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Título original: Peter, Stephen, James and John: studies in non-Pauline Christianity
Publicado originalmente por Paternoster Press, 1984
1a
Edição - Outubro de 2005

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ser em citações breves com indicação de fonte.
ISBN 85-88315-36-X

Printed in Brazil I Impresso no Brasil


TRADUÇÃO - Eulália A. P. Kregness REVISÃO - Regina Aranha
DLAGRAMAÇÃO - Edmilson Antonio da Silva
Prefácio

Os quatro estudos a seguir foram apresentados em março de 1979,


inaugurando a série de Palestras de Disdbury da Faculdade Nazareno, nas Ilhas
Britânicas, Manchester.
As três primeiras preleções foram apresentadas anteriormente na Faculdade
de Teologia de Cardiff, em novembro de 1978. A quarta é uma revisão da
palestra apresentada na Biblioteca da Universidade John Rylands, Manchester,
em outubro de 1977, sob o título “São João em Éfeso”, foi publicada no
Boletim da Biblioteca, edição da Primavera de 1978 (vol. 60, pg.339-361). A
reprodução para este livro nos foi gentilmente cedida.
Agradeço aos colegas e amigos de Cardiff e Manchester a oportunidade de
realizar essas palestras, e a imensa bondade a mim demonstrada enquanto o
trabalho era efetuado. Agradeço também aos amigos da Editora Paternoster a
disposição imediata de publicá-las em forma de livro.
Setembro de 1979.
F. F Bruce
Introdução

Em maio de 1959, quando fui convidado a me reunir com o Conselho


encarregado de nomear alguém para a Cadeira de Crítica e Exegese Bíblica de
Rylands, na Universidade de Manchester, o professor S. G. E Brandon, já
falecido, (à época deão da Faculdade de Teologia) perguntou-me em que área,
ou áreas, de estudo bíblico eu gostaria de aprofundar minhas pesquisas.
Mencionei que a história do cristianismo não-paulino no século I me atraía
bastante, provavelmente por que eu havia começado a trabalhar em um
comentário sobre a Carta aos Hebreus. Cumpri minha promessa de terminar a
obra, e também escrevi um pequeno comentário sobre as Cartas de João.
Contudo, nos vinte anos subsequentes encontrei-me prestando cada vez mais
atenção aos estudos de Paulo, com os quais continuo profundamente
envolvido. Mesmo assim, estudar o cristianismo paulino exige que voltemos
nossa atenção para o cristianismo não-paulino. Os escritos do apóstolo Paulo
mostram claramente que outras apresentações da mensagem cristã eram
correntes durante seu ministério apostólico. Algumas dessas apresentações
satisfaziam bastante o apóstolo; no entanto, achou necessário advertir seus
leitores a respeito de outras.
As cartas de Paulo são os documentos cristãos mais antigos que temos em
mãos. Como tais, são nossas fontes primárias de material para o estudo do
cristianismo paulino e do não-paulino. Se isso significa que precisamos
examinar, da perspectiva do apóstolo, fases importantes do cristianismo não-
paulino e de seus líderes, que assim seja. Temos de aceitar a situação e agradecer
o fato de que, no mínimo, podemos observar as coisas pelo mesmo ângulo de
Paulo. De outro modo, saberíamos bem menos do que sabemos agora.
Em segundo lugar de importância, junto com os escritos de Paulo, está Atos
dos Apóstolos, trabalho posterior que apresenta uma adaptação, para não dizer
fusão, do cristianismo paulino e várias formas do cristianismo não-paulino.
Devem ser levados em consideração as evidências dos Evangelhos e o restante
de documentos do Novo Testamento, além de outras literaturas sobre o
cristianismo primitivo.
O que estudaremos nas páginas seguintes não é a literatura e seus méritos,
mas os líderes do cristianismo primitivo não-paulino e seus companheiros
sobre os quais a literatura fornece evidências indispensáveis.
Capítulo 1
Pedro e os onze
Líder dos doze

Os quatro Evangelhos deixam bem claro que, do círculo maior de


seguidores, Jesus escolheu doze homens para ser especialmente treinados e
estar aptos a participar de seu ministério e continuar como suas testemunhas
depois que partisse.1 Em alguns segmentos do registro sinótico, esses doze
foram chamados de “apóstolos”.2 O termo grego apostoloi, “mensageiros”,
provavelmente indica que (igual a sua suposta contraparte hebraica slîhîm,
“agentes”)3 os assim chamados foram investidos de autoridade por aquele que
os enviou para realizar a tarefa, e que essa autoridade não lhes era inerente, mas
derivada do remetente, e que também não podiam transferi-la a outros. Lucas,
entre os evangelistas sinóticos, é quem, de maneira especial, usa esse termo em
relação aos doze: no terceiro evangelho e em Atos o termo se aplica quase
exclusivamente a eles.4 Lucas, no início de seu segundo livro, relata como,
quando o grupo perdeu um homem por causa da traição de Judas, os outros
entraram cm ação e escolheram Matias, que de modo apropriado “foi
acrescentado aos onze apóstolos” (At 1.26).5
Entre os doze homens, Simão Pedro foi reconhecido como o líder. Cada
evangelista apresenta um retrato diferente de Pedro,6 mas todos concordam
nesse ponto.
Simão (ou Simeão)7 era seu nome próprio: “Simão, filho de João” foi como
Jesus o chamou no quarto evangelho (Jo 1.42; 21.15-17). Em Mateus 16.17, a
forma Simão Bar-Jonas, “Jonas” (Yõnãh) pode muito bem ser uma abreviação
de Yõhãnãn, “João” e não de seu equivalente hebraico Jonas (yõnãh, “pomba”).
(Menos provável é a ideia de que Bar-Jonas caracterize-o como membro de
uma facção insurgente.)8
Pedro (Petros) é a forma grega do novo nome que Jesus lhe deu: “Simão a
quem deu o nome de Pedro” (Mc 3.16). Entre os evangelistas, apenas João
mantém a forma aramaica, que Jesus chegou mesmo a usar quando o irmão de
André foi levado a Cristo. “Jesus olhou para ele e disse: ‘Você é Simão, filho
de João. Será chamado Kepha” (Jo 1.42).9A forma aramaica Kepha não é usada
por Mateus no relato da confissão em Cesaréia de Filipos, mas pode ser
claramente discernida no grego Petros usado pelo evangelista: “Você é Pedro, e
sobre esta pedra (petrã) edificarei a minha igreja” (Mt 16.18). O termo aramaico,
assim como sua contraparte hebraica kêph (Jó 30.6; Jr 4.29), significa “rocha”;
no rolo de Jó, da Caverna Qumran 11, o termo é usado duas vezes como
tradução do hebraico sela‘ (“rocha” ou “rochedo”) e parece que tem o mesmo
significado em vários lugares dos fragmentos aramaicos de Enoque, da Caverna
4.10 No século V a. C., aparece como nome de pessoa em dois documentos
judeus de Elefantina, no Egito.11 Além de sua menção no quarto evangelho, ele
aparece várias vezes nos escritos de Paulo, que o prefere em lugar da forma
grega Petros quando se refere ao líder dos Doze. Tanto João como Paulo, ao
escrever em grego, suplementam o termo aramaico com a terminação
nominativa masculina grega, e assim Kepha se torna Kephas (Cefas, na maioria
das versões bíblicas).
De acordo com Lucas, foi Pedro quem tomou a iniciativa de escolher um
substituto para Judas Iscariotes. Conforme o relato imediato do primeiro
Pentecostes cristão, foi Pedro quem se levantou “com os onze”, em Jerusalém,
e, na presença de muitos visitantes, deu um testemunho contundente da
ressurreição de Cristo (At 2.14s). Se perguntarmos o porquê dos outros terem
aceitado a liderança de Pedro logo após o doloroso episódio de sua negação
pública de Jesus, a resposta pode estar no fato de ele ter sido o primeiro
apóstolo a ver o Cristo ressurreto: “E verdade! O Senhor ressuscitou”, eles
relataram no primeiro domingo de Páscoa, ”c apareceu a Simão!” (Lc 24.34).
O que Lucas infere com essas palavras é confirmado nos primeiros relatos
de Paulo: “Cristo... ressuscitou no terceiro dia, segundo as Escrituras, e
apareceu a Pedro e depois aos Doze” (I Co 15.3-5).

O que aconteceu aos outros?

B. H. Streeter, no início de seu livro The Primitive Church [A igreja primitive],


publicado nos Estados Unidos, em 1929, chamava atenção para a pergunta: “O
que aconteceu aos doze apóstolos?”.12 É impressionante a dificuldade para
responder a isso, principalmente se considerarmos a importância que eles
tiveram no registro do evangelho e na comissão que receberam do Cristo
ressuscitado de ser suas testemunhas e fazer discípulos entre as nações.13
Pressupõe-se que, até certo ponto, eles cumpriram a tarefa, mas até onde as
evidências históricas comprovam, esse cumprimento ainda continua quase que
inteiramente sem registro nenhum.
A segunda parte do relato que Lucas faz do início do cristianismo não
justifica o título tradicional “Atos dos Apóstolos” — menos ainda a nomeação
errada pela qual, no fim do século II, ele é designado no cânon muratoriano:
“Atos de todos os Apóstolos”.14 O compilador do citado cânon provavelmente
tinha uma razão dogmática para seu exagero, e talvez essa razão estivesse por
trás do título tradicional. Na verdade, o trabalho em questão relata alguns atos
de alguns apóstolos15, e a Paulo, o missionário cujas atividades ocupam seu
maior número de páginas, o livro não confere o título “apóstolo”. (Nas duas
ocasiões em que o termo apóstolo é usado em relação a Paulo, ele aparece no
plural, referindo-se a Paulo e Barnabé juntos.)16
Após alista dos onze, que aparece no início de Atos (1.13), somente três
apóstolos são mencionados novamente: Pedro, Tiago e João — os três
aparecem aqui e nos sinóticos (ou seja, no de Marcos) como se formassem um
círculo menor dentro do grupo dos Doze. A lenda é mais do que o desejo de
relatar o que aconteceu aos outros, como comprovam diversos livros apócrifos
de “Atos”, que surgiram a partir da segunda metade do século II, trazendo os
nomes de André, Tiago e outros. No entanto, é praticamente impossível extrair
algum dado histórico desses livros.
Posteriormente, dos apóstolos mencionados nos Atos Lucanos, Tiago de
Zebedeu só aparece no relato de sua execução por Herodes Agripa I, por volta
de 41-44 d. C. (At 12.2). Seu irmão, João, aparece ao lado de Pedro na cura do
coxo à porta do templo em Jerusalém, logo após, no Sinédrio (At 3.1-4.22) e
na visita apostólica aos samaritanos (At 8.14- 25). Depois, ele desaparece do
relato de Lucas. Os primeiros capítulos de Atos falam muito mais sobre Pedro,
mas ele também desaparece repentinamente, depois de escapar da prisão de
Herodes Agripa, e, após dar a boa notícia aos irmãos que estavam reunidos na
casa de Maria, mãe de João Marcos, vai “para outros lugares” (At 12.6-17) —
além de sua participação no Concilio de Jerusalém (At 17.7-14), mais tarde
mencionada por Lucas. No entanto, o escritor depende de outras fontes. (É
bom esclarecer que nestas páginas a menção a "outras fontes” de Lucas não
define se eram orais ou escritas.)

“Para conhecer Cefas”

Se colocarmos as referências que Paulo faz de Pedro em sua aparente


sequência histórica, a mais antiga é sua afirmação em Gaiatas 1.18 de que, três
anos após sua conversão, ele subiu a Jerusalém (evidentemente de Damasco)
“para conhecer Cefas”.
Essa afirmação (do grego historesai Kephan) tem gerado muita discussão.17
Paulo, com certeza, queria conhecer Pedro (esse é o significado do verbo
histereo no grego helenista), contudo, depois de sua conversão, esse não foi o
único objetivo de sua primeira visita a Jerusalém. Ele também queria "inquirir”
a Pedro (que é o sentido clássico do verbo) e obter informações que ninguém
mais estava capacitado a oferecer. Obter informações era bem diferente de
receber de Pedro alguma autoridade. Paulo havia acabado de insistir que seu
evangelho e sua comissão de prega-lo aos gentios vieram diretamente do
Senhor, sem mediação de quem quer que fosse.18 Contudo, Pedro, no geral,
teria muito a lhe informar sobre o ministério e os ensinos de Jesus e, em
particular, sobre sua ressurreição. Ninguém precisava esclarecer a Paulo que
Jesus era o Senhor ressuscitado. Isso lhe ficou claro no confronto da estrada
de Damasco. Paulo, com certeza, explicaria a Pedro como o Senhor ressurreto
lhe havia aparecido naquela estrada,19 mas Pedro poderia lhe contar como o
mesmo Senhor ressurreto havia lhe aparecido antes disso. Quando Paulo
relembra aos cristãos de Corinto os fatos básicos do evangelho, incluindo um
resumo das aparições do Senhor após a ressurreição, ele afirma que Jesus se
mostrou primeiro a Pedro (I Co 15.5.). Que Paulo tenha obtido essa
informação em sua primeira visita a Jerusalém, logo após se converter, não só
é provável como é confirmada pelo fato de que a única outra pessoa
mencionada como tendo visto o Senhor ressuscitado (I Co 15.7), é o único
líder em Jerusalém com o qual ele afirma ter conversado na referida visita (G1
1.19).20
O Senhor ressurreto, depois de ter aparecido a Pedro, mostrou-se “aos
doze” (I CO 15.5); todavia o fato de ele primeiro ter aparecido a Pedro é
importante. Isso pode (como já foi sugerido) explicar sua posição de liderança
entre os apóstolos logo no início da igreja. Na verdade, aparentemente Pedro
exerceu liderança entre os companheiros mesmo durante o ministério de Jesus.
No entanto, os discípulos poderiam ter achado que, a partir do momento, em
que ocorreu o episódio no terraço do palácio sacerdotal — quando Pedro
negou a Cristo — seu direito de liderança tivesse cessado.21 Os quatro
evangelistas indicam, de maneiras distintas, que foi vontade do próprio Cristo
que Pedro exercesse o papel de líder. Marcos relata que as mulheres que, logo
cedo no domingo de Páscoa, se dirigiram ao túmulo de Jesus foram enviadas
para “contar aos discípulos e a Pedro: ‘Ele está indo adiante de vocês para a
Galiléia’” (Mc 16.7). A menção especial a Pedro é significativa. Mateus
apresenta a frase: “Você é Pedro” (Mt 16.18), que não é encontrada nos outros
evangelhos. Pode existir um significado simbólico também no incidente
(apenas relatado por Mateus) em que Jesus agarrou Pedro e colocou-o a salvo,
quando ele estava “começando a afundar” (Mt 14.28-32). Lucas relata que Jesus
advertiu Pedro de seu fracasso, mas acrescentou: “Mas eu orei por você, para
que sua fé não desfaleça. E quando você se converter, fortaleça os seus irmãos”
(Lc 22.31 s.). Por fim, João, em seu epílogo, logo após a ressurreição, afirma
que Pedro foi comissionado novamente por Jesus, no lago de Tiberíades, para
apascentar suas ovelhas (Jo 21.15-17).22
Mais tarde, a história da reabilitação e restauração de Pedro, não só ao
discipulado como à liderança, apesar de ter negado a Cristo de maneira
vergonhosa, mostrou-se um precedente importante para quem achava que os
cristãos que negassem a Cristo e a fé durante perseguições poderiam, após
cumprir a devida penitência, ser restaurados à comunhão. Se a política dos
inflexíveis, que não admitiam esperança de restauração aos caídos, tivesse
prevalecido no caso de Pedro, o curso do cristianismo teria sido bem
diferente.23

Os atos de Pedro

Agora é conveniente voltarmos aos capítulos iniciais de Atos. Sem contar as


seções helenistas (At 6.1-8, 40; 11.19- 26) e a narrativa da conversão de Paulo
(At 9.1-31, introduzida por suas perseguições referidas em 7.58b e 8.3), os doze
primeiros capítulos do livro são dominados por Pedro. Na verdade, há muito
que se dizer em favor da ideia de que esses capítulos apresentam ao leitor os
“Atos de Pedro”, indicados como paralelos aos “Atos de Paulo” na parte final
do livro.24
Mencionamos a iniciativa de Pedro na substituição de Judas (At 1. 15-26) e
no testemunho público no dia de Pentecostes (At 2.14s.). Embora João
estivesse presente na visita ao templo, por ocasião da cura do paralítico à Porta
Formosa, foi Pedro quem se dirigiu à multidão atraída pela cura milagrosa (At
3.12-26). Se, como pensam Harnack e outros25, os sermões do dia de
Pentecostes e o do terraço do templo são originários de duas fontes distintas,
então a proeminência que Lucas confere a Pedro tem seu fundamento na
tradição pré-lucana. Quando Pedro e João foram presos sob acusação de
perturbar a ordem pública, foi Pedro quem fez o discurso de defesa perante o
Sinédrio (At 4.8- 12) Quando Ananias e Safira entregaram aos apóstolos uma
parte da venda de seu terreno, mentindo que se tratava da quantia total, foi pela
repreensão de Pedro que eles caíram mortos, um após o outro (Atos 5.1-11).
O prestígio de Pedro era tão grande em Jerusalém que o povo achava que sua
sombra era suficiente para curar alguém. Em Atos 8.15-25, Pedro e João
visitam Samaria, depois da missão de Filipe, e impõem as mãos sobre os
convertidos para que recebam o Espírito Santo. Todavia, João continua sendo
um personagem bastante secular; é Pedro quem repreende Simão, o mago, por
sua “simonia.”26
Mais tarde, Pedro embarca em uma tarefa de pregação e cura nos arredores
de Jerusalém, na área entre a capital e a costa mediterrânea. Ele cura um
paralítico em Lida (At 9.32-35) e ressuscita uma mulher cristã em Jopa (At 9.36-
42); como resultado disso, aumentou bastante o grupo de discípulos residentes
no local.
Assim, acontece o grande salto adiante: Pedro que, em Pentecostes, abrira
uma porta para fé dos judeus, agora realiza o mesmo feito em relação aos
gentios (At 10.34-48). Ele é arrancado de Jopa para falar do evangelho ao
centurião Cornélio e sua família. Cornélio é retratado como homem temente a
Deus, embora fosse gentio. Só depois de ser irresistivelmente convencido pela
persuasão divina é que Pedro aceitou o convite para ir à casa de Cornélio. O
que acontece depois prova que sua atitude foi correta: quando aqueles gentios
creram, os dons do Espírito foram manifestados entre eles como havia
acontecido aos judeus que creram por ocasião de Pentecostes. Pedro, diante
desse fait accompli divino, instrui os novos convertidos para que sejam batizados.
A relação cronológica entre a mensagem de Pedro a Cornélio, em Cesaréia,
e a evangelização, por helenistas desconhecidos, dos gentios, em Antioquia (At
11.19-21) não pode ser determinada.27 As duas narrativas de Lucas originaram-
se de fontes diferentes, porém, é óbvio que Lucas dá prioridade a ação de
Pedro: ele não somente a relata antes da outra como apresenta o apóstolo no
Concilio de Jerusalém, afirmando por inferência que foi de seus lábios que os
gentios ouviram o evangelho pela primeira vez (At 15.7).
A princípio, os companheiros apóstolos ficaram perturbados com o
relatório de seu trabalho, porém aquiesceram ao ouvir os fatos relatados pelo
próprio Pedro, e reconheceram que ele não tinha alternativa diante do
acontecimento (At 11.1-18). No entanto, sua atitude e a aquiescência dos
colegas tiveram um desfecho imprevisível.
Herodes Agripa, neto de Herodes, o Grande, a quem o Imperador Gaio, em
37. d. C., havia conferido posse de um grande território no norte da Palestina
e também oferecido o título de rei, teve sua propriedade aumentada por
Cláudio, em 41 d.C quando a Judéia deixou de ser província e tornou- se parte
do reino de Herodes. A igreja de Jerusalém e suas igrejas filhas, na Judéia,
encontravam-se agora sob o governo de Herodes Agripa, um governante que
lhes era hostil. A tradição rabinica sugere que Herodes se pôs diligentemente a
cortejar a boa vontade da liderança religiosa judaica.28 Nessa altura, a liderança
religiosa judaica não só havia adotado um comportamento hostil contra a igreja
de Jerusalém, como veio a ser apoiada por um número maior de cidadãos da
Judéia no que se referia à hostilidade dirigida a um setor da igreja — aquele
liderado por Pedro e outros apóstolos.
Concluímos pelo relato de Lucas que Herodes, depois de prender e executar
Tiago, o Zebedeu, vendo “que isso agradava os judeus, prendeu também a
Pedro” (At 12.3.). Tiago, o Zebedeu, era líder entre os doze, mas não era o líder.
Herodes talvez não tenha se aventurado contra Pedro até ver a reação pública
em relação a sua atitude contra Tiago. A afirmação de que seu ato “agradou
aos judeus” pode ser interpretada — na verdade, tem sido interpretada —
como uma tendência anti-semita de Lucas. Contudo, alguns elementos no
contexto nos levam a pensar que a afirmação de Lucas é um relato acurado da
situação. Herodes, de acordo com Lucas, “prendeu alguns da igreja” (At 12.1)
— não a igreja toda. Lucas, ou sua fonte, estava bem ciente de que só uma
parte da igreja era alvo dos ataques de Herodes.
Em um rompante anterior de perseguição — que aconteceu após a morte
de Estêvão — os alvos do ataque foram principalmente, mas não
exclusivamente, os helenistas.29 Conforme o relato, os próprios apóstolos
ficaram imunes à perseguição (At 8.1). Por que, portanto, apenas dez ou doze
anos depois, os apóstolos se tornaram o alvo principal de ataques? Prova-
velmente, a resposta se encontra na confraternização recente de Pedro com os
gentios — membros do exército romano de ocupação — e na aquiescência dos
outros apóstolos em relação a sua atitude. Tal comportamento não foi bem
visto aos olhos da maioria religiosa judaica de Jerusalém. Herodes, é natural,
não fazia objeção pessoal à amizade com gentios. Afinal, ele era amigo de longa
data do imperador Cláudio. No entanto, sabia o que a Judéia esperava dele;
agora, como os apóstolos haviam caído no desagrado dos cidadãos, ele poderia
atacá-los sem medo.
Assim, Herodes decretou a prisão de Pedro, não muito antes da Páscoa,
com a intenção de matá-lo publicamente quando terminasse a semana da festa
dos Pães Asmos. Todavia, Pedro foi libertado da prisão e, após anunciar o fato
aos discípulos que oravam na casa de Maria por sua libertação, e pedir-lhes que
transmitissem a boa notícia a “Tiago e aos irmãos” (At 12.17), ele seguiu rumo
desconhecido. Pedro referia-se aos irmãos ligados a Tiago, o irmão do Senhor
(conhecido como Tiago, o Justo) que se reuniam em outro local. Essa é a
primeira indicação dada por Lucas de que havia um grupo na igreja de
Jerusalém que seguia a liderança desse Tiago.30

Concilio de Jerusalém

Voltemos à narrativa de Paulo. Depois da visita de quinze dias a Pedro,


conforme Gaiatas 1.18, Paulo foi para a Síria e Cilicia e viu Pedro novamente
catorze anos depois, ou pelo menos onze. (É incerto se a frase “depois de
catorze anos”, cm Gálatas 2.1, refere-se a catorze anos após a visita anterior ou
após sua conversão.)31 Seja como for, a viagem dc Paulo a Jerusalém aconteceu
depois da morte de Herodes Agripa (44 d. C.), e Pedro não precisava mais se
esconder e podia andar livremente pela cidade.
Na segunda visita que Paulo, após sua conversão, fez a Jerusalém, ele e
Barnabé (que o acompanhava desde Antioquia) tiveram uma reunião particular
com os líderes da igreja local. Aparentemente um dos motivos do encontro era
demarcar o campo missionário de Paulo e Barnabé e o dos líderes de Jerusalém.
De acordo com Paulo, em Gálatas 2.9, esses líderes eram “Tiago, Cefas e João”.
Provavelmente a ordem cm que os nomes aparecem é significativa.32 Pedro, na
visita anterior de Paulo a Jerusalém, era o homem importante, o homem com
quem Paulo desejava conversar. Quase incidentalmente, ele menciona que
também se encontrou com Tiago. Agora, é evidente que Tiago tem precedência
sobre os dois sobreviventes dos doze apóstolos — até mesmo sobre Pedro.
Talvez a ausência de Pedro, depois de ser liberto da prisão de Herodes Agripa,
tenha destacado Tiago como líder. Paulo afirma que os três líderes com quem
ele e Barnabé conversaram eram considerados “colunas” da igreja-mãe. A
figura de linguagem sugere que eram considerados pilares do verdadeiro
templo espiritual de Deus, o novo templo construído não por mãos humanas.33
O resultado da conferência, segundo Paulo, foi o reconhecimento por parte
dos líderes de Jerusalém de que ele era tão verdadeiramente comissionado a
evangelizar os gentios como Pedro era para evangelizar os judeus, e houve
também um acordo de que Paulo e Barnabé deveriam se concentrar na missão
aos gentios e os líderes de Jerusalém prosseguiriam na missão entre os judeus.
Na verdade, a certa altura do relato de Paulo tem-se a impressão de que ele está
reproduzindo a ata oficial da reunião,34 pois deixa de lado a prática regular de
chamar o príncipe dos apóstolos de Cefas e, por duas vezes, refere-se a ele
como Pedro (Petros) e afirma: “Reconheceram que a mim havia sido confiada a
pregação dos evangelhos aos incircuncisos, assim como a Pedro, aos
circuncisos” (Gl 2.7s.).
Se Paulo está mesmo repetindo o relatório de terceiros, ele o integra ao
contexto autobiográfico, substituindo o pronome da primeira pessoa do
singular pelo seu próprio nome. Depois repete o conteúdo do acordo com suas
palavras, revertendo à forma Cefas: “Reconhecendo a graça que me fora
concedida, Tiago, Cefas e João, tidos como colunas, estenderam a mão direita
a mim e Barnabé em sinal de comunhão. Eles concordaram em que devíamos
nos dirigir aos gentios, e eles, aos circuncisos” (Gl 2.9).35
Não há nenhuma alusão a qualquer diferença entre o contexto do evangelho
que os líderes de Jerusalém pregariam aos judeus e o do evangelho que Paulo
e Barnabé pregariam aos gentios. Como Paulo afirmou em outra passagem
sobre os fatos básicos do evangelho: “Portanto, quer tenha sido eu, quer
tenham sido eles [os líderes de Jerusalém], é isto que pregamos, e é isto que
vocês [os cristãos de Corinto] creram” (I Co 15.11; grifo do autor). Com
certeza, havia diferenças de ênfase e abordagem, mas parece que os líderes de
Jerusalém não fizeram nenhuma objeção ao evangelho anunciado por Paulo
aos gentios que lhes foi exposto na ocasião (Gl 2.2).36 É possível que a
demarcação dos dois campos missionários tenha escondido ambiguidades que
não se tornaram claras até o acordo ter sido posto em prática. Quando vieram
à luz, surgiram os mais variados tipos de tensões. Fazemos uma ideia do que
Paulo pensava do acordo. Seria bom ter informações independentes do que
Pedro entendeu da conversa. Melhor ainda, seria termos um relato de Pedro e
outro de Paulo sobre a conferência.
Por exemplo, a delimitação deveria ser interpretada como geográfica ou
demográfica? Seja como for, deve ter sido complicado definir os limites dos
dois campos missionários. Quase todas as grandes cidades do mundo
mediterrâneo oriental eram habitadas por gentios e judeus. Não é provável que
Paulo tenha achado que o acordo o impedia de visitar sinagogas em cidades
gentílicas. Ele próprio afirma que, mesmo sabendo que fora chamado a ser
apóstolos dos gentios, seguia os costumes judeus quando estava entre judeus,
para ganhar os judeus” para o evangelho (I Co 9.20). Não há razão para duvidar
do testemunho de Atos que retrata Paulo entrando nas sinagogas das cidades
que visitava e lá encontrando o núcleo da igreja que ele mesmo havia plantado
entre os gentios tementes a Deus que frequentavam a sinagoga.37
Da mesma forma, é improvável que Pedro se sentisse impedido de
evangelizar os judeus de (digamos) Corinto ou Roma. Mas, como as igrejas
estabelecidas naquelas cidades reuniam judeus e gentios convertidos, os
acordos e ajustes eram inevitáveis nas duas esferas de atividades missionárias.
O Novo Testamento infere, aqui e ali, que a atividade missionária de Pedro
não se restringia aos judeus. Seja qual for o ponto de vista abordado no
ambiente de l Pedro, essa
carta foi enviada em nome de Pedro aos gentios convertidos de várias
províncias da Ásia Menor (incluindo duas que foram
evangelizadas por Paulo).38 A terminologia própria ao antigo Israel é adotada
e aplicada a esses novos “exilados da Dispersão;” no entanto não existem
dúvidas quanto ao passado pagão dessas pessoas.39
Mais uma vez, o primeiro evangelista registra a missão dada pelo Cristo
ressuscitado aos onze (Pedro, é natural, está incluído) para “ir... e fazer
discípulos de todas as nações (gentios)” e, em especial, ensiná-los a observar
“todas coisas que lhes ordenei” (Mt 28.19s.). Temos de aceitar o fato de que
Paulo retrata Pedro concordando com uma drástica limitação da comissão que,
de acordo com Mateus, Pedro e seus companheiros receberam do Senhor.40
O Didaquê, documento cristão antigo que se apoia fortemente no evangelho
de Mateus, é assim chamado porque afirma expor “os ensinos do Senhor
(didachè) aos gentios por meio dos doze apóstolos” — o apóstolo dos gentios,
por excelência, é claramente deixado fora do cenário. Na verdade, existia um
segmento do cristianismo primitivo que não levava a sério o apostolado de
Paulo para os gentios, como também considerava a evangelização destes uma
responsabilidade e realização dos Doze. Podemos ainda lembrar que, na visão
apocalíptica da nova Jerusalém, as doze pedras fundamentais estão inscritas
com “os doze nomes dos doze apóstolos do Cordeiro” (Ap 21.14).
De qualquer maneira, foi necessário que houvesse absoluta confiança mútua
entre as partes envolvidas no Concilio de Jerusalém para que o acordo
funcionasse de modo amigável e eficiente. Não demorou muito para que um
acontecimento abalasse essa confiança.

