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O Mistério da Páscoa

Padre Raniero Cantalamessa

A PÁSCOA CRISTÃ
Paz e bem a todos os telespectadores da Rede Século 21.
Se vocês acompanharam a aula anterior, falamos da Páscoa como paixão de
Cristo, como imolação, da sexta-feira santa e tudo o que ela representa para a vida
cristã. E agora, passaremos para o significado mais “normal” da palavra Páscoa que,
para os cristãos, se identifica como o domingo da Ressurreição.
A Páscoa, de fato, é algo grande. Os cientistas falam de uma explosão inicial
do universo, o Big Bang, quando uma pequena parte de matéria se transformou em
energia e deu início ao processo de expansão do Universo, que depois de 14 milhões
de anos, aproximadamente, ainda continua. No campo espiritual, a ressurreição de
Cristo é algo do tipo. Houve um Big Bang, ou seja, uma explosão de vida. Daqui
vem toda a energia da Igreja. Se os sacramentos são eficazes, foi porque Cristo
ressuscitou. Se a Palavra de Deus é viva e eficaz, é porque Cristo ressuscitou.
Portanto, a Ressurreição de Cristo é o grande acontecimento do mundo, é o ponto
central de onde vem toda a força para o mundo.
Santo Agostinho dizia: “A fé dos cristãos é a ressurreição de Cristo.” Todos
acreditam que Jesus morreu, inclusive um histórico romano chamado Tácito sabia
disso. Ele disse que um certo Cristo, sob Pôncio Pilatos, havia sido condenado à
morte. No entanto, nem todos creem que Ele tenha ressuscitado. Somente os
cristãos acreditam e quem não acredita nisso, certamente não é cristão. Portanto, a
conclusão de Agostinho é que a fé dos cristãos é a ressurreição de Cristo. Os nossos
irmãos ortodoxos têm um sentido vivíssimo da Ressurreição de Cristo. Uma vez
participei de uma Páscoa Ortodoxa, na Romênia, e fiquei impressionado porque, à
noite, o bispo sai da igreja e dá o primeiro anúncio da Ressurreição de Cristo. Depois
disso, todos os fiéis saem pela cidade e anunciam aos outros: “Cristo ressuscitou,
verdadeiramente ressuscitou!”, como se a notícia se espalhasse e se difundisse por
toda a cidade. Portanto, a ressureição de Cristo é verdadeiramente o fundamento
da nossa fé.
No século 19, ou seja, nos anos 1800, vivia, na Rússia, um monge de pouca
estatura, mas espiritualmente um gigante. Ele se chamava Serafim de Sarov. Esse
homem viveu 10 anos em absoluto silêncio em um bosque, sem falar com ninguém,
nem mesmo com o confrade que frequentemente dava-lhe de comer. Depois de dez
anos, o Senhor o enviou de novo para o seu mosteiro. E o povo, depois disso, vinha
procurá-lo, como acontece, geralmente, quando encontramos um homem de Deus.

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E lê-se que quando ele via que alguém estava para se aproximar, especialmente as
mulheres que são aquelas que, por primeiro, acolhem os dramas vividos pela
família, e quando via alguém, de longe mesmo, gritava: “Alegria minha, Cristo
ressuscitou!”. (“Alegria minha” é uma expressão muito afetuosa). No entanto, ele
dizia isso com um timbre de voz como aquela do anjo que, na manhã de Páscoa,
anuncia a ressurreição de Cristo às mulheres. Dizem que as pessoas ao escutarem
aquele anúncio vindo de Serafim, se sentiam mais confortadas, sentiam que os
problemas tinham passado. Agora, façamo-nos um questionamento: nós dizemos
que Cristo ressuscitou e ressuscitou verdadeiramente, mas que prova temos para
dizer que Cristo verdadeiramente ressuscitou?
Bem, historicamente, o que podemos dizer é isto: que havia um grupo de
homens, seguidores de Jesus, que deixaram suas profissões, entre os quais havia
pescadores, publicanos e etc, que haviam acreditado n’Ele e o haviam seguido.
Portanto, isso, historicamente, é seguro. Depois, aconteceu o drama da captura de
Jesus, o processo, a condenação, a morte. Esse grupo de pessoas, composto pelos
apóstolos e alguns discípulos mais próximos, em um determinado momento,
acreditou que tudo havia acabado e pensou que tudo tinha chegado ao fim, porque
as autoridades haviam se colocado contra Jesus. Até aqui, terminamos a questão
histórica. Algumas semanas depois, vemos esse mesmo grupo de homens reunindo-
se de novo, proclamando que tinham visto o Cristo Ressuscitado, enfrentando o
juízo e a morte, justamente para permanecerem fiéis a esse testemunho. O que,
então, provocou essa mudança radical? Esse é o dado histórico que podemos
aceitar. E a resposta que dão é: “O vimos”. E São Paulo elenca aqueles que o viram.
“O viram Pedro, Tiago e outros 500 irmãos entre os quais muitos ainda estão vivos”
(Cf. 1 cor 15, 1-7), como se quisesse dizer “Interroguem-nos, se quiserem”. Alguém
disse e eu concordo, que se negar a ressurreição real de Jesus, o cristianismo se
torna um mistério maior que a própria ressurreição de Cristo. Mas, vejam: a
ressurreição de Cristo não entra em ressonância com os métodos da história. Por
quê? Porque a ressurreição se coloca no limite entre tempo e eternidade. Jesus não
retorna como Lázaro, mas vai além, entra em uma dimensão de eternidade, que Ele
chama a dimensão do espírito. E ali a história não pode alcançá-lo. E acontece um
pouco como se Ele caminhasse à beira do mar. Ou seja, para caminhar são
necessários os pés, mas uma vez que se chega ao mar, não se pode mais caminhar;

