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, a autorização prévia da Editora. "0seja por
1 edição 2009
111 edição 2017 FACOLTA TEOLOGICA DEL TRIENETO
Revista e ampliada Via del Seminario, 29 - 35122 Pad
www.fttr.it 1Ova
lmprimatur
Tradução
Pádua, 6 de novembro de 2008
Pe. José Borto/ini
Onello Paolo Doni, Vig. Ger.

Título original
Diretor editorial: Pe. SIlio Ribas
La Bibbia nella storia - Introduzione generale afia Sacra
Scrittura
Assessoria bíblica: Pau/o Bazaglia
Coordenação de arte: Danilo Alves Lima
ISBN 978-88-250-4569-7 Coordenador da revisão: Tiago José Risi Leme
ISBN 978-88-250-4570-3 (PDF) Preparador do original: Tatianne Francisquetti
Capa e diagramação: Karine Pereira dos Santos
ISBN 978-88-250-4571-0 (EPUB) Imagem da capa: iStock
Impressão e acabamento: PAULUS
Copyright 0 2017 by P.P.F.M.C.
MESSAGGERO DI SANT'ANTONIO- EDITRICE
Basílica dei Santo - Via Orto Botanico, 11-35123 Padova
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(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Boscolo, Gastone
A Bíblia na história: introdução geral à Sagrada Escritura/ Gastone Boscolo; tradução de Pe. José Bortolíni.
- São Paulo: Paulus, 2021.-Coleção Biblioteca de estudos bíblicos.

ISBN 978-65-5562-198-3
Título original: La Bibbia nella storia - Introduzione generale alia Sacra Scrittura

1. Bíblia - Introduções 2. Bíblia - História 3. Bíblia - Estudo e ensino 1. Título li. Bortolini, José Ili. Série

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1. Bíblia - Introduções

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CAPÍTULO 11

O CÂNON DA ESCRITURA

1. INTRODUÇÃO

A Igreja católica reconhece na Bíblia a presença de 73 livros, dos quais 46 per-


tencem ao AT e 27 ao NT. Mas Deus não entregou a ninguém a lista dos escritos a
serem considerados sagrados. Diferentemente dos profetas, que tinham consciência
de estar falando em nome de IHWH, muitos autores bíblicos não tinham consciência
sequer minimamente de ter vocação particular, de ser inspirados por Deus. O autor do
segundo livro de Macabeus elenca uma série de motivos que o induziram a escrever
sua obra (2Mc 2,19-32) sem nomear de modo nenhum algo semelhante a um impulso
divino. O mesmo vale para os autores do NT. Os escritos neotestamentários são em
boa parte escritos ocasionais destinados a exortar, pedir, esclarecer questões de fé,
para restabelecer a ordem nas comunidades. A breve carta de Paulo a Filêmon, por
exemplo, foi escrita por ocasião de um escravo que o apóstolo remeteu ao patrão.
Também os Evangelhos podem ser definidos como escritos ocasionais. Seus autores
não pensavam nos homens dos séculos à frente; eles tinham em mente somente os
destinatários do seu tempo. Não há qualquer afirmação da qual resulte que um autor
neotestamentário se considerasse-pessoalmente inspirado.
Há uma