Confronto em Antioquia

Paulo afirma que, algum tempo depois da conferência, em Jerusalém, Pedro


visitou Antioquia. O relato de Paulo sobre o comportamento de Pedro na
cidade — participando da mesa e da comunhão tanto de judeus quanto de
gentios cristãos — está de acordo com os escritos de Lucas sobre a lição que
Pedro aprendeu, muito bem, em sua visita a Cornélio, de que não deveria
chamar ninguém de “comum nem impuro” (At 10.28). Se Pedro aceitou a
hospitalidade dos gentios, em Cesaréia, a ponto de comer com eles, então
estava igualmente pronto a fazer a mesma coisa em Antioquia.
Sua visita a Antioquia corria sem problemas até que, conforme Paulo relata,
algumas pessoas,41 enviadas por Tiago, chegaram de Jerusalém. Pedro, a partir
desse momento, se afastou da comunhão e da mesa dos gentios cristãos e
passou a fazer refeições apenas com os judeus cristãos. Do ponto de vista de
Paulo, isso era encenação, uma vez que Pedro não tinha problema de
consciência em fazer refeições com os gentios. Além do mais, o exemplo de
Pedro foi seguido por outros cristãos judeus do lugar; pior ainda, foi seguido
até por Barnabé. É provável, que esse comportamento tenha provocado um
resultado devastador nos cristãos gentios; eles devem ter se sentido relegados
ao patamar de cidadãos de segunda classe na igreja, sem esperança de alcançar
a primeira classe, a não ser que se submetessem à circuncisão. Paulo,
preocupado com os cristãos gentios, repreendeu Pedro publicamente (Gl 2.11-
14).
por que Pedro se comportou daquela maneira? O que os mensageiros de
Tiago lhe disseram?
Pode ter sido o seguinte: “Ficamos sabendo lá, em Jerusalém, que você anda
comendo e divertindo-se com os gentios. Seu comportamento está
escandalizando os irmãos mais conservadores. Além disso, a notícia chegou
aos ouvidos do pessoal de fora da igreja, e isso está atrapalhando nossa
tentativa de evangelizar os compatriotas judeus”.42
Mas, isso dificilmente explicaria as palavras de Paulo ao afirmar, que Pedro
“afastou-se e separou-se dos gentios, temendo os que eram da circuncisão” (Gl
2.12). Pode ser que os mensageiros de Tiago tenham apresentado um relatório
mais sério a Pedro. A metade dos anos quarenta testemunhou um despertar de
militância entre os judeus que lutavam por liberdade. Foi nessa época, que
Tibério Julius Alexandre, procurador da Judéia, voltou-se contra eles e
enforcou dois de seus líderes, Jacó e Simão, filhos de Judas, que havia liderado
a revolta contra o censo, em 6 d. C.43 Aos olhos desses militantes, os judeus
que confraternizavam com incircuncidados não passavam de traidores, e os
líderes da igreja de Jerusalém podem ter se sentido ameaçados pelas notícias
do comportamento bonachão de Pedro em Antioquia.44 Pedro, quaisquer que
tenham sido as palavras dos mensageiros, levou-as a sério o bastante para
deixar de lado as refeições com os cristãos gentios — pelo menos, naquele
momento.
Aqui, mais uma vez, gostaríamos de conhecer a versão de Pedro sobre o
incidente. No entanto, não é difícil imaginar como ele teria defendido seu
comportamento. Pedro explicaria que estava levando em consideração os
irmãos mais fracos, que, nesse caso, eram os de Jerusalém. Parece que foi assim
que Tertuliano entendeu a questão; ele chega a sugerir que foi a imaturidade de
Paulo que o levou a criticar Pedro. Mais tarde, ele enfatiza que o próprio Paulo
“se tornaria tudo para com todos os homens; para os que estão debaixo da Lei,
como se estivesse sujeito à Lei” (I Co 9.20)45 O problema foi que a preocupação
de Pedro com os irmãos mais fracos de Jerusalém chocou-se com a
preocupação de Paulo pelos irmãos gentios de Antioquia, em especial, por que
Paulo entendeu que a atitude de Pedro comprometia os princípios do
evangelho sobre os quais, ele entendia, os dois lados haviam concordado no
Concilio de Jerusalém. Paulo faria qualquer coisa pelos irmãos mais fracos,
porém não chegaria a considerar refeições separadas, pois na prática isso
significa desfazer a unidade que Cristo havia estabelecido entre cristãos judeus
e gentios.
De novo, Tertuliano sugere que “uma vez que o próprio Paulo tornou se
‘tudo em todos’, Pedro também poderia ter pensado assim ao se comportar de
maneira diferente do que ensinava”."’ Barnabé, uma vez que seguiu o exemplo
de Pedro, deve ter achado que ele não estava totalmente errado. A confiança
que existia entre Paulo e Pedro (e até mesmo entre Paulo e Barnabé) ficou
abalada e talvez nunca tenha sido restaurada por completo.
Alguns estudiosos têm sugerido que, de acordo com Atos 15.22-29, a atitude
de Pedro (a pedido de Tiago) foi uma tentativa de impor aos cristãos gentios
de Antioquia os termos do decreto estabelecido no Concilio de Jerusalém ,47
Parece me mais provável que o Concilio de Jerusalém foi uma consequência
do confronto em Antioquia e que a tentativa de impor seu decreto às igrejas
paulinas aconteceu mais tarde, e possivelmente em nome de Pedro.48
F, tentador identificar os mensageiros de Tiago como OH homens que, de
acordo com Atos 15.1, desceram da Judeia ate Antioquia e ensinavam aos
gentios cristãos que, a não ser que se circuncidassem “de acordo com o
costume de Moisés”, não seriam salvos. No entanto, é mais provável que os
homens de Atos 15.1 sejam os “falsos irmãos”, de Gálatas 2.4, que se
infiltraram na igreja e, que de acordo com Paulo, insistiam que os cristãos
gentios fossem circuncidados.
Seja como for, a questão preocupou a igreja de Jerusalém o bastante para
que ela ponderasse sobre como, à mesa, deveria ser a comunhão entre judeus
e gentios. Ficou resolvida, com alguma oposição, que a circuncisão não seria
uma exigência. De acordo com Lucas, um apelo insistente de Pedro teve
influência especial na resolução.49 O relato de Lucas sobre o papel exercido por
Pedro na ocasião não é totalmente inconsistente com seu já conhecido ponto
de vista: “A imagem de um São Pedro judaizante é um fingimento crítico de
Tübingen que não tem base histórica”.50 Tiago, o Justo, que resumiu o
propósito da reunião, pegou sua deixa do apelo de Pedro A carta que exprimia
a resolução para as igrejas gentílicas da Síria e Cilicia (i.e., a de Antioquia e
igrejas filhas), estipulava que os cristãos gentios deviam se adequar às principais
leis judaicas sobre alimentos (de modo, particular, evitar comer sangue e rejeitar
comida oferecida aos ídolos) e ao padrão judaico de moralidade. Essas
estipulações constituem o que é comumente chamado de decreto de Jerusalém
ou apostólico.51 Martin Hengel vê a decisão de não exigir circuncisão uma
evidência de “extraordinária magnitude” por parte dos líderes de Jerusalém,
pois “esse passo audacioso necessariamente significava difamação para eles e
perseguição para a maioria dos judeus na Palestina”.52

O ministério mais amplo de Pedro

O livro de Atos não faz mais nenhuma menção a Pedro. Doravante,


portanto, nossa tentativa de traçar o rumo de sua carreira torna-se
especialmente interessante, pois temos de juntar umas poucas peças do quebra-
cabeça e usar de criatividade extraordinária (e disciplinada, espero) para visua-
lizar o cenário todo.
As evidências disponíveis sugerem que, mais ou menos, a partir da metade
do século, Pedro engajou-se em um ministério mais amplo e não era mais
residente habitual de Jerusalém. Nossa principal evidência desse período são as
cartas de Paulo aos Coríntios. Paulo foi a Corinto, no final do verão de 50 d.
C., e no curso de dezoito meses edificou uma igreja vigorosa, embora volátil.
De lá, ele foi para Éfeso e, de tempos em tempos, durante seu ministério entre
os efésios, recebia visitantes de Corinto; essas pessoas, ao retornar para casa,
levavam cartas de Paulo para a igreja de la. Paulo, no início do ano 55 d. C.,
recebeu visitantes que lhes trouxeram a notícia inquietante de que facções —
ou, pelo menos, escolas de pensamentos rivais — estavam se desenvolvendo
na igreja de Corinto. Cada facção invocava o nome de alguém notável (I Co
1.12). Movidos por lealdade a Paulo, com toda certeza, os membros de um dos
partidos afirmavam ser seus discípulos. Outro partido reivindicava Pedro como
líder: Uma pessoa desse grupo diria: “Eu pertenço a Cefas”.
Por que um grupo de cristãos de Corinto proclamaria Pedro como líder?
Sabemos que outros se diziam seguidores de Apoio, mas também temos ciência
de que Apoio visitou Corinto depois da partida de Paulo e causou uma
excelente impressão em seus ouvintes.53 É possível que alguns visitantes da
Judéia ou Síria, invocando o nome ou autoridade de Pedro, tenham tentado
impor sua interpretação particular da fé e da vida cristã à igreja de Corinto.
Todavia, uma vez que os dois outros indivíduos destacados como líderes de
partidos na igreja — Paulo e Apoio — haviam, de fato, estado em Corinto, é
bem provável que Pedro tenha visitado a cidade. Essa conclusão é sustentada
pela passagem de 1 Coríntios, em que Paulo fala de alguns direitos que ele,
como apóstolo, poderia ter, mas dos quais decidiu abdicar, por exemplo, se
casar e levar a esposa em viagens missionárias, esperando que as igrejas
sustentassem tanto a ela quanto a ele, como faziam os “outros apóstolos, os
irmãos do Senhor e Cefas” (I Co 9.5.). Por que o nome “Cefas” é citado à parte
dos “outros apóstolos”? Isso não significa que Paulo não incluísse Pedro entre
os apóstolos (ponto de vista que até já foi defendido), mas sim que os crentes
de Corinto tinham visto Pedro e sua esposa em uma visita à cidade.
Se tentarmos descobrir as características distintas da facção que reivindicava
a liderança de Pedro, não estaremos totalmente errados ao achar que ela era
marcada pela firme aderência às estipulações do Concilio de Jerusalém. O
conteúdo dessas estipulações era aceitável a Paulo. Em relação ao padrão moral
estabelecido pelo Concilio, Paulo os considerava parte da ordem da criação.
No que concerne às recomendações sobre alimentação, ele mesmo exortou que
em tais questões os escrúpulos dos irmãos em Cristo deveriam ser
considerados. No entanto, a obediência a essas considerações deveria ser
espontânea, jamais forçada. Por exemplo, uma dúvida que a igreja de Corinto
levou a Paulo dizia respeito à carne de animais sacrificados aos ídolos. O
Concilio de Jerusalém, em relação a isso, havia recomendado abstenção, mas
Paulo, ao responder aos Coríntios, não fez nenhuma referência ao Concilio.
Ele desejava que os convertidos fossem guiados pelo amor cristão, e não pelas
decisões da igreja-mãe. O alimento não tinha nenhuma importância religiosa;
o que importava era como sua ingestão afetaria a consciência de um irmão mais
fraco ou menos esclarecido.54
Não há razão para acreditarmos que, em princípio, Pedro discordasse de
Paulo, contudo, não seria estranho se a facção que reivindicava sua liderança
insistisse que a resolução tomada em Jerusalém fosse aceita como lei.55
Não podemos afirmar com certeza se Pedro era um dos “superapóstolos”
cujo prestígio era tão importante para as pessoas que mais tarde visitaram a
igreja de Corinto (2Co 11.5; 12.11) e cujo status, asseveravam, era tão mais
elevado que os de Paulo a ponto de, em comparação, torná-lo insignificante.
Esses mesmos visitantes pregaram uma versão não-paulina do cristianismo ou
uma perversão, como Paulo a considerou, chegando a acusar os pregadores de
“falsos apóstolos” (2Co 11.13). Mesmo que Pedro estivesse entre os
“superapóstolos” para cuja autoridade apelaram, ele não pode ser
responsabilizado pelo “evangelho diferente” que foi pregado (2Co 11.4).
Qualquer paulinista (e devo me incluir na categoria) é sempre tentado a
subestimar Pedro. Por exemplo, quando A. S. Peake, em 1928, fez seu discurso
presidencial, diante da assembleia do Concilio Nacional da Igreja Evangélica
Livre, sobre “A reunião das Igrejas Cristãs”, ele se referiu assim às reuniões do
Vaticano: “Não tenho a intenção de roubar de Pedro para dar a Paulo (na
verdade Pedro não possuía tanto assim), mas também não vou roubar de Paulo
para dar a Pedro”.56 O parêntese — “na verdade Pedro não possuía tanto
assim” —, sem dúvida, saiu, de maneira natural, dos lábios de um paulinista
fanático como Peake. No entanto, mesmo que o Vaticano fosse o alvo de suas
palavras, elas podem ter sido injustas com o Pedro histórico.
Quase no final de seu livro Unity and diversity in the New Testament [Unidade e
diversidade no Novo Testamento], o doutor J. D. Dunn faz um tributo
impressionante a Pedro. Ao observar a diversidade dentro no cânon do Novo
Testamento, ele vê a compilação do cânon como um exercício de ligação e
sugere que “Pedro tornou-se o foco de unidade da notável igreja, uma vez que
provavelmente Pedro foi, de fato e de verdade, o conciliador que mais trabalhou para
manter a unidade em meio à diversidade do cristianismo do século UT Dunn pensa que
aos olhos de muitos cristãos da época, Paulo e Tiago estavam sobremaneira
identificados com esse e aquele extremo ideológico para desempenhar o papel
que Pedro desempenhou. Os bem ponderados escritos de Dunn elevaram meu
conceito sobre a contribuição de Pedro à igreja do século I, sem jamais diminuir
meu apreço à contribuição de Paulo.

Antioquia, Corinto e Roma

O nome de Pedro está especialmente ligado a três cidades do mundo


mediterrâneo. Antioquia e Corinto que já foram mencionadas; a terceira é
Roma.
Pedro não esteve diretamente ligado ao início das igrejas de nenhuma dessas
cidades, no entanto, seu prestígio era tão grande que as três igrejas o
reivindicavam como seu apóstolo fundador — em parceria com Paulo.
Desse modo, a Apostolic constitutions [Constituição apostólica], do século IV,
afirma que os dois primeiros bispos pós- apostólicos de Antioquia foram
Euodous, ordenado por Pedro, e depois Ignácio, ordenado por Paulo.58 As
duas ordenações não têm base histórica, todavia, refletem o desejo da igreja de
Antioquia de se beneficiar ao máximo dos dois apóstolos que, por um período
maior ou menor, trabalharam com ela logo em seu início.
Mais notável ainda, é que Dionísio, bispo de Corinto, ao escrever ao bispo
de Roma, por volta de 170 d. C., refere- se à alegação que a igreja daquela cidade
poderia ter sido fundada por Pedro e Paulo; Dionísio faz reivindicação similar
para sua própria igreja: “Pois ambos ensinaram juntos em nossa Corinto e
foram nossos fundadores”.59 Com certeza, Paulo teria negado qualquer
participação como fundador da igreja de Roma, pois a reconheceu como
“alicerce de outro”60 (Rm 15.20). Desafia a imaginação de qualquer um, o que
Paulo teria pensado da insinuação —, além de tudo, feita por um bispo de
Corinto — de que Pedro foi seu cooperador na fundação da igreja de Corinto!
Em relação à associação de Pedro com a igreja de Roma, essa não foi apenas
uma reivindicação do primórdio cristão daquela cidade, mas também admitida
por líderes religiosos de todo o mundo cristão. No Novo Testamento o fato se
reflete na saudação da igreja, aos leitores de 1 Pedro (literalmente “dela”), “que
está em Babilônia, também eleita” (5.13) — se Babilônia, como bem
provavelmente é, for um codinome para Roma.61
Parece que o evangelho encontrou lugar em Roma antes que, por volta de
49 d. C., o decreto de Cláudio expulsasse os judeus da cidade. Aparentemente,
Priscila e Áquila, amigos de Paulo, já eram cristãos quando, no ano seguinte à
expulsão, o conheceram em Corinto. A época da morte de Cláudio, em 54. d.
C., o decreto de expulsão já deixara de ter efeito: os judeus se tornaram tão
numerosos em Roma como jamais haviam sido. A comunidade cristã em Roma
— composta de judeus, gentios e (provavelmente) de grupos mistos que se
reuniam em lares-igrejas — era grande e próspera quando, em 57 d. C., recebeu
a carta de Paulo.
Uma visita de Pedro a Roma (talvez, acompanhado de Marcos) teria dado
novo ímpeto ao cristianismo na capital em seu recomeço, após o edital de
expulsão. Não temos nenhuma evidência, mas tal visita tem sido postulada por
vários estudiosos em bases independentes. Por exemplo, em 1913, o
palestrante convidado da Universidade de Bampton, argumentou que a breve
visita de Pedro a Corinto (insinuada em 1 Coríntios) se deu a caminho de
Roma, onde ele ajudaria na reconstrução da igreja, depois de saber da morte de
Cláudio, em outubro de 54. d. C.62 T. W. Manson, após examinar a antiga
testimonia, que deu origem ao Evangelho de Marcos, interpretou-as da seguinte
maneira:
Se Pedro tivesse visitado Roma, entre 55 e 60; se Marcos tivesse sido seu
intérprete na ocasião; e se depois que Pedro tivesse deixado a cidade, Marcos
— a pedido dos ouvintes romanos — tivesse levado em mãos um relatório do
que Pedro havia dito, então todos os pontos essenciais das evidências estariam
preenchidos.63
Eu prefiro ligar a composição do Evangelho de Marcos à perseguição dos
cristãos, em Roma, logo após o grande incêndio, em julho de 64. d. C. 64 Essa
perseguição fornece um cenário apropriado para um evento realmente
indubitável da associação de Pedro com Roma: sua morte naquela cidade.
Esse acontecimento pode ser chamado de indubitável porque, nas palavras de
Hans Lietzmann:
Todas as fontes primárias, por volta do ano 100, tornam-se claras e bem
inteligíveis, além de concordarem em teor histórico e entre si, caso aceitemos
o que nos sugerem abertamente — ou seja, que Pedro ficou em Roma e ali foi
martirizado. Qualquer outra hipótese a respeito da morte de Pedro acumula
dificuldades e não é fundamentada por nenhum documento.65
A alegação de que Pedro e Paulo fundaram juntos a igreja de Roma —
testificada, como vimos, por Dionísio de Corinto — é anterior à linhagem de
sucessão dos bispos de Roma que remonta a eles, a qual é primeiramente
atestada em Ireneu, mas pode ser mais antiga ainda, partindo de Hegesippus.66
De maneira estrita, Pedro foi tão fundador da igreja de Roma quanto Paulo,
mas fosse em Roma ou outro lugar, qualquer apóstolo que estivesse ligado ao
início de uma igreja inevitavelmente seria considerado seu fundador.
A construção da basílica de São Pedro, por Constantino, nas colinas do
Vaticano, baseou-se na crença de que Pedro foi enterrado ali, crença esta que
data de pelo menos 180 d. C., quando Gaio, presbítero de Roma, afirmou que
poderia indicar o “troféu” ou monumento funerário de Pedro na referida
colina.67 Na verdade, o monumento referido por Gaio pode muito bem ter sido
descoberto durante as escavações sob a basílica de São Pedro, em 1941 — uma
simples edícula composta de três nichos que aparentemente serviu de base para
Constantino construir a basílica. Se, como aparenta ser, o monumento foi
construído na mesma ocasião do pequeno canal que o circunda, a obra pode
ter acontecido na época de Marco Aurélio, cujo nome foi estampado em vários
tijolos do canal — talvez, antes de sua ascensão ao principado no
ano 161 d. C., uma vez que ele era chamado de César, e não de Augusto.68
Um outro suposto local do sepulcro de Pedro (junto ao de Paulo) perto do
Memória Apostolorum ad Catacumbas, na via Apia, não deve passar despercebido.69
Não há como discutirmos aqui as respectivas reivindicações dos dois lugares,
no entanto, mesmo na rivalidade, eles se unem para confirmar a antiguidade da
tradição da morte e sepultamento de Pedro em Roma.
“Sobre esta pedra”
Quando Pedro foi aclamado ‘A Pedra”, não se sabia ao certo que tipo de
pedra ele provaria ser. Um oráculo, no livro de Isaías, sugere que a mesma
pedra que ofereceria refúgio seguro em tempos de enchente também seria uma
pedra de tropeço e queda para quem fosse jogado contra ela (Is 8.14). Assim,
no mesmo contexto, o primeiro evangelista mostra Jesus dizendo a Pedro:
“Sobre esta pedra construirei minha igreja”, e: “Você é um obstáculo
(skandalori) no meu caminho” (Mt 16.18, 23). Pedro tinha a capacidade de ser
tanto uma pedra de tropeço quanto uma pedra fundamental.7" Graças à
intercessão do Mestre a seu favor em uma hora crítica, Pedro fortaleceu seus
irmãos e tornou-se uma rocha de estabilidade e um ponto de união.
Notas

1. Cf. Mt 10.1s; Mc 3.14; Lc 6.13; João 6.67, 70.


2. Uma vez em Mateus (10.2); pelo menos uma vez em Marcos (6.30); repetidamente
em Lucas-Atos; nunca em João (ànóoroÀoç em Jo 13.16, tem o sentido geral de “o que é
enviado”).
3. Para um estudo mais atualizado do termo hebraico, veja C. K. Barrett, “Shaliah and
Apostle”, em Donun gentilicium: New Testament studies in honour of Daniel Daube, ed. E.
Bammel, C. K. Barrett e W. D. Davies (Oxford, 1978), pp. 88-102.
4. A única exceção é a dupla referência a Paulo e Barnabé como àiTÓOToXoL em At
14.4,14, talvez em referência ao fato de eles terem sido enviados pela igreja de Antioquia
(At 13.3s).
5. Tais passos não foram tomados quando Tiago, filho de Zebedeu, foi executado (At
12.2). Por ter sido fiel até a morte, o legado apostólico de Tiago alcançou gerações futuras,
e o de Judas, por causa de sua traição, obviamente não teve o mesmo fim.
6. Para estudar os vários retratos de Pedro nos quatro evangelhos, leia R. E. Brown,
K. P. Donfried, J. Reumann (ed.), Peter in the New Testament, (Nova York,1973), pp. 57-147,
7. Simeão em Atos 15.14 (veja p. 41, nota 49); 2Pe 1.1. (Supewv llérpoç).
8. Mais sobre essa sugestão em The Messiah Jesus and John the Baptist, R. Eisler, (Londres,
1931), pp. 252. O batyônín ou bityônin (termo emprestado do acadiano), eram bandidos ou
terroristas; de acordo com TB Gittin 56 a, eles tomaram o controle do templo durante a
primeira revolta judaica contra Roma, sob a liderança de um Abba Siqera.
9.0 narrador acrescenta: “que significa Pedro” (Ilérpoç). O termo grego comum
equivalente ao aramaico kêpha poderia ser o feminino trérpa, mas quando um homem o
recebe como nome, a forma masculina trérpoç tem de ser usada.
9. Cf. J. A. Fitzmyer, “Aramaic Kepha’ and Peter’s name in The New Testament”, em
T<?x/ and interpretation: studies in the New Testament presented to Matthew black, ed. E. Best e
R. McL. Wilson (Cambridge, 1979), pp. 121-132.
10. Cf. E. G. Kraeling, The brooklyn Museum papyri (New Haven, 1953), p. 227 (texto 8,
linha 10).
11. B. H. Streeter, The primitive church (Londres, 1929), p. 3.
12. Cf Mt 28.16-20; Lc 22.28-30; 24.44-49; Jo 17.18; 20.21-23. Veja p. 40 com n. 40.
13. Ou ele quis refutar a insistência de Marcião sobre o apostolado solitário de Paulo
ou quis negar a posição canônica dos volumes dos “Atos” apostólicos que começavam a
proliferar na segunda metade do século II.
14. Realmente essa é uma possível interpretação de seu duplo título grego anartro
(usado sem o artigo): npcdjeiç ’AITOOTÓÀCOV.
15. Veja p. 37, n.4.
16. Cf. G. D. Kilpatrick, Galatians 1.18 'lOTOpfjoaL Kr)<|)âv,” em New Testament
essays ... in memory of T.W. Manson, ed. A. J. B. Higgins (Manchester, 1959), pp. 144-149, e
também comentários em Gálatas ad loc.
17. Gálatas 1.11-17.
18. De acordo com At 9.27, Barnabé foi o primeiro a contar aos apóstolos como Paulo
havia visto e ouvido o Senhor.
19. Tiago irmão do Senhor; veja p. 81 s.
21.0 relato da negação de Pedro é atribuído a uma tradição anti- Pedro escrito por G.
Klein Die Verleugnung des Petrus, ZTK 58 (1961), pp. 285-328, reimpresso em Pekonstruktion
und interpretation (Munique, 1969), pp.48-49. E. Linnemann, criticando a tese de Klein, trata
a história como uma individualização da negação de todos os discípulos, Die Verleugnung
des Petrus, ZTK 63 (1966), pp. 1-32, reimpresso em Studien -yurPassionsgeschichte (Gottingen,
1970), pp. 70-108. Klein defende sua tese contra ela quase ao final de Die berufung des Petrus,
ZNW7 58 (1967), pp. 1-44, reimpresso em Rekonstruktion und Interpretation, pp. 11-48.
22. Esse tema é abordado na exortação aos colegas anciãos em lPe 5.1-4.
23. Cf. G. W H. Lampe, “St. Peter’s Denial”, BJRL 55 (1972- 73).pp. 346-368.
24. Cf. M. Schneckenburger, Ueber den Zweck der Apostelgeschichte (Berna, 1841), pp.52-
55; R. B. Rackham, The Acts of the Apostles (Londres, 1901), pp xlvii-xlix.
25. A. Harnack, Tfoyfrfr of the Apostles, E. T. (Londres, 1909), pp. 179-195; cf. J.
Dupont, The sources of Acts, E. T. (Londres, 1964), pp. 33.61.
26. O relato lucano do confronto entre Pedro e Simão, o Mágico (At 8.18-24) apresenta
um arquétipo às descrições posteriores de confrontações entre os dois, conforme ^4dr of
Peter (4s.) e Pseudo-Clementines (Recognitions 1:72s.; Homilies 16.1s). Veja pp. 109s com nn.
54, 56, 58.
27. Veja p. 51 s.
28. Cf. Mishnah, seção Bikkurim 3:4; Sotah 7:8.
29. Veja p. 49s. Seja qual for a inferência de Lucas, Paulo não faz distinções ao relatar
como ele “perseguiu a igreja” (ICo 5.9; G1 1.13; Fp 3.6.).
30. Veja pp.80, 82.
31. Cf. G. Ogg, The chronology of the life of Paul (Londres, 1968), p. 56s., sobre a idéia
(preferivelmente, igual a minha) de que são catorze anos após sua conversão.
32. Veja p. 22 com n.7. Provavelmente é apenas coincidência o fato de que na
seqüência tradicional das epístolas católicas, as de Tiago, Pedro e João apareçam nessa
ordem.
33. Cf. C. K. Barrett, “Paul and the ‘pillar’ aposdes”, em Studia Paulina in honorem J. de
Zwaan, ed. J. N. Sevenster e W C. van Unnik (Haarlem, 1953), pp. 1-19.
34. Cf E. Dinkier, “Der Brief an die Galater”, em Uerkiindigung and Forschung (1953-55).
p.l82s.; “Die Petrus-Rom-Frage”, Theologische liundschau 25 (1959), p.198.
35. Cf. G. Klein, “Galater 2, 6-9 und die Geschichte der Jerusalemer Ungermeinde”,
ZTK 57 (I960), pp. 275-295, reimpresso cm Rekonstruktion und Interpretation, pp. 99-128.
36. Até mesmo entre Paulo e aqueles contra quem ele polemizou cm Gálatas, afirma
J. D. Dunn, “o que se discutia...não era a fórmula tradicional do evangelho, mas a
interpretação de Paulo a respeito dele” (Unity and diversity in the New Testament [Londres, 1977],
p. 66) — não os fundamentos, mas os termos sobre os quais sua eficácia salvadora deveria
ser recebida. Veja também G. Howar, Paul: crisis in Galatia (Cambridge, 1979), pp. 20-45.
37. W Schmithals concorda que Paulo tenha se esforçado para estabelecer contato com
os cristãos em todos os lugares, mas nega que ele tenha pregado em sinagogas com essa
intenção. Relatos de seu ministério em sinagogas são interpretações puramente lucanas
(Paul and James, E. T. [Londres, 1965], p.60s).
38. Cf. C. J. Hemer, “The Address of 1 Peter”, The Expository Times 89 (1977-78), pp.
239-243.
39. A carta inclui uma exortação sobre o viver cristão em uma sociedade pagã;
exortação apropriada aos novos convertidos por ocasião de seu batismo (1.3-4.11), seguida
de encorajamento diante de perseguições (4.12-5.11). Anteriormente, o sofrimento por
causa da justiça é mencionado como contingência remota (3.13). Na última parte, o
sofrimento por causa da fé cristã é uma certeza iminente (4.16); um cenário apropriado
seria a erupção da perseguição romana aos cristãos em 64/65 d. C., quando se esperava
que os “mesmos sofrimentos” seriam “experimentados por todos os irmãos do mundo”
(5.9). A carta é enviada em nome de Pedro (1.1), pelas mãos de Silvano (5.12).
40. Isso foi reconhecido por defensores da ortodoxia, tais como Sir Robert Anderson.
A respeito de Mateus 28.19, ele escreveu: “O fato de que a comissão ali registrada
permaneceu sem efeito é erroneamente usado para desacreditar a autenticidade das
palavras. Que a comissão não tenha sido cumprida pelos apóstolos é fato claro a quem
estuda o livro de Atos”. (The Buddha of Christendom [Londres 1899], p. 270). Ele previu o
cumprimento da comissão em dias futuros. (Veja p. 38, n.13).
41. Uma variante de rtua, “ alguém” (P^ etc.) para rtva “algumas pessoas”, é mais bem
explicada como “o resultado do descuido do escriba” (B. M. Metzger, A textual commentary
on the Greek New Testament [Londres/Nova York, 1971], p 592).
42. Cf. T. W. Manson, “The Problem of the Epistle to the Galatians”, BJRL 24 (1940),
pp. 69-72, reimpresso em Studies in the gospels and epistles (Manchester, 1962), pp. 178-181.
43. Josephus, Ant. 20.102.
44. Cf. R. Jewett, “The Agitators and Galatian Congregation”, NETS 17 (1970-71),
pp.198-212.
45. Against Marcion 1.20.
46. Against Marcion 4.3.
47. Cf. D. W. B. Robinson, “The circuncision of Titus and Paul’s ‘liberty’”, Australian
Biblical Review 12 (1964), p. 40s; D. R. Catchpole, “Paul, James and the Apostolic Decree”,
NTS 23 (1976-77), p. 442s. Ao enfatizar que Paulo não fez nenhuma crítica a Tiago em
G1 2.11 s, G. Howard arrisca a conjectura de “que Tiago entendeu mais claramente o
evangelho de Paulo do que Pedro e, na verdade, concordava mais com a teologia de Paulo
do que Pedro” {Paul: Crisis in Galacia, p. 79).
48. Veja p. 41, n.55.
49. O próprio Paulo dificilmente teria defendido a liberdade do evangelho de maneira
mais convincente do que Pedro o fez em Atos 15.7-11. Pedro descreve como “tentação a
Deus” a imposição sobre os gentios convertidos de condições não exigidas por Deus —
linguagem semelhante à usada no episódio de Ananias e Safira (At 5.9). A afirmação de
que o discurso de Pedro influenciou a decisão do conselho seria invalidada se do versículo
13 em diante Lucas estiver se baseando em uma fonte que descreve uma reunião posterior
(com o versículo 12 suprindo a transição entre as duas fontes), uma vez que a reunião
descrita nos versículos 6-11 é a mesma de Gálatas 2.1-10. Não consigo identificar a reunião
de Atos 15.6-11 como a mesma de Gálatas 2.1-10; para começar, elas foram motivadas
por dois assuntos diferentes. Veja p.107, n.31.
50. K. Lake, The earlier epistles of St. Paul (Londres, 21914), p. 116.
51. O decreto é proposto por Tiago, em At 15.20, e exprimido na carta apostólica, em
Atos 15.28s (veja p. 106 com n. 12). Paulo, em At 21.25, é informado (relembrado?) sobre
ele, ao fazer sua última visita a Jerusalém (veja p. 95).
52. M. Hengel, Victory over violence, E. T. (Londres, 1975), p. 87.
53. ICo 3.5s; At 18.27s; veja p. 65s.
54. ICo 8.1-12; 10.14-33 (cf. Rm 14.1-15.3).
55. Cf. C. K. Barrett, “Things Sacrificed to Idols”, NTS11 (1964- 65), pp.138-153,
especialmente p.l49s.
56. A. S. Peake, Plain thoughts on great subjects (Londres, 1931), p. 43s.
57. J. D. G. Dunn, Unity and diversity in the New Testament (Londres, 1977), p. 385. O
papel de ligação representado pelo cânon é ilustrado pelo fato de que em 2Pedro,
geralmente considerado o último documento do cânon, Pedro aparece como testemunha
pessoal da manifestação divina de Jesus como o Filho de Deus (1.16-18) e “como uma
autoridade que pode rever interpretações difíceis de Paulo (3.14-
16) ” (R. E. Brown, etc., Peter in theNew Testament [Nova York, 1973], p.
17) . Sobre Pedro, veja também F. J. Foakes-Jacson, Peter:prince of apostles (Londres, 1927) e
O. Cullmann, Peler: disciple — apostle — martyr, E. T. (Londres, 21962).
58. Apostolic constitutions 7.46.
59. Eusébio, Hist. Eccl. 2.25.8.
60. O termo èrr' àÀÀÓrptov OcpéÀiov não significa necessariamente que Paulo tinha
alguém específico em mente como o “outro homem”.
61. Vários fatores descartam a Babilônia, localizada no Eufrates. Alguns já
argumentaram a favor de uma base militar romana na Babilônia, no rio Nilo (antigo Cairo);
cf. G. T. Manley, “Babylon on the Nile”, Eg 16 (1944), pp. 138-146.
62. G. Edmundson, The church in Rome in the first century (Londres, 1913), pp. 80,84.
Supostamente a primeira igreja de Roma praticamente desapareceu devido à expulsão
imposta aos judeus por Cláudio, em cerca de 49. d. C. (veja p. 61).
63. “The Foundation of the Synotic Tradition: (2) The Gospel of Mark”, BJRL (1944),
pp. 119-136 (especialmente p.131), reimpresso em Studies of the gospels and epistles
(Manchester, 1962), pp. 38-45 (especialmente p. 40).
64. Cf. C. H. Dodd, About the gospels (Cambridge, 1950), p.ls.; F. F. Bruce, “The Date
and Character of Mark”, em Jesus and the politics of his days, ed. E. Bammel (Cambridge).
65. Petrus und Paulus in Rom (Berlim, T927), p. 238.
66. Ireneu, Against heresies 3.3.1-3; para Hegesippus veja Eusébio, Hist. Eccl., 4.22.3.
67. Eusébio, Hist. Eccl. 3.25.7.
68. Cf. J. M. C. Toynbee e J. B. Ward-Perkins, The shrine of St. Peter and the Vatican
excavations (Londres, 1956); E. Kirschbaum, The Tombs of St Peter and St. Paul, E. T.
(Londres, 1959); G. F. Snyder, “Survey and ‘new’ thesis on the bones of Peter”, The
BiblicalArchaelogist 32 (1969), pp. 2-24.
69. Veja H. Chadwick, “St. Peter and St. Paul in Rome: the problem of the Memória
Apostolorum ad Catacumbas”, JTS n.s. 8 (1957), pp. 31.52.
70. Cf. O. Cullmann, “L’Apotre Pierre instrument du diable et instrument de Dieu; la
place de Mt 16.16-19 dans la tradition primitive”, em New Testament Essays... in memory of T.
W. Manson, ed. A. J. B. I liggins (Manchester, 1959), pp. 94-105.
Capítulo 2
Estêvão e outros helênicos
Helênicos na igreja de Jerusalém

