemunho foi confirmado por Deus, ao
dar testemunho juntamente com eles, com sinais e prodígios, com diversos milagres e com
os dons do Espírito Santo. 8) Esse testemunho do Espírito continua até o tempo atual e é
concedido a todos os genuínos filhos de Deus, porque o Espírito dá testemunho da verdade
no coração e na consciência. 9) O fato de que a ressurreição de Cristo tem sido
comemorada como uma observância religiosa do primeiro dia da semana, desde sua
ocorrência até hoje. 10) Os efeitos produzidos por seu Evangelho, e a mudança que ele tem
efetuado no estado do mundo, não admitem nenhuma outra solução racional além da
veracidade de sua morte e subseqüente ressurreição. A igreja cristã é seu monumento desse
fato, e todos os crentes são suas testemunhas.
Josh MacDowell, em um excelente livro intitulado “As Evidências da Ressurreição
de Cristo”, narra a história de um importante advogado de Harvard, o Dr. Simon Greenleaf,
que decidiu aplicar as regras do direito para o acontecimento da ressurreição e acabou
convencido da veracidade do evento5. Horton, contando a mesma história, diz que esse
advogado que fundou a Escola de Direito de Harvard, começou com a intenção de contestar
a alegação da ressurreição, certo de que, uma atenção simples e constante às alegações do
Novo Testamento, com relação às testemunhas dos Evangelhos e aos testemunhos externos
dos historiadores seculares daquele período, iriam finalmente extinguir as crenças cristãs
remanescentes. Ele desejava levar as alegações da Bíblia ao tribunal e verificá-las a partir
das técnicas do direito. Queria demonstrar a mentira intencional dos escritores a partir da
improbabilidade dos relatos e suas contradições internas. Qual foi sua conclusão? Ao final
dos trabalhos, aquele homem estava plenamente convencido da veracidade da ressurreição
a partir do testemunho do Novo Testamento6. Ele se tornou um crente.

O corpo ressuscitado
Um argumento que, em geral, é levantado contra a idéia da ressurreição é a da
impossibilidade de trazer de volta todas as moléculas de um corpo, especialmente se ele já
tiver se desintegrado, uma vez que as partículas se espalham e passam a fazer parte de
outros corpos. Paulo antevê esse questionamento: “Mas alguém dirá: Como ressuscitam os
mortos? E em que corpo vêm?” (1Co 15.35). Ele usa uma ilustração da própria natureza
para explicar isso: “O que semeias não nasce, se primeiro não morrer; e, quando semeias,
não semeias o corpo que há de ser, mas o simples grão, como de trigo ou de qualquer outra
semente. Mas Deus lhe dá corpo como lhe aprouve dar e a cada uma das sementes, o seu
corpo apropriado” (1Co 15.36-38). Assim como a semente lançada na terra é bastante
diferente da planta que um dia chegará a idade adulta, também o corpo lançado à sepultura
fará nascer um corpo bem diferente. É verdade que, embrionariamente, poderíamos dizer
que as características principais da planta já estão na semente. O mesmo então poderíamos
dizer do corpo atual em relação ao futuro.
Nesse ponto é interessante a discussão sobre a natureza do corpo ressuscitado de
Jesus. Muitos não entendem que ele possa ser realmente físico. Mas, o ensino da Escritura
nos aponta para o aspecto físico do corpo de Jesus, sem qualquer possibilidade de dúvida.
Jesus apareceu aos discípulos, comeu e bebeu com eles (At 10.41); disse-lhes: “Vede as
minhas mãos e os meus pés, que sou eu mesmo; apalpai-me e verificai, porque um espírito
não tem carne nem ossos, como vedes que eu tenho” (Lc 24.39). Como diz Grudem, “teria