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ou se deve voar, se possível, ou se deve nadar. Assim acontece com a ressurreição


de Cristo.
Nós podemos chegar até um certo ponto e dizer historicamente: “As coisas
estão assim”. Mas por outro lado, pode-se dizer: “Ressuscitou, ressuscitou por nós,
pela nossa justificação, vive eternamente na glória do Pai”. Isso obtemos pela fé,
porque nos disse Jesus, vive eternamente na Glória do Pai e isso obtemos pela fé,
porque nos disse Jesus e os apóstolos o confirmaram. É o limite da história que,
como na criação, não podemos alcançá-la, porque há um limite entre o tempo e o
espaço.
A fé cristã está centrada na Ressureição de Cristo, não é cristão se não
acredita na Ressurreição de Cristo. Talvez valha a pena interrogar-se: “Como
verdadeiramente se faz a Páscoa?”. Como se crê na ressureição de Cristo de modo
que se passe das trevas à luz, da morte à vida? São Paulo nos ajuda. Porque São
Paulo descreve o processo através do qual se chega à profissão de fé na
Ressurreição de Cristo. Quem quiser pesquisar, isso se encontra no capítulo 10 da
Carta aos romanos. Ali diz que tudo começa nos ouvidos, o primeiro sentido
humano envolvido é o olfato, o ouvir. Em latim, a frase é Fides ex auditum, que quer
dizer: “A fé vem da escuta” (Rm 10, 17). O que quer dizer? Significa que a primeira
etapa consiste em acolher a mensagem, a pregação, através da Igreja e de todos os
meios pelos quais a Palavra de Deus lhe alcança.
Portanto, tudo começa na escuta do anúncio: Cristo morreu pelos seus
pecados e morreu pela sua justificação. Dos ouvidos, o processo passa para o
coração, desce até o coração. E, em latim, há uma frase de Paulo: Cordi Creditur,
que quer dizer “No coração se crê”, com o coração se crê. Isto é, é no coração, no
íntimo da pessoa, aquele centro vital da vontade e da inteligência, que se decide
quem crê e quem não crê. Ou seja, ali se decide se a liberdade humana se abre para
acolher a mensagem ou se fecha dizendo: “Não, isso não passa de história, se faz a
hermenêutica, como se diz, mas não se acredita. Muitas vezes, esse esquivar-se de
acreditar depende de mim, de nós, Igreja, que muitas vezes não anunciamos a
palavra de modo crível, isto é, vem desacreditada pela falta de testemunho de vida.
Isso acontece porque somos pregadores leigos ou sacerdotes, somos seres
humanos. Às vezes, existem pessoas que vivem ao nosso redor que não acreditaram
e isso não se dá por maldade, mas porque nunca escutaram o anúncio ou porque o
escutaram de um modo não muito convincente. Entretanto, muitas vezes, não se