A comunidade cristã, quase desde seu início, era formada de dois grupos,
descritos por Lucas como hebreus e helênicos. Lucas os apresenta
abruptamente em Atos 6.1, sem explicar quem eram eles, talvez por achar que
seus leitores estivessem familiarizados com os termos. A narrativa que começa
em Atos 6.1 mostra claramente que Lucas está se baseando em uma nova fonte;
ele passa da seção anterior a esta por meio de uma forma transicional:
“Naqueles dias, crescendo o número de discípulos...”. Pode ser que Lucas
esteja reproduzindo a terminologia de sua fonte.
Conforme Lucas, os hebreus e os helênicos da igreja de Jerusalém
começaram a discutir sobre a distribuição diária de alimento, retirado de um
fundo comum, às suas viúvas (e outras pessoas necessitadas). Em
consequência, por insistência dos apóstolos, sete homens foram escolhidos
para gerenciar a distribuição e garantir que fosse feita corretamente - septem uiri
mensis ordinandis,1 Estêvão foi um dos escolhidos. Naturalmente, essa não era a
única função deles — talvez, nem mesmo a mais importante. Todos os
escolhidos têm nomes gregos2 e provavelmente eram líderes do grupo helênico
da igreja. Esse grupo foi um dos primeiros a propagar a mensagem cristã pela
Judéia e regiões vizinhas. Mais tarde, o grupo iniciou a missão entre os gentios
e foi particularmente responsável pela fundação da igreja na Antioquia, da Síria.
A fonte helênica seguida por Lucas, em Atos 6, 7 e 8 3, à qual retorna em Atos
11.19, talvez fosse de Antioquia.
Mas, quem eram os helênicos?
Com toda probabilidade, o termo deve ser entendido dentro de um
significado cultural e especialmente linguístico: ou seja, helênicos eram judeus
que falavam grego. Os judeus de Antioquia e Alexandria e de outras partes da
diáspora ocidental, falavam grego há muitas gerações4; e mais, a presença de
judeus de fala grega na própria Palestina, desde os primórdios do reinado do
segundo Ptolomeu (285-246 a. C.), é atestada no papiro Zenon.5
Muitos judeus da Palestina eram bilíngues e falavam tanto o aramaico
quanto o grego. Como, portanto, determinar se um judeu era hebreu ou
helênico? C. F. D. Moule sugere que os helênicos eram judeus que falavam
apenas o grego; os hebreus seriam os judeus que falavam somente aramaico ou
(como Paulo e muitos outros) falavam aramaico e grego 6 (no Novo
Testamento, o termo “hebreu” é usado em sentido linguístico que inclui o
aramaico.).7 Talvez o critério decisivo fosse ser membro de uma sinagoga onde
os cultos eram realizados em hebraico, ou de uma em que o grego fosse usado
na leitura das escrituras, na recitação de orações e bênçãos e na pregação. Assim
era a sinagoga de Jerusalém, descrita em Atos 6.9 como a “sinagoga dos
Libertos” — dos judeus de Cirene e de Alexandria, bem como os das
províncias da Cilicia e da Ásia”.8 Estêvão frequentava essa sinagoga, e suas
pregações pareciam tão subversivas que ele acabou sendo condenado pelo
tribunal superior por blasfêmia, e seus companheiros helênicos que possuíam
os mesmos pontos de vista acabaram sendo dispersos.
A respeito dos sete homens escolhidos, temos algumas informações
detalhadas apenas sobre Estêvão e Filipe. De acordo com Ireneu, Nicolau, o
prosélito de Antioquia9, foi o epônimo fundador e mestre dos nicolaítas10,
condenados em duas das sete cartas do Apocalipse porque permitiam ou
praticavam “imoralidade sexual” e comiam alimentos sacrificados a ídolos (Ap
2.6,15). Esses praticamente desconhecidos nicolaítas podem ter sido
antinomianos libertinos ou pessoas que simplesmente decidiram não se sujeitar
ao decreto de Jerusalém relatado em Atos 15.28s.” Se este for o caso, eles
poderiam mesmo ser seguidores do Nicolau de Atos 6.5, porque
aparentemente o grupo a que pertenciam era caracterizado pelo afastamento
das leis e costumes judaicos tradicionais.12

Estêvão e seus ensinamentos

Estêvão, na sinagoga helênica que frequentava em Jerusalém, apresentou


uma interpretação do Caminho muito mais radical do que a mantida e ensinada
pelos doze discípulos, especialmente em relação ao templo e tudo o que ele
representava. Um debate público foi organizado para que Estêvão defendesse
sua posição com argumentos convincentes. No entanto, por mais convincentes
que fossem seus argumentos, aparentemente ameaçavam a santidade do
templo tanto quanto a validade permanente do conjunto ancestral de leis de
Israel. Estêvão afirmava que a vinda de Cristo trouxe consigo a abolição dos
costumes mosaicos e o término do culto sacrificial. Isso foi entendido como
blasfêmia contra Moisés e o próprio Deus. Essa foi a grave acusação formal
levantada contra Estêvão, diante do Sinédrio.
Quando a Judéia se tornou província romana, em 6 d. C., a pena de morte
era decisão única do governador romano;13 todavia em um aspecto —ofensas
contra a santidade do templo (por ações ou palavras) — o Sinédrio tinha
permissão de se pronunciar e executar a sentença de morte.14 É bom lembrar
que quando Jesus foi levado perante o mesmo tribunal, fez-se uma tentativa de
condená-lo sob acusação de ter falado contra o templo: “Destruirei este templo
feito por mãos humanas...” (Mc 14.57s.). Esse episódio do julgamento de Jesus
relatado por Marcos não aparece em Lucas, que normalmente omite de seu
evangelho qualquer assunto que pretenda desenvolver em Atos.
Se essa tentativa de incriminar Jesus tivesse dado certo, supostamente não
teria sido necessário levá-lo a Pilatos. Como sabemos, a tentativa falhou, mas
a acusação a Estêvão, baseada essencialmente na mesma acusação, foi mais
bem-sucedida. E não poderia de jeito nenhum ter sido diferente. Quando a
incriminação foi apresentada — “Pois o ouvimos dizer que esse Jesus, o
Nazareno, destruirá este lugar [o templo] e mudará os costumes que Moisés
nos deixou” (At 6.14; grifo do autor) — e Estêvão foi chamado a se pronun-
ciar; sua resposta veio em forma de repetição detalhada dos argumentos que
resultaram em sua acusação.
A resposta de Estêvão não é uma síntese da posição do próprio Lucas. Em
seus dois escritos, a postura de Lucas em relação ao templo é bem mais
respeitosa do que a de Estêvão.15
Os argumentos de Estêvão tomam a forma de um retrospecto da história
do povo de Deus. Em toda a história do povo judeu, a presença de Deus nunca
se restringiu a um lugar nem a um país. Deus se revelou a Abraão na
Mesopotâmia, esteve com José no Egito, deu “palavras vivas” a Moisés no
deserto do Sinai (At 7.2, 9, 38). A nação de Israel sempre foi hostil com os
mensageiros de Deus — de José a Moisés, dos apóstolos ao mais recente “o
Justo”,16 cuja vinda os profetas haviam previsto (At 7.52). A acusação de
blasfêmia contra Moisés e contra Deus partiu maldosa- mente dos
descendentes das pessoas que durante a jornada no deserto menosprezaram a
liderança de Moisés e substituíram a adoração ao Deus verdadeiro pelo culto
aos ídolos.
Quanto ao templo, Estêvão afirma que um edifício permanente, de pedra,
não era santuário apropriado a um povo peregrino, como Israel deveria ser. O
tabernáculo móvel, dos tempos no deserto, era muito mais adequado. No
deserto, muito antes de entrarem na terra prometida, os israelitas tinham à
disposição tudo o que precisavam para render adoração verdadeira. Mesmo
depois de o povo entrar na terra santa, o “tabernáculo da aliança”, feito de
acordo com o padrão divino,17 continuou a preencher os requerimentos
exigidos para que os israelitas adorassem ao Deus de seus pais, até que
“Salomão lhe construiu uma casa” (At 7.44-47). A atitude de Salomão é
diminuída: “Todavia, o Altíssimo não habita em casas feitas por homens” (At
7.48). Portanto, anunciar a substituição ou destruição do templo não era
blasfemar nem cometer sacrilégio contra Deus, porque Deus não dependia de
templo nenhum.
Os argumentos de Estêvão não foram aceitos; sua “defesa” apenas
confirmou as acusações feitas contra ele e, portanto, de acordo com a lei judaica
a respeito de blasfêmia, ele foi condenado à morte por apedrejamento.18
Não encontramos nada tão extremo em todo o Novo Testamento. Era de
conhecimento geral entre a maioria dos cristãos do século I (e, na verdade, eles
poderiam citar as palavras de Jesus como um precedente)19 que o sistema
religioso em torno do templo havia agora sido substituído por algo melhor —
um templo espiritual com sacerdócio e sacrifícios espirituais.20 Todavia, a ideia
de que o templo foi um erro desde o começo não tem paralelo no Novo Testa-
mento. O que temos de mais parecido com a abordagem de Estêvão, no que
diz respeito aos escritos do Novo Testamento, é a carta aos Hebreus, mas seu
escritor simplesmente ignora o templo e extrai sua analogia da descrição
literária do tabernáculo e seus cultos no deserto.21
Alguns tentaram descobrir analogias em relação à posição de Estevão entre
os samaritanos22, a comunidade Qumran23 e os ebionitas.24 Os samaritanos,
porém, em princípio, não eram contra o templo: eles faziam objeção ao templo
de Jerusalém porque acreditavam que o monte sagrado Gerizim era o local
divinamente indicado para o santuário do Deus de Israel.25 Os homens de
Qumran evitaram o templo de Jerusalém enquanto era dirigido por um sumo
sacerdócio que acreditavam ser ilegítimo; todavia, esperavam o retorno de
sacrifícios aceitáveis apresentados por sacerdotes dignos em um templo
purificado — mesmo que, naquele momento, a própria comunidade Qumran
servisse como santuário espiritual e seu conselho superior funcionasse como o
“Santo dos Santos”.26 A atitude negativista dos ebionitas em relação ao templo
provavelmente era uma racionalização de sua destruição em 70 d. C. Enquanto
o templo permaneceu em pé, Tiago, o Justo, cuja memória era reverenciada,
durante toda sua vida, frequentou-o com assiduidade.27
O melhor é considerar o discurso de Estêvão como um manifesto do grupo
que liderava — um grupo de helênicos que se distinguia de outros judeus
helênicos por acreditar que Jesus era o Messias ou Filho de Deus e que, ao
mesmo tempo, se diferenciavam dos outros crentes em Cristo por sua posição
extrema em relação aos costumes ancestrais e à devoção ao templo. Essa
posição extrema, cujo precedente pode ser encontrado em alguns dos grandes
profetas de Israel, não desapareceu com a morte de Estêvão; encontraremos
uma testemunha futura em um documento do cristianismo de Alexandria — a
Carta de Barnabé.28
Se os que mantinham essa postura extrema eram chamados de helênicos por
seus irmãos mais conservadores, o termo, no sentido de “helenizadores”, com
significado depreciativo (como Marcel Simon sugere),29 poderia ter uma nuança
teológica, como também cultural e linguística.
Rudolf Bultmann, defendendo a ideia de que o querigma inicial foi
transmitido a Paulo por meio de congregações helênicas cristãs, dedicou o
terceiro capítulo (com mais de cem páginas) de sua obra Theology of the New
Testament [Teologia do Novo Testament], à discussão do querigma do cristianismo
helênico, em todas suas variedades, por meio de um preâmbulo à sua longa
exposição da teologia de Paulo (em contraste com meras trinta páginas
dedicadas à mensagem de Jesus).30 Se houvesse mesmo tantas informações
disponíveis sobre o cristianismo helênico pré-paulino quanto a atenção que
Bultmann lhe atribui, isso pode nos sugerir, que deveríamos nos parabenizar;
porém, temo que T. W Manson estivesse certo ao descrever essas mais de cem
páginas como “ocupadas com um relato imaginário sobre a teologia das
anônimas e quase desconhecidas ‘Comunidades Helênicas’”.31

A Dispersão Helênica

Conforme Lucas, a execução de Estêvão foi um sinal para o início da


campanha repressora contra os discípulos de Jesus, em Jerusalém e Judéia. Um
estudo cuidadoso do relato de Lucas dá a entender que os helênicos foram
escolhidos como vítimas principais dos ataques — o que não causa surpresa,
porque o público não associaria os frequentadores assíduos do templo, como
os doze e seus seguidores, com um grupo que se colocava contra o templo. Se,
além disso, os helênicos pregavam um evangelho livre da lei, eles se tornavam
ainda mais desprezíveis aos defensores da lei de Moisés. Os doze e seus
seguidores (para não mencionar as pessoas que dentro de alguns anos fariam
de Tiago, o Justo, seu líder natural) talvez estivessem ansiosos para manter
distância de um grupo tão subversivo.
Um dos resultados da campanha de repressão foi que a igreja de Jerusalém
se tornou predominantemente “hebraica”, com algumas poucas exceções
como Barnabé, o cipriota, e um homem de Chipre, chamado Mnasom, um dos
fundadores da referida igreja e que, vinte e cinco anos mais tarde, continuava
residindo na cidade (At 21.16). Outro resultado, e bem mais importante, foi
que os helênicos dispersos levaram o evangelho a regiões bem distantes — tão
ao norte quanto Antioquia e provavelmente tão ao sul e sudoeste quanto Ale-
xandria e Cirenaica.
Filipe, que depois da morte de Estêvão, evidentemente, se tornou líder dos
sete, iniciou um trabalho missionário em Samaria. Os helênicos e os
samaritanos não devem ser comparados uns com os outros, mas a pregação de
Filipe agradava a muitos de seus ouvintes samaritanos. Ele até mesmo atraiu
para si o líder místico samaritano Simão — Simão, o Mago, de tradição cristã
— possivelmente acompanhado de seus seguidores.
Arnold Ehrhardt descobriu, nos registros sobre a ligação de Simão com
Filipe (At 8.12s.), evidências da incorporação de uma seita gnóstica na
comunhão do evangelho no pré-cristianismo.32 Com certeza, o dr Ehrardt
achou que a pregação de Filipe era falha em comparação aos padrões de Jerusa-
lém, pois ele não ensinava a recepção do Espírito Santo no batismo. Isso era
uma inferência do fato de que, embora os samaritanos convertidos com a
pregação de Filipe, inclusive Simão, tivessem sido “batizados em nome de
Jesus” (At 8.16), eles não receberam o Espírito Santo até que Pedro e João,
representantes dos doze, viessem de Jerusalém e impusessem as mãos sobre
eles.33 Mas, na verdade, Lucas não supôs que a pregação de Filipe, ou dos sete
em geral, fosse incompleta como o dr. Ehrhardt considerou. De qualquer
modo, Lucas considera todos os sete discípulos homens cheios do Espírito,
mas principalmente Estêvão (At 6.3, 5).
Em relação a Simão, o Mago, embora não tenha tido dificuldade em aderir
à pregação de Filipe, ele foi repudiado por Pedro e João e pelos sucessores
apostólicos das gerações futuras. Na literatura cristã posterior, Simão figura
como o pai de todas as heresias e como um espinho na carne dos apóstolos,
principalmente na de Pedro. É difícil saber qual era precisamente a natureza do
ensino de Simão, que atraía uma multidão de devotos que o aclamavam “o
poder divino conhecido como Grande Poder” — ou possivelmente “o
revelador do poder divino”.34 Aparentemente, ele deve ter, ao menos, ensinado
“um plano sincretista enxertado com alguns elementos cristãos” 35 — quem
sabe uma forma incipiente de gnosticismo. Parece, no entanto, que a pregação
de Filipe (e podemos supor, que também a de alguns de seus colegas helênicos)
era mais abrangente do que a dos doze. O cristianismo do século I era mais
diversificado do que comumente se pensa.
Filipe, no relato de Lucas, mudou-se de Samaria para Gaza, cidade vizinha,
onde efetivamente ele “falou de Jesus” a um oficial etíope de Meroe, em Núbia,
homem temente a Deus, que retornava para casa depois de uma peregrinação
a Jerusalém (At 8.26-39). A seguir, Filipe rumou para o norte na estrada costeira
até chegar a Cesaréia (At 8.40), e é ali que, vinte anos mais tarde, o encontramos
com suas quatro filhas profetizas (At 21.8s.). Parece que Cesaréia tornou-se o
centro judaico mais importante do cristianismo helênico, pelo menos até
surgirem as dificuldades do ano 66 d. C., quando alguns dos líderes cristãos de
lá emigraram para a província da Ásia.36
A igreja de Antioquia

A fonte antioquense usada por Lucas àquela época volta sua atenção para a
Antioquia, da Síria, que foi evangelizada por refugiados desconhecidos que
fugiram da Judéia durante a perseguição, que se seguiu à morte de Estêvão. De
acordo com Lucas, eles, tão logo chegaram a Antioquia, pregaram o evangelho
apenas a seus companheiros helênicos — judeus de fala grega como eles
mesmos — porém, alguns deles, cujas raízes estavam em Chipre e Cirene,
passaram a contar a história também aos pagãos de fala grega.37 Dessa maneira,
começou em larga escala a missão direcionada aos gentios. O desenvolvimento
em Antioquia pode muito bem ter sido paralelo ao de outros lugares, dos quais
não temos relatos.
Em Antioquia, no entanto, alguns segmentos do cristianismo primitivo se
encontraram. Barnabé, o Cipriota, que gozava da confiança dos líderes de
Jerusalém, foi enviado por estes para supervisionar e dirigir o avanço do
cristianismo em Antioquia; logo depois, Paulo, vindo de Tarso, juntou- se a ele;
mais tarde, Pedro também visitou a Antioquia. Assim, a Antioquia tornou-se
um centro a partir do qual várias interpretações do cristianismo irradiou-se para
várias direções do mundo gentílico. C. K. Barrett chama atenção para pelo
menos três segmentos do cristianismo gentílico, que Atos nos ajuda a
distinguir: um está ligado a Estêvão e seus colegas helênicos; outro tem Pedro
como líder e, por fim, é claro, “a radical (melhor dizendo, o convertido
conservador) missão do próprio Paulo”. Quando, junto com a queda de
Jerusalém no ano 70 d. C., o “cristianismo gentílico teve que caminhar
sozinho”, tornou-se necessário que os grupos competidores “chegassem a um
acordo entre si”. Atos dos Apóstolos, de acordo com o professor Barrett, pode
ser mais bem compreendido como “um monumento desse processo”.38 Por
enquanto, é importante notar que todos esses três segmentos existiam
anteriormente em Antioquia.

A Carta de “Barnabé”

O que aconteceu em Antioquia, sem dúvida, em maior ou menor grau,


aconteceu também em Alexandria, do Egito, mas, infelizmente, a
documentação sobre o início histórico do cristianismo de Alexandria é
praticamente inexistente. Alexandria, desde sua fundação em 331. a. C., não só
era o principal centro cultural helênico, como também o lar da mais ilustre
comunidade de judeus dispersos. Alexandria, ao final do século II d. C., tornou-
se o trono do mais importante movimento intelectual do mundo cristão. No
entanto, são escassas as informações sobre o cenário em que esse movimento
recebeu seu primeiro impulso.
O cânon do Novo Testamento provavelmente inclui um documento
alexandrino se, como creio, a Carta aos Hebreus foi escrita por um cristão
alexandrino para a igreja-mãe helênica, de Roma. A epístola aos Hebreus
certamente é um documento do cristianismo helênico, da tradição geral de
Estêvão e seus companheiros, embora (como já foi dito acima) sua posição a
respeito do templo seja diferente daquela de Estêvão. Voltaremos mais tarde à
Carta aos Hebreus.39
No momento, observaremos outro documento do cristianismo helênico
que representa o radicalismo de Estêvão ao rejeitar a adoração no templo.
Trata-se da Carta de Barnabé, que por um tempo pairou à margem do cânon
do Novo Testamento, mas, felizmente, não foi bem-sucedida em conquistar
um lugar em suas páginas. Essa carta data do fim ou do começo do século II.
Embora inclua aspectos que não têm características alexandrinas, muito
provavelmente foi escrita por um alexandrino.40
O autor deplora a atitude daqueles que firmam sua esperança no santuário
físico e não no Deus seu Criador (16.1). Entre a testimonia das Escrituras que o
autor usa para sustentar seu argumento, ele dá valor especial a um versículo
que Estêvão também citou (At 7.49s.) — as palavras iniciais de Isaías 66:

O céu é o meu trono,


e a terra, o estrado de meus pés.
Que espécie de casas vocês me edificarão?
É este o meu lugar de descanso?

Ainda mais significativo é o traçado que o autor faz sobre a idolatria de


Israel em suas jornadas pelo deserto e sobre a adoração ao bezerro de ouro.
Moisés, ele afirma, desceu do monte Sinai com a lei divina em mãos para
transmiti-la ao povo, mas ao ver que estavam envolvidos em idolatria, quebrou
as tábuas, deixando-as em pedaços. “Moisés recebeu a lei, mas eles não foram
merecedores dela” (14.1-4; cf. 4.8). Estêvão, referindo-se ao mesmo incidente,
afirma que foi, nesse momento, que “Deus afastou-se deles e os entregou à
adoração dos astros” (At 7.42), e, nesse sentido, faz a pergunta retórica de
Amós 5.25: “Foi a mim que vocês trouxeram sacrifícios e ofertas durante os
quarenta anos no deserto, ó nação de Israel?” A resposta dada por Estêvão foi:
“Não, não a mim, porém a Moloque e a falsos deuses”. Nesse mesmo sentido,
a Carta de Barnabé (2.4-8) cita duas outras perguntas retóricas feitas por
profetas: “Para que me oferecem tantos sacrifícios?...” (Is 1.11), e: “Quando
tirei do Egito seus antepassados, eu lhes ordenei que me oferecessem ofertas e
sacrifícios?...” (Jr 7.22). De acordo com Hebreus, as ordenanças foram
impostas “até o tempo da nova ordem” (Hb 9.10) — ou seja, até que Cristo
viesse e completasse sua obra perfeita. No entanto, de acordo com a Carta de
Barnabé, as ordenanças nem mesmo foram divinamente instituídas; houve má
compreensão e perversão do verdadeiro ensino (alegórico) da lei do
Pentateuco, aceita e praticada pela igreja. Os rituais cumpridos pelos judeus são
um símbolo da cegueira e da desobediência deles, “desde o Egito até agora”.
O pacto divino, repudiado por Israel nos dias de Moisés, foi transferido em
seu significado real e espiritual aos cristãos.
A substituição de Israel pela igreja é comum entre os primeiros escritores
cristãos, mas poucos o fizeram de maneira tão enfática que mesmo na era pré-
cristã as leis rituais de Israel não tinham nem mesmo um único sinal de
validade. As afinidades entre Barnabé e Estêvão podem ser explicadas em
termos da dependência que Barnabé depositava em Atos, ou a dependência de
Barnabé e Estêvão (ou Lucas) em uma coleção popular de testemonia do Antigo
Testamento. No entanto, o melhor é entender essas afinidades como alicer-
çadas em uma tradição helênica particularmente radical que brota de Estêvão
e seu grupo e que encontrou abrigo no cristianismo alexandrino inicial.41

Apoio de Alexandria

O Novo Testamento nos apresenta um notável cristão alexandrino


chamado Apoio, um judeu de Alexandria. Logo de início, percebemos que ele
conhece a história de Jesus e argumenta, alicerçado no Antigo Testamento, que
Jesus é o Messias.
Os escritos mais antigos que fazem referência a Apoio são encontrados na
primeira carta de Paulo à igreja de Corinto, escrita na primavera do ano 55 d.
C. Por meio dessa carta, entendemos que, ao fim dos dezoito meses da perma-
nência de Paulo em Corinto, tempo em que plantou e cultivou a igreja naquela
cidade, Apoio veio e continuou o trabalho que o apóstolo havia começado.
Paulo escreveu: “Eu plantei, Apoio regou, mas Deus deu o crescimento” (1 Co
3.6). Paulo não mostra a mínima desaprovação a Apolo ou seu trabalho; de seu
ponto de vista, ele e Apoio eram que Estêvão também citou (At 7.49s.) — as
palavras iniciais de Isaías 66:

O céu é o meu trono,


e a terra, o estrado de meus pés.
Que espécie de casas vocês me edificarão?
E este o meu lugar de descanso?
Ainda mais significativo é o traçado que o autor faz sobre a idolatria de
Israel em suas jornadas pelo deserto e sobre a adoração ao bezerro de ouro.
Moisés, ele afirma, desceu do monte Sinai com a lei divina em mãos para
transmiti-la ao povo, mas ao ver que estavam envolvidos em idolatria, quebrou
as tábuas, deixando-as em pedaços. “Moisés recebeu a lei, mas eles não foram
merecedores dela” (14.1-4; cf. 4.8). Estêvão, referindo-se ao mesmo incidente,
afirma que foi, nesse momento, que “Deus afastou-se deles e os entregou à
adoração dos astros” (At 7.42), e, nesse sentido, faz a pergunta retórica de
Amós 5.25: “Foi a mim que vocês trouxeram sacrifícios e ofertas durante os
quarenta anos no deserto, ó nação de Israel?” A resposta dada por Estêvão foi:
“Não, não a mim, porém a Moloque e a falsos deuses”. Nesse mesmo sentido,
a Carta de Barnabé (2.4-8) cita duas outras perguntas retóricas feitas por
profetas: “Para que me oferecem tantos sacrifícios?...” (Is 1.11), e: “Quando
tirei do Egito seus antepassados, eu lhes ordenei que me oferecessem ofertas e
sacrifícios?...” (Jr 7.22). De acordo com Hebreus, as ordenanças foram
impostas “até o tempo da nova ordem” (Hb 9.10) — ou seja, até que Cristo
viesse e completasse sua obra perfeita. No entanto, de acordo com a Carta de
Barnabé, as ordenanças nem mesmo foram divinamente instituídas; houve má
compreensão e perversão do verdadeiro ensino (alegórico) da lei do
Pentateuco, aceita e praticada pela igreja. Os rituais cumpridos pelos judeus são
um símbolo da cegueira e da desobediência deles, “desde o Egito até agora”.
O pacto divino, repudiado por Israel nos dias de Moisés, foi transferido em
seu significado real e espiritual aos cristãos.
A substituição de Israel pela igreja é comum entre os primeiros escritores
cristãos, mas poucos o fizeram de maneira tão enfática que mesmo na era pré-
cristã as leis rituais de Israel não tinham nem mesmo um único sinal de
validade. As afinidades entre Barnabé e Estêvão podem ser explicadas em
termos da dependência que Barnabé depositava em Atos, ou a dependência de
Barnabé e Estêvão (ou Lucas) em uma coleção popular de testemonia do Antigo
Testamento. No entanto, o melhor é entender essas afinidades como alicer-
çadas em uma tradição helênica particularmente radical que brota de Estêvão
e seu grupo e que encontrou abrigo no cristianismo alexandrino inicial.41
Apoio de Alexandria

O Novo Testamento nos apresenta um notável cristão alexandrino


chamado Apoio, um judeu de Alexandria. Logo de início, percebemos que ele
conhece a história de Jesus e argumenta, alicerçado no Antigo Testamento, que
Jesus é o Messias.
Os escritos mais antigos que fazem referência a Apoio são encontrados na
primeira carta de Paulo à igreja de Corinto, escrita na primavera do ano 55 d.
C. Por meio dessa carta, entendemos que, ao fim dos dezoito meses da perma-
nência de Paulo em Corinto, tempo em que plantou e cultivou a igreja naquela
cidade, Apoio veio e continuou o trabalho que o apóstolo havia começado.
Paulo escreveu: “Eu plantei, Apoio regou, mas Deus deu o crescimento” (1 Co
3.6). Paulo não mostra a mínima desaprovação a Apolo ou seu trabalho; de seu
ponto de vista, ele e Apoio eram “cooperadores de Deus” (I Co 3.9), e cada
um realizava a tarefa divina que lhe fora atribuída.
No entanto, alguns membros da igreja de Corinto, não satisfeitos em aceitar
tanto Paulo quanto Apoio como servos que Deus usou para lhes entregar a
graça celestial, tentaram reivindicar um e outro como líderes de seus grupos:
“Eu sou de Paulo”, dizia um grupo; “Eu sou de Apoio”, dizia outro (I Co 1.12).
Como dissemos anteriormente, havia ainda outra turma que afirmava pertencer
a “Cefas” (Pedro).42
Uma boa parte da primeira seção de 1 Coríntios (capítulos 1 a 4) é dedicada
à discussão contra essa manifestação de espírito partidário, e Paulo, em sua
argumentação, usa livremente seu nome e o de Apoio para ilustrar seu ponto
de vista. Ele foi cuidadoso em não se referir a Pedro mais do que o necessário
(o relacionamento entre Paulo e o líder dos doze tornara-se delicado desde a
confrontação pública em Antioquia).43 No entanto, a confiança entre ele e
Apoio era grande o bastante para que o nome dos dois fosse usado como
exemplo em benefício de seus convertidos, “para que ninguém se orgulhe a
favor de um homem em detrimento de outro” (I Co 4.6).
Essa confiança mútua é expressa novamente quase no fim da carta, quando
Paulo afirma: “Quanto ao irmão Apoio, insisti que fosse com os irmãos visitar
vocês. Ele não quis de modo nenhum ir agora, mas irá quando tiver boa
oportunidade” (I Co 16.12). Os detalhes dessa visita adiada são obscuros; na
verdade, não temos quase nenhuma certeza se foi a vontade de Deus ou sua
própria vontade que, naquela época, impediu Apoio de ir a Corinto;44 todavia,
existe uma indicação de que Paulo é Apoio haviam se encontrado
recentemente, em Éfeso (de onde o apóstolo escreveu). Embora Paulo não
estivesse muito satisfeito com alguns visitantes cristãos que apareceram em
Corinto e tentaram edificar no alicerce que ele havia estabelecido, fica óbvio
que a visita de Apoio não lhe causava nenhum aborrecimento.
A próxima referência a Apoio é feita em Atos 18.24- 19.1, que revela apenas
o contexto necessário para que tenhamos melhor compreensão das alusões que
Paulo faz a respeito dele em 1 Coríntios. Conforme Lucas, depois de Paulo ter
completado seu trabalho evangelístico em Corinto e navegar para a Palestina,
deixou seus amigos Priscila e Aquila, em Éfeso (onde havia feito uma breve
parada):
Um judeu chamado Apoio, natural de Alexandria, chegou a Éfeso. Ele era
homem culto e tinha grande conhecimento das Escrituras. Fora instruído no
caminho do Senhor e com grande fervor de espírito falava e ensinava com
exatidão acerca de Jesus, embora conhecesse apenas o batismo de João. Logo,
começou a falar corajosamente na sinagoga, e quando Priscila e Aquila o
ouviram, convidaram-no para ir à sua casa e lhe explicaram com mais exatidão
o caminho de Deus. Querendo ele ir para a Acaia, os irmãos [em Efésios] o
encorajaram e escreveram aos discípulos para que o recebessem bem. Ao
chegar [em Corinto], ele auxiliou muito os que pela graça [que lhe foi
concedida] haviam crido, pois refutava vigorosamente os judeus em debate
público, provando pelas Escrituras que Cristo [i.e., o Messias a respeito de
quem a Escritura fala] era Jesus (grifo do autor).
No texto ocidental desta passagem, Apoio é chamado de Apolônio (sem
dúvida esse é o nome completo do qual Apoio é uma abreviação), e afirma-se
que ele recebeu suas instruções a respeito de Jesus “em sua cidade natal (patris)”,
ou seja, Alexandria. Isso significa que o Cristianismo já havia alcançado
Alexandria por volta do ano 50 d. C., o que é altamente provável, não
importando se o editor ocidental possuía muitas ou poucas evidências a sua
disposição.45
“Um homem de cultura”, foi assim que Moulton e Milligan traduziram aner
logios,46 em outros lugares traduzido como “um homem culto” (RV, NIV) ou
“um homem eloquente” (AV, RSV, NEB). Destas duas traduções, a primeira
tem o sentido do adjetivo do grego clássico, mas a última concorda com seu
significado helênico47 e grego moderno.
É provável que o “grande conhecimento das Escrituras” que Apoio exibia,
fosse resultado tanto de sua intimidade com o texto sagrado quanto de sua
destreza em interpretar profecias messiânicas no sentido cristão. Não temos
como saber se isso revela ou não sua competência no método alegórico
praticado por Filo e outros platônicos de sua cidade, Alexandria.
Evidentemente, alguns membros da igreja de Corinto ficaram tão
impressionados com Apoio e seu ministério que se arrolaram — pelo menos,
teoricamente — como parte de seu grupo: “Eu sou de Apoio”. Por que o
ministério de Apoio era mais atraente para eles do que o de Paulo?
Possivelmente, a eloquência de Apoio contrastava com a elocução um tanto
inexpressiva de Paulo48, ou, talvez, entre os Coríntios, os arroubos criativos da
oratória de Apoio fossem preferíveis à decisão de Paulo de rejeitar
deliberadamente “discurso eloquente e muita sabedoria” (I Co 2.1). Parece que
não existia nenhuma distinção de princípios entre o grupo de “Apoio” e o de
“Paulo”; do ponto de vista do apóstolo, a formação desses grupos era
simplesmente deplorável. “Quem é Apoio? Quem é Paulo? Apenas servos por
meio dos quais vocês vieram a crer, conforme o ministério que o Senhor
atribuiu a cada um” (I Co 3.5). Paulo, ao se referir a Apoio, não mostra nenhum
traço da reserva mal disfarçada que revela ao falar de Pedro. Pelo menos, os
membros do grupo de Pedro ficaram à vontade para questionar a liberdade
apostólica de Paulo, o que não aconteceu com o grupo de “Apoio”.
Até certo ponto, os dois relatos sobre Apoio se complementam. Por
exemplo, se tivéssemos apenas a descrição de Atos, jamais saberíamos que
Paulo e Apoio haviam se conhecido. No entanto, o relato de 1 Coríntios deixa
claro que eles se conheciam pessoalmente, respeitavam um ao outro e
gostavam um do outro.49
Apoio, de acordo com Atos, ainda que grande conhecedor da vida de Jesus,
não sabia de outro batismo a não ser o de João Batista. Por quê? Apoio não
era o único nessa situação, como revela o próximo capítulo de Atos. Paulo
encontra uns doze “discípulos”, em Éfeso, que haviam sido batizados, mas
somente com o batismo de João e desconheciam totalmente o Espírito Santo
(At 19.1-7). Quando Lucas usa o termo “discípulos” sem outra qualificação,
como faz nesse texto, normalmente ele quer dizer que eram discípulos de Jesus,
e esse deve ser o significado de Atos 19.1. Lucas não sugere qualquer ligação
entre esses doze homens e Apoio, e não temos como saber se a ligação existia
ou não.
Sobre Apoio, no entanto, podemos dizer que o evangelho chegou até ele
por um caminho diferente daquele que é traçado no curso principal da narrativa
de Lucas ou do pressuposto nas cartas de Paulo. Tanto para Lucas quanto para
Paulo, o batismo é “em nome do Senhor Jesus” (At 8.16; 19.5; cf. I Co 1.13
com Gl 3.27; Rm 6.3); para os dois, o momento presente é o tempo do Espírito.
Paulo não esteve entre as pessoas que receberam o Espírito no dia de
Pentecostes; sua conversão, batismo e recebimento do Espírito aconteceram
fora da igreja de Jerusalém. No entanto, de acordo com Arnold Ehrhardt, “ele
se tornou um dos maiores benefícios para a igreja de Jerusalém”50, pois por sua
influência, quando não por ação pessoal, as versões do evangelho que eram
imperfeitas, segundo os padrões de Jerusalém, foram alinhadas com a forma
de cristianismo que ele e os líderes da igreja dessa cidade tinham em comum.
A instrução que Priscila e Áquila, amigos de Paulo, deram a Apoio, e a
administração que Paulo fez do batismo cristão aos doze discípulos de Éfeso,
provam isso.