5
Josh MacDowell. As Evidências da Ressurreição de Cristo, p. 25-26.
6
Ver Michael Horton. Creio, p. 111-112.
sido muito errado ensinar aos discípulos que ele tinha um corpo físico, se no seu modo
normal de existência ele realmente não possuía”7. Portanto, Jesus possui um corpo físico,
embora, como diz o Apóstolo Paulo, possa ser chamado também de corpo espiritual. Não
temos condições de entender exatamente como é esse corpo, a única coisa que podemos
dizer é que ele é “material” e “espiritual” ao mesmo tempo. É um corpo absolutamente
perfeito e sem os limites impostos pela fraqueza ou pelo pecado. A seguinte definição de
Hodge é muito útil: “O corpo ressurecto de Cristo, portanto, tal como existe agora no céu,
ainda que retenha a identidade com seu corpo enquanto estava na terra, é glorioso,
incorruptível, imortal e espiritual. Continua ocupando determinada porção de espaço e
retém todas as propriedades essenciais como corpo” 8. A definição de Berkhof é semelhante:
“Sua ressurreição consistiu em que nele a natureza humana, o corpo e a alma, foi restaurada
à sua prístina força e perfeição e até mesmo elevada a um nível superior, enquanto que o
corpo e a alma foram reunidos num organismo vivo” 9.
Por mais que os críticos modernos rejeitem a noção histórica da ressurreição de
Cristo, afirmando ser uma mensagem inventada pelos discípulos, como diz Ladd, o que deu
origem à igreja “foi a crença em um evento acontecido no tempo e no espaço: Jesus de
Nazaré ressuscitou dentre os mortos. Fé na ressurreição de Jesus é um fato histórico
inevitável. Sem essa evidência não haveria igreja” 10. Foi a certeza da ressurreição que
transformou aqueles homens simples da Galiléia em poderosas testemunhas de Jesus em
todo o mundo. A convicção de que Jesus venceu a morte lhes dava a certeza de que, mesmo
que morressem no testemunho, poderiam experimentar a mesma experiência do Senhor: a
vitória sobre a morte.

Significado da ressurreição de Cristo

Uma vez que as evidências da ressurreição de Cristo são bastante convincentes,


agora é preciso pensar um pouco mais no significado desta ressurreição. Podemos agora,
pensar no significado prático da ressurreição.

Consumação da redenção
Continuando a argumentação do capítulo 15 de 1Coríntios, Paulo enfatiza o
verdadeiro significado da ressurreição, ele diz: “E, se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa
pregação, e vã, a vossa fé” (1Co 15.14). Disso decorre que a ressurreição de Cristo tem um
enorme significado para a fé cristã. Em seguida ele complementa: “E, se Cristo não
ressuscitou, é vã a vossa fé, e ainda permaneceis nos vossos pecados” (1Co 15.17). A
ressurreição de Cristo tem um significado crucial para a obra da redenção, podemos dizer
que se a ressurreição não ocorresse a redenção não seria possível. Por isso Paulo diz que a
fé cristã seria vã caso Cristo não tivesse ressuscitado, pois os pecados não teriam sido
removidos como o Evangelho prega. Paulo diz isso não só porque a fé cristã está
profundamente ligada aos eventos históricos, e que sem esses, ela não tem sentido, como
porque a ressurreição consuma a redenção. Cristo morreu pelos pecados na sexta-feira, se
ele tivesse permanecido morto, que esperanças haveria de salvação? Um Deus morto que

7
Wayne Grudem. Teologia Sistemática, p. 512.
8
Charles Hodge. Teologia Sistemática, p. 953.
9
Louis Berkhof. Teologia Sistemática, p. 347.
10
George Eldon Ladd. Teologia do Novo Testamento, p. 303.
não consegue salvar a si mesmo, não poderia salvar toda a humanidade. Sem a ressurreição,
o argumento irônico dos soldados na trágica sexta-feira seria válido: “Salvou os outros, a si
mesmo não pode salvar-se” (Mt 27.42). A ressurreição de Cristo é uma demonstração
majestosa do poder de Deus, ele pode salvar a todos. É uma proclamação estrondosa de que
Deus não está morto, de que ele ainda está no controle do universo e de que não há
impossíveis para ele.
Por essa razão, precisamos discordar inteiramente de Lewis Sperry Chafer que diz
que “pelos teólogos do pacto, não há praticamente importância doutrinária dada à sua
ressurreição”11. Esse é um entendimento equivocado a respeito do entendimento reformado
sobre o pacto e sobre a ressurreição. A ressurreição é a consumação do pacto, é o
restabelecimento da vida do pacto. Sem a ressurreição, no entendimento da teologia
reformada, simplesmente não haveria redenção. O teólogo reformado Louis Berkhof
resume o significado da ressurreição da seguinte forma:
Constituiu uma declaração do Pai de que o último inimigo tinha sido vencido, a
pena tinha sido cumprida, e tinha sido satisfeita a condição em que a vida fora
prometida. Foi um símbolo daquilo que estava destinado a suceder aos membros
do corpo místico de Cristo em sua justificação, em seu nascimento espiritual e
em sua bendita ressurreição futura. Relacionou-se também instrumentalmente
com a justificação, a regeneração e a ressurreição final dos crentes. 12
Diante disso, fica absolutamente sem sentido a declaração de que a ressurreição não
tem importância para os teólogos do pacto. Ela é o fato mais importante que esse mundo já
vivenciou. Ela consuma a redenção.