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acredita porque não se quer mudar, porque se entende que, acreditando, se deve
aceitar Jesus e o seu Evangelho, o que significa mudar.
Um filósofo francês, chamado Pascal, muito conhecido, dizia: “Um pecador
disse: ‘Eu deixaria o vício se tivesse a fé’. “Mas eu lhe respondi: - disse Pascal - Tu
terias a fé se tivesse deixado o vício”. Porque muitas vezes, não se acredita porque
não se quer deixar os próprios hábitos, os próprios vícios. Agora, prossigamos o
nosso caminho...
Tudo parte dos ouvidos, do escutar a mensagem. Depois no coração se
decide se deve aderir ou renegar. Do coração, o processo chega à boca. E, agora, a
terceira frase: Ore fit professio, que quer dizer “Com a boca se faz a profissão de fé”;
com a boca eu digo com toda a Igreja: “Eu creio em Deus Pai Onipotente”, ou seja,
faço o ato de fé. É assim que a fé cristã nasce, transborda e renasce, porque isso
que estou dizendo não serve somente para os ateus que se aproximam pela
primeira vez da fé, mas, também, para nós, porque a maioria dos cristãos de hoje
são cristãos só de nome, que foram batizados, mas depois não fizeram nada.
Portanto, a Páscoa pode ser, para todos, o sentido de uma nova vida. E isso
acontece se eu me abro em um dado momento à mensagem que Cristo morreu por
mim, é algo que tem a ver comigo, não morreu por qualquer coisa, mas morreu por
mim e deu a vida para que eu tenha a vida eterna. O negócio da vida mais
importante é esse; não em ter dinheiro, não em fazer carreira, mas em realizar o
meu destino eterno. Uma vez que o cristão acredita na ressurreição ou renova a
própria fé na ressurreição, brota o dever de ser testemunha da ressurreição de
Cristo diante dos outros, o testemunhar a ressurreição.
E como se testemunha a ressurreição de Cristo? Ha vários modos, certo? Um
é o que eu estou fazendo falando, explicando a palavra de Deus sobre a
ressurreição, mas nem todos podem pregar. Mas existem, afortunadamente, outros
meios pelos quais o cristão pode proclamar a ressurreição de Cristo. Um é a alegria.
Isto é, mostrando que Cristo preencheu a nossa vida. Um cristão alegre, um cristão
que mostra um rosto aberto já dá um testemunho de Jesus, porque demonstra que
Jesus preencheu sua vida. Uma mulher que se casa e que volta à casa de seus pais
depois de alguns meses não tem necessidade de fazer muitos cálculos. Os pais
olham no rosto dela e identificam se o marido a está fazendo feliz ou não. E a
mesma coisa acontece com nós, cristãos. Quando saímos da Igreja, as pessoas que

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nos veem identificam se Jesus nos fez felizes ou não. Um outro meio importante
para testemunhar a Páscoa de Cristo, a Ressurreição, é a esperança, a esperança.
Bem, João Paulo II definiu a América Latina, em particular o Brasil, o
continente da esperança. Sim, a esperança é uma grande coisa. É essencial para a
vida como o oxigênio. Não se vive sem esperança. Uma pessoa, que por hipótese, se
levanta de manhã e não tem nada para esperar, é uma pessoa apta para o suicídio,
porque temos todos a necessidade de esperança para viver. Ora, São Pedro diz em
sua primeira carta: “Bendito seja Deus, Pai do Nosso Senhor Jesus Cristo, que nos
regenerou a uma esperança viva mediante a ressurreição do Cristo dos mortos.”
(1Pd 1, 3). É como dizer que a ressurreição de Cristo inaugurou a esperança. Por
quê? Porque ressurgindo da morte, Cristo venceu o último inimigo que é a morte,
desfez aquele muro contra toda esperança humana, o muro da morte. Portanto, a
páscoa de Cristo é a fonte da esperança. E nós temos a necessidade de esperança.
As pessoas vão à Igreja se lá se respira esperança, vão a uma comunidade religiosa
se ali existe a esperança. E nisso acredito que vocês, caros amigos do Brasil, têm
uma missão.
Eu estive por diversas vezes no Brasil, nem sei contar as vezes que estive no
Brasil. Em todas as vezes, eu trouxe um bocado de esperança, apesar dos
problemas, pois, quando fui pela primeira vez ao Brasil, não era o Brasil de hoje, que
está vivendo uma evolução, mas havia muita pobreza. No entanto, me maravilhava
a alegria, a alegria que via ao redor. Vocês têm um dom particular que deve ser
comunicado a todos que é exatamente aquele da esperança, do otimismo, de
acreditar no futuro. Deus existe, Cristo ressuscitou e isso basta. Sobretudo dessa
parte do oceano, na Europa, temos tanta necessidade. E ainda bem que a América
Latina nos deu esse Papa que verdadeiramente é um bocado de esperança que veio
da América Latina em direção ao velho continente europeu. Tudo nesse homem
inspira confiança e um otimismo que vem do Evangelho. Não é somente aquele
otimismo “à flor da pele”, é o verdadeiro otimismo que nasce da esperança, da
certeza da ressurreição de Cristo.
Então, coragem, de modo que todos nós, se possível, imitemos os nossos
irmãos ortodoxos que, na Páscoa, quando encontram alguém, dizem: “Irmão, Cristo
ressuscitou” e assim difundamos também nós o vibrante anúncio da ressurreição de
Cristo.

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