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INTRODUÇÃO E SÍNTESE

DO
NOVO TESTAMENTO
Gerhard Hõrster

Copyrigth @1993
R. Brockhaus Verlag Wuppertal und Zürich

Copyrigth © para a língua portuguesa 1996


Editora Evangélica Esperança

Título do original em Alemão


Einleitung und Bibelkunde zum Neuen Testament
Esta obra faz parte da série
Handbibliothek zur Wuppertaler Studienbibel

ISBN 85-86249-03-3

Tradução
Valdemar Kroker

Editoração
Emilio e. e. Demarque

Publicado com a devida autorizaç


e com todos os direitos reservad

Editora Evangélica Esperança


Caixa Postal 2416
80001-970 Curitiba/PR

€E
188 O Apocalipse de João

com que os seus leitores não se deixem prender pela história do mundo nem pela O CÂNON DO NOVO TESTAMENTO
história do final dos tempos, mas que se voltem para o Senhor de toda a história.
As figuras apocalípticas são aplicadas sistematicamente a Cristo. No centro de ma,,2"g,
.
"egameno pertenssm os z7 os que toram anatado» nesta
" /este o século IV e costume nas igrejas cristãs de todas as
tudo, João vê a ação de Deus para a salvação da humanidade por meio de Jesus
denominações chamar essa lista de escritos de cânon do Novo Testamento
Cristo. Diante disso, é possível ver a história com outros olhos, mesmo quando
vem a perseguição sobre a igreja. Essa igreja é carregada pela esperança da A palavra grega kanon significa vara, cano. Disso surgiu o significado régua
ou medida-padrão dos carpinteiros. No sentido derivado, a palavra foi depois
vinda em breve de Jesus e do cumprimento de todas as coisas por meio dele. Ele aplicada para se designar uma regra ou regulamento.
promete à igreja: "Certamente venho sem demora". E a igreja responde: "Amém.
Quando no século IV a palavra passou a ser adotada para os escritos do
Vem, Senhor Jesus!" (Ap 22.20).
Novo Testamento, tratava-se do padrão segundo o qual os escritos eram
universalmente reconhecidos como apostólicos e poderiam, portanto ser lidos nos
11. Comentários cultos em todas as igrejas cristãs. "
F. Grünzweig, Johannesoffenbarung, 2 vols., 1981/1982; K. Hartenstein, Der Hoje o termo é usado para designar a diferença entre os escritos que são
wiederkommende Herr, 4 ed. 1969; H. Lilje, Das !etzte Buch der Bibe/, 7 ed. 1961; fundamento para a fé, o ensino e a vida das igrejas cristãs e os outros escritos dos
E. Lohse, Die Offenbarung desJohannes, NTD, vol. 11, 14 ed. 1988; A. Pohl, Die primeiros tempos que servem simplesmente como documentos da história da igreja
Offenbarung des Johannes, WStB, 2 vols., 7 ed. 1984/1985; A. Wikenhauser, Die ou da história das heresias.
Offenbarung des Johannes, RNT, vai 9, 3 ed. 1959. Em seguida queremos descrever os diversos estágios da formação do cânon
e apresentar os critérios usados pela igreja antiga nas suas decisões. A última
questão trata da importância que esse cânon concluído no século IV tem para as
igrejas cristãs de hoje.
NOTAS
1. G. Bornkamm, "Die Komposition der apokalyptischen Visionen in der Offenbarung des 1. Sobre o surgimento do cânon do Novo Testamento
Johannes" (A composição das visões apocalípticas no Apocalipse de João), ZNW 36, Já nos escritos dos pais da igreja Clemente de Roma, Inácio, Policarpo e
1937, p. 132ss; (também in G. Bornkamm, "Studien zu Antike und Urchristentum",
Papias descobrimos que nas suas discussões se baseavam não somente no Senhor
BevTh 28, 1959,p. 204ss).
2. Cf. Is 40; Jr 38. Jesus Cristo, mas também nas Escrituras. Com Escrituras denotavam não somente
3. Cf. Is 24-27;E2 37;39; 48; Zc9-14. o AT, mas também os evangelhos. Os escritos do apóstolo Paulo também eram
4. E. Kautzsch, Die Apokryphen und Pseudepigraphen des Alten Testamentes (Os apócrifos aceites como autoridade reconhecida. Mas não havia nenhum indício de um cânon
e pseudepígrafos do AT), 1920, 1921, 1962. definido naquela época. Mesmo assim, já deve ter existido uma coletânea das
5. W. G. Kümmel, Einleitung, p. 415. cartas de Paulo, pois em 1 Clemente (95 d.C.) já há citações de Romanos e de 1
6. Eusébio, História da Igreja, VII, 25.1 ss. Coríntios. Possivelmente as cartas de Paulo já foram reunidas antes disso, como
7. CI. W. G. Kümmel, Einleitung, p. 417. parece indicar a observação em 2 Pedro 3.16.
8. Cf. p. 58 Temos informações um pouco mais exatas nos anos 130-140 d.C. por meio
9. W. G. Kümmel, Einleitung, p. 21 O. de Policarpo e Clemente de Alexandria, que nos seus escritos fazem menção dos
1 O. Pensam assim também D. A. Carson & D. J. Moo & L. Morris, Introduction, p. 472; D. evangelhos de Mateus e de Lucas. Isso poderia ser uma indicação de que na
Guthrie, Introduction, p. 934-949. t d do século II já havia uma coletânea dos quatro evangelhos, que vinham
11. lreneu, Adversus Haereses, V, 30.3. 5;1$l..aa vez mais reconhecidos nas grelas da antiguidade, enavario também
12. Com base em W. G. Kümmel, Einleitung, p. 414.
evanaelhos apócrifos e tradições orais sobre Jesus eram difundidos. ,
13. Pensam assim também D. A. Carson & D. J. Moo & L. Morris, Introduction, p. 476;J. A.
T. Robinson, Wann entstand das NT2, p. 232-263. k
, ira definição dos escritos-padrão para a igreja crista vem de Marcion
14. G. Maier, Die Johannesoffenbarung und die Kirche (O Apocalipse de João e a igreja), 445 8.C. Ele era "paulinista" e por isso só reconhecia 10 cartas de Paulo (excluía
1981. • em 1.o.. ·do evangelho de Lucas purificada das influências
as cartas pastorais) e uma versao
15. A. Pohl, Die Offenbarung des Johannes, (O Apocalipse de João), 2 vols., 7 ed. 1984/85.
vetero-testamentarias,e,J""e""f<, _ aenear o canon go Novo Testamento nos
No fina! do século . começ ente de Alexandria. É um cânon em formação
escritos de imneu, Tertuliano e @9" c em os quatro Evangelhos, Atos dos