Certeza da Justificação
A ressurreição está ligada a nossa justificação. Paulo diz que Cristo foi: “Entregue
por causa das nossas transgressões e ressuscitou por causa da nossa justificação” (At 4.25).
A justificação que é mediante a ressurreição nos dá a paz com Deus, conforme Paulo
continua: “Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus por meio de nosso Senhor
Jesus Cristo” (At 5.1). Sem a ressurreição não seríamos justificados, pois a obra de Cristo
realizada através de sua morte não poderia ser aplicada a nós. A ressurreição de Cristo deu
valia a sua própria morte em nosso lugar. Se Cristo não ressuscitasse, a justificação não
poderia ser aplicada a nossas vidas, e nós, de acordo com as palavras do Apóstolo Paulo:
permaneceríamos em nossos pecados (1Cor 15.17). Jesus Cristo foi ressuscitado para nos
assegurar diante de Deus que estamos livres dos nossos pecados, ou seja “a ressurreição de
Cristo tinha como propósito trazer a luz o feito de que todos os que reconhecem a Jesus
como seu Senhor e Salvador têm entrado em um estado de justiça diante dos olhos de
Deus”13, pois “o Pai, ao ressuscitar a Jesus de entre os mortos, nos assegura que o sacrifício
expiatório tem sido aceitado; em conseqüência, nossos pecados são perdoados” 14.

Possibilidade do Novo Nascimento


Podemos dizer, além disso, que é através da ressurreição de Jesus que Deus opera o
Novo Nascimento em nossas vidas. 1 Pedro 1:3 diz: “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor
11
Lewis Sperry Chafer. Teologia Sistemática, Vol 5-6, p. 218.
12
Louis Berkhof. Teologia Sistemática, p. 347.
13
William Hendriksen, Romanos, p. 184.
14
William Hendriksen, Romanos, p. 184.
Jesus Cristo, que, segundo a sua muita misericórdia, nos regenerou para uma viva
esperança, mediante a ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos”. Regenerou significa
literalmente “nos fez nascer de novo”. Pedro diz: Isso foi possível mediante a ressurreição
de Cristo. Em vários lugares a Bíblia compara o novo nascimento como um tipo de
ressurreição, pois o novo nascimento é uma ressurreição espiritual possibilitada pela
ressurreição física de Cristo. Paulo diz: “Fomos, pois, sepultados com ele na morte pelo
batismo; para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glória do Pai, assim
também andemos nós em novidade de vida” (Rm 6.4). Esta novidade de vida é a vida que
se origina com o novo nascimento. Também Efésios 2:6 fala que “juntamente com ele, nos
ressuscitou, e nos fez assentar nos lugares celestiais em Cristo Jesus” (Ver também Cl
2.12). Ou seja, já experimentamos uma ressurreição em nossa vida: o novo nascimento. Isto
somente foi possível por causa da ressurreição de Cristo.

Vitória sobre a Morte


Certamente, o maior significado da ressurreição é a vitória sobre a morte. Conforme
as palavras do Apóstolo: “Mas, de fato, Cristo ressuscitou dentre os mortos, sendo ele as
primícias dos que dormem. Visto que a morte veio por um homem, também por um homem
veio a ressurreição dos mortos” (1Co 15.21-22). Por causa de Adão a morte entrou no
mundo e por causa de Cristo a ressurreição do mortos entrou no mundo. Por isso ele é as
primícias dos mortos. Em Adão instalou-se a ordem da morte, em Cristo instalou-se a
ordem a ressurreição. Como diz Paulo: “Porque, assim como, em Adão, todos morrem,
assim também todos serão vivificados em Cristo” (1Co 15.23). Mas o estado de
ressurreição somente é aplicado aos que “são de Cristo”. A ressurreição de Cristo é o golpe
decisivo contra o último inimigo: a morte. Sem a ressurreição de Cristo, a morte é o único
destino do homem, daí o desabafo de Paulo: “Se, como homem, lutei em Éfeso com feras,
que me aproveita isso? Se os mortos não ressuscitam, comamos e bebamos, que amanhã
morreremos” (1Co 15.32). É importante entender que, se não há ressurreição, não existe
qualquer vantagem em ser honesto, justo ou piedoso. Se não há ressurreição, a lei da selva
seria a única válida. Mas Paulo tem certeza de que suas lutas e dificuldades não foram em
vão. Ele sabe que Jesus ressuscitou, e sabe que os crentes ressuscitarão também (2Co 4.14).