O início do cristianismo em Alexandria

Quando, depois do martírio de Estêvão, “os que haviam sido dispersos


pregavam a palavra por onde quer que fossem” (At 8.4), eles provavelmente
rumaram da Judéia para o sudoeste e também para o norte. Temos um número
maior de informações sobre os que viajaram pela Fenícia e alcançaram
Antioquia, mas se existiam cireneus entre os que pregavam o evangelho em
Antioquia, é quase certo que outros de Cirene pregaram o mesmo evangelho
em lugares mais próximos de sua pátria. O evangelho teria alcançado a
comunidade judaica de Alexandria quase à mesma época que chegou em
Alexandria.
Será que o conhecimento de Apoio sobre o Caminho foi resultado de tal
missão helênica? Uma das dificuldades sobre essa suposição é o fato de que
Lucas jamais sugeriu que o evangelho pregado por esses helênicos tivesse a
mesma deficiência mostrada pelo conhecimento de Apoio sobre ele. Apesar da
suspeita de Arnold Ehrhardt de que a pregação de Filipe não dava ao dom do
Espírito a ênfase que caracterizava a mensagem apostólica completa, um
evangelista, cujos convertidos eram “batizados no nome do Senhor Jesus” (At
8.16) ,51 não pode ser responsabilizado por uma versão do cristianismo que
conhecia apenas o batismo de João. Claro que talvez nem todos os pregadores
helênicos fossem tão bem instruídos como Estêvão e Filipe; quanto a essa
possibilidade, no entanto, só cabem especulações.
Alguns estudiosos descobriram evidências da chegada do cristianismo em
Alexandria em uma carta enviada pelo Imperador Cláudio à população daquela
cidade no primeiro ano de seu reinado (41 d. C.); a carta é uma cópia de papiro
que foi adquirida pelo Museu Britânico, em 1921.52 As comunidades grega e
judaica de Alexandria haviam iniciado uma luta civil recentemente, e a carta
mostra preocupação especial com essa rivalidade. Cláudio se dirige primeiro
aos gregos e depois aos judeus, ordenando-lhes que vivessem em paz uns com
os outros, e em relação aos últimos, ele escreve (linhas 88-89):
Ordeno que os judeus não causem mais agitação do que já causaram, e nunca
mais enviem dois embaixadores, como se vivessem em duas cidades diferentes
— o que certamente nunca ocorreu. Além do mais, não podem acolher nem
convidar judeus que navegam da Síria ou do Egito (e de outras partes deste
último); esse é o tipo de coisa que me obrigará a redobrar minhas
desconfianças. Caso contrário, eu me voltarei contra eles com o maior rigor
por fomentarem uma praga que infesta o mundo todo.
A “praga que infesta o mundo todo”, com certeza, é o messianismo
militante judaico que prevalecia durante o reinado de Cláudio não somente na
Judéia, mas também em muitas cidades do Império Romano. Cláudio teve de
expulsar os judeus de Roma por volta do ano 49 d. C. em razão do
comportamento desordeiro deles “sob a instigação de Chrestus” (impulsore
Chresto);53 portanto, quando, nessa época, Paulo e seus companheiros
missionários chegaram a Tessalônica foi fácil para seus oponentes levantarem
suspeita contra eles, incluindo-os entre “os homens que têm causado alvoroço
por todo o mundo” e acusando-os de estar “agindo contra o decreto de César,
ao dizer que existe um outro rei, chamado Jesus” (At 17.6s.).
Os judeus de outras partes do Egito e da Síria, proibidos de entrar em
Alexandria, provavelmente foram arregimentados pelos judeus alexandrinos
como reforço contra a hostilidade de seus vizinhos gregos. Na verdade, já
houve tentativas de descobrir nas palavras de Cláudio (especialmente nas que
se referem a quem vinha da Síria que incluía a Palestina) “a primeira referência
secular a missionários cristãos”.54 Isso, todavia, significa ler no texto algo que
ele não diz. As revoltas das comunidades judaicas de Roma “sob a instigação
de Chrestus” podem realmente ter sido causadas pela introdução recente do
cristianismo na comunidade, porém as revoltas em Alexandria, que causavam
preocupação a Cláudio, não aconteciam dentro da comunidade judaica, mas
entre essas e a comunidade grega.
O que dizer dos “dois embaixadores” que deixaram Cláudio tão indignado?
(É possível que tenham ido a Roma parabenizá-lo por sua ascensão e
aproveitaram o momento para pedir seu apoio.) A linguagem da carta
direciona-se com naturalidade não a um representante da comunidade grega e
a um da comunidade judaica, porém aos dois da comunidade judaica — rivais,
ao que parece, “como se vivessem em duas cidades diferentes”. Infere-se uma
ruptura na comunidade judaica. Não há como provar que essa ruptura não
tenha sido motivada pela chegada recente de missionários judeus cristãos, que
persuadiram um bom número de judeus alexandrinos a respeito da verdade do
evangelho. E mais provável, no entanto, que fosse por causa da visita de
extremistas judeus, que haviam convencido alguns judeus alexandrinos a se
engajarem na militância política, enquanto os outros preferiam uma política de
conciliação com os vizinhos gregos. Resumindo, a carta de Cláudio parece não
esclarecer nada sobre o início do cristianismo em Alexandria.
Tem sido amplamente defendido, especialmente sob a influência de Walter
Bauer,55 que o cristianismo de Alexandria era gnóstico no início, e que o que
mais tarde foi reconhecido como ortodoxo não ganhou destaque até quase a
segunda metade do século II. O relato de Eusébio sobre a fundação da igreja
de Antioquia por Marcos56 (que pode ter como base histórica a introdução do
Evangelho de Marcos em Alexandria)57 parece refletir uma tentativa de prover
o cristianismo alexandrino com uma linhagem ortodoxa e quase apostólica
associada a Roma. A posição reguladora posterior do cristianismo romano
pode ter sido antecipada por Lucas — mesmo que inadvertidamente —,
quando ele relata como as falhas no conhecimento de Apoio a respeito do
Caminho foram corrigidas por Priscila e Aquila, talvez membros-fundadores
da comunidade cristã de Roma que, uns três anos antes, foram obrigados a
deixar, por causa do decreto de Cláudio.
A forte influência romana, contudo, não faz parte dos primeiros passos do
cristianismo alexandrino.58 O aspecto da “forte tendência judaica”59 nele
detectado indica influência palestina logo no início.60 Ao contrário do que
afirma Walter Bauer, aqueles primeiros dias não foram assim tão marcados pelo
gnosticismo. O gnosticismo encontrou mesmo solo muito fértil em Alexandria
e no Egito inteiro. No entanto, o estudo detalhado de C. H. Roberts sobre
papiros cristãos no Egito, incluindo especialmente suas considerações sobre a
nomina sacra, concluiu que a teoria de Bauer é implausível.61 Entre os catorze
textos cristãos do Egito que o dr. Roberts datou de antes de 200 d. C., somente
um pode legitimamente ser considerado gnóstico.62 Em Alexandria algumas
características persistentes de governo eclesiástico originam-se de um tempo
em que não existia na cidade uma igreja única, com organização centralizada.
Mas, também pode ser que, pela metade do século II, a influente escola
catequética de Alexandria tenha sucumbido sob o domínio gnóstico e que, com
ajuda romana, necessitasse de uma purificação, quando ficou sob a liderança
de Pantaenus.

A proposição Galiléia

Quando se menciona a influência palestina, ela não tem de ser


necessariamente judaica; pode ser samaritana ou galileia. Muitos estudiosos
argumentam que a contribuição galileia para o cristianismo primitivo tem sido
desprezada: que a possibilidade de sua origem galiléia deve ser considerada
onde os segmentos do cristianismo primitivo são reconhecidos e parecem não
ter ligação com Jerusalém nem com a missão paulina. 63 Em particular, a
teologia “falha” de Apoio ou dos doze discípulos de Éfeso talvez tenha se
originado na Galiléia. Não se pode afirmar com certeza que foi em sua terra
natal, Alexandria, que Apoio tomou conhecimento do ministério de Jesus,
apesar de ser essa a interpretação ocidental. Evidentemente, Apoio viajava
muito — talvez fosse um mercador itinerante como o Ananias que levou o
judaísmo ao palácio de Adiabene64—, ele poderia até mesmo ter conhecido
pregadores cristãos em um dos inúmeros lugares que visitou. Será que esses
pregadores eram da Galiléia?
O raciocínio é o seguinte. Jesus tinha mais discípulos na Galiléia do que em
Jerusalém. Nem todos seus discípulos galileus subiram a Jerusalém para a
Páscoa que testemunhou seu sofrimento, e a maioria dos que subiram
provavelmente voltaram assim que possível. O número de discípulos galileus
era bem maior do que os cento e vinte que Lucas diz terem estado em
Jerusalém na véspera do Pentecoste. Não sabemos onde Jesus apareceu depois
da ressurreição a “mais de quinhentos irmãos de uma vez” (I Co 15.6), mas as
chances são de que foi na Galiléia, e não na Judéia. Sem dúvida, os meses finais
do ministério de Jesus na Galiléia testemunharam um declínio em sua
popularidade, no entanto, um número de seguidores permaneceu-lhe fiel, e sua
fé foi animada quando Jesus, na Galiléia, se mostrou a eles depois da
ressurreição.
Se eles não estiveram em Jerusalém no dia de Pentecostes, pressupõe-se que
não teriam participado do derramamento do Espírito Santo. No que diz
respeito a ser batizados em nome de Jesus, como foram os três mil convertidos
de Jerusalém, isso não lhes era mais exigido do que foi de seus colegas galileus,
os apóstolos. Eles já eram discípulos de Jesus e não precisavam de nenhuma
evangelização nem confirmação de Jerusalém, como aconteceu com os
vizinhos samaritanos do sul. Eles podiam continuar a proclamar as boas novas
do reino de Deus em nome de seu Mestre crucificado e ressurreto, mesmo que
não conhecessem outro batismo a não ser o de João e não tivessem uma
compreensão clara de que a época do Espírito havia chegado.
Se procuravam um campo missionário além das fronteiras da Galiléia, a Síria
estava bem ali. Damasco, em particular, vem à mente. O lugar aparece nas
narrativas da conversão de Paulo tanto na carta aos gálatas quanto em Atos.
Damasco foi a primeira base missionária de Paulo, mesmo antes de ele se
encontrar com os líderes da igreja de Jerusalém (Gl 1,15- 17). Sobre Damasco,
Lucas parece fazer uma distinção entre os refugiados da perseguição na Judéia,
dos quais Paulo saiu ao encalço para levar presos a Jerusalém, e os discípulos
damascenos naturais do lugar, como Ananias, “muito respeitado por todos os
judeus que ali viviam” (At 22.12).65
Se Ananias e os outros damascenos receberam o evangelho antes da
perseguição iniciada depois da morte de Estêvão, de quem o receberam? Não
pode ter sido dos discípulos galileus?
Os argumentos, infelizmente, têm de ser tratados em um vácuo — como
pode ser visto pela maneira em que cada um de seus estágios é iniciado pela
conjunção “se”. Depois da saída de Jesus da Galiléia, alguns meses antes de sua
morte, não temos nenhuma informação sobre o que aconteceu com seu
ministério naquela região até que, como Lucas descreve em um resumo
transicional, a perseguição após a morte de Estêvão cessou e “a igreja passava
por um período de paz em toda a Judéia, Galiléia e Samaria” (At 9.31). A
implicação dessa afirmação é que a Galiléia era uma das áreas para onde os
refugiados “foram pregando a palavra” (At 8.4).66

A Carta aos Hebreus

No Novo Testamento a importância de Apoio seria grandemente


acentuada, se ele pudesse ser identificado como o autor da carta anônima aos
hebreus. Essa identificação não é uma proposta antiga. Parece que Martinho
Lutero foi o primeiro a mencioná-la em um sermão sobre 1 Coríntios 3.4s.,
feito em 153767 e depois em seu comentário sobre Gênesis (1545)68. Em 1517-
18, nas mensagens sobre Hebreus, Lutero mostra ter aceitado a convencional
atribuição paulina69, mas no prefácio aos Hebreus, em sua versão alemã do
Novo Testamento (1522), ele descreve o autor como “um homem excelente e
culto que foi discípulo dos apóstolos e aprendeu muito com eles e que era
muito versado nas escrituras.”70- Essa descrição apresenta uma semelhança tão
grande com a descrição que, em Atos 18.24, Lucas faz de Apoio que Lutero
pode, compreensivelmente, ter pensado nele quando escreveu seu prefácio,
embora não estivesse suficientemente seguro para mencionar seu nome.
A identificação que Lutero faz de Apoio como autor de Hebreus foi, no
mínimo, uma suposição brilhante, seguida, até a atualidade, por muitos
comentaristas e estudiosos. Ceslas Spicq, que adotou essa identificação,
apresenta uma lista de mais de quarenta estudiosos que pensam da mesma
maneira, começando com Théodore de Bèze, em 1582, e daí em diante, e sua
lista poderia ser aumentada.71 As afinidades alexandrinas da carta em relação à
perspectiva, ao estilo e ao vocabulário levam a pensar na autoria de Apoio. O
escritor mostra conhecer não só os produtos literários alexandrinos-judaicos
como Sabedoria e 4Macabeus, como também possui conhecimentos a respeito
do pensamento e da linguagem de Filo — sem, no entanto, compartilhar as
pressuposições filosóficas ou os métodos alegóricos deste.72 Que o escritor
fosse alexandrino, é provável; que fosse “um homem culto, conhecedor das
escrituras”, é certo, como também é certo o fato de ele ter conhecido o
evangelho por meio de terceiros (Hb 2.3). Tudo isso, no entanto, não
determina sua identificação com Apoio, a não ser que suponhamos que Apoio
fosse a única pessoa do cristianismo do século I a preencher a descrição.
O escritor, defrontado com o problema de revitalizar a fé esmorecida dos
cristãos a quem se dirige, os desafia com uma apresentação de Jesus como o
mediador único e supremo entre Deus e os homens. Primeiro, essa mediação
era exercida desde os primórdios da criação do mundo e continua sendo
exercida em sua manutenção. Aqui, embora a designação “Sabedoria” não seja
aplicada a Jesus, ele é claramente visto como a personificação de sophia
encontrada na sabedoria da literatura judaica que é uma parte importante do
Livro Alexandrino de Sabedoria. A descrição de Jesus como o “resplendor”
(apaugasmà) da glória de Deus e “a expressão exata” de sua essência (Hb 1.3)
ecoa a descrição de Sabedoria como “uma expressão (apaugasmà) da luz eterna...
e uma imagem” da bondade de Deus (Sabedoria 7.26).
Segundo a mediação de Jesus é exercida em sua posição de único revelador
por meio de quem Deus expressou sua última e perfeita palavra aos seres
humanos — esta palavra é o evangelho (Hb 1.2a; 2.3).
Terceiro, a mediação de Jesus é exercida em seu oferecimento voluntário de
purificar seu povo do pecado interior e em seu ministério sacerdotal eterno,
cumprido no santuário celestial, com base em seu oferecimento voluntário.
O escritor de Hebreus não é seguidor de Filo, embora compartilhe de sua
formação intelectual. Quando Filo tomou conhecimento do conjunto de idéias
de Platão, ele foi rapidamente persuadido, em um lampejo de visão mística, de
que essa era a verdade eterna e de que todas as outras verdades —
especialmente a verdade da lei hebraica e dos profetas, que lhe vieram como
herança —, devem ser entendidas e interpretadas de acordo com Platão. O
escritor de Hebreus não absorveu em suas crenças a doutrina de Platão, como
aconteceu com Filo. Para ele, a doutrina judaica de duas épocas é mais
fundamental que a doutrina de mundos superiores e inferiores. A dobradiça
sobre a qual as duas épocas giram é a presença de Cristo na terra, onde ele, de
uma vez por todas, morreu como expiação pelos pecados do povo. Sua morte
não é o cumprimento terrestre de um sacrifício eterno; ela não exige
continuação nem repetição. Cristo, agora exaltado e na força daquele sacrifício
completo, pratica um sacerdócio intercessório perpétuo a favor de seu povo.
O salmo 110.1, é um dos mais penetrantes testimonia do Antigo Testamento
sobre a exaltação de Cristo que é usado na igreja primitiva, no qual um oráculo
do Deus de Israel é transmitido àquele a quem o salmista chama de “meu
Senhor” e faz um convite: “Senta-te à minha direita até que eu faça dos teus
inimigos um estrado para os teus pés”.73 O autor de Hebreus faz uso
abrangente desse oráculo, enfatizando, por exemplo, que Cristo
(diferentemente dos sacerdotes da linhagem de Arão) é um sacerdote assentado
por que sua obra sacrificial foi completada de uma vez para sempre. A esse
oráculo ele adiciona outro, do versículo 4 do mesmo salmo: “O SENHOR jurou
e não se arrependerá: Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de
Melquise- deque’”. O autor de Hebreus foi o primeiro pensador cristão, até
onde sabemos, a usar esse oráculo em relação a Cristo, e no oráculo ele
encontra autoridade bíblica para apresentar Cristo como o sumo sacerdote de
seu povo.
Em Hebreus 8.2; 9,11,23s., parece estar o único aspecto em que o autor se
baseia na doutrina sobre os dois mundos de Platão e Filo, onde o santuário
terrestre de Israel, com o ministério nele realizado, é representado como uma
cópia terrestre do santuário celeste em que Cristo exerce seu ministério. Mesmo
para isso, no entanto, ele encontra autoridade bíblica na passagem em que
Moisés, ao receber instruções para a construção e equipagem do tabernáculo
no deserto, ouve a ordem de fazer tudo de “acordo com o padrão” que Deus
lhe mostrou no monte Sinai (Ex 25.9, 40). A visão que Moisés tem desse
“padrão” é entendida como uma visão do santuário espiritual, em que Jesus
está entronizado para sempre como sumo sacerdote de seu povo.
A apresentação é resgatada de qualquer artificialidade pela insistência do
autor sobre a experiência e o caráter do Jesus histórico. Jesus que suportou
dores e mágoas na terra; Jesus que por meio do sofrimento aprendeu como o
caminho da obediência pode ser árduo; Jesus que intercedeu por seus
discípulos para que não fracassassem na fé quando as provações chegassem;
Jesus que ofereceu sua vida em sacrifício por eles — este mesmo Jesus continua
sendo o auxiliador sempre vitorioso daqueles que se achegam a Deus por meio
dele. Por que têm o exemplo de Cristo e seu encorajamento constante, os
destinatários da carta são admoestados a romper os laços com o ritual terrestre
e a juntar-se à peregrinação que leva àquela cidade eterna e bem alicerçada,
“cujo arquiteto e edificador é Deus” (Hb 11.10).
Se Apoio foi mesmo o autor dessa carta, então ele foi realmente um homem
espetacular. Certamente, Apoio é tão candidato à sua autoria desconhecida
quanto a maioria das outras pessoas cujos nomes foram sugeridos. Mas não
podemos afirmar com certeza que Apoio foi mesmo o autor de Hebreus. Ele
talvez tenha sido o único cristão alexandrino da época do Novo Testamento
sobre o qual temos informações, mas outros, igualmente talentosos, podem ter
existido, porém seus nomes não foram registrados.

Reflexões Finais

Curiosamente, Apoio deixou poucas marcas na tradição cristã. Na verdade,


Jerônimo menciona uma tradição que afirma que Apoio se tornou bispo de
Corinto, porém, nenhum crédito pode ser dado a ela.74 A inclusão, em Lucas
10.1s., de seu nome na lista posterior dos setenta discípulos é um anacronismo
patente. Nenhum escrito apócrifo reivindica sua autoria. Quando finalmente a
igreja de Alexandria desejou estabelecer para si um alicerce que a levasse a uma
associação com os apóstolos, o alicerce que se fez confiar não foi Apoio de
Alexandria, o amigo de Paulo, e sim Marcos de Jerusalém, o companheiro de
Pedro. Por uns breves momentos, Apoio brilha no céu do Novo Testamento
e depois desaparece em uma escuridão tão profunda quanto àquela de onde
havia emergido.
Todavia quando falamos em escuridão, referimo-nos à nossa própria
ignorância, e não aos fatos históricos. O papel público que Apoio exerceu na
vida do cristianismo principiante foi maior do que imaginamos, mas nenhum
registro sobre isso ficou-nos como testemunha.
Nossa fonte de material sobre a história do período apostólico é escassa e
seletiva. Graças às cartas de Paulo e à obra histórica de Lucas, podemos traçar
algumas fases do progresso do cristianismo, durante três décadas, ao longo da
estrada que vai de Jerusalém a Roma, via Antioquia. Contudo, ao chegar com
Paulo, em Roma, descobrimos que o evangelho chegou lá antes de nós. Só nos
resta imaginar como isso aconteceu. No entanto, ao interrogar como ele
chegou a Alexandria, a situação é ainda mais obscura. Qualquer tentativa de
reconstruir o curso do cristianismo alexandrino primitivo, e o cristianismo
helênico em geral, tem de lidar seriamente com as implicações do pouco que
sabemos sobre Apoio, esse culto alexandrino judeu, que dominava
magistralmente as escrituras e possuía perfeito conhecimento da história de
Jesus Cristo. Um homem, que por curto espaço de tempo, circula no ambiente
de Paulo e se faz querido entre líderes e membros da igreja, causando uma
profunda impressão em seus companheiros judeus e irmãos em Cristo de Éfeso
e Corinto e, depois, desaparece de nossa vista.
Notas

1 .São assim chamados no latim idiomático por W. M. Ramsay, St. Paul the traveller and
the Pom an citizen (Londres, 14 1920), p. 375.
2. Não devemos dar muita importância a isso; dois entre os doze discípulos tinham
nomes gregos (André e Filipe).
3. Acredita-se que Atos 8.14-24 venha de uma fonte de Jerusalém, e que o versículo
25 sirva como uma transição editorial de volta à fonte helênica; cf. A. Ehrhardt, The Acts
of the Apostles (Manchester, 1969), pp. 45-47.
4. Cf M. Hengel, Judaism and Hellenism, E. T. (Londres, 1974).
5. Zenon, administrador do ministério financeiro de Apolonio, da Ptoleméia, fez uma
extensa jornada, em 260-258 a. C., através da Palestina e Fenícia, a pedido de seu mestre;
cf. M. Rostovtzeff, A large estate in Egypt in the third century B.C. (Madison, 1922).
6. C. F. D. Moule, “Once more, who where the Hellenists?” The Expository Times 70
(1958-59), pp. 100-102. Isso abrangería a designação que Paulo fez de si mesmo com
referência ao fato de ser hebreu (2Co 11.22; Fp 3.5).
7. João 19.13,17 usa termos em aramaico.
8. E difícil saber com certeza quantas sinagogas estão incluídas — se apenas uma ou
mais de uma.
9. Uma vez que Nicolau é explicitamente chamado de prosélito, podemos entender
que os outros eram judeus de nascimento. O fato de ele ser o único entre os sete cujo
lugar de nascimento é mencionado, talvez reflita o interesse especial do autor por
Antioquia: cf. J. Smith, The voyage and shipwreck of St. Paul (Londres, 41880), p. 4.
10. Ireneu, Agains heresies 1.23 (ed. W W. Harvey i, p. 214).
11. Veja p. 27, 82 s
12. Prócoro, um dos sete, mencionado em/tó of John, do século V, como o autor da
obra e discípulo do apóstolo e evangelista divino.
13. Cf. Josephus, Bj 2.117: Coponius, primeiro romano administrador da Judéia,
recebeu autoridade péxpL TOU KTfíuetv.
14. Cf. Josephus, B/6.124-126.
15.0 Evangelho de Lucas começa e termina (1:8-23) no templo; Atos não só relata que
os apóstolos e seus companheiros participavam do culto no templo (2.46; 3.1; 5.12), como
também que Paulo teve uma visão de Cristo lá (22.17-21) e participava da cerimônia dos
nazireus (21.26-30).
16. O mesmo título é usado por Ananias, de Damasco (At 22.14).
17. Veja p. 68.
18. Levítico 24.16; cf. Dt 17.7.
19. Cf. Mt 12.6;Jo 2.19.
20. Cf. Rm 12.1; Hb 13.15f; lPe 2.5.
21. Veja p. 68s.
22. Cf. apêndices de A. Spiro e C. S. Mann em J. Munck, The Acts of the Apostles, Anchor
Bible (Garden City, N. Y, 1967), pp. 285-304; M. H. Scharlemann, Stephen: a singular saint
(Roma, 1968); C. H. H. Scobie, “The origins adn development of Samaritan Christianity”,
NTS 19 (1972-72), pp. 390-414,
23. Cf. O. Cullmann, “The significance of the Qumran texts for research into the
beginnings of Christianity7”, JBL, 74 (1955), pp. 213- 226, reimpresso em The Scrolls and
the New Testament, ed. K. Stendahl (Londres, 1958), pp. 18-32.
24. Cf. H. J. Schoeps, Theologue und Gerschichte des Judenchristentums (Tübingen, 1949), pp.
440-445.
25. Cf. Jo 4.20.
26. IQs 8.4-10. A restauração do sacerdócio e dos sacrifícios são pressupostos no 1QM
2.1-6. Cf. B. Gartner, The temple and the community in Qumram and the New Testament
(Cambridge, 1965); também R. J. McKelvey, The new temple (Oxford, 1969).
27. Veja p. 103s.
28. Veja p. 53-55.
29. M. Simon, “St Stephen and the Jerusalem Temple”, Journal of Ecclesiastical History 2
(1951), pp. 127-142; cf. seu St Stephen and the I Hellenists in the Jerusalem Church (Londres,
1958), pp. 12-18.
30. R. Bultmann, Theology of the New Testament, E. T, i (Londres, 1952), p. 63-183.
3 LT. W Manson, Studies in the Gospel and Epistles (Manchester, 1962), pp. 7.
32. A. Ehrhardt, The framework of the New Testament stories (Manchester 1964), p. 163; cf.
E. Haenchen, The Acts of the Apostles,
E. T. (Oxford, 1971), p. 307.
33. Um relato preferível desse atraso é dado por G. W H. Lampe, The seal of the Spirit
(Londres, 1951), p.72.
34. A. Klostermann usou peyáXri, “grande” como transliteração do hebraico ou
aramaico megallefr) “revelador”, sendo a expressão “que é chamado” uma apologia típica
de Lucas para o uso de um termo estrangeiro (Probleme im aposteltexte [Gotha, 1883], p. 15s).
35. R. McL. Wilson, The gnostic problem (Londres, 1958), p. 100.
36. Veja p. 121.
37. Em muitos manuscritos de Atos 11.20 esses são chamados helenistas
("EÀÀqvtoraç) em vez de helênicos ou gregos ("EÀÀr|vaç), mas o contexto deixa claro
que se trata de gentios.
38. C. K. Barrett, “Acts and the Pauline Corpus”, The Expository Times 88 (1976-77), p.
4f. F. Hahn, Mission in the New Testament, E. T. (Londres, 1965); S. G. Wilson, The gentile
and the gentile mission in Euke- Acts (Cambridge, 1973).
39. Veja p. 66s.
40. Cf. R. A. Kraft, The apostolicfathers, 3. Barnabas and the Didache (Nova York, 1965),
pp.45-48; C. H. Roberts, Manuscript, society and belief in early Christian Egypt (Londres, 1979),
p. 36.
41. Cf. L. W Barnard, “St. Stephen and early Alexandrian Christianity”, NTS 7 (1960-
61), pp. 31-45.
42. Veja p. 29.
43. Veja p. 24.
44. O texto grego diz OÜK rju 0cÀT)pa, literalmente “não era desejável” (cf. uso
absoluto de OéÀrpa para a vontade de Deus em IMacabeus 3.60; Rm. 2.18).
Evidentemente, Apoio havia retornado de Corinto para Éfeso; talvez se sentisse
constrangido por ter sido aclamado líder de um grupo rival ao de Paulo, em Corinto.
45. A ida de Apoio de Eféso para Corinto é assim desenvolvida no texto ocidental:
“Alguns Coríntios que estavam visitando Éfeso e ouviram-no falar imploraram para que
os acompanhasse à cidade natal deles (irarpíç). Quando ele consentiu, os efésios
escreveram aos discípulos de Corinto, pedindo-lhes que o recebessem com alegria.
Quando Apoio visitou Acaia, ele foi de grande ajuda às igrejas, pois confrontou
destemidamente os judeus, debatendo publicamente com eles e mostrando pelas escrituras
que Jesus era o Cristo.” A expansão é editorial e um tanto estranha: se os crentes de
Corinto haviam convidado Apoio para ir com eles, era desnecessário que os discípulos de
Éfeso mandassem uma carta de recomendação à igreja de Corinto.
46. H. J. Moulton e G. Milligan, The vocabulary or the Greek New Testament (Edinburg,
1930), p. 378.
47. Cf. Phrynichus, Eclogae nominum et verborum atticorum, ed. C. A. Lobeck (Leipzig,
1820), p. 198.
48. Cf. 2Co 10.10.
49. Apoio é mencionado mais uma vez no Novo Testamento, em Tito 3.13, quando
Paulo encarrega Tito de providenciar “tudo o que for necessário para a viagem de Zenas,
o jurista, e de Apoio, de modo que nada lhes falte”. Nosso conhecimento do que provocou
essa nota pessoal é tão parco que não podemos determinar de onde Apoio (com o quase
desconhecido Zenas) estava vindo e para onde estava indo. P. N. Harrison achava que a
mensagem de Tito 3.12-15 foi enviada enquanto ele estava em Corinto executando a
missão mencionada em 2Co 7.5-16 (Theproblem of the Pastoral Epistles [Oxford, 1921],
pp.115- 118); cf. S. G. Wilson, Luke and Pastoral Epistles [Londres, 1979], p. 127s. Tudo
que podemos afirmar é que, como anteriormente, a menção a Apoio é feita de maneira
amistosa.
50. The framework of the New Testament stories (Manchester, 1964), p. 94.
51. Vejap. 50.
52. P. Lond. 1912. Editioprinceps em H. I. Bell, Jews and Christian in Egypt (Londres, 1924),
pp. 1-37; cf. E. M. Smallwood, Documents illustrating the principles of Gaius, Claudius and Nero
(Cambridge, 1967), No. 370, pp. 99-102.
53. Suetonius, Claudius 25.4.
54. E. M. Blaiklock, Out of the earth (Londres, 1957), p. 37; cf. G. de Sanctis, “Claudio
e i Giudei d’Alessandria”, Pávista di filologia 52 (1924), p. 473s; S. Reinach, “La première
allusion au christianisme dans I'histoire des religions (1924), pp. 108-122. H. J. Cadbury, The Book
of Acts in History (Nova York/Londres, 1955), p. 116s.
55. W Bauer, Ortodoxy and heresy in early Christianity, E. T. da segunda edição alemã
(Filadélfia, 1971), pp. 44-60. (a primeira edição alemã foi publicada em 1934.), veja p. 77,
n.61.
56. Eusébio, Hist. Eccl. 2.16.
57. Cf. C. H. Roberts, “The Christian book and the Greek papyri!”, JI3' 50 (1949), pp.
155-168; L. W. Barnard, “St. Mark Alexan- dria”, HTR 57 (1974), pp. 145-150. Uma
variante dessa tradição c refletida no fragmento de uma carta escrita (provavelmente) por
Clemente, de Alexandria, publicada primeiramente em M. Smith, Cie- ment of Alexandria
and a secret Gospel of Mark (Cambridge, Mass., 197.3), cf. F. F. Bruce, The “secret” Gospel of
Mark (Londres, 1974).
58. H. Lietzmann claramente exagera quando sugere que a igreja de Alexandria “foi
fundada como filha da igreja de Roma, da qual recebeu autoridade episcopal” (The founding
of the church universal, E. T. [Londres, 21950], p. 67).
59. C. H. Roberts, Manuscript, society and belief in early Christian Egypt (Londres, 1979), p.
45.
60. W D. Davies chegou a sugerir que os cristãos judeus que transportaram a fé de
Palestina para Alexandria reconheciam a liderança de Tiago (“Paul and Jewish Cristianit
according to Cardinal Daniélou”, Recherches de Science Religieuse 60 [1972], pp. 69-79). Os
discípulos de Tiago exerceram alguma influência no cristianismo egípcio (veja p. 109,
n.61), mas o cristianismo alexandrino muito provavelmente é originário do evangelismo
helênico.
61. Veja sua Schweich lectures for 1977: Manuscript, society and belief in early Christian
Egypt (Londres, 1979); também sua crítica de W. Bauer, Rechtgdubigkeit und Ket^erei im altesten
Christentum (Tübingen, 21964),/T.f n.s. 16 (1965), pp. 183-185. Cf. também E. A. Judge e
S. R. Pickering, “Papyrus documentation of the church and community in Egypt to the
mid-fourth century”, Jahrbuch fiir Antike und Christentum 20 (1977), pp. 47-71.
62. Manuscript, society and belief.., p. 52.
63. A exposição original dessa tese é de E. Lohmeyer, Galilaa und Jerusalem (Gottingen,
1936).
64. Josephus, Ant. 20.41.
65. Uma possível dívida do cristianismo damasceno para com os zadoquitas
contratantes de Damasco (CD 6.5,19; 7.19; 19.34; 20.12) é ainda mais problemática que
uma possível dívida com a Galiléia.
66. Para uma análise breve, mas convincente, sobre a proposição galiléia leia Caird, The
apostolic age (Londres, 1955), pp. 87-99.
67. Euthers Werke, Weimarer Ausgaabe 45, p. 389.
68. Eutbers VCerke, Weimarer Ausgabe 44, p. 709.
69. Euthers Werke, Wemarer Ausgabe 57, Teil 3. p. 1 s.; E. T. por J. Atkinson, Euther:
early theological works (Londres, 1962), p. 19s.
70. Die deutsche Bibel, Weimarer Ausgabe 7, p. 344.
71. C. Spicq, IJépitre auxHébreux, i (Paris, 1952), pp. 207-219. Um defensor mais recente
da autoria de Apoio é H. W Montefiore, The Tpistle to the Hebrews (Londres/Nova York,
1964), pp. 9-30; ele sugere que Hebreus foi enviada por Apoio, entre 52 e 54 d. C., a um
grupo de amigos em Corinto e identifica “os da Itália” (Hb 13.24) como Priscila e Aquila,
descritos em Atos 18.2 como “recentemente chegado da Itália”
72. Cf. R. Williamson, Philo and the Epistle to the Hebrews (Leiden, 1970); R. H. Nash,
“The notion of mediator in Alexandrian Judaism and the Episde to the Hebrews”, Tyndale
Bulletin 30.
73. Cf. M. Gourgues, A la droite de Dieu: resurrection de Jésus actualisation du Psaume 110.1
dans le Nouveau Testament (Paris, 1978).
74. Jerônimo, Commentary on Titus 3.13 (Migne, PL 26.634B). Cf . Chronicon Paschale, do
início do século VII, ed. L. Dindorf (Bonn, 1832), i, p. 402; ii, p. 126, onde ele aparece não
apenas como um dos setenta, mas também como bispo de Cesaréia.
Capítulo 3
Tiago e a Igreja de Jerusalém
Os irmãos do Senhor