mas ainda nao concluído,
Apóstolos, 13 cartas de Pau o,
399"",_!~,,
e 1 João, como também o Apocalipse de
João.
190 O Cânon do Novo Testamento
O Cânon do Novo Testamento
191
Nessa época surge também o documento que denominamos de Cânon
na mesma época. Por isso creio que D A C D .
Muratóri, segundo o bibliotecário L. A. Muratóri, que descobriu o fragmento em quando dizem: "It is not so much thai $"["O».J. Moo e L. Morris têm razão
1740 na Bibliotheca Ambrosiana de Mailand. Um desconhecido preparou um registro canon selected itself." (Na f • . . hurch selected lhe canon as that the
oficial das escrituras que deveriam ser aceitas e lidas publicamente na Igreja o cânon e dos at {_ 3010l aigreja que fez a seleção dos livros que iriam para
Católica. Infelizmente falta o início. Começa com as últimas palavras de Marcos e . . ue nao, mas o canon fez a sua própria seleção).2 No decorrer dos
~eculo1se impuseram aqueles escritos que formavam a base da fé cristã Devemos
denota o Evangelho de Lucas como o terceiro e o de João como o quarto evangelho.
i~so _so retudo à ação do Espírito Santo, de que Jesus já dissera que co~duziria os
Evidentemente o trecho sobre Mateus como primeiro evangelho se perdeu. Se d ISCIpUI0S
I a toda a verdade (Jo 16.13).
comparamos a lista de livros desse Cânon com a lista do Novo Testamento de
Quais critérios foram fundamentais nesse processo? A formação da opinião
hoje, notamos que faltam 1 Pedro, Hebreus, Tiago e 3 João. Sobressai o fato de da igreja antiga deixa transparecer três critérios.
que falta 1 Pedro, que em geral era aceito naquela época. Além disso contém o
escrito "Sapientia Salomonis" e o Apocalipse de Pedro, com a observação "... que 2.1 0 critério da originalidade
alguns de nós não querem ler na igreja".' O prólogo de 1 João explica o que isso quer dizer: "O que era desde o princípio,
De grande valor nesse Cânon é que descobrimos os critérios usados para a o que temos ouvido, o que temos visto com os nossos próprios olhos, o que
delimitação do cânon. Um critério era a autoria apostólica; Marcos e Lucas são contemplamos e as nossas mãos apalparam, com respeito ao Verbo da vida (e a
reconhecidos como discípulos de apóstolos e, por isso, aceitas. Hebreus não é vida se manifestou, e nos a temos visto, e dela damos testemunho e vo-la
aceito porque a autoria paulina é questionada. O que importa, portanto, é a anunciamos, a vida eterna, a qual estava com o Pai e nos foi manifestada), o que
proximidade com a revelação trazida ao mundo por meio de Jesus Cristo, que é temos visto e ouvido anunciamos também a vós outros, para que vós igualmente
garantida pelo testemunho ocular. Além disso, outro critério era se o livro era usado mantenhais comunhão conosco. Ora, a nossa comunhão é com o Pai e com seu
e aceito por todas as igrejas; mais tarde esse critério foi formulado explicitamente Filho Jesus Cristo (1J0 1.1-3). A revelação de Deus em Jesus não veio diretamente
dessa forma por Orígenes. É surpreendente notar a importância que a igreja do a nós. Nós dependemos do relato de testemunhas oculares. Elas fazem a ponte
século li dava ao aspecto de Jesus Cristo estar no centro da mensagem do escrito entre a revelação ocorrida e as gerações futuras. O relato das testemunhas oculares
em consideração. é único e insubstituível, porque a revelação de Deus aconteceu na história.
Em relação aos evangelhos, a formação do cânon estava concluída no final Por isso a igreja antiga adotou o critério da originalidade e com isso queria
do século li. Nas cartas dos apóstolos há clareza em relação às cartas de Paulo. A dizer a autoria apostólica. Além desse círculo de testemunhas oculares, só foram
discussão em relação às outras cartas ainda permanece aberta nessa época. aceitas o apóstolo Paulo e alguns discípulos de apóstolos.
O processo da formação do cânon só chega ao seu final no século IV. A Entretanto, a simples indicação do autor não era suficiente. Muitos escritos
igreja do oriente declara como canônicos, por meio da 39 carta pascal de Atanásio que indicaram um apóstolo como seu autor foram rejeitados. A verificação do
(367 d.C.), os 27 livros que hoje temos no Novo Testamento. Nessa carta, o termo conteúdo aguçou a percepção da diferença entre o que era apostólico e o que era
3
cânon é usado pela primeira vez para denominar os critérios para os livros aceitas apócrifo. Todo aquele que lê os evangelhos apócrifos já se convence disso.
pela igreja. Pela intervenção de Jerônimo, essa definição é aceita pela igreja do
2.2 A concordância com os fundamentos da fé (a ortodoxia)
ocidente nos sínodos de Hipona Régia (393) e de Cartago (397), ocasião em que
Os primeiros séculos da igreja cristã são marcados pela batalha a favor da
a carta aos Hebreus não é colocada entre as cartas de Paulo.
verdade das afirmações teológicas. As igrejas ameaçadas pelos ensinos dos falsos
Foram necessários alguns séculos para que se chegasse à definição do cânon
mestres (gnosticismo, Marcion) precisavam de uma regra de fé (grego: kanon tes
que conhecemos hoje. Isso pode ser estranho, mas corresponde ao caráter da pisteos; latim: regula fidei), por meio da qual pudessem diferenciar o "verdadeiro
Bíblia, a Palavra de Deus transmitida a nós por meio de palavras humanas (2 Pe do "falso". Os movimentos pela profissão de fé são evidências disso.
1.21). Por isso não devemos nos admirar do fato de que, na formação do cânon do
Novo Testamento a pergunta pela concordância com a regra de fe, ou seJa, com a
2. Critérios para a formação do cânon. f6 reconhecida como ortodoxa pela maioria, tenha tido papel fundamental. O
Quem autorizou a igreja antiga a definir quais escritos seriam Escrituras
ristá