Efeitos da ressurreição de Cristo

Os efeitos da ressurreição de Cristo são inumeráveis. Toda uma nova ordem se


estabeleceu a partir dessa ressurreição.

Mudança do dia de Descanso


O próprio dia de descanso mudou a partir da ressurreição de Jesus. Sabemos que no
Antigo Testamento os israelitas observavam o sétimo dia como dia de descanso. Mas a
partir da narrativa da ressurreição de Jesus, acontecida no primeiro dia da semana, ou seja,
no Domingo, esse passou a ser o dia de culto e adoração do povo de Deus. Isso pode ser
visto porque há centenas de citações sobre o Sábado no Antigo Testamento, mas nem uma
única ordenança sobre ele no Novo. Mas encontramos a declaração de que os cristãos se
reuniam e até celebravam a Santa Ceia no primeiro dia da semana: “No primeiro dia da
semana, estando nós reunidos com o fim de partir o pão, Paulo, que devia seguir viagem no
dia imediato, exortava-os e prolongou o discurso até à meia-noite” (At 20.7). Da mesma
forma Paulo manda coletar ofertas nesse dia: “No primeiro dia da semana, cada um de vós
ponha de parte, em casa, conforme a sua prosperidade, e vá juntando, para que se não
façam coletas quando eu for” (1Co 16.2). Não foi preciso um novo mandamento, o evento
histórico da ressurreição, acontecido no primeiro dia da semana, foi suficiente para que a
igreja primitiva passasse a guardar esse dia como o Dia do Senhor (Ap 1.10). Sabemos isso
não apenas dos escritos bíblicos, mas também dos escritores primitivos, dos tempos da
igreja pós-apostólica, como Justino15, Dionísio, Irineu, e outros que foram inclusive
discípulos dos apóstolos. Eles nos dizem que os cristãos guardavam o primeiro dia da
semana. A ressurreição mudou o dia de descanso e de adoração. É claro que havia uma
diferença na maneira como os cristãos guardavam o Domingo, em relação ao modo como
os Judeus guardavam o Sábado. Para o Judeu era uma obrigação legal, para o cristão um dia
de adoração e serviço voluntário.

Poder na vida dos crentes


A ressurreição de Cristo não traz benefícios apenas para o futuro dos crentes, mas
também para o presente. É através da ressurreição de Cristo que Deus dá vitória para o
crente nessa vida. Paulo diz que nós fomos “sepultados com ele na morte pelo batismo;
para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glória do Pai, assim também
andemos nós em novidade de vida” (Rm 6.4). A conversão introduz duas novas realidades
na vida do crente, uma de morte e outra de vida. O crente é unido na morte e na
ressurreição de Cristo, assim morre juntamente com Cristo para o pecado, e ressuscita
juntamente com Cristo para uma vida totalmente nova. Por isso, Paulo diz: “Assim também
vós considerai-vos mortos para o pecado, mas vivos para Deus, em Cristo Jesus” (Rm
6.11). A partir da ressurreição de Cristo, o crente é elevado a um novo status, pois já dispõe
do status de ressuscitado, graças à ressurreição de Jesus. E também está a sua disposição o
mesmo poder demonstrado na ressurreição de Cristo. Paulo orava para que os crentes de
Éfeso pudessem compreender tudo o que estava reservado para eles, especialmente qual era
a “suprema grandeza do seu poder para com os que cremos, segundo a eficácia da força do
seu poder; o qual exerceu ele em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos e fazendo-o
sentar à sua direita nos lugares celestiais” (Ef 1.19-20). Esse poder está disponível para
transformar dia-a-dia a vida dos crentes, para que experimentem cada vez mais o
assemelhar-se com Cristo.