Os “irmãos do Senhor” são reconhecidos como um grupo influente na


igreja primitiva.1 Tanto Paulo quanto Lucas fazem menção deles juntamente
com os apóstolos. De acordo com Lucas, eles estavam intimamente ligados aos
apóstolos e a outros seguidores de Jesus nos dias imediatos após a ressurreição
(At 1.14); segundo Paulo, um deles, Tiago, até chegou a ver o Cristo
ressuscitado (I Co 15.7).
Quem ler os evangelhos com algum cuidado, ficará surpreso ao descobrir
que tanto a tradição de Marcos quanto a de João deixam entrever que a família
de Jesus enxergava seu ministério público com muita reserva, ao passo que ele
mesmo se recusava a ficar restrito por laços familiares: “Quem faz a vontade
de Deus, este é meu irmão, minha irmã e minha mãe” (Mc 3.35). O quarto
evangelista nos assegura que “nem mesmo seus irmãos criam nele” (Jo 7.5).
Como foi, portanto, que seus parentes, que não figuravam entre seus
seguidores antes de sua morte, logo depois exercem posição de liderança entre
eles? Era de se esperar que a vergonha da morte de Jesus confirmaria as
desconfianças que sempre tiveram a respeito dele. A afirmação de Paulo de que
ao ressuscitar Jesus “apareceu a Tiago” é uma resposta à nossa pergunta. A
experiência com certeza produziu em Tiago um efeito revolucionário
comparável ao que aconteceu ao próprio Paulo depois que sofreu uma
experiência similar.
Um realce lendário e posterior da afirmação que o Cristo ressurreto havia
“aparecido a Tiago” foi registrado no Evangelho segundo os Hebreus, citado por
Jerônimo no segundo registro de sua obra On illustrious men [Sobre homens ilustres].
Tiago, de acordo com esse relato, fez uma promessa de não comer pão até que
visse Jesus ressuscitado dentre os mortos. Quando o Senhor lhe apareceu
depois da ressurreição, “ele pegou um pão, deu graças, partiu-o e entregou-o a
Tiago, o Justo, dizendo-lhe: ‘Meu irmão, coma seu pão, pois o Filho do
Homem ressurgiu de entre os que dormem’.”2 (O Evangelho segundo os Hebreus
era popular entre algumas comunidades judias-cristãs do final do século II em
diante.)
Não precisamos abordar aqui o relacionamento exato entre “os irmãos do
Senhor” e o próprio Senhor. Pela frequência com que são mencionados
juntamente com sua mãe (Mc 3.31s.; Mt 12.46s.; Lc 8.19s.; Mc 6.3s.; Mt 13.55;
At 1.14) podemos acreditar que eles, como o próprio Jesus, eram filhos de
Maria;3 quem interpreta o relacionamento de maneira diferente que o prove.
A parte da referência geral que Lucas faz sobre “os irmãos do Senhor”,
incluídos entre os cento e vinte que estavam na companhia dos apóstolos nos
dias que antecederam o primeiro Pentecoste cristão (At 1.14s.), sua primeira
menção específica a Tiago aparece em Atos 12.17, quando Pedro escapa da
prisão de Herodes e procura os irmãos que oravam na casa de Maria e pede-
lhes que contem a notícia a “Tiago e aos irmãos”. Isso significa que Tiago e os
irmãos relacionados a ele se reuniam em lugar diferente do grupo de Pedro;
que pertenciam, para usar uma linguagem paulina, a outro dos grupos que se
reuniam em casas-igrejas.4
No entanto, um documento escrito algumas décadas antes de Atos — a
carta de Paulo aos gálatas — coloca Tiago no período inicial da história da
igreja de Jerusalém. Em Gálatas, Paulo diz a seus leitores que, ao visitar
Jerusalém três anos depois de sua conversão “para conhecer Cefas”, ele não
viu “nenhum dos outros apóstolos, a não ser Tiago, o irmão do Senhor” (Gl
1.18s.).5 Isso pode significar que Tiago era o segundo homem mais importante
da igreja; de qualquer maneira, ele era alguém importante a quem Paulo queria
ver. A luz de outras indicações, podemos concluir que já nos primórdios do
cristianismo Tiago era líder de um grupo da igreja de Jerusalém, como também
Pedro era líder de outro.
Ao dizer que “não viu nenhum dos outros apóstolos, a não ser Tiago”,
Paulo certamente indica que o considerava apóstolo. Se formos compelidos a
dar outro sentido às palavras de Paulo, a frase poderia ser construída assim:
“Não vi nenhum dos outros apóstolos, mas vi Tiago, o irmão do Senhor”; mas
essa construção não é muito natural para as palavras de Paulo.6 Paulo, ao
contrário de Lucas, não restringe a designação “apóstolos” somente aos doze.
Ele mesmo se declara apóstolo e exerceu um apostolado tão válido quanto o
daqueles que foram apóstolos antes dele (cf. Gl 1.17). Os que foram apóstolos
antes dele naturalmente haviam visto o Senhor ressuscitado mesmo que, como
Tiago, não estivessem incluídos entre os doze. No relato que Paulo faz das
aparições após a ressurreição, ele diz que Cristo, depois de ter aparecido a
Pedro e em seguida aos doze, “apareceu a Tiago e, então, a todos os apóstolos”
(I Co 15.7). “Todos os apóstolos”, sem dúvida, têm de ser interpretados como
um grupo mais amplo do que “os doze”, e, da mesma forma, Tiago deve ser
considerado um daqueles “apóstolos”, assim como Pedro é um “dos doze”. A
aparição de Jesus a Tiago, depois da ressurreição, sem dúvida, foi algo que
Paulo ouviu do próprio Tiago durante sua primeira visita a Jerusalém, em
seguida à sua conversão, como também teria ouvido do próprio Pedro sobre
como Jesus lhe apareceu.
Paulo, assim, achou importante estabelecer um relacionamento pessoal com
Tiago durante aquela visita. Não há como sabermos se ele previu ou não o
papel cada vez mais importante que Tiago iria desempenhar em Jerusalém; no
entanto, essa posição de liderança cada vez maior foi documentada por Paulo
e também por Lucas.

Tiago desenvolve sua liderança

Quando Paulo visitou novamente Jerusalém, a liderança de Tiago já havia


se estabelecido. Ao relatar que ele e Barnabé tiveram uma reunião particular
com os três líderes ou “pilares” da igreja de Jerusalém, Paulo cita seus nomes
nesta ordem: “Tiago, Cefas e João” (Gl 2.9). Embora Cefas (Pedro) seja o único
dos três a receber menção individual no relatório da conferência, a ordem em
que seus nomes aparecem tem significado próprio, o que é confirmado pela
impressão geral deixada por todas as evidências relevantes.7
A reunião particular descrita por Paulo, em Gálatas 2.1- 10, com toda
probabilidade aconteceu depois da prisão de Pedro por Herodes Agripa. A
época dessa prisão, se não mesmo antes, Tiago certamente era líder de um
grupo da igreja de Jerusalém. Antes que muito tempo se passasse, é óbvio que
ele foi reconhecido como líder da igreja toda. A evidência que Paulo apresenta
sobre isso é confirmada pelo relato que Lucas faz do Concilio de Jerusalém —
uma reunião que aconteceu, como já foi sugerido, depois da reunião particular
de Gálatas 2.1-10. O Concilio de Jerusalém foi uma reunião da liderança da
igreja que contou com a presença de representantes da igreja de Antioquia. Seu
propósito dessa vez não foi discutir a demarcação das áreas de trabalho do
ministério apostólico, e sim os termos sobre os quais os gentios convertidos
poderiam ser admitidos como membros da igreja e, em especial, se a
circuncisão seria ou não imposta a eles (At 15.5s.). De acordo com Lucas,
depois que várias pessoas opinaram sobre o assunto (inclusive Pedro), Tiago
resumiu a opinião do concilio e expressou sua decisão que foi aceita pelos
presentes; essa decisão transformou-se no famoso decreto de Jerusalém.8 Era
Tiago, e não Pedro, que agora conduziria o povo; isso é um índice da confiança
que Tiago usufruía na igreja de Jerusalém como um todo. Tiago não havia
manchado sua reputação confraternizando-se com gentios, como Pedro havia
feito,9 e continuou a desfrutar da estima não só de seus irmãos mais
conservadores da igreja de Jerusalém, mas da população religiosa em geral.
A influência de Tiago já havia tido oportunidade de crescer à custa de Pedro,
quando este deixou Jerusalém após escapar da prisão de Herodes Agripa 10 —
pelo menos, cinco anos antes do Concilio de Jerusalém. Talvez, depois disso,
Pedro visitasse Jerusalém apenas ocasionalmente e não morasse mais lá, como
era o caso de Tiago. No entanto, Pedro, mesmo distante de Jerusalém, estava
ciente da influência de Tiago e respeitava suas decisões. Isso fica bastante óbvio
quando ele se afasta da mesa dos gentios em Antioquia depois que os
mensageiros “de Tiago” lhe transmitiram a mensagem do líder (Gl 2.12). 11
Esses visitantes não devem ser identificados como os homens que, de acordo
com Atos 15.1, desceram de Jerusalém e disseram aos convertidos que eles não
poderiam ser salvos sem a circuncisão. De acordo com a Bíblia, estes últimos
foram a Antioquia por iniciativa própria. A carta enviada às igrejas da Síria e
Cilicia em nome dos “apóstolos e anciãos de Jerusalém”12 (e que continha a
decisão do Concilio) enfatizava que aqueles homens não tinham autoridade
para ensinar como fizeram (At 15.23s.).
É certo que o decreto de Jerusalém foi promulgado pela igreja-mãe (e
também é certo, à luz dos escritos de Paulo, que ele não o impôs a suas igrejas)
e que a igreja de Jerusalém não poderia ter promulgado o decreto sem a
aprovação de Tiago. Que o decreto tenha sido, na verdade, promulgado por
iniciativa de Tiago, como Lucas registra, é totalmente possível de crença. O
próprio Lucas parece tê-lo considerado a obra-prima de um estadista.

Exegese bíblica do Concilio de Jerusalém

É especialmente interessante observar o texto bíblico que Tiago usou para


fundamentar sua decisão. Ao mostrar aprovação à exortação de Pedro, baseada
em experiência pessoal, de não exigir dos crentes gentios nada que o próprio
Deus não houvesse claramente exigido, Tiago afirmou que a linguagem
profética tinha o mesmo sentido, como segue (At 15.15-18):

Depois disso voltarei e reconstruirei a tenda caída de Davi. Reedificarei as


suas ruínas, e a restaurarei, para que o restante dos homens busque o Senhor,
e todos os gentios sobre os quais tem sido invocado o meu nome, diz o Senhor,
que faz estas coisas conhecidas desde os tempos antigos.

Essa é uma citação de Amós 9.11s., em uma versão grega, bem parecida
com a da Septuaginta. Em Atos, a sentença inicial: “Depois disso voltarei”, 13
substitui a da Septuaginta: “Naquele dia”; em Atos “o Senhor” é o objeto
explícito de “para que...busque”, ao passo que na Septuaginta o objeto fica
subentendido. Atos omite a frase “para que seja como era no passado”,
encontrada na Septuaginta depois de “eu a reerguerei”, porém, no final da
citação acrescenta “conhecida desde os tempos antigos”.
Dentro do contexto do Concilio de Jerusalém, a aplicação do oráculo é clara:
a missão aos gentios em sua forma presente havia sido profetizada pelos
profetas de Deus com sua clara aprovação; assim nenhuma tentativa deveria
ser feita para transformar os gentios em judeus. Moisés não sofrerá nenhuma
desvantagem: sua lei continuará sendo lida publicamente todos os sábados em
sinagogas do mundo inteiro, e os gentios que desejarem aceitar seu jugo terão
todas as chances de fazer isso.15 Para não ofender os frequentadores das
sinagogas, tudo o que os convertidos ao cristianismo devem fazer é aceitar
algumas restrições sociais que ajudarão a suavizar o relacionamento com os
judeus e especialmente com os judeus cristãos.
Em seu ambiente original, o oráculo, citado por Tiago, promete que embora
a dinastia de Davi tenha caído nos dias maus, suas glórias passadas serão
restauradas mesmo assim. Davi, no auge de seu poder real, havia estendido seu
domínio sobre os edomitas e outros grupos étnicos vizinhos. Eles não apenas
se tornaram vassalos de Davi, como também súditos do Deus de Israel, a quem
Davi cultuava e por meio de quem conquistava suas vitórias.16 Portanto, os
“governantes da terra” pertencem a Jeová; os súditos das nações eram
chamados por seu nome.17 Por essa razão, a profecia da restauração diz o
seguinte (no texto massorético):

“Naquele dia levantarei a tenda caída de Davi, e consertarei suas brechas


e reerguerei suas ruínas, e a reconstruirei como era nos dias passados; para
que conquistem o remanescente de Edom e todas as nações que são chamadas
pelo meu nome”; declara Jeová que faz isso.

Na Septuaginta, a tradução da profecia representa um ótimo exemplo da


inclinação espiritual dessa versão. Em vez de um plano de renovação da
expansão real, a tradução da Septuaginta oferece um quadro de conversão
religiosa. Isso acontece principalmente com a substituição das vogais de 'adam,
“ser humano”, pelas vogais de 'edom, “Edom” (as consoantes das duas palavras
hebraicas são idênticas). Além disso, yifsü, “que (re)possuam” foi mudado para
yidfsu “busquem”; a mudança pode ser um erro de escrita, mas ajuda a
reinterpretação da Septuaginta. A reinterpretação carrega uma promessa igual
à de Isaías 55.3s., em que o cumprimento das misericórdias prometidas a Davi
traz esperança para o mundo em geral, em concordância com a missão de Israel
de transmitir o conhecimento do Deus verdadeiro a seus vizinhos.
Considerando que “o remanescente de Edom” é o objeto do verbo “possuir”
no texto hebraico, “o restante dos homens” se torna sujeito do verbo “buscar”
na versão grega,18 onde o objeto oculto do verbo deve ser entendido como
“me” (i.e. o Senhor, como afirmado explicitamente em Atos). O significado da
tradução grega, portanto, é que as nações buscarão ao Deus de Israel e volun-
tariamente se tornarão servas dele.
A aplicação torna-se ainda mais precisa no uso que Tiago faz do oráculo. A
reconstrução da tenda caída de Davi tem uma relevância mais direta do que era
possível ao tradutor pré-cristianismo entender. O “restante dos homens” —
ou seja, as nações não-judaicas — rendem submissão ao Filho de Davi quando
ouvem e obedecem ao evangelho. O Filho de Davi estende sua soberania sobre
um reino muito mais amplo do que o reinado exercido pelo próprio Davi e
consegue isso pela persuasão da graça divina, não com a força de exércitos.
Esse oráculo e outros similares do Antigo Testamento recebem agora um
cumprimento mais abrangente e detalhado do que seus profetas hebreus ou
mesmo os intérpretes gregos poderiam ter imaginado.
Portanto, seria historicamente provável que Tiago, geralmente considerado
hebreu e não helênico, tenha citado a versão da Septuaginta? Talvez a imagem
que temos de Tiago, e de outros membros de sua família, não seja tão acurada
quanto imaginamos; talvez seja baseada em informações bastante imprecisas.
Mesmo assim, é improvável que Tiago tenha citado a Septuaginta quando
tentava persuadir membros mais conservadores da igreja de Jerusalém. No
entanto, a tradução que a Septuaginta faz de Amós 9.11s. representa uma
interpretação espiritualizada que era corrente entre as últimas gerações antes
de Cristo, e não há razão para excluir a Judéia de sua área de abrangência. Até
mesmo o texto massorético prevê um dia em que “todas as nações” chamadas
pelo nome do Deus de Israel se renderão à soberania da casa de Davi 19 — e
para todos os presentes durante o Concilio de Jerusalém essa soberania estava
personificada em Jesus, o Filho de Davi.
Interpretações espirituais do texto hebraico desse oráculo, como nos
informa a literatura Qumran, eram populares naquela época. Na Obra
Zadoquita a reconstrução da tenda caída de Davi é interpretada como o
restabelecimento dos livros do Torá;20 no Florilegium, da Caverna Qumran 4,
ela é interpretada como a ascensão da descendência de Davi (i.e. o Messias)
nos últimos dias para salvar Israel.21

Depois do Concilio

Lucas, depois do Concilio de Jerusalém, não diz mais nada sobre Pedro ou
qualquer outro membro dos doze. Parece que Pedro e outros dos doze
envolveram-se em trabalhos geograficamente mais distantes. Na verdade,
Paulo deixa claro, em 1 Coríntios 9.5, que não somente os apóstolos, como
também os irmãos do Senhor empreenderam um ministério itinerante no
Mediterrâneo oriental no ano 50 d. C. Aparentemente, a única exceção foi
Tiago, que permaneceu em Jerusalém e cuidou dos negócios da igreja. Os
outros irmãos de Jesus eram casados e, como os apóstolos, eram acompa-
nhados de suas esposas nas viagens missionárias e pastorais. É possível que
Tiago tenha permanecido solteiro, o que seria coerente com seu ascetismo
geral, que foi até certo ponto comprovado pela tradição posterior.22
A igreja de Jerusalém, embora tenha crescido em número durante os trinta
ou quarenta anos entre sua formação e a dispersão pouco antes de Jerusalém
ser cercada por Tito, parece ter sofrido um estreitamento progressivo em sua
composição e índole. O primeiro estreitamento foi resultado da dispersão dos
helenistas após a morte de Estêvão. Lucas afirma que quase à mesma época,
ou pouco antes, “um grande número de sacerdotes obedecia à fé” (At 6.7). Não
se falou mais nesses sacerdotes. Existem muitas especulações a respeito deles:
por exemplo, será que eram solidários aos essênios?23Não temos como saber.
Também não temos como saber qual a influência de tantos sacerdotes
convertidos nas decisões da igreja de Jerusalém como um todo.
Às vésperas do Concilio de Jerusalém tomamos conhecimento que “alguns
do partido religioso dos fariseus [...] haviam crido” (At 15.5). Não nos resta
nenhuma dúvida sobre o que pensavam: foram eles que pressionaram, sem
nenhum sucesso, a política de circuncisão para os gentios convertidos.
A campanha de Herodes Agripa contra os apóstolos possivelmente resultou
em maior estreitamento. Se a perseguição foi incentivada pela confraternização
de Pedro com os gentios então, naturalmente (aos olhos de muitos), era
indesejável. Pedro, para muitos cristãos de Jerusalém, era liberal demais; de
fato, até mesmo Tiago, de acordo com o padrão de alguns de seus discípulos,
inclinou-se na direção liberal até onde a prudência permitia. Existe muito a ser
entendido nas entrelinhas do relato de Lucas.24 Ao escrever depois que as
controvérsias do meio do século haviam cessado, Lucas não mostra nenhum
interesse em menciona-las além do absolutamente necessário, e enfatiza a parte
essencial do acordo entre os protagonistas das controvérsias, deixando de lado
os aspectos em que divergiam.
Cerca de oito anos depois do Concilio de Jerusalém, quando Paulo vai pela
última vez a Jerusalém, ele e seus companheiros foram recebidos por Tiago e
outros anciãos que (de acordo com Lucas) apresentaram um quadro mono-
crômico da igreja-mãe naquela época. Eles disseram: “Veja, irmão, quantos
milhares25 de judeus creram, e todos eles são zelosos da lei” (At 21.20). A
impressão que temos é que os cristãos de Jerusalém eram agora, quase do
primeiro ao último, zelosos da lei; a expressão não é muito diferente daquela
que Paulo usa para descrever seu próprio comportamento antes de se tornar
cristão, dizendo que era um “zeloso” das tradições de seus antepassados (Gl
1.14).
Essa impressão parece conflitar com o que acontece um pouco antes na
narrativa: “Quando chegamos a Jerusalém, os irmãos nos receberam com
alegria” (At 21.17). Será que foram os “zelosos da lei” que receberam tão
calorosamente Paulo e seus companheiros? Johannes Munck admite que “sem
nenhuma autoridade dos manuscritos”, propôs que se retirasse a palavra
“creram” do versículo 20, que ficaria assim: “Vejam, irmãos, quantos milhares
de judeus há na Judéia, e todos eles são zelosos da lei”, e a referência seria aos
judeus em geral, não aos judeus cristãos.26 Vale notar que Ferdinand Christian
Baur, da escola Tübingen, do século XIX, de cuja influência contínua Munck
discorda do começo ao fim em Paul and the salvation of mankind [Paulo e a
salvação da humani- dade], também (por razões diferentes) considera espúria a
frase “judeus que creram”.27 Mas a possibilidade de tal emenda, à luz de toda
evidência textual, apenas se justificaria se a retenção do texto existente estivesse
fora de questão, o que não ocorre aqui de maneira alguma. Podemos aceitar o
texto em sua integridade como evidência do estreitamento progressivo já
reconhecido. Pode muito bem ser que esse estreitamento progressivo fosse em
parte uma reação protetora ao desenvolver contínuo do sentimento e
atividades militantes na Judéia — cultivado por aqueles que eram, ou em breve
seriam, conhecidos, de um modo distinto, como zelotes.