o
[,,li ae rome e vaneto vertais nao toram acentos porque s4o
Sagradas? A apresentação da formação do cânon já mostrou que não se tratou da influenciados pelo gnosticismo.
ação arbitrária e autoritária de alguns concílios ou até do resultado de um conflito
de poder da igreja antiga. O que aconteceu foi que, por meio de um processo de 2.3 Reconhecimento geral . m os escritos que durante os
várias centenas de anos, se cristalizou em consenso de toda a igreja cristã o que
deveria estar no cânon e o que não poderia. Esse é um fenômeno admirável, se ..1%% .22 %5k.is»ii·
levarmos em conta as discussões teológicas dificílimas que estavam sendo travadas
192 O Cânon do Novo Testamento
O Cânon do Novo Testamento 193
que importava não era a imposição de alguns grupos. O cânon do Novo Testamento
<
para a fé cristã. O objetivo dessa Síntese e Introdução é facilitar a compreensão
deveria servir de fundamento para todo o cristianismo. A consideração pelas dúvidas
desses livros. Por isso foi dada tanta atenção à questão da autoria, porque a
e objeções fez com que se tornasse um processo longo de formação da opinião originalidade, ou seja, a proximidade com a revelação, foi um critério decisivo para
geral e foi marcado por muita paciência e respeito pelas opiniões uns dos outros. a confirmação dos livros como canónicos.