Nossa própria ressurreição futura


A ressurreição de Cristo garante que todos os crentes ressuscitarão. O futuro corpo
ressuscitado será nos moldes do corpo de Cristo, e apesar de ser a partir desse corpo atual,

15
Justino (100-167 d.C.), por volta do ano 150, fez a mais completa descrição do culto na Igreja
Primitiva, onde ele se referiu ao Domingo como dia de culto: “No dia que se chama do sol
[domingo], celebra-se uma reunião de todos os que moram nas cidades ou nos campos, e aí se lêem,
enquanto o tempo o permite, as Memórias dos apóstolos [quatro Evangelhos] ou os escritos dos
profetas....”. (Ver Justino de Roma, I Apologia, 67.7. p. 83-84). Justino inclusive explicou o porquê
de a Igreja guardar o Domingo: “Celebramos essa reunião geral no dia do sol, porque foi o primeiro
dia em que Deus, transformando as trevas e a matéria, fez o mundo, e também o dia em que Jesus
Cristo, nosso Salvador, ressuscitou dos mortos.” (Justino de Roma, I Apologia, 67. p. 83-84). Um
outro documento que atesta a antigüidade da guarda do domingo por parte da Igreja Cristã, é o
Didaquê (c. 120 d.C.), documento anônimo, o qual usa a mesma linguagem de João se referindo ao
domingo como o “dia do Senhor”: “Reunindo-vos no dia do Senhor, parti o pão e dai graças....”
(Didaquê, XIV. In: J.G. Salvador, ed. O Didaquê, p. 75).
será incomparavelmente mais glorioso: “Pois assim também é a ressurreição dos mortos.
Semeia-se o corpo na corrupção, ressuscita na incorrupção. Semeia-se em desonra,
ressuscita em glória. Semeia-se em fraqueza, ressuscita em poder. Semeia-se corpo natural,
ressuscita corpo espiritual” (1Co 15.42-44). A explicação de Paulo é que na ressurreição
acontecerá uma grande transformação, de corpo natural as pessoas passarão a ter um corpo
espiritual. A seguinte transformação acontecerá: “Eis que vos digo um mistério: nem todos
dormiremos, mas transformados seremos todos, num momento, num abrir e fechar de
olhos, ao ressoar da última trombeta. A trombeta soará, os mortos ressuscitarão
incorruptíveis, e nós seremos transformados” (1Co 15.51-52). Os que estiverem vivos na
volta de Cristo não passarão pela morte, mas serão transformados e terão o mesmo corpo da
ressurreição de Jesus. Nosso coração regenerado encontra muita dificuldade em relação ao
corpo atual, pois o corpo que temos agora é na melhor das hipóteses, instrumento ineficaz
para expressar os desejos e propósitos do coração regenerado. De fato, como Packer coloca
“muitas das fraquezas com as quais os santos lutam – timidez, temperamento agressivo,
luxúria, depressão, frieza nos relacionamentos, e outras – estão intimamente ligadas à nossa
constituição atual”16, mas, “os corpos que se tornam nossos na ressurreição geral serão
corpos que harmonizam com nosso caráter aperfeiçoado e se revelarão instrumentos
perfeitos para santa auto-expressão por toda a eternidade” 17. Tudo isso somente será
possível porque Cristo ressuscitou. Paulo tinha certeza dessa ressurreição, por isso podia
dizer: “Portanto, meus amados irmãos, sede firmes, inabaláveis e sempre abundantes na
obra do Senhor, sabendo que, no Senhor, o vosso trabalho não é vão” (1Co 15.58). A
ressurreição de Cristo garante o presente e o futuro dos crentes.
Graças a ressurreição de Cristo, estabeleceu-se para a humanidade uma nova ordem,
a Ordem da Ressurreição. A morte perdeu pela primeira vez, e em breve, será derrotada
para sempre. Não há razões para duvidarmos de que Jesus realmente tenha ressuscitado, e
certamente, há espaço para milagres hoje tanto quanto no passado ou no futuro. A
existência de Deus garante que os milagres também existam. Jesus Cristo ressuscitou, essa
é a grande proclamação e a grande verdade do Cristianismo. Podemos aumentar nossa
esperança e nossa fé, pois Cristo ressuscitou. Graças a ele podemos desfrutar dos benefícios
que essa ressurreição nos traz, tanto para essa vida, como para a vindoura. Louvemos ao
Cristo ressuscitado, ao triunfante Rei que venceu a morte, pois um dia também a
venceremos.

16
J. I. Packer. Teologia Concisa, p.233.
17
J. I. Packer. Teologia Concisa, p.234.

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