As ofertas dos gregos

Acabamos de nos referir à última visita de Paulo a Jerusalém. Depois do


Concilio, as únicas referências à igreja de Jerusalém, nos escritos de Lucas e
Paulo, estão ligadas ao relacionamento de Paulo com ela.
Parece que a consideração de Paulo pela igreja e seus líderes era mais elevada
do que a deles pelo apóstolo. Ele visitou a igreja-mãe em momentos de
transições importantes em sua carreira apostólica, e empenhou-se para manter
comunhão com ela.28 Paulo insistia que sua comissão apostólica era totalmente
independente de Jerusalém, mas não poderia ser realizada de maneira
apropriada a não ser em comunhão com a igreja. Qualquer rachadura nessa
comunhão chegaria mesmo a frustrar seu ministério; em suas próprias palavras,
significaria que ele “correra em vão” (Gl 2.2).
De acordo com Atos 18.22, Paulo visitou rapidamente a igreja de Jerusalém
entre seu ministério em Corinto e Éfeso (no verão do ano 52. d. C.).29No
entanto, sua última visita à cidade foi muito importante. Lucas dedica um
espaço considerável a ela, e Paulo deixa claro que a visita teve papel crucial em
sua estratégia missionária. Assim, podemos enxergar essa visita pelos olhos de
Lucas (por meio de seu relatório detalhado sobre ela) e pelos olhos de Paulo
(pois ele revela aos leitores os motivos e esperanças que o levaram a Jerusalém,
sem esconder certas dúvidas sobre os resultados). Mas no contexto atual,
gostaríamos de enxergar a visita pelos olhos de Tiago e dos líderes da igreja de
Jerusalém. E preciso muita imaginação histórica para enxergar — e enxergar
favoravelmente — a visita do ponto de vista deles.
Tiago e seus companheiros sabiam que as visitas anteriores de Paulo a
Jerusalém sempre gerara confusões, nas quais outras pessoas, muito
provavelmente, também se envolveram. Eles sabiam que Paulo tinha grandes
inimigos na cidade, como também sabiam que na própria comunidade
nazarena deles existiam pessoas que desaprovavam totalmente a política
missionária de Paulo. Na verdade, algumas fizeram o possível para invadir seu
campo missionário e persuadir seus gentios convertidos para seguir um padrão
de vida e fé que achavam ser bem melhor.
Nessa ocasião, Paulo chega a Jerusalém trazendo presentes — não de sua
parte, mas de suas igrejas de fala grega. E muito provável que os cristãos de
Jerusalém não tenham conhecido Virgílio, mas se alguém lhes tivesse citado a
frase timeo Danaos et dona ferentes (“Temo os gregos até mesmo quando enviam
presentes”), muitos afirmariam que ela resumia perfeitamente seus
sentimentos.
Que presentes eram esses? Lucas menciona-os rapidamente quando relata
que Paulo em seu discurso, diante do procurador Félix, disse que depois de
muito tempo ele voltou a Jerusalém “para trazer esmolas ao meu povo e
apresentar ofertas” (At 24.17). Ele não diz mais nada sobre elas, talvez por que
soubesse dos problemas involuntários que produziriam. O próprio Paulo dá
informações mais precisas e completas a respeito do assunto.
Muito além de seu desejo de manter um bom relacionamento pessoal com
a igreja de Jerusalém, Paulo ansiava para que suas igrejas gentílicas fossem
solidárias com Jerusalém, e que essa atitude fosse recíproca. Para pôr em prática
seu desejo, ele recolheu uma oferta entre as igrejas gentias das duas bordas do
mar Egeu; seu objetivo era auxiliar os irmãos pobres de Jerusalém. No fim da
conferência que ele e Barnabé tiveram com os três líderes há uns dez anos,
Paulo havia resolvido fazer algo semelhante a isso. Aqueles líderes, diz Paulo,
“pediram que nos lembrássemos dos pobres, o que me esforcei por fazer” (Gl
2.10). “Os pobres”, bem literalmente, pode significar os menos favorecidos da
igreja de Jerusalém, mas com o decorrer do tempo, passou a significar a igreja
como um todo.30 Paulo havia se engajado nesse tipo de ajuda cristã logo cedo
em seu apostolado, quando ele e Barnabé foram enviados pela igreja de
Antioquia para, em época de fome, levantar ajuda financeira para a igreja de
Jerusalém (At 11.30).31
Mais adiante, no estágio do qual nos ocupamos agora, a esperança de Paulo
era que, ao contribuir para Jerusalém, os gentios convertidos entendessem o
quanto deviam à igreja- mãe do cristianismo, de onde o evangelho se espalhou
para o mundo todo. Paulo não se absteve de incentivar um espírito de
competição entre as igrejas, para ver qual delas seria mais generosa e disposta
a cooperar. Por outro lado, ele esperava que uma oferta generosa levasse a
igreja de Jerusalém a ser mais compreensiva com sua missão junto aos gentios.
Ele sabia que alguns espíritos mais conservadores da igreja de Jerusalém tinham
sérias desconfianças em relação a ele e seu trabalho; outros talvez se sentissem
apreensivos em dar-lhe boas-vindas por causa da hostilidade que muitos judeus
não- cristãos da cidade nutriam em relação a ele. Paulo, pouco antes de iniciar
sua viagem a Jerusalém, escreveu aos cristãos de Roma dizendo que antes
realizar a tão sonhada visita a eles, era-lhe necessário “ir a Jerusalém a serviço
dos santos”, e pede que orem para que “esse serviço em Jerusalém seja aceitável
aos santos” (Rm 12.25,31). O apóstolo não estava antecipando o fim de todas
as dúvidas, contudo, (Paulo esperava) nada seria mais eficiente para terminar
com elas do que uma oferta generosa da parte das igrejas gentílicas, entregue
em mãos por seus representantes.
Paulo e esses representantes, na primavera de 57 d. C., foram de navio para
a Judéia, atracaram em Cesaréia e subiram a Jerusalém. Seus amigos de Cesaréia
(entre eles Filipe e sua família) haviam combinado que o grupo ficaria
hospedado em Jerusalém na casa de Mnasom, o Cipriota, que era membro da
igreja-mãe desde seu início.32 Quando Lucas (escrevendo como parte do grupo)
afirma que ao chegar a Jerusalém “os irmãos nos receberam com alegria” (At
21.17); “os irmãos” pode se referir Mnasom e seus companheiros. 33 Se a casa
de Mnasom era grande o bastante para acomodar Paulo e seus companheiros,
talvez fosse local de reunião de um dos grupos da igreja de Jerusalém — um
grupo formado, quem sabe, por alguns remanescentes helênicos da igreja, entre
os quais os visitantes gentios se sentiriam mais à vontade do que em qualquer
outro lugar de Jerusalém.
No dia seguinte à chegada na cidade, diz o narrador: “Paulo foi conosco
encontrar-se com Tiago, e todos os presbíteros estavam presentes. Paulo os
saudou e relatou minuciosamente o que Deus havia feito entre os gentios por
meio do seu ministério. Ouvindo isso, eles louvaram a Deus” (At 21.18-20).
Eles fizeram bem em glorificar a Deus, pois Paulo lhes contou como, por
meio de sua pregação, muitos nas grandes cidades da Macedônia, Acaia e
província da Ásia agora reconheciam Jesus como Senhor. Por causa da
submissão deles ao Messias de Israel, a reconstrução da tenda caída de Davi
havia sido substancialmente adiantada. O que Paulo lhes contou foi
corroborado pelos gentios cristãos ali presentes que supostamente entregaram
a Tiago e seus companheiros as ofertas que haviam trazido em nome de suas
igrejas.
Mas será que as ofertas foram aceitas? A pergunta pode soar estranha, pois
geralmente ofertas são aceitas, especialmente por pessoas em dificuldade
financeira como a que afligia os cristãos de Jerusalém. No entanto, a pergunta
deve ser feita, parcialmente por que nenhum dos autores do Novo Testamento
afirma que foram aceitas, e parcialmente por que alguns estudiosos do Novo
Testamento acham que muito provavelmente aquela “igreja de Jerusalém
recusou a oferta”.34 Ou, se não recusaram, deixaram para aceitá-la somente
depois que Paulo “comprovou sua boa-fé judaica” ao concordar com o que lhe
foi proposto pelos anciãos.35
O motivo para rejeitar a oferta seria o fato de que aceitá-la significava
aprovar a missão de Paulo aos gentios. Se Tiago e seus cooperadores
planejavam mesmo fazer com que cristãos de todos os lugares se colocassem
debaixo da homogenia de Jerusalém e sua liderança,36 o trabalho de Paulo, de
fundar igrejas descentralizadas, deliberadamente independente de Jerusalém,
deve ter sido um enorme obstáculo ao plano, e eles não poderiam nem mesmo
dar a impressão de aprovar a obra do apóstolo. Entretanto, qualquer evidência
de que Tiago favorecesse tal plano é, na verdade, muito escassa.
Os presbíteros, no entanto, estavam apreensivos quanto a reação de algumas
de suas ovelhas — os muitos “zelosos da lei” — em relação à presença de
Paulo e seus amigos. Aos olhos desses “zelotes”, a recusa de Paulo em impor
leis e costumes aos gentios convertidos já era ruim o bastante, no entanto, eles
tinham ouvido rumores de que Paulo chegou a convencer judeus cristãos a não
circuncidarem seus filhos e também não manterem as santas tradições. 37 Os
presbíteros não viram fundamento nesses rumores e acabaram por rejeitá- los;
eles mesmos haviam assinado o decreto de Jerusalém que especificamente
isentava os cristãos gentios da obrigatoriedade da circuncisão, porém estipulava
algumas “necessidades” que deveriam observar — e acharam que ao fazer essa
concessão haviam ido tão longe quanto poderia ser esperado deles.38
Para evitar qualquer problema com seus irmãos “zelosos”, os presbíteros
sugeriram que Paulo participasse de uma cerimônia pública que demonstraria
que era judeu praticante. Paulo foi convidado a se juntar a quatro homens que
haviam feito um voto nazireu e agora iriam exonerar-se dele, após cumprirem
o ritual de purificação.39 Se Paulo fosse com esses homens ao templo e pagasse
as despesas deles, todos saberiam que ele era cumpridor da lei e que qualquer
rumor contrário era falso.
É improvável que Paulo tenha visto a sugestão com o otimismo de seus
proponentes, mas, mesmo assim, ele concordou. Sua política era viver “como
se estivesse debaixo da lei” quando estivesse na companhia dos que estavam
“debaixo da lei” (I Co 9. 20). Quanto ao voto nazireu, ele, cinco anos antes, já
havia feito um em Corinto (At 18.18)40, e pagar a dívida que outros assumiram
era reconhecidamente um ato de caridade cristã.41
De qualquer maneira, o resultado foi desastroso. Enquanto Paulo cumpria
sua parte na cerimônia, um clamor de protesto levantou-se contra ele porque
alguns judeus da Ásia, que estavam em Jerusalém para o Pentecostes,
reconheceram-no no pátio do templo e acusaram-no de profanar o lugar santo,
levando gentios para dentro do templo.42 Paulo foi atacado pela multidão e
salvo em cima da hora pelos soldados romanos da divisão da fortaleza de
Antonia. O comandante levou-o sob custódia e, depois de alguns dias, enviou-
o para Félix, em Cesaréia. A última visita de Paulo a Jerusalém terminou de
maneira bastante desfavorável.
Uma pergunta mais terrível do que aquela a respeito da aceitação da oferta
mandada pelos gentios foi levantada sobre o convite para que Paulo
acompanhasse os quatro nazireus ao templo. Será que Tiago e os outros líderes
sabiam do perigo que Paulo corria e deliberadamente o expuseram a ele? Será
que, de fato, eles não o atraíram para uma armadilha? Não seria essa a maneira
de eles se certificarem de que, com Paulo fora do caminho, não haveria mais
nenhum obstáculo sério ao plano de colocar todas as igrejas debaixo de seu
controle?
A pergunta não somente foi feita, como também já foi respondida com um
definitivo sim. E não é só; acredita-se que o próprio Lucas, sendo um dos
companheiros de Paulo em Jerusalém, suspeitou que “aqueles judaizantes
haviam arrastado Paulo para uma armadilha quando o convenceram a ir ao
templo”.43 Contudo, se o ato foi praticado por “judaizantes”, estes eram os
próprios líderes da igreja; e se Lucas suspeitava disso, seu ministério literário
de reconciliação deve ter se distendido a ponto de quebrar, quando, sem
desconfiar de qualquer motivo escuso, ele retratou os presbíteros em conversa
amigável com Paulo, sugerindo-lhe que visitasse o templo para estabelecer sua
ortopraxia diante dos irmãos oponentes.
A maioria dos cristãos gentios que foi a Jerusalém com Paulo, certamente
voltou para casa o mais rápido e diretamente possível. Mesmo que as ofertas
tenham sido aceitas, a reviravolta nos eventos que testemunharam em
Jerusalém deve ter frustrado bastante a esperança de Paulo de formar laços de
afeição entre os cristãos gentios e seus irmãos judeus. Também não temos
prova que nos leve a crer que os irmãos judeus tenham se aproximado dos
cristãos gentios por que suas generosas ofertas manifestaram a “insuperável
graça de Deus” (2 Co 9.14).
Se a igreja de Jerusalém e seus líderes forem exonerados (como, de fato,
devem ser) das infundadas suspeitas levantadas pelo infeliz conselho dado a
Paulo, podemos perguntar o que fizeram para ajudá-lo quando perceberam a
encrenca que o conselho deles causou ao apóstolo. A resposta é que não havia
muito que fazer. Eles não tinham influência nem junto aos chefes dos
sacerdotes nem junto ao Sinédrio.44 Provavelmente, respiraram aliviados
quando Paulo foi levado em segurança para Cesaréia. Para que houvesse
tranquilidade na igreja-mãe, o melhor mesmo seria que Paulo nunca mais
voltasse a Jerusalém. Se o sumo sacerdote e seus colegas estavam perseguindo
Paulo, não seria muito esperto atrair a hostilidade deles. É fácil atribuir motivos
escusos a Tiago e seus colegas presbíteros, porém, como eles tiveram de fazer,
alguma tentativa deve ser feita para que a circunstância seja vista de outro
ângulo. Para eles a situação era peculiarmente delicada, pois continuariam em
Jerusalém depois que Paulo e os outros visitantes fossem embora. Além do
mais, se queriam perseverar a missão de evangelizar os compatriotas judeus,
qualquer associação pública com Paulo teria sido uma grande desvantagem
nessa tarefa. De fato, é possível que até mesmo a limitada associação com o
apóstolo nessa ocasião tenha a ver com a execução ilegal de Tiago, uns cinco
anos mais tarde.

Os últimos dias de Tiago

Para estabelecer a data da morte de Tiago em 62 d. C., nossa autoridade


principal é Josefo que morava em Jerusalém na ocasião (estava com vinte e
poucos anos de idade) e preservou um relatório em sua obra Antiquities
[Antiguidade], escrita trinta ou quarenta anos depois do evento. Ele escreveu
que Festo, procurador da Judéia, morreu na função e foi sucedido por Albino.
Uma vez que foram necessárias pelo menos cinco semanas para a notícia ser
levada da Judéia a Roma, e, pelo menos, cinco semanas para o novo procurador
viajar de Roma à Judéia, houve um interregno de três meses entre a morte de
Festo e a chegada de seu sucessor. Ananus (Anás), o mais jovem, filho de um
antigo sumo sacerdote de nome igual que aparece no relato do evangelho, havia
sido nomeado recentemente sumo sacerdote por Herodes Agripa II, em cujo
poder o sagrado ofício permanecia desde 48 d. C. Ananus era de temperamento
impetuoso e aventureiro, portanto (afirma Josefo):
Achando que tinha uma grande oportunidade às mãos, uma vez que Festo
estava morto e Albino não havia chegado ainda, ele reuniu o Sinédrio e levou
Tiago, o irmão de Jesus, chamado o Cristo, e outros homens diante dele. Ele,
sob a acusação de que haviam infringido a lei, os condenou ao apedrejamento.
Alguns cidadãos de Jerusalém, que eram notoriamente justos e rigorosos em
seu respeito à lei, se enfureceram com a condenação. Esses homens enviaram
uma mensagem secreta ao rei (Agripa II), rogando-lhe que ordenasse a Ananus
que desistisse de tais práticas, pois sua atitude já começara de maneira ilegal.45
Em outras palavras, Ananus havia transgredido a prerrogativa romana
quando aplicou a pena de morte por iniciativa própria e especialmente por
aplicá-la imediatamente, em vez de esperar a chegada do procurador. Agripa
sabia disso, e aos olhos de Roma, colocando-se ao lado da lei, destituiu Ananus
do cargo imediatamente. Assim, quando Albino chegou, furioso com a notícia
que lhe havia sido devidamente comunicada, Agripa assegurou-o de que o
ofensor já havia sido
É evidente que o apedrejamento de Tiago não foi tão bem aceito quanto o
de Estêvão, quase três décadas antes. Tiago não havia atacado a santidade do
templo; se tivesse, Ananus teria escapado impunemente. Ao contrário, a assi-
duidade de Tiago em orar nas dependências sagradas era de conhecimento
público. É impossível, no entanto, determinar a natureza do crime que levou
Tiago à morte.
Uma sugestão não muito convincente é a de que Tiago havia participado do
recente movimento de resistência dos sacerdotes comuns (apoiado por
cidadãos importantes de Jerusalém) contra os chefes dos sacerdotes, acusados
de oprimi-los e privá-los dos dízimos que eram deles por direito.46 Não existe
prova nenhuma disso. Tiago, apesar de sua assiduidade no templo, era leigo e
não estava envolvido em disputas sacerdotais. Além disso, é bastante duvidoso
que o Sinédrio fosse convencido a julgar como crime de pena capital a defesa
de vítimas de injustiça: o grupo de chefes sacerdotais não era maioria no
tribunal.
Mesmo assim, a injustiça social naqueles dias, com os pobres sendo
oprimidos pela rica aristocracia dominante (incluindo as famílias dos chefes
sacerdotais), forneceria um cenário apropriado a um documento
neotestamentário chamado Carta de Tiago. Muito de seu conteúdo fornece
base para acreditar que a carta é obra de Tiago, o Justo, pois dá ênfase ao
autocontrole, justiça, misericórdia, imparcialidade, pobreza, paciência, além de
fazer crítica severa à hipocrisia, ao preconceito e à exploração dos mais fracos.
O estilo grego da carta impede que os leitores atribuam prontamente sua
autoria a Tiago. Embora, sua mensagem seja apresentada com o fervor moral
das mais veementes profecias do Antigo Testamento, com uma pitada do
sermão do monte, a carta tem o estilo mordaz do clássico cinismo estóico.
escrita trinta ou quarenta anos depois do evento. Ele escreveu que Festo,
procurador da Judéia, morreu na função e foi sucedido por Albino. Uma vez
que foram necessárias pelo menos cinco semanas para a notícia ser levada da
Judéia a Roma, e, pelo menos, cinco semanas para o novo procurador viajar de
Roma à Judéia, houve um interregno de três meses entre a morte de Festo e a
chegada de seu sucessor. Ananus (Anás), o mais jovem, filho de um antigo
sumo sacerdote de nome igual que aparece no relato do evangelho, havia sido
nomeado recentemente sumo sacerdote por Herodes Agripa II, em cujo poder
o sagrado ofício permanecia desde 48 d. C. Ananus era de temperamento
impetuoso e aventureiro, portanto (afirma Josefo):
Achando que tinha uma grande oportunidade às mãos, uma vez que Festo
estava morto e Albino não havia chegado ainda, ele reuniu o Sinédrio e levou
Tiago, o irmão de Jesus, chamado o Cristo, e outros homens diante dele. Ele,
sob a acusação de que haviam infringido a lei, os condenou ao apedrejamento.
Alguns cidadãos de Jerusalém, que eram notoriamente justos e rigorosos em
seu respeito à lei, se enfureceram com a condenação. Esses homens enviaram
uma mensagem secreta ao rei (Agripa II), rogando-lhe que ordenasse a Ananus
que desistisse de tais práticas, pois sua atitude já começara de maneira ilegal.45
Em outras palavras, Ananus havia transgredido a prerrogativa romana
quando aplicou a pena de morte por iniciativa própria e especialmente por
aplicá-la imediatamente, em vez de esperar a chegada do procurador. Agripa
sabia disso, e aos olhos de Roma, colocando-se ao lado da lei, destituiu Ananus
do cargo imediatamente. Assim, quando Albino chegou, furioso com a notícia
que lhe havia sido devidamente comunicada, Agripa assegurou-o de que o
ofensor já havia sido
É evidente que o apedrejamento de Tiago não foi tão bem aceito quanto o
de Estêvão, quase três décadas antes. Tiago não havia atacado a santidade do
templo; se tivesse, Ananus teria escapado impunemente. Ao contrário, a assi-
duidade de Tiago em orar nas dependências sagradas era de conhecimento
público. É impossível, no entanto, determinar a natureza do crime que levou
Tiago à morte.
Uma sugestão não muito convincente é a de que Tiago havia participado do
recente movimento de resistência dos sacerdotes comuns (apoiado por
cidadãos importantes de Jerusalém) contra os chefes dos sacerdotes, acusados
de oprimi-los e privá-los dos dízimos que eram deles por direito.46 Não existe
prova nenhuma disso. Tiago, apesar de sua assiduidade no templo, era leigo e
não estava envolvido em disputas sacerdotais. Além disso, é bastante duvidoso
que o Sinédrio fosse convencido a julgar como crime de pena capital a defesa
de vítimas de injustiça: o grupo de chefes sacerdotais não era maioria no
tribunal.
Mesmo assim, a injustiça social naqueles dias, com os pobres sendo
oprimidos pela rica aristocracia dominante (incluindo as famílias dos chefes
sacerdotais), forneceria um cenário apropriado a um documento
neotestamentário chamado Carta de Tiago. Muito de seu conteúdo fornece
base para acreditar que a carta é obra de Tiago, o Justo, pois dá ênfase ao
autocontrole, justiça, misericórdia, imparcialidade, pobreza, paciência, além de
fazer crítica severa à hipocrisia, ao preconceito e à exploração dos mais fracos.
O estilo grego da carta impede que os leitores atribuam prontamente sua
autoria a Tiago. Embora, sua mensagem seja apresentada com o fervor moral
das mais veementes profecias do Antigo Testamento, com uma pitada do
sermão do monte, a carta tem o estilo mordaz do clássico cinismo estóico.
E C. Burkitt certa ocasião apresentou uma ideia interessante ao dizer que a
igreja grega posterior de Aelia Capitolina, nova base do imperador Hadrian em
lugar da antiga Jerusalém, agiu de maneira “bastante parecida com a do novo
proprietário da antiga casa-grande que depois de um tempo começa a coletar
retratos de família e objetos antigos”, ao resgatar do anonimato o texto
aramaico de um discurso feito por Tiago, o Justo, e produzir a tradução grega
livre que chegou até nós como a Carta de Tiago.47
A morte de Tiago deve ter sido um golpe que abateu o moral da igreja que
havia liderado, tão consciente e sabiamente, por quinze difíceis anos. Na
verdade, a igreja de Jerusalém jamais se recuperou do golpe. No devido tempo,
outro membro da família de Jesus foi eleito para o lugar de Tiago. Mas, pouco
tempo depois a igreja de Jerusalém deixou a cidade natal — no início da revolta
dos judeus contra Roma — e migrou para o distrito de Pela e outros lugares
na Transjordânia e Egito. A partir daí, a igreja original de Jerusalém tornou-se
uma igreja em dispersão.48 Talvez, haja no Novo Testamento uma alusão à
dispersão da igreja-mãe: a referência pitoresca de Apocalipse 12.6, em que ela
é retratada como a mulher que “fugiu para o deserto, para um lugar que lhe
havia sido preparado por Deus”.

Acontecimentos posteriores

Outro relato, mais detalhado, do julgamento e execução de Tiago é


oferecido pelo autor cristão palestino Hesegippus (c. 179 d. C.); trechos de seus
escritos, incluindo esse relato, foram preservados por Eusébio em sua obra
Ecclesiastical History [História eclesiástica]. Infelizmente, esse relato é tão cheio
de enfeites lendários e apóia-se tão prodigamente na descrição que Lucas faz
da morte de Estêvão, que fica difícil perceber onde a tradição verdadeira
termina e a fantasia começa.
Conforme Hegesippus, a vida ascética de Tiago c sua devoção estrita à
oração e adoração no templo conquistaram a população de Jerusalém que o
chamava de Tiago, o Justo, e “a fortaleza do povo”. Com sua maneira de viver
e seu testemunho sincero por Jesus, ele conquistou muitos judeus para o
Caminho Nazareno. Uma delegação do Sinédrio veio ao encontro dele e fez-
lhe uma pergunta enigmática: “O que é a porta de Jesus?” — talvez se referisse
à “porta da qual Jesus falou” (cf. Jo 10.9) ou “à porta da salvação”. 49
Enfurecidos com sua resposta, eles o levaram ao pináculo do templo e
repetiram a pergunta. Tiago respondeu: “Por que vocês me perguntam
novamente sobre o Filho do Homem? Ele está sentado à direita do Poderoso
no céu, e voltará em nuvem de glória”. Isso levou muitos dentre a multidão a
glorificar a Deus e exclamar: “Hosana ao Filho de Davi!” Os líderes
perceberam que haviam cometido um erro ao dar a Tiago uma oportunidade
de testemunho público e começaram a gritar em protesto: “Opa! Até o justo
cometeu um erro”. Eles agarraram Tiago, atiram-no ao chão e começaram a
apedrejá-lo. Como Estêvão, ele orou por seus executores, e um dos sacerdotes,
um recabita, gritou: “Parem! O que vocês estão fazendo? O justo está orando
por vocês!” Um pisoador ergueu a clava que usava em seu trabalho diário e
desceu-a na cabeça de Tiago, matando-o. Imediatamente, afirma Hegesippus,
Vespasiano os cercou.5"
Essa última observação, provavelmente reflete a crença popular que quando
a intercessão contínua de Tiago foi tão violentamente interrompida, a cidade
foi condenada; o período de oito anos entre a morte de Tiago e o cerco de
Jerusalém foi eliminado da memória coletiva.51
Quanto ao resto, ao ser retirados os adereços, a história é a seguinte: o sumo
sacerdote e seus colegas, alarmados com o crescimento do messianismo
militante que ameaçava envolver o país com o poder romano, exigiram que
Tiago repudiasse sua afirmação nazarena de que Jesus era o Messias. A recusa
em obedecer resultou em sua morte.
Outra grandiosidade lendária no relato de Hegesippus apresenta Tiago
usando vestes sacerdotais e recebendo o direito de entrar no santuário (a
própria casa santa, diferente dos pátios do templo).52 Em sentido literal,
naturalmente, isso era impossível; Tiago não pertencia à tribo de Levi e,
portanto, não poderia receber nenhum privilégio sacerdotal. Provavelmente, a
expressão é uma alegoria ao seu inabalável ministério de intercessão; talvez
reflita a crença de alguns cristãos judeus de que Tiago e seus sucessores na
liderança da igreja de Jerusalém, por causa do relacionamento deles com Jesus,
eram verdadeiros sumo sacerdotes do novo Israel, ministrantes do templo
espiritual composto de pedras vivas.53
A fonte do relato de Hegesippus parece ter sido um Ato dos Apóstolos
ebionita (uma contraparte da obra de Lucas) que narrava “as coisas feitas pelos
doze apóstolos na presença do povo no templo”.54 A literatura patrística faz
referência a essa obra,55 mas ela não foi preservada em sua forma original; ela
foi amplamente incorporada no que é conhecido como literatura pseudo-
Clementino.56 Uma seção desse Atos ebionita tratava das “subidas de Tiago”57
— possivelmente as ocasiões em que ele subiu ao templo e discutiu com os
chefes dos sacerdotes, afirmando (de acordo com um ensino ebionita
posterior) que o lugar deveria ser tratado como casa de oração e não um lugar
para sacrifícios de animais.
Na tradição ebionita posterior, Tiago aparece como bispo da santa igreja,
protetor e fiador da autêntica tradição de Cristo. Embora não seja um dos doze,
Tiago, seja o que ele for, é superior a eles; foi a ele, por exemplo, que Pedro
teve de relatar seu trabalho apostólico. Tiago foi auxiliado por um grupo de
líderes que se relacionavam com ele de maneira bem parecida com a qual os
membros do Sinédrio, de antes do ano 70 d.C., mantinham com o sumo
sacerdote, seu presidente por força de cargo.
Alguns aspectos dessa tradição podem ser considerados desfechos
exagerados de tendências já discerníveis no Novo Testamento. No que diz
respeito a qualquer disposição dos ebionitas para com Paulo — e parece que,
no geral, eles o estigmatizaram como o “inimigo” que semeava joio entre o
trigo58—, provavelmente asseveravam que ele, como também Pedro deviam se
reportar a Tiago e seus companheiros. Não é o próprio Lucas que relata como
Paulo e Barnabé informaram aos apóstolos e presbíteros de Jerusalém “tudo o
que Deus havia feito por intermédio deles” (At 15.4), e, como mais tarde, Paulo
deu a Tiago e aos presbíteros um relatório minucioso “do que Deus havia feito
entre os gentios por meio do seu ministério” (At 21.19)?
Nem todos os judeus cristãos dispersos eram ebionitas, mas foram estes que
se recordavam sempre de Tiago como seu apóstolo extraordinário. Os
ebionitas, contrários aos seguidores de Pedro, não tinham relacionamento
amigável com os seguidores de Paulo. Eles eram cada vez mais considerados
heréticos pelo cristianismo tradicional, parcialmente (e há razão para acreditar
nisso) por que adotaram princípios essênios e outros elementos do judaísmo
inconformista.59 Até o último dos ebionitas, eles se consideraram a verdadeira
igreja-mãe do cristianismo, guardiões da verdade segundo Jesus, receptivos à
liderança de sua família — os irmãos de Jesus e seus descendentes. Eles podiam
ser considerados heréticos e separatistas, porém isso não lhes abalou a certeza
de que eram o verdadeiro Israel e de que as igrejas gentílicas eram tão apóstatas
em uma direção quanto o judaísmo normativo era em outra.60 Os ebionitas
continuaram polemizando tanto um grupo quanto o outro, até que os seus
remanescentes, que ainda existiam por volta do século VII, foram carregados
pela crescente inundação do islamismo. Mas, até o fim, eles veneraram a
memória de Tiago, o Justo, “pelo nome de quem”, de acordo com uma
avaliação de sua importância, “céu e terra foram criados”.61
Notas

1. Um tratamento clássico é dado por J. B. Lightfoot, “The brethen of the Lord”,


Dissertação II anexada a Saint Paul’s Epistle to the Galatians (Londres, 1865), pp. 251-291.
2. Jerônimo, De viris illustribus, 2: esse relato, afirma Jerônimo, foi derivado de “o
Evangelho que é chamado ‘Segundo aos Hebreus’ e mais tarde foi traduzido por mim para
a fala grega e latina — uma obra de que Orígenes frequentemente fazia uso”.
3. Epifânio (Heresies, 78) argumentou que eles eram filhos de José com uma esposa
anterior. Assim, Helvídio, de Roma, reafirmou a interpretação (já mantida por Tertuliano
e outros) de que eles eram filhos de José e Maria, nascidos depois de Jesus. Jerônimo, em
resposta a Helvídio, propôs uma nova teoria: de que eles eram primos de Jesus, filhos de
Alfeu com “Maria de Clopas”, que segundo ele inferiu de João 19.25 era irmã da Virgem
(Aduersus Heluidiun de perpetua uirginitate beatae Mariae). Veja a recente discussão em R. E.
Brown, K. P. Donfried e outros (ed.), Maryin the New Testament (Londres, 1978), pp. 65-72,
270- 278, et passim.
4. Veja p. 20.
5. Veja p. 16.
6. Paulo diz ’érepov Sè rcôv àiTOoróÀwv OÚK CLSÔV d pqTaKCopov ròv àôeÀJiòu
roí) Küpíov. O comentário dej. B. Lightfot diz tudo o que precisa ser dito: ei |iq tem
(como sempre) força exceptiva, sendo a questão aqui “se a exceção refere-se à cláusula
toda ou somente ao verbo”. Na construção presente “o significado de crepov liga-o com
f i |iq, do qual não pode se separar sem desarmonia, e trepou inclui rcôv ánooróXwv,
nele” (Saint Paul’s Epistle to the Galatians, p. 84s.). Menos provável é a tradução oferecida
por L. P. Trudinger (“... A note on Galatians i.19”, Novum Testamentum 17 [1975], pp. 200-
202): “além do apóstolo, não vi ninguém exceto Tiago, o irmão do Senhor”. Conforme
Marius Victorinus, In episstulam Pauli and Gaiatas... (em G1 1.19), os simaquianos (ebionitas
) consideravam esse Tiago como o décimo segundo apóstolo (ed. A. Locher [Leipzig,
1972], p.14).
7. Veja p. 21. Naturalmente é possível que a seqüência de nomes corresponda à ordem
de primazia da época em que Paulo escreveu, e não à da conferência. Assim argumenta G.
Klein, “Galater 2, 6-9 und die Geschichte der Jerusalemer Urgemeinde”, ZTK57 (1960),
pp. 275- 295, especialmente pp. 282-286 (reimpresso em G. Klein, Rekonstruktion und
Interpretation (München, 1969), pp. 99-128, especialmente pp. 106- 109); veja resposta de
W Schmithals, Paul and James, E. T. (Londres, 1965), p. 49, n. 31, p. 83. n. 13.
8. Veja p. 27.
9. Veja p. 20.
10. Veja p. 20.
11. Veja p. 23.
12. Afinidades de vocabulário e estilo foram descobertas entre essa carta e a Carta de
Tiago; cf. J. B. Myor, The Epistle of St. James (Londres, 21897), p. iii s; W O. E. Oesterley,
“The General Episde of James”, The Expositor’s Greek Testament, ed. W R. Nicoll, iv
(Londres, 1910), p. 391s.
13. Talvez de Jr 12.15.
14. Sem esse acréscimo as palavras finais da citação grega significam “diz o Senhor que
faz isso”; com o acréscimo, uotúiv’ deve ser traduzido “faz” — “diz o Senhor que faz isso
(conhecido...)”. O acréscimo pode ser emprestado de Is 45.21. Esses mínimos acréscimos
e variações similares possivelmente resultam de combinação de testemonia em uma coleção.
15. Atos 15.21.
16. SI 18.43-48.
17. SI 47.8s.
18. A partícula acusativa 'et, que precede Terít (“remanescente”) em Hebreus e indica
que o substantivo é o objeto, foi ignorado pela tradução grega.
19. Cf. H. A. W Meyer, Critical and exegetical handbook to the Acts of the Apostles, E. T, ii
(Edinburgh, 1881), p. 57; C. C. Torrey, The composition and date of Acts (Cambridge, Mass.,
1916), p. 38s.
20. CD 7.15. Essa é uma aplicação sectária: o restabelecimento dos livros do Torá
coincide com a ascensão da comunidade da aliança.
21. 4QFlor 1.11-13. Nos dois textos Qumran: “Eu levantarei”, é exprimido por waw
consecutivo com o perfeito (wah‘qimôti} ao passo que o texto massorético traz o imperfeito
( aqim); é duvidoso que pudéssemos ver aqui “uma tradição textual comum” com Atos
15.16 (KOCI àvoiKOÔopfiow, em contraposição à LXX, àvaotriow), como é sugerido por
C. Rabin, The tyadokite documents (Oxford, 21958), p. 29.
22. Cf. Hersegippus, citado por Eusébio, Hist. Eccl. 2.23.4-7 (veja p. 100s.).
23. Como susgerido por C. Spicq, “L’épitre aux Hébreux: Apollos, Jean-Baptiste, les
Hellénistes et Qumrân”, Revue de Oumram 1 (1958- 59), pp. 365-390).
24. Cf. J. J. Scott Jr., “Parties in the church of Jerusalem as seen in the Book of
Acts”,Journal of the Evangelical Theological Society 18 (1975), pp. 217-227.
25. Literalmente “dezenas de milhares” (puptàôeç), mas isso é hipérbole: a população
normal de Jerusalém provavelmente não era mais que sessenta mil.
26. J. Munck, Paul and the salvation of mankind, E. T. (Londres, 1959), p. 240s.
27. E C. Baur, Paul: his life and works, E. T., i (Londres, 21876), pp. 201-204.
28. Veja W L. Knox, St. Paul and the church of Jerusalem (Cambridge, 1925).
29. “A igreja” de Atos 18.22 só pode ser a igreja de Jerusalém. O texto ocidental do
versículo 21 é bastante explícito: Paulo diz aos efésios: “Eu tenho de celebrar o próximo
festival em Jerusalém, e verei vocês quando retornar, se Deus permitir”.
30. Dessa auto-identificação — Hebreu ha‘eltyôním (“os pobres”)— os ebionitas (veja
p. 47s e 102s) receberam seu nome.
31. Creio que foi durante essa visita a Antioquia, durante o socorro aos que sofriam
com a fome, que ele e Barnabé se reuniram com os líderes de Jerusalém, descrita em G1
2.1-10.
32. Veja p. 50. Quando Mnasom é chamado “um discípulo antigo” (àp/aioç
pa0T)Tr|ç)entende-se que ele era discípulo desde o começo (àn àp/nç).
33. W. Schmithals, embora negue que esses irmãos eram principalmente helênicos,
afirma que a frase “só pode significar que a igreja de Jerusalém como tal recebeu Paulo
alegremente por meio dos membros que se encontravam na casa de Mnasom” (Paul and
/ames, p. 87).
34. J. D. G. Dunn, Unity and diversity in the New Testament (Londres, 1977), p. 257; cf. A.
J. Mattill Jr., “The purpose of Acts: Scheckenburger reconsidered”, em Apostolic History
and the Gospel, ed. W. W. Gasque e R. P. Martin (Exeter, 1970), p. 116.
35. J. D. G. Dunn, ibid.
36. Como defendido, por exemplo, por E. Stauffer, New Testament theology, E. T.
(Londres, 1955), p. 34. Provavelmente esse plano existia, mas atribuir sua promulgação a
Tiago e seus companheiros é ir além das evidências.
37. A atitude tranqüila de Paulo em relação ao assunto, no que dizia respeito aos
cristãos judeus, pode ser inferida de ICo 7.17-19.
38. Cf. At 21.15.
39. A desobrigação de um voto nazireu acontecia em um culto de gratidão a Deus,
como por exemplo, pela libertação de algum perigo ou outra situação difícil (cf. Nm 6.1-
21; Mishnah, tratado Natpr).
40. E altamente improvável que esse voto tenha sido feito por Áquila, como defende
A. Ehrhardt (The Acts of the Apostles [Manchester, 1969]), p. 100.
41. O Herodes Agripa sênior conquistou a reputação de piedoso por pagar as despesas
de muitos nazireus (Josefo, Ant. 19.294).
42. Os gentios não podiam ir além do pátio externo (por isso chamado de o pátio dos
gentios); essa proibição foi assinada pelos romanos que excepcionalmente permitiam que
autoridades judaicas aplicassem a sentença de morte a quem infringisse a ordem.
43. A. J. Mattill, “The purpose of Acts: Scheckenburger reconsidered” (veja p. 106, n.
34), p. 115s.; cf. Y -M. Park, The effect of contemporary conditions in the Jerusalem church on the
writing of the Epistle to the Romans (tese de Ph.D. não publicada, Universidade de Edinburg,
1979), pp. 204-213, 310-321.
44. J. D. G. Dunn sugere que “a aparente alta estima de Tiago entre os judeus
ortodoxos” deve ter sido usada em defesa de Paulo (Unity and diversity in the New Testament,
p. 256), mas é duvidoso que tenha influído muito no Sinédrio.
45. Josefo, Ant. 20.200s.
46. Cf. S. G. E Brandon, “The death of James the Just: a new interpretation”, em Studies
in mysticism and religion presented to G. G. Scholem..., ed. E. E. Urbach, R. J. Zwi Werblowsky,
C. Wirazubski (Jerusalém, 1967), p. 57s. O conflito sobre os dízimos é mencionado por
Josefo, Ant. 20.181. 205-207.
47. E C. Burkitt, Christian beginnings (Londres, 1924), pp. 65-71. Essa reconstrução
coloca um ponto de interrogação contra os argumentos de que há semelhanças de
vocabulário entre a carta apostólica de Atos 15.23-29 e a Carta de Tiago (veja p. 106, n.
12).
48. Cf. a saudação “às doze tribos dispersas entre as nações” em Tiago 1.1.
49. No hebraico há uma grande semelhança entre yT/l 'ah (“salvação”) cyesúa' (“Jesus”).
50. Citado por Eusébio, Hist. Eccl. 2.23.4-18. Clemente de Alexandria, Hypotyposes 6
(citado por Eusébio, Hist. Eccl. 2.1.5), refere-se a Tiago, o Justo, que foi atirado do pináculo
do templo e espancado até à morte com a clava de um pisoador, mas provavelmente ele
se baseia em Hegesippus.
51. Podemos comparar a interpretação conhecida da derrota militar de Antipas para
Aretas, no ano 36 d. C., como um castigo pela morte de João Batista, sete ou oito anos
antes (Josefo, Ant. 18.114- 119), ou a interpretação do assassinato de Pompeu, no ano 48
d. C., como castigo por sua intrusão sacrílega no santo dos santos, em Jerusalém, quinze
anos antes (Ps. Sol. 2.30-32).
52. Hegesippus, conforme citado por Eusébio, His. Eccl. 2.23.6.
53. Cf. A. Ehrhardt, The apostolic succession (Londres, 1953), p. 64s.
54. Essa citação resume o conteúdo do sétimo livro das Mensagens de Pedro, uma obra
ebionita composta de dez livros (Clementine recognitions 3.75). O Atos Ebionita
provavelmente serviu como fonte para Preachings of Peter, como também Preachings serviu
de fonte para a literatura pseudo-clementina.
55. E. G. Epiphanius, Heresies 30.16.7.
56. Ou seja, o Clementine recognitions e Clementine Homilies atribuídos fictciamente a
Clemente, de Roma. Veja pp. 18,102.
57. Epiphanius, Heresies 30.16.7.
58. No pseudo-clementino, Simão, o Mago, incansável oponente de Pedro, é algumas
vezes um tênue disfarce para Paulo.
59. Cf. O. Cullmann, “Die neuentdeckten Qumran-Texte und das Judenchristentum
der Pseudoklementinen”, em Neutestamentliche Studien fur Rudolf Bultmann, ed. W Eltester
(BZNW 21, 1954), pp 35-51.
60. O tratamento mais importante desse assunto é Theo/ogie und Geschichte des
judenchristentums, de H. J. Schoeps, (Tübingen, 1949). Um apêndice a essa obra (pp. 382-
456) trata em detalhe áo Atos dos Apóstolos ebionita.
61. Gospel of Thomas, afirmação 12: “Os discípulos disseram a Jesus: ‘Sabemos que o
senhor vai nos deixar; quem será nosso líder?’ Jesus lhes respondeu: ‘Ao chegarem no
lugar para onde vão, procurem Tiago, o Justo, em nome de quem céu e terra foram
criados’”. E óbvio que essa compilação egípcia depende (pelo menos, nesse ponto) de uma
fonte judaico-cristã (provavelmente ebionita).
Capítulo 4
João e seu círculo
Os vestígios de João em Éfeso