3. O significado do cânon do Novo Testamento hoje 4. Bibliografia sobre a história do cânon


Na consideração do longo processo da formação do cânon surgem muitas D. A. Carson & D. J. Moo & L. Morris, lntroduction, p. 487-500; W. G. Kümmel,
perguntas: Por que a igreja de Jesus Cristo necessita de um cânon dos escritos Einleitung, p. 420-451; E. Lohse, Entstehung, p. 12-17; W. Popkes, "Kanon" (NT),
autorizados? A igreja não está ligada diretamente ao seu Senhor por meio do GrBL, vol. 2, p. 760-764; A. Wikenhauser & J. Schmid, Einleitung, p. 23-64.
Espírito Santo, que ainda hoje quer dirigir a igreja a toda a verdade?
Se o processo da formação do cânon levou tantos anos, por que deveria ter
terminado com as decisões do século IV? Não seria necessário testar os 27 escritos NOTAS
novamente nos dias de hoje para verificar se são de fato canônicos? 1. Em alemão in E. Hennecke & W. Schneemelcher, Neutestamentliche Apokryphen, p. 19s.
2. D. A. Carson & D. J. Moo & L. Morris, Introduction, p. 94.
Será o cânon dos escritos do Novo Testamento uma real ajuda para evitar
3. Texto em alemão por E. Hennecke & W. Schneemelcher, Neutestamentliche Apokryphen,
desvios nos ensinos da igreja cristã? O ponto crucial não está na interpretação adloc.
desses escritos? 4. G. Maier, Das Ende der historisch-kritischen Methode (O fim do método histórico-
Em uma Introdução e Síntese como esta, essas perguntas só podem receber crítico), p. 21-46.
um tratamento muito breve. 5. E. Kãsemann, ed. Das Neue Testament ais Kanon(O Novo Testamento como cânon),
Se a igreja de Jesus Cristo não tivesse um cânon dos escritos aceitas, os 1970.
visionários e profetas não poderiam ser provados. Qualquer um pode fazer a 6. G. Maier, Das Ende der historisch-kritischen Methode, p. 44.
reivindicação de que está falando em nome do Espírito Santo. Os 27 livros canônicos
do Novo Testamento têm comprovado serem um padrão confiável de discernimento
entre revelação de Deus e inspiração humana por quase 2.000 anos de história da
igreja. O Espírito de Deus que fala hoje é o mesmo Espírito que dirigiu os autores
desses livros e que cuidou de todo o processo de formação do cânon. Ele faz a
ligação entre a nossa fé e vida e aquilo que Deus, de uma vez por todas, nos
revelou por meio de Jesus Cristo.
G. Maier' se posicionou contra a tentativa de redefinir o cânon, na polêmica
com E. Kãsemann.5 Maier rejeita a tentativa de se redefinir os limites do cânon
com os seguintes argumentos: "Em vista da situação descrita, exegetas e teólogos·
buscam há mais de 200 anos o cânon dentro do cânon, isto é, a palavra normativa
de autoridade divina. Esse empreendimento de 200 anos foi a pique, já que ninguém
está em condições de definir o cânon dentro do cânon com convicção e clareza.
Visto que cada um define o cânon dentro do cânon de forma diferente e faz isso
sem muita fundamentação (leia-se, por livre escolha), subjetividade desmesurada
acabe se tornando autoridade sobre aquilo que deve possuir autoridade divina".6
Por esses motivo, eu também considero desnecessária a discussão sobre os limites
do cânon.
É verdade que muito depende da interpretação dos escritos canônicos. Por
isso a hermenêutica merece atenção especial. Entretanto, ela seria impossível, se
não estivesse definido antes pelo menos o que precisa ser interpretado. O cânon
do Novo Testamento ajuda também a verificar se os métodos da hermenêutica
são apropriados ou não.
Por isso só podemos agradecer a Deus porque mesmo nas igrejas cristãs
tão divididas ainda temos hoje um cânon de 27 livros que servem de fundamento

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