O primeiro trabalho evangelístico na província da Ásia foi empreendido nos


dois anos e meio ou três em que Paulo fez de Éfeso seu quartel-general, do
verão de 52 d.C. à primavera de 55 d. C. O trabalho realizado por Paulo e seus
companheiros foi tão produtivo nesse tempo que “todos os judeus e os gregos
que viviam na província da Ásia ouviram a palavra do Senhor” (At 19.10).
Antes de Paulo iniciar seu ministério, já havia “discípulos” em Éfeso e, talvez,
em outras cidades da província da Ásia, cuja influência, por mais deficiente que
o conhecimento deles sobre o Caminho pudesse ser, foi mínima, se comparada
com a do apóstolo.1 Também, como já vimos, a mensagem de lPedro
provavelmente indica algum contato do apóstolo com a Ásia Menor, no
entanto o nome de Pedro não faz parte da tradição cristã dessa área.
De fato, até mesmo o nome de Paulo não tem grande realce na tradição
cristã de Éfeso e outras cidades da Ásia. O nome mais constante da época
apostólica na tradição da Ásia e, especialmente, na de Éfeso, é o de João. A
prevalência de seu nome exige uma explicação, e o mesmo acontece com o
eclipse — pelo menos parcial — do nome de Paulo.
A ausência do nome de Paulo não nos surpreende, pois acontece aqui e ali
nos escritos finais do Novo Testamento. Ela é refletida nas duas vezes em que
Paulo se dirige aos presbíteros de Éfeso, em Atos 20.29 e versículos
subsequentes, e prevê ataques externos e distorções internas, e em 2Timóteo
1.15: “Você sabe que todos os da província da Asia me abandonaram”.
Percebe-se que houve um distanciamento dos ensinos e da autoridade de
Paulo. As informações quanto à natureza da questão são imprecisas. A carta
aos colossenses revela um conflito na província em data anterior, e outros
problemas podem ser vislumbrados nas outras cartas pastorais.3
Contudo, o final dos anos sessenta do século I testemunhou uma bem-vinda
revitalização do testemunho do evangelho em algumas partes da província. Isso
veio como resultado da imigração de muitos cristãos da Judéia, pouco antes da
revolta dos judeus em 66 d. C. Em sua maioria, esses cristãos não eram os
membros mais conservadores da igreja de Jerusalém (muitos dos quais,
praticamente ao mesmo tempo, migraram para o leste do Jordão); mas eram
membros progressistas da igreja de Cesaréia e de outras igrejas resultantes da
presença dos cristãos helênicos que, obrigados a deixar Jerusalém durante a
perseguição ocorrida logo depois da morte de Estêvão, iniciaram a missão
gentílica nas regiões vizinhas.4
Entre os que migraram para a província da Ásia havia cristãos muito
importantes, como Filipe, o evangelista, e suas filhas, cujos túmulos foram
descobertos algumas gerações mais tarde em Hierápolis, na Frigia, Ásia, 5 e
“João, o discípulo do Senhor”, ligado, de acordo com a tradição,
principalmente a Éfeso. A apreciação que a tradição faz de sua pessoa indica-
o como João, filho de Zebedeu, um dos doze; no vocabulário do Evangelho
de João, os doze não são chamados de apóstolos, mas simplesmente de
discípulos. Embora ele não tenha mesmo sido o fundador da igreja de Éfeso,
logo recebeu daquela igreja o prestígio que Pedro e Paulo desfrutavam na
tradição romana.
Um sinal visível dessa tradição de Éfeso pode ser testemunhado hoje na
colina de Ayasoluk, onde se encontram os escombros imponentes e
substanciais da basílica construída pelo Imperador Justiniano (527-565 d. C.)
em honra a São João, o divino. Essa designação sobrevive, de forma deturpada,
em razão do nome do local; Ayasoluk deriva do grego hágios theólogos, o “santo
divino”. Ayasoluk era de fato o nome da cidade que ficava ao pé da colina até
a expulsão dos gregos de Anatólia em 1923, quando se passou a chamar Selçuk
(que vantajosamente rima com Ayasoluk e tem quatro de seus fonemas).
Na Éfeso cristã, a basílica de São João, por séculos, usufruiu algo parecido
com a fama que o templo de Artemis usufruira na Éfeso pagã. Procópio, que
fala de sua construção, por Justiniano, afirma que o edifício “se parecia e que
rivalizava, em todos os aspectos, com o templo que ele dedicara a todos os
apóstolos na cidade imperial”6 (Constantinopla), descrevendo-o como “o
santuário mais sagrado em Éfeso, tratado com honra especial”.7
Em 1090, a basílica foi seriamente arruinada na invasão dos turco-
otomanos. Em 1927 e anos subsequentes, o local de suas ruínas foi escavado
por arqueólogos australianos, que descobriram que o templo de Justiniano foi
construído ao redor de uma antiga igreja quadrada, cuja abóbada em forma de
cruz apoiava-se em quatro pilares finos.8 A antiga igreja provavelmente foi
construída no século IV, por Teodósio I ou, até mesmo, por Constantino, o
Grande. Se a analogia das famosas construções de Constantino em Roma e
Jerusalém for relevante, o local na colina de Ayasoluk foi escolhido graças à
crença ou tradição de que São João fora enterrado ali. Na verdade, sob a igreja
do século IV foi encontrado um sistema de galerias subterrâneas, e uma delas
ficava diretamente embaixo do altar. Em certa época, o acesso a elas era feito
por uma escadaria estreita e íngreme, que, mais tarde, foi quase totalmente
bloqueada, exceto por uma passagem de ar cuja abertura ficava perto do altar.
Se o caminho foi ou não bloqueado antes do Concilio de Éfeso, em 431, isso
aconteceu por razões mais sérias que as reclamações dos bispos sírios,
presentes no evento, de que, após viajar tão longas distâncias, sentiam-se
cansados demais para cultuar no túmulo do “três vezes abençoado João, divino
evangelista, a quem foi permitido acesso íntimo a nosso Salvador”.9
Algum tempo antes do Concilio de Éfeso, Augustino de Hipona relatou um
boato de que a terra sobre o túmulo de João, em Éfeso, movera-se visivelmente
para cima e para baixo, como se alguém estivesse respirando lá no fundo. 10 Se
os sírios que participaram do Concilio ouviram esse boato, talvez tenham
ficado ainda mais frustrados de não poder verificar o acontecimento com seus
próprios olhos.
Muito tempo se passou desde que o último grupo cristão da área cultuou
junto ao túmulo de João, porém a basílica desfrutou um momento de glória
recente, em 1967, quando o Papa Paulo VI visitou o lugar e, segundo os
registros em turco e latim, orou (preces effudif) no local sagrado.

João, o divino.

Quem é João, o divino — o theologos— que deu nome à colina e à vila que a
cercava?
Para os leitores da Bíblia em inglês, a denominação “João, o divino” está
associado ao último livro do Novo Testamento, intitulado nas versões
autorizadas e revisadas de “A Revelação de São João, o divino” — seguindo o
precedente de vários manuscritos medievais." Contudo, quando a designação
“o divino” foi vinculada, em particular, a São João, não antes do século III
(pelo que sabemos), ela foi feita em relação ao evangelista, o autor do Logos-
prólogo, e não ao profeta de Patmos. Se o evangelista foi identificado como o
profeta de Patmos, que assim seja; então afirmaremos simplesmente que essa
designação lhe foi dada muito mais como o evangelista que como o profeta de
Patmos.12 Essa questão de identidade não é o que mais nos preocupa aqui,
porém temos de observar que, dos cinco documentos “joaninos” no Novo
Testamento , o Apocalipse é o único que declaradamente foi escrito por um
homem chamado João (os outros quatro são anônimos). Nos primeiros séculos
cristãos, no entanto, João, o profeta de Patmos, era geralmente identificado
com João, o apóstolo, filho de Zebedeu, com o João do Quarto Evangelho e
com “o discípulo a quem Jesus amava”, mencionado repetidamente nos
capítulos finais do quarto evangelho.13 As pessoas que não identificavam o
profeta de Patmos com o quarto evangelista, quer em bases literárias (como
Dioníso de Alexandria) quer em bases teológicas (como Eusébio de Cesaréia),
eram as exceções.14
O testemunho de Policrato

Ao fim do século II, Policarpo, no debate entre Polícrates, bispo de Éfeso,


e Victor, bispo de Roma (c. 189- 199), sobre o modo apropriado de celebrar a
Páscoa, defende a tradição do décimo quarto — a prática de celebrar a Páscoa
no décimo quarto dia conforme o mês lunar apropriado, 15 de acordo com o
costume judaico, não importando em que dia da semana a data caísse. Ele
invoca a autoridade da grande stoicheia (i.e. com efeito, cristãos da idade
apostólica)16 que morreram e foram sepultados na província da Ásia. Entre
esses, Polícrates menciona “João, que se reclinou no colo do Senhor, o
sacerdote que usava a mitra e a testemunha e mestre; ele repousa em Éfeso”.17
Aqui, o João que se estabeleceu na Ásia é identificado como o discípulo amado
que, no relato do quarto evangelista sobre a última ceia, reclinou- se “ao lado”
de Jesus e perguntou-lhe quem seria o traidor (Jo 13.23-25). A afirmação de
que ele era um “sacerdote que usava a mitra” nos faz parar e pensar. O petalon
(termo grego), como referido na Septuaginta, não é a mitra do sumo sacerdote
e sim a placa de ouro presa a ela, contendo a inscrição “Consagrado a Yahweh”-
,essa placa era usada apenas pelo sumo sacerdote, e não pelos sacerdotes
comuns. Não sabemos o que Polícrates entendeu sobre essa menção. Pode ser
um simples erro, resultante de uma confusão sobre o João, discípulo, e o João
que, de acordo com Atos 4.6, era “da família do sumo sacerdote”. (Esse João
sumo sacerdotal é praticamente desconhecido, a não ser que sigamos o texto
ocidental e leiamos “Jônatas”. Se for assim, ele, supostamente, é Jônatas, filho
de Anãs, que, por alguns meses, em 36-37 d.C., sucedeu Caifás na posição de
sumo sacerdote.)19
Por outro lado, a linguagem deve ser (e provavelmente é) figurativa, e, nesse
caso, devemos nos lembrar que Hegesippus afirmou que Tiago, o Justo, “era o
único a ter permissão para entrar no santuário, porque, de fato, ele não usava
roupa de lã, mas de linho”.20 Isso parece dar a Tiago privilégios sacerdotais, se
não sumo sacerdotais, que certamente não lhe pertenciam por nascimento e os
quais, provavelmente, devem ser interpretados como metáforas. O petalom que,
de acordo com Polícrates, João usou deve ter significado metafórico seme-
lhante.

O testemunho de Ireneu

Outros autores, mais ou menos contemporâneos de Polícrates, pressupõem,


em vez de confirmar, a ligação de João com Éfeso. Clemente de Alexandria,
por exemplo, diz que, depois da morte de Domiciano (96. d. C.), “João, o
apóstolo” mudou-se da ilha de Patmos para Éfeso — uma afirmação que talvez
tenha sua origem em Hegesippus.21 Por esse tempo, Ireneu, em seu tratado
Against heresies [Contra heresias], chama a igreja de Éfeso de “a verdadeira teste-
munha da tradição dos apóstolos”, uma vez que não só foi fundada por Paulo,
como também proveu um lar para João, que ali permaneceu até à época de
Trajano.22
Quando Ireneu escreveu seu tratado, ele era bispo de Lion, em Gaul,
embora fosse nativo da província da Ásia e tenha passado a primeira parte de
sua vida ali. Quando jovem, ele conheceu Policarpo, bispo de Esmirna, que,
em 156 anos, foi martirizado com a idade avançada.23 Policarpo, diz Ireneu,
“não só foi ensinado pelos apóstolos que haviam estado com Cristo, mas
também foi nomeado pelos apóstolos, na Ásia, bispo da igreja de Esmirna”.24
O plural generalizado “apóstolos” é usado aqui em sentido amplo (talvez
significando aqueles que tinham estado com o Senhor), Ireneu, porém, deixa
claro que o apóstolo que ele tinha em mente era João.
A referência mais circunstancial, que Ireneu faz ao relacionamento entre
Policarpo e João, aparece em sua carta a Florinus, um amigo antigo que (aos
olhos de Ireneu) havia se desviado da fé verdadeira. Ele lembra a Florinus
como na juventude os dois haviam frequentado a casa de Policarpo:
Lembro-me dos eventos daqueles dias mais claramente do que os acontecidos
em dias recentes, de modo tal que posso mencionar o exato lugar onde o
abençoado Policarpo sentava-se e discursava. Posso dizer como ele ia e vinha,
seu estilo de vida, sua aparência física e seus discursos ao povo. Lembro-me de
como ele falava de seu companheirismo com João e com os outros que haviam
estado com o Senhor, de como ele se recordava das palavras deles e das coisas
que eles lhe falaram a respeito do Senhor, em relação a seus milagres e ensinos.
Policarpo recebeu essas coisas daqueles que deram testemunho da palavra da
vida25 e relatou-as em toda conformidade com as escrituras.26
Por várias razões, Ireneu não pode ter nascido depois de 140 d.C.; ele era
adolescente quando se sentou aos pés de Policarpo e, como ele mesmo diz, as
impressões recebidas nessa fase da vida permanecem tenaz e vividamente na
lembrança, mesmo quando (ou especialmente porque) acontecimentos mais
recentes começam a se desbotar.
Ireneu, assim como Polícrates, escreveu ao Papa Victor sobre a controvérsia
da Páscoa e afirmou que Policarpo sempre havia seguido a contagem do
décimo quarto “na companhia de outros apóstolos com quem se
relacionava”.27
Para contrapor-se ao relato de Ireneu sobre Policarpo temos Life of Polycarp
[A vida de Policarpo], obra de Piônio, escrita por volta de 250 d. C., a qual não
faz menção alguma ao relacionamento de Policarpo com João.28 Contudo,
mesmo que essa obra não seja totalmente fictícia, como J. B. Lightfoot supõe,29
ela não pode ser comparada em importância às evidências do testemunho de
Ireneu, e as fortes convicções de Piônio contra o décimo quarto seriam
suficientes para mantê-lo de boca fechada a respeito de João, que era invocado
como a mais alta autoridade para a prática do décimo quarto.30

O testemunho de Papias

Outra testemunha das últimas décadas do século II é o prólogo


antimarcionita ao quarto evangelho.31 O original grego desse prólogo
desapareceu: seu texto sobreviveu de forma deturpada em versão latina
traduzida mais ou menos assim:
O Evangelho de João foi publicado e entregue às igrejas por João, enquanto
ele ainda estava vivo, conforme relatou Papias, cidadão de Hierápolis e querido
discípulo de João, em seus cinco livros exegéticos.32 Na verdade, ele copiou o
evangelho cuidadosamente enquanto João o ditava. Marcião, o herético,
porém, foi repelido por João, em virtude de suas opiniões contrárias. Ele havia
lhe entregado documentos e cartas de irmãos que estavam em Ponto.
A referência a Marcião é deturpada; ela, provavelmente, se refere a Papias,
mas certamente não a João, pois Marcião veio de Ponto, e Papias
evidentemente o rejeitou de imediato, como Policarpo o fez.33 Quanto à
afirmação de que Papias era um “querido discípulo de João”, como também
foi seu amanuense, ela é cronologicamente possível e nenhum fato conhecido
prova o contrário. No entanto, o autor do prólogo dependia de Papias para
obter essa informação e é provável, como Lightfoot insinuou, que ele tenha
compreendido mal a frase de Papias “eles copiaram” (para referir-se aos
membros da escola de João), pois a entendeu como “Eu copiei”.34
Quanto às declarações de Papias a respeito de João, elas sobreviveram em
um famoso fragmento citado por Eusébio — fragmento datado de meio século
antes de qualquer testemunho citado até agora.
Papias, bispo de Hierápolis, no vale de Lycus, na primeira metade do século
II, foi contemporâneo de Policarpo. Papias, de acordo com Ireneu, foi amigo
de Policarpo e, como ele, “um ouvinte de João”.35 Eusébio, contudo, em
relação a esse tópico, após citar Ireneu, diz que Papias nunca afirmou ter sido
ouvinte e testemunha dos apóstolos sagrados; ao contrário, indica que conhecia
seus ensinamentos por vias indiretas.34’
Papias compilou em cinco volumes An exegesis of the dominical logia [Uma
exegese de ditos dominicais],37 há muito desaparecidos, a não ser por citações
preservadas em obras de Ireneu e Eusébio. É provável, embora incerto, que a
logia do título sejam oráculos ou provérbios de Jesus. Se as expressões dos
antigos profetas pudessem ser consideradas oráculos divinos, 38 as palavras do
Senhor dos profetas tinham a fortiori o direito de ser assim descritas. Papias,
evidentemente, preferiu fazer sua compilação com base na tradição oral, em
vez de consultar registros escritos, pois na introdução de seu trabalho ele relata
desta maneira seu procedimento:
Não hesitarei em compilar para vocês, junto com as interpretações, todas as
coisas que aprendi muito bem com os presbíteros e tenho conservado
claramente na memória, pois estou convencido de suas verdades. De forma
distinta da maioria das pessoas, não me agradei dos que têm muito a dizer, e
sim dos que ensinam a verdade — daqueles que documentam não os
mandamentos de homens, mas os mandamentos dados pelo Senhor a respeito
da fé e as consequências da própria verdade. Se alguém que tivesse estado em
companhia dos líderes cruzasse meu caminho, eu indagaria sobre as palavras
desses líderes. “O que”, perguntaria eu, “André ou Pedro disse ou Filipe, ou
Tomé, ou João ou Mateus ou quaisquer outros dos discípulos de Jesus
ensinaram? O que Aristion e João, o ancião, discípulos do Senhor ensinaram?”
Nunca achei que os ensinos dos livros pudessem me ajudar tanto quanto o que
ouviria de viva e fiel voz.39
Esse resumo foi preservado por Eusébio. Se, em alguns trechos, ele é
ambíguo, a causa talvez seja parcialmente por ignorarmos seu contexto (que
desapareceu) e parcialmente pela imprecisão do estilo grego de Papias.40
Papias, com o uso de “presbíteros” (presbyteroi) provavelmente, quis dizer,
como Ireneu disse mais tarde,41 aqueles primeiros líderes cristãos que haviam
conhecido os segui dores imediatos de Jesus — líderes da segunda geração de
cristãos. Esse uso talvez deva sua existência à afirmação do Antigo Testamento,
a saber, de que “Israel serviu ao SENHOR durante toda a vida de Josué [a
primeira geração pós- assentamento] e todos os dias dos líderes [LXX
presbiteroi] que lhe sobreviveram [segunda geração]” (Js 24.31; Jz 2.7.)
Nessa passagem, não devemos desviar nossa atenção para outros problemas
interpretativos, mas, antes, nos concentrar nas duas referências a João. Quando
Papias conhecia um dos líderes (ou alguém que estivera com Jesus) que havia
conhecido os discípulos do Senhor, ele perguntava o que a pessoa tinha ouvido
dos discípulos. Um dos discípulos em questão era João, mencionado com
André, Pedro, Filipe,42 Tomé e Mateus; todos eles, segundo sabemos, fizeram
parte dos doze. Há, porém, outra referência a João, que não só é contado entre
os discípulos de Jesus, como também é chamado de “o presbítero”. Essas duas
referências são a respeito do mesmo João ou a duas pessoas com o mesmo
nome? Não há como saber. Se “presbítero”, quando aplicado a ele, tem o
mesmo significado que parece ter em outros lugares do texto, então a segunda
referência seria a um João da geração pós-apostólica. Em relação a um João,
Papias pergunta: “O que ele disse?”; e em relação ao outro: “O que ele diz?”.
No entanto, o segundo João, da mesma forma que o primeiro, é chamado de
um dos “discípulos do Senhor”. Seria ele o Nestor dos discípulos originais, que
sobreviveu aos outros discípulos por uma geração, e, por essa razão, é chamado
de “o presbítero” por excelência? Não negligenciamos Aristion, mencionado
na segunda referência ao lado de João, como um “discípulo do Senhor”. Nada
mais, porém, pode ser dito a respeito dele, já que aparece somente em Papias
que, de acordo com a interpretação que Eusébio fez de suas palavras, “ouviu
pessoalmente Aristion e o presbítero João... e transmite o ensino deles em seus
escritos”.43
A primeira referência não infere nenhuma associação de João com a
província da Ásia, assim como não o faz com nenhum dos outros doze ali
mencionados; porém tal associação pode estar contida na segunda referência:
“O que Aristion e João, o presbítero, discípulos do Senhor, dizem?” As pessoas
questionadas por Papias talvez fossem de sua própria província da Ásia, e elas
teriam mais oportunidades de ouvir o que Aristion e “João, o presbítero”
ensinavam no momento, se os dois estivessem acessíveis na mesma província.
Eusébio entendeu que Papias se referia a dois homens chamados João, e é
possível que estivesse certo. Mas ele tinha um interesse especial em distinguir
um do outro, uma vez que não apreciava o quiliasmo de Apocalipse e achou
inapropriado que uma doutrina tão inaceitável fosse revestida com a autoridade
do quarto evangelista, que ele, inquestionavelmente, identificava como João, o
apóstolo. Contudo, o Apocalipse afirma explicitamente ter sido escrito por um
homem chamado João. Aqui, Papias, de acordo com a interpretação de
Eusébio, faz menção clara a outro João, inferior, que pode muito bem ser
identificado como o profeta de Patmos, e deixa o João mais importante sem a
mancha da fantasia quiliasta.
Embora a maioria dos estudiosos modernos, incluindo os conservadores
importantes do século XIX, como S. P. Tregelles e J. B. Lightfoot,44
concordasse que Eusébio estava certo ao entender que Papias se referia a dois
homens chamados João, outros têm afirmado que Papias fez duas referências
(embora não tenha se expressado claramente) ao mesmo João; entre estes estão
F. W. Farrar, George Salmon, Theodor Zahn, John Chapman, Lawlor e
Oulton, C. J. Cadoux e Stephen Smalley.45 A questão não está encerrada.
Um outro assunto exige atenção antes que deixemos Papias de lado. Um
manuscrito de Chronicle [Crônica], (mais ou menos, do ano 840) de Georgios
Hamartolos, afirma que Papias de Hierápolis, ao escrever como “testemunha
ocular de João”, registrou, em seu segundo livro, que João foi “morto pelos
judeus”, cumprindo assim, junto com seu irmão, a previsão de Cristo a respeito
deles”46 — uma referência à certeza de Jesus de que os dois filhos de Zebedeu,
em Marcos 10.38, beberiam de seu cálice e compartilhariam de seu batismo.
Mas essa interpretação peculiar de um manuscrito da obra de Georgio pode ter
sido interpolada a partir de uma afirmação escrita em um epitome do século V,
Chronicle [Crônica], de Philip de Sidé: “Em seu segundo livro, Papias afirma que
João, o divino, e seu irmão, Tiago, foram mortos pelos judeus”47.
Quando o texto de Chonicle [Crônica], de Philip, foi publicado pela primeira
vez, em 1888, alguns estudiosos entenderam que Papias, sem dúvida alguma,
deve ter dito algo parecido com isso.48 Mas se disse, é estranho que Eusébio
não tenha feito nenhuma referência ao assunto. Se ele soubesse do fato,
certamente o teria citado como evidência conclusiva de que Papias, como ele
declarou, era um homem de pouquíssima inteligência.49 Um exame crítico da
afirmação atribuída a Philip leva à conclusão de que ela é uma modificação de
uma passagem que inicialmente relatava a morte de Tiago, o Justo (não Tiago
filho de Zebedeu), o irmão do Senhor (não o irmão de João).50 A evidência
sobre a qual o “mito crítico” da morte prematura de João, o apóstolo, se apóia
é tão superficial que, como A. S. Peake afirmou, “teria sido ridicularizada, caso
fosse mencionada em favor de uma conclusão conservadora”51 (o que significa,
e com razão. que alguns conhecidos de Peake foram atraídos a ela em virtude
de seu acentuado desvio da voz predominante da tradição).

O testemunho de Dionísio

Cinquenta anos antes dos escritos de Eusébio, Dionísio, bispo de


Alexandria, levantou uma hipótese muito mais persuasiva para determinar os
autores do quarto evangelho e de Apocalipse. Dionísio apresentou argumentos
estilísticos e outros para refutar a tradição de que o João, que se apresenta como
autor de Apocalipse, seja também o quarto evangelista, que ele acreditava ser
João, o apóstolo. Dionísio considerava o autor de Apocalipse “um homem
santo e divinamente inspirado”, mas achava que ele era “um (João) entre
muitos que vivam na Ásia, acrescentando que, de acordo com os registros,
existiam “dois túmulos em Éfeso, e os dois eram tidos como o de João”. 52
Dionísio não menciona as duas referências de Papias a João; talvez não as
conhecesse ou talvez não as considerasse relevantes. Eusébio, contudo,
descobriu no relato dos dois túmulos de João em Éfeso, uma confirmação do
que havia concluído dos escritos de Papias.
Claro que o fato de dois locais serem apontados como o túmulo de uma
personagem histórica não significa que ela tenha sido duplicada. Sabemos que
em um período do século III ou IV, dois locais foram venerados em Roma
como o túmulo de Pedro, e dois, como o túmulo de Paulo;53 todavia ninguém
concluiu que existiram dois Pedros ou dois Paulos. Quem visita Jerusalém hoje
é levado a conhecer dois locais aclamados como o lugar onde Estêvão, o
primeiro mártir, foi apedrejado, porém só existiu um Estêvão. Mais importante
ainda, os visitantes têm oportunidade de conhecer dois lugares indicados como
os da crucificação e do sepultamento de Jesus — um reflete a tradição do
século IV (ou talvez século II), e o outro, a tradição do século XIX — mas
ninguém tirou nenhuma conclusão bizarra sobre identidade dupla dc Jesus em
virtude disso.
As duas tradições funerárias que Dionísio registrou parecem ter sobrevivido
desde Éfeso até o presente século. Pelo menos, foi-nos assegurado que,
durante um tempo, os antigos habitantes gregos de Ayasoluk “costumavam
cultuar, decorar com guirlandas e iluminar um túmulo em forma de arco,
simples, cortado na rocha, um pouco ao leste do antigo estádio (de Éfeso),
como o local onde São João foi sepultado”.54 Robert Eisler, que acabei de citar,
mostra um retrato do túmulo de pedra em questão;55 para que ninguém pense
que sua autoridade é duvidosa, e devo acrescentar que ele não é o único autor
moderno a apoiar essa tradição.56
Eisler acreditava que existia uma referência a esse túmulo encravado na
rocha, em um manuscrito grego, Acts of John [Os atos de João], do século XI, que
explicava que, quando os amigos de João foram remover seu corpo do túmulo
(orygma) temporário para enterrá-lo na “grande igreja”, não encontraram nada.57
A referência à “grande igreja” significa que, agora, a basílica de Justiniano
existia, de maneira que essa passagem não faz parte do Acts of John [Os atos de
João] original (mesmo que esse Acts [Os atos] não tenha nenhum valor histórico).
Ele pode refletir a mesma tradição local que Dionísio mencionou séculos antes,
mas não temos como saber — assim como não podemos saber se o túmulo
venerado mais recentemente, nas vizinhanças do estádio, seja prova da
continuidade da tradição.

O círculo Joanino

Desde os tempos de Dionísio de Alexandria, sempre houve estudiosos que,


fundamentados no estilo ou em outros elementos, têm distinguido o João, que
escreveu o Apocalipse, do João, o quarto evangelista.58 Nem todos eles, como
o próprio Dionísio e Eusébio, identificam o evangelista como João, filho de
Zebedeu, e o profeta de Patmos como o outro João. Justino, o Mártir, ao
escrever na metade do século II, determinou que o profeta de Patmos era o
apóstolo;59 alguns estudiosos modernos acham mais provável que o apóstolo
seja o autor de Apocalipse, e não o do quarto evangelho. C. J. Cadoux
descobriu a evidência que leva “à conclusão que o apóstolo João viveu em
Éfeso até uma idade bastante avançada e foi o autor do ‘Apocalipse’”. 60 Por
outro lado, não admitiu de forma alguma a autoria apostólica do quarto
evangelho.
Mas era geralmente aceito que as três Epístolas de João (especialmente a
primeira) era do mesmo autor do quarto evangelho. Quando, em 1911, Dom
John Chapman escreveu que “nenhum crítico em sã consciência negaria que o
evangelho e a primeira carta vieram da mesma pena”,61 ele teria ganho
aquiescência da grande maioria dos estudiosos britânicos. Supostamente,
Chapman excluiu da categoria de “críticos sãos” alguns escritores
(principalmente alemães) que haviam apresentado diferentes autores para os
dois documentos. Em 1936, C. H. Dodd, alguém a quem ninguém chamaria
de estudioso insano, fez, porém, uma palestra sobre “A primeira epístola de
João e o quarto evangelho” e argumentou, com fundamentos linguísticos e
teológicos, que o autor da epístola não era o evangelista, mas um de seus
discípulos.62 Ele ampliou seu argumento em sua obra Moffatt comentary on the
epistles of John [Moffatt: comentários sobre as epístolas de João], publicada em 1946.63
No ano seguinte, outro famoso estudioso joanino da mesma geração, W F.
Howard, submeteu o argumento de Dodd a um exame cuidadoso e concluiu
que “o evangelho e a epístola têm tanto em comum, tanto em relação à
linguagem quanto em relação ao raciocínio, que a evidência presumida favorece
a unidade substancial da autoria”.64
Nosso objetivo agora não é investigar os relacionamentos literários dos
documentos joaninos do Novo Testamento. No entanto, esses mesmos
documentos indicam a existência do que pode ser chamado de “círculo
joanino”65. Vêm-nos à mente os escritores anônimos, cuja observação no final
do quarto evangelho atribui a autoria ao discípulo amado, acrescentando
“sabemos que seu testemunho é verdadeiro” 0o 21.24). Lembramo-nos
também dos recipientes de l João, a quem o escritor chama de “filhinhos”; da
senhora eleita e seus filhos mencionados em 2João; de Gaio, Demétrio e outros
amigos que receberam menção honrosa em 3João. O autor de 2 e 3 João chama
a si mesmo de “o presbítero” — um título pelo qual, supostamente, ele era
conhecido por esses amigos. O autor de l João não invoca título nenhum a si
mesmo, todavia, como chama seus leitores de “filhinhos”, pode ser que eles
também o chamassem de “o presbítero”, significando apenas (e
afetuosamente) “o velho”. A coincidência entre essa designação nas cartas
joaninas e na menção que Papias faz de “João, o presbítero” pode ser mera
coincidência, mas também pode ser mais que isso.
Na metade do século VII, duas dissertações importantes apareceram no
círculo joanino. Uma, escrita por Oscar Cullmann, dedicava-se “à origem,
caráter e ambiente do ‘círculo joanino’, que sustenta o (quarto) evangelho e dá
prosseguimento à sua preocupação teológica. Ele acrescenta: “A existência
desse círculo, dificilmente, pode ser contestada”.66
A outra dissertação, cujo autor é R. A. Culpepper, vai além de considerar
um “círculo” indefinido, argumentando que existia uma “escola” joanina bem
definida, a qual reproduzia características permanentes encontradas em outras
escolas da antiguidade de tradições gregas e judaicas — as escolas filosóficas
dos gregos e as escolas rabínicas dos judeus (sem excluir a “escola” a que os
discípulos de Jesus pertenciam).67
O círculo ou escola joanina tinha seus líderes, entre os quais se distinguem
o(s) autor(es) dos registros joaninos. Uma conjectura a respeito de suas
identidades e relacionamentos é apresentada, experimentalmente, por C. K.
Barrett: “que o evangelista, o autor — ou autores...— das epístolas, e o editor
final de Apocalipse eram discípulos do escritor original do Apocalipse. Essas
pessoas desenvolveram o trabalho do autor em linhas similares, mas foi o
evangelista quem entendeu mais claramente como a teologia cristã escatológica
poderia ser re-expressada na linguagem do pensamento helênico, e, de fato,
entendeu isso tão claramente que ficou bem adiante de seu tempo”.68
O professor Barrett reconhece a ligação entre o Apocalipse e o Evangelho
de João; na verdade, apesar de suas diferenças óbvias, os dois escritos têm um
número impressionante de características comuns, que certamente se originam
do mesmo círculo. Se o autor de Apocalipse foi João, filho de Zebedeu (o que
não é de todo improvável), ele poderia ser considerado fundador do círculo,
que, portanto, seria chamado com muita propriedade de círculo joanino. Se
“João, o presbítero” de Papias não é o João, o filho de Zebedeu, então ele pode
ser considerado um membro importante do círculo e, possivelmente, aquele
que se tornou líder depois da morte do apóstolo.”69
Em um artigo publicado em 1930,70 Alphonse Mingana referiu-se a alguns
manuscritos PESHITTA que apresentam um estudo, atribuído a Eusébio, o qual
faz um breve relatório sobre cada um dos doze apóstolos e dos setenta
discípulos (embora Eusébio afirme que “nenhuma lista dos Setenta sobreviveu
em lugar algum”).71 A seção sobre João, traduzida da citação síria de Mingana,
é a seguinte:
João, o Evangelista, também era de Betesda. Ele era da tribo de Zebulom.
Ele pregou primeiramente na Ásia antes de ser banido por Tibério César para
a ilha de Patmos. Depois, foi para Éfeso, onde estabeleceu a igreja. Três de
seus discípulos o acompanharam; João morreu e foi sepultado em Éfeso. [Os
três eram] Inácio, que se tornou bispo de Antioquia e foi jogado às feras em
Roma; Policarpo, que se tornou bispo de Esmirna e coroado [como mártir] na
fogueira; João, a quem ele comissionou o sacerdócio e o episcopado depois de
si. Depois, ele [o evangelista], após uma longa existência, morreu e foi
sepultado em Éfeso, onde havia sido bispo. Ele foi enterrado por seu discípulo
João, que se tornou bispo de Éfeso [depois dele], cidade onde se encontram os
túmulos dos dois; o do evangelista, em local desconhecido; o de João, seu
discípulo, que escreveu o Apocalipse (gelyanè), pois ele afirmou que escreveu
tudo o que ouviu da boca do evangelista.
Essa seção, embora não seja obra de Eusébio, certamente é baseada nele e
em seu relato sobre a perspectiva de Dionísio de Alexandria sobre o
Apocalipse. Contrário à Dionísio e Eusébio, porém, ela não torna o segundo
João autor de Apocalipse, mas simplesmente o amanuense do apóstolo, que
foi o verdadeiro autor — a não ser que, verdadeiramente, como alguns pensam,
o plural “Revelações” refira-se não ao Apocalipse, mas ao evangelho. Nesse
caso, um precedente seria estabelecido para os autores de nossos dias que,
acreditando na existência de um segundo João em Éfeso, consideram-no,
quanto aos escritos do evangelho, o amanuense do apóstolo (ou mais que isso).
A afirmação de que João foi banido de Patmos por Tibério deve ser
considerada pura bobagem, aconselhando-nos a não levar a passagem tão a
sério.
Esse tratado sírio oferece pouquíssima evidência independente para a moradia
e episcopado do segundo João em Éfeso. Alphonse Mingana, porém, proveu
informações adicionais interessantes. Os manuscritos PESHITTA,
normalmente, apresentam este colofao* depois do quarto evangelho: “Aqui
termina o Evangelho de João, que falava grego em Éfeso”. Contudo, um
manuscrito (Mingana siríaca 540) apresenta esse colofão único: “Aqui termina
o santo evangelho — a pregação de João que falava grego na Bitínia" e também
um prefácio único: “O santo evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo — a
pregação de João, o mais moço” (Yuhanan na'ara). O manuscrito é datado de
1749, mas foi copiado de outro que Mingana datou de mil anos mais cedo.
Mingana sugere, muito cuidadosamente, que esse “João mais moço” foi o
discípulo do apóstolo mencionado no estudo acima referido; nesse caso,
porém, o apóstolo deve ter sido (pelo menos em relação a ele), o João mais
velho. A referência que o colofão faz à Bitínia talvez não passe de um erro de
ignorância. W F. Howard resumiu a descoberta de Mingana com esta
advertência: “Por mais interessante que seja, dificilmente podemos considera-
la mais que um palpite bastante irresponsável de algum escriba posterior na
história da transcrição do evangelho”.72 Ela coloca-se na mesma categoria que
as observações sobre o autor, o amanuense, a cidade de sua origem etc.,
anexadas a várias epístolas do Novo Testamento, que a versão autorizada usou
do Textus Keceptus.
Como já falei, identificar João, o autor do Apocalipse, como o filho de
Zebedeu, não é de todo improvável. Contudo, isso não seria aceito
universalmente. Primeiro, porque o autor afirma ser profeta, não apóstolo; 73
segundo, porque, se Tertuliano, ao descrever João como in insulam relegatus,74
estiver usando a terminologia legal acurada, então, conforme se argumenta,
João deve ter pertencido ao honestiores, a classe mais bem conceituada da
sociedade, quer fosse romana quer fosse judaica.75 Vitorino de Petau (falecido
em 303), o mais antigo comentarista latino do Apocalipse, afirma que João foi
sentenciado ao trabalho penal em minas ou pedreiras (in metallo) de Patmos;76
contudo, não existem evidências desses locais em Patmos, nem de que
criminosos fossem sentenciados a trabalhos pesados.77 J. N. Sander, que, a
partir de referências feitas por Tertuliano, concluiu que João de Patmos
pertencia às classes mais altas da sociedade judaica, argumentou que se o
relegatio de João foi imposto em razão de suas atividades cristãs —“devido à
Palavra de Deus e ao testemunho de Jesus”, conforme ele mesmo afirma (Ap
1.9) — isso deve ter acontecido antes que tais atividades resultassem em pena
de morte, ou seja, antes de 64/65 d. C.; e que ele talvez seja o “outro discípulo”
mencionado em João 18.15, e versículos subsequentes, que era “conhecido” e,
possivelmente, parente do sumo sacerdote.78 Sander foi mais adiante na estrada
da especulação, mas, a não ser que a especulação seja controlada por rédeas
curtas, ela perde toda a credibilidade muito rapidamente. Assim, deixemos as
coisas como estão.
Um apóstolo, apenas para esclarecimento, não está impedido de exercer o
dom da profecia só porque é apóstolo, e, uma vez que o Apocalipse é
introduzido explicitamente como uma profecia, seu autor naturalmente se
apresentaria como profeta, em vez de apóstolo. Mesmo que Tertuliano tenha
dado a relegatio seu significado legal preciso, não sabemos se ele tinha qualquer
evidência positiva de que foi essa a verdadeira razão de João ter sido banido de
Patmos.
Quem quer que tenha sido o profeta de Patmos, ele foi considerado um
mensageiro apropriado para transmitir as advertências apocalípticas e encorajar
as igrejas de Éfeso e de outras cidades da Ásia; e o conteúdo das sete cartas
endereçadas a essas igrejas indica que ele era bastante familiarizado com as
circunstâncias em que viviam.
Os contatos efésios do quarto evangelho e das epístolas joaninas não são tão
explícitos. Alguns estudiosos, de tempos mais recentes, tentaram ligar esses
documentos a Antioquia da Siria,79 ou até mesmo a Alexandria do Egito.80 A
evidência interna que apresentam não têm muito a dizer sobre o assunto. O
principal argumento para uma ligação com a Antioquia da Síria é
fundamentado nas afinidades com o pensamento joanino, evidenciado nas
cartas de Inácio, bispo da igreja daquela cidade. O professor Cullmann também
menciona as ligações entre o Evangelho de João e as Odes de Salomão, que ele
acredita “vir dessa área”. A Síria, portanto, é uma das duas áreas às quais ele
atribuiu “um enorme grau de probabilidade” de ser os locais da origem do
quarto evangelho e dos escritos relacionados, acrescentando, de modo bastante
notável, a Transjordânia como “a outra probabilidade que pode ser apoiada
com fortes (talvez mais fortes) argumentos”.81 (Essa inclinação de Cullmann
para a Transjordânia está vinculada a seu permanente interesse nos pseudo-
clementinos e nas origens do cristianismo judaico.)82 Ele acha a origem efésia
“bem menos fundamentada”, embora concorde que, mesmo à parte da
tradição, existam pontos que lhe são favoráveis. Entre esses, Cullmann destaca
“a presença na Ásia Menor das heresias combatidas no Evangelho de João e,
em particular, de um grupo de discípulos de João (Batista).83
Todavia, nem na Síria nem em lugar algum, encontramos o peso da tradição
e o testemunho externo que una a literatura joanina e seu autor ou autores a
Éfeso. Na ausência de qualquer tradição ou evidência substancial contrária, a
ligação com Éfeso predomina.

Conclusão

A figura de São João Batista, o divino, o “santo teólogo”, cujo nome são
celebrados pela colina e basílica de Ayasoluk, pode ser uma fusão de João, o
apóstolo, com João, o presbítero. Mas essa fusão não aconteceu enquanto as
pessoas que se lembravam dos dois ainda estavam vivas. E extremamente
improvável que alguém que tenha conhecido os dois fosse confundir um com
o outro. “Nenhum fenômeno”, diz I. T. Beckwith, “é mais comprovado que
as lembranças fidedignas sobre a identidade de pessoas vistas e ouvidas meio
século antes”.84 Collemann acrescenta que Ireneu jamais se dispôs a provar que
João, o apóstolo, viveu na Ásia; ele faz menção incidental à residência do
apóstolo como se ela fosse de conhecimento geral. Quem conhecia João, o
apóstolo, e João, o presbítero, não teria dificuldade em distinguir um do outro,
especialmente se (como é provável) o presbítero tenha sobrevivido ao
apóstolo.
Para concluir: a basílica de São João celebra uma tradição que remonta à
metade do século II, ou até antes, como certamente fazem as basílicas romanas
de São Pedro e São Paulo. Mesmo em ruínas, ela é uma testemunha silenciosa
dos “magníficos luminares” que dormiram na Província da Ásia, entre os quais
“João, o discípulo do Senhor” (e sua escola ou círculo), ocupa lugar de
proeminência.
Notas

1. Veja p. 59.
2. Veja p. 23
3. E.g. ITm 1.6s, 19s; 4.1-3; 2Tm 2.17s.; Tt 1.10-16.
4. Veja p. 49s.
5. Polícrates e Próculo sobre Eusébio, Hist. Eccl 3.31.3, 4; cf. 3.39.9. De acordo com
Polícrates, citado em Hist. Eccl 5.24.2, uma das filhas foi enterrada em Éfeso.
6. Procópio, buildings 5.1.6.
7. Procópio, Secret history, 3.1.
8. J. Keil, “XIII Vorlãufiger Bericht über die Ausgrabungen in Ephesus”, Jahreschefte
des dbsterreichisschen archdologischen Instituts in Wien 24 (1929), Beiblatt, cols. 8-67
(especialmente 52-67); “XTV Vorlãufiger Bericht...”, Jahreschefte...25 (1929), Beiblatt, cols.
5.52 (especialmente 5- 21). Veja também “Die Wiederauffindung des Johannesgrabes in
Ephesus”, Biblica\2> (1932), p. 121s. Procópio {Buildings5.1.5.) menciona o santuário
antigo, mas diz que ele foi construído “pelos nativos” (o'i èiTLXtJpLOi).
9. E. Schawartz (cel.), Acta Comciliorum Oecumenicorum, i. 5 (Berlim/ Leipizig, 1927), p.
128. R. Eisler (JVhe enigma of thefourth gospel [Londres, 1938], p. 124) sugere que o bloqueio
do túmulo é que foi o obstáculo, mas sua carta sugere que eles foram deliberadamente
impedidos de adorar não somente ali, como também em túmulos de outros mártires
efésios. O concilio se reuniu na grande igreja de Santa Maria (na verdade, igrejas gêmeas)
— apropriadamente, se considerarmos que esse concilio confirmou oficialmente o título
Theotokos da Virgem. À época do concilio, a crença popular cristã em Éfeso, identificando
o João que Io por Eusébio, Hist. Eccl. 2.13.6; veja p. 116. iente, Quis diues saluetur TI (citado
por Eusébio, Hist. Eccl. rcunstância para perceber a autoridade de Hesegippus sa afirmação
é apresentada por H. J. Lawlor, Eusebiana
2) , p. 51s.
:u, Against heresies, 3.3.4.
ta (23 de fevereiro de 156) preferida por C. H. Turner, d a year of St. Polycarp’s
martyrdom”, Studia Biblica et (Oxford, 1890), p. 105s.
:u, Against heresies 3.3.4.
.ucas 1.2; ljo 1.1.
Io por Eusébio, Hist. Eccl. 5.20.4s.
Io por Eusébio, Hist. Eccl. 5.24.16.
>. H. Streeter, The primitive church (Londres, 1929), p. 94s., jghtfoot, Ignatius and Polycarp, iii
(Londres, 1883), p. 433s., .J. Cadoux, Ancient Smyrna (Oxford, 1938), p. 305s., 374s. aráter
e origem desse prólogo e outros iguais foram :e estabelecidos por D. de Bruyne, “Les pias
ancients proles Evangiles”, Bevue Bénédictine 40 (1928), p. 193s.; a obra ida por J. Regul, Die
antimarcionitischen Evangelienprologe 69).
in exotericis (id est in extremis) quinque libris. Pressupõe-se grego dizia kv TOLÇ ireme
6^T|YT)TIKOLÇ 0i0Àíotç, que DÍ trocado porèÇiDreptKOiç, que foi devidamente
traduzido no externis, e que, na comunicação em latim, externis foi dido com extremis (cf. J.
B. Lightfoot, Essays on the Work •rnatural religion” [Londres, 1889], p. 213).
arpo, que o havia conhecido na Asia Menor, reconheceu- o ano 154 d. C. como o
“primogênito de Satanás” (Ireneu, ■r 3.3.4).
Lightfoot, Essays on the work entitled"supernatural religion", p. ias da primeira pessoa do
singular e da terceira pessoa do iguais no imperfeito (àiréypoajiov') e bastante similares no
pai|/a, aiTcypailiau), especialmente se o v final aparecesse de uma linha como um acento
sobre a vogal anterior
3) . (Lightfoot conhecia o texto latino do prólogo, mas m antimarcionita, de um
manuscrito do Vaticano do século
No transcorrer de uma discussão sobre esse prólogo, nas colunas de correspondência
do The Times, F. L. Cross escreveu (13 de fevereiro de 1936): “Minha compreensão do
prólogo, se eu puder estabelecê-lo dogmaticamente, é que em sua forma original ele
afirmava que o quarto evangelho foi escrito por João, o presbítero, conforme ditado por
João, o apóstolo, quando este já estava bem velho” (cf. A. Harnack, Chronologic der
altchristlichen Titteratur bis Eusebius, i [Leipzig, 1897], p. 677). Com a sugestão do dr. Cross,
podemos comparar o título da página composta para o Evangelho por Dorothy Sayers:
Memoirs of Jesus Christ. Por João Bar-Zebedeu; editado pelo reverendo John Elder, vigário
da igreja Santa Fé, Éfeso” (Unpopular Opinions) [Londres, 1946], p. 26).
35. Ireneu, Against heresies 5.33.4 (citado por Eusébio, Hist. E«7.3.29.1).
36. Hist. Eccl. 3.39.2.
37. Eusébio, Hist. Eccl 3.39.1.
38. Para esse uso de ÀÓyia cf. At 8.38; Rm 3.2; Hb 5.12.
39. Citado por Eusébio, Hist. Eccl.
40. Esse é um exemplo de ambigüidade. Pelo que é mencionado, Eusébio concluiu
que, embora Papias não fosse um “ouvinte e testemunha dos santos apóstolos”, ele
chegou mesmo a ouvir Aristion e “João, o ancião”.
41. Against heresies 5.5.1. etc.
42. É uma notável coincidência que a seqüência “André, Pedro, Filipe” seja aquela em
que os nomes dos primeiros discípulos de Jesus apareçam em João 1.40-44. Neste caso,
Papias, possivelmente, refere- se a Filipe, o apóstolo de Betesda, e não a Filipe, o
evangelista de Cesaréia (mesmo que este tenha terminado seus dias em Hierápolis.)
43. Hist. Eccl. 3.39.7. B. H. Streeter apresentou várias sugestões sobre a contribuição
de Aristion à tradição mais antiga (cf. The four gospels [Londres, 1924], p. 344s), em que a
mais audaciosa é seu palpite “científico” (como esperava que fosse chamada) de que ele
era o autor de 1 Pedro (The primitive church, p. 130s.)
44. S. P. Tregelles, The historie evidence of the autorship and transmission of the books of the New
Testament (Londres, 21881), p. 47; J. B. Lightfoot, Essays on the work entitled “supernatural
religiorP, p. 144 (“Eu mesmo não posso duvidar que Eusébio estivesse certo em sua
interpretação”.)
45. F. W Farrar, The early days of Christianity (Londres, 1882), p. 618s; G. Soalmon,
Historical introduction to the study of the books of the New Testament (Londres, 411889), p. 287s; T.
Zahn, Apostei und Apostelschüler in der Proving Asien (Leipzig, 1900), 112s; Introduction to the
New Testament, E. T. (Edinburgh, 1909), ii, p.451s; J. Chapman, John the presbyter and thefourth
gospel (Oxford, 1911), p. 8s.; H. J. Lawlor e J. E. L. Oulton (tr.), Eusebius: the ecclesiastical
history, ii (Londres, 1928), p. 114; C. J. Cadoux, Ancient Smirna (Oxford, 1938), p. 316s., S.
S. Smalley, John: evangelist and interpreter (Exeter, 1978), p. 73s.
46. Chronicle 3.134.1. O manuscrito é Codex Coislinianus 305, descoberto em 1862.
47. Publicado por C. de Boor de Bodleiam MS. Barocciannus 142 em “Neue
Fragmentedes Papias, Hegesippus und Pierius”, Text und Vntersuchungen 5.2 (1888), p. 165s.,
especialmente p. 170. Veja J. A. Robinson, Historical character of St. John’s Gospel (Londres
1908), p. 66; J. Chapman, John the presbyter and the fourth gospel, p. 77s., 95s.; K. Lake e H. J.
Cadbury, The Acts of the Apostles - The beginnings of Christianity, iv (Londres, 1933), p. 133s.
48. Cf. E. Schwartz , “Ueber den Tod der Sõhne Zebedaei”, Abhandlungen der kgl.
Gosellschaft der Wissenschaften %u Gottingen, filos.- hist. Hl., 7.5 (1907), p. 266s.; “Noch einmal
der Tod der Sõhne Zebedaei”, ZNW 11 (1910), p. 89s.; J. Moffatt, Introduction to the Litera-
ture of the New Testament (Eidinburgh, ’1918), p. 603s.
49. His. Eccl. 3.39.13; para a possibilidade de Eusébio estar citando uma observação
autodepreciativa do próprio Papias, veja J. R. Harris, Testimonies, i (Cambridge, 1916), p.
119f.
50. Cf. J. H. Bernard, Studia sacra (Londres, 1917), i, p.260s., e The gospel according to St.
John, I.C.C. (Edinburgh, 1928), i, p.xxxvii-xiv.
51. A. S. Peake, Holborn Review 19 (1928), p. 394, citado por W F. Howard, The fourth
gospel in recent criticism and interpretation (Londres, 41955), p. 232; cf. Peake, Critical introduction
of the New Testament (Londres, 1909), p. 142s.
52. Citado por Eusébio, Hist. Eccl. 7.25.
53. Veja p. 42 com n. 68-69.
54. R. Eisler, The enigma of the fourth gospel, p. 126.
55. Ibidem, Plate X, oposto à p. 126 (reprodução fotográfica de Lampakis nos arquivos
fotográficos do Museu Nacional de Atenas, n. 5982).
56. Eisler, (Enigma, p. 127) expressa sua eterna gratidão a Josef Keil, o pesquisador de
Éfeso (veja p. 135, n. 8 acima), por chamar sua atenção para a foto que acabamos de
mencionar e por expressar a opinião de que a piedade dos cristãos locais vinculou-se ao
túmulo na rocha por falta de opção. O túmulo tem a marca GR (i.e Grab “túmulo”) no
mapa de Éfeso de A. Schindler e O. Benndorf (Abb. 2) em A. F. Pauly-G. Wissowa,
Realencyclopadie der klassichen Altertumswissenschaff v, s.v. “Ephesos” (cols. 2773s.),
imediatamente ao leste do estádio.
57. Eisler, Enigma, p. 125s., O manuscrito (Paris gr. 1468) está listado como Q em E.
Hennecke-W Schneemelcher — R. McL. Wilson, New Testament apocrypha, ii (Londres,
1965), p. 195s.
58. No início, eles eram minoria. No final do século II, o prólogo antimarcionita de
Lucas termina com as palavras: “E mais tarde João, o apóstolo, um dos doze, escreveu o
Apocalipse na ilha de Patmos e depois, o evangelho”. C. H. Dodd rejeita a idéia de que a
mesma pessoa teria escrito as duas obras com um refrão de Horácio: credat Judaeus Apella,
non ego! (The interpretation of the fourth gospel [Cambridge, 1953], p.215, n. 3).
59. Dialogue with Trypho 81.4. Parece que Justino conhecia o quarto evangelho, mas não
oferece nenhuma informação sobre sua autoria.
60. Anciente Smyrna, p. 317.
61. John the presbyter and thefourth gospel, p. 72. Uma lista de escritores mais antigos que
haviam negado identidade de autoria aos dois documentos pode ser encontrada em
Moffatt, Introduction’, p. 589s.
62. “The first epistie of John and the fourth gospel”, BJRL 21 (1937) p. 129-156.
63. Thejohannine epistles (Londres, 1946), p. xlvii s.
64. “The common authorship of the johannine gospel and episdes”, JTS 48 (1947), p.
12-25, reimpresso em The fourth gospel in recent criticism and interpretation*, p. 282s. Dr. Howard
era de opinião que as epístolas foram escritas pelo evangelista quase ao final de sua vida,
enquanto o quarto evangelho “representa suas meditações e ensinos durante vários anos
e foi publicado depois de sua morte” {Christianity according to St. John [Londres, 1943], p. 18.
n. 2). Cf. o argumento de T. W Manson de que, se “examinar a teologia joanina [i.e. a
teologia do quarto evangelista] em seu estado relativamente puro”, então “o método
apropriado é começar com a (primeira) epístola e descobrir quais as idéias teológicas
principais do autor” (On Paul andJohn [Londres, 1963], p. 87s.).
65. W. F. Howard (Christianity according to St. John, p. 15) cita com aprovação “uma nota
significativa” de J. Weiss, no sentido de que todas as cinco obras joaninas “vieram do
mesmo círculo, da mesma região da igreja, mais ou menos na mesma época” (Die
Offenbarung des Johannes (Gottingen, 1904), p. 162s.) J. B. Lightfoot falou anteriormente
sobre “a escola de São João” (i.e. o apóstolo) na província da Ásia, que na primeira geração
incluía João, o presbítero, na segunda, Papias e Policarpo, na terceira, Melito de Sardis e
Apolinário de Hierápolis e na quarta, Polícrates de Éfeso; ele distinguiu essa “escola”
contínua nas muitas referências de Ireneu (Against heresies 2.22.5; 3.3.4, etc) aos “líderes
que se associam, na Ásia, a João, o discípulo do Senhor”, “à igreja de Éfeso... verdadeira
testemunha da tradição apostólica” e assim por diante (Essays on the work entitled
“supernatural religion', p. 217s., cf. seu Biblical Essay [Londres, 1893], p. 51s.).
66. O. Cullmann, Thejohannine circle, E. T. (Londres, 1976), p. ix.
67. R. A. Culpepper, Thejohannine school: an evaluation of thejohannine school Hypothesus based
on an investigation of the nature ancient schools (Missoula, Montana, 1975). Veja também D. M.
Smith, “Johannine Christianity: some reflections on its character and delineation”, NTS
21 (1974-75), p. 222-248; E. S. Fiorenza, “The quest for the johannine school: the
Apocalypse and the fourth gospel”, NST 23 (1976-77), p. 402-427. E. E. Brown produziu
um estudo importante, intitulado The community of the beloved disciple (Nova York/Londres,
1979).
68. The gospel according to St. John (Londres, 21978), p. 62, cf p. 133s. Quarenta anos antes,
R. H. Charles opinou que “o evangelista, em certa época, aparentemente foi discípulo do
profeta, ou eram membros do mesmo círculo religioso em Éfeso” (The revelation of St. John,
[Edinburgh, 1920], i, p. xxxiii).
69. No século IV, Apostolic constitutions, uma lista de bispos declaradamente nomeados
pelos apóstolos para várias igrejas inclui “em Éfeso... João nomeado por mim, João”
(7.46). O valor histórico dessa lista é nulo, exceto pelo fato de os nomes não serem fictícios
(mas o segundo João, provavelmente, representa uma inferência de Eusébio).
70. “The authorship of the fourth gospel”, BJRL 14 (1930), p. 333s.
71. Hist. Eccl., 1.12.1.
72. E. F. Howard, “St. John: the story of the book”, em The story of the Bible
(Amalgamated Press, 1938), p. 1233.
73. “Ele jamais fez qualquer reivindicação ao apostolado... ele, ao contrário, afirma ser
profeta” (R. H. Charles, The Revelation of St. John, I.C.C., i, p. xliii).
74. Tertuliano, Depraescriptione haerecticorum, 36.
75. Cf. J. N. Sanders, “St. John on Patmos”, NTS 9 (1962-3), 75- 85 (especialmente p.
76).
76. Victorino, In Apocalypsim (em Ap 10.11), ed. J. Haussleiter, CSEL 49 (Vindobonae,
1916), p. 92.
77C. B. Caird (The Revelation of St. John the Divine [Londres, 1966], p. 21 com n. 2) mostra
como essa idéia, primeiramente apenas uma conjectura, tem passado de um autor para
outro “como se fosse um acontecimento deveras comprovado”; ele acrescenta que Plínio,
o ancião, que é repetidamente invocado como autoridade nesse suposto fato, não diz nada
sobre Patmos, a não ser que tinha trinta milhas de área (Hist. Nat. 4.69).
78. “St.John on Patmos”, p. 85: “João de Éfeso, o profeta e exilado em Patmos, era
um saduceu aristocrata, um discípulo de Jesus oriundo de Jerusalém e o último
sobrevivente dos que testemunharam o Logos encarnado, mas não era filho de Zebedeu.”
Cf. p. 127, n. 19.
79. Cf. C. E Burney, The Aramaic origin of the fourth gospel (Oxford, 1922), p. 129, 171.
80. Cf. K. e S. Lake, Introduction to the New Testament (Londres, 1938), p. 53 f.; J. N.
Sanders, The fourth gospel in the early church (Cambridge, 1943), p. 85s. (Mais tarde, Sander
mudou de idéia e aceitou Éfeso como o lugar onde o evangelho fora escrito; veja J. N.
Sander e B. A. Mastin, The gospel according to St.John [Londres, 1968], p. 51); J. L. Martyn,
Histoiy and theology in the fourth gospel (Nova York, 1968), p. 58, n. 94; W H. Brownlee,
“Whence the gospel according to John”, em John andQumran ed. J. H. Charlesworth
(Londres, 1972), p. 189-191).
81. O. Cullmann, The johannine circle, p. 98s.
82. Cf. O. Cullmann, De problème littéraire et historique du roman pseudoclémentim (Paris,
1930). Veja p. 118, n. 59.
83. Thejohannine circle, p. 99. Se o “grupo de discípulos dejoão” é identificado como os
doze discípulos de Atos 19.1-7, a identificação é precária; veja p. 70.
84. I. T. Beckwith, The Apocalypse of John (Londres, 1919), p. 376. A argumentação de
Beckwith sobre “The two Johns of the Asian church” (p. 361-391) é um exemplo de
pesquisa séria e lúcida.
* (N de T) Informações bibliográficas usadas em obras impressas até o século XVI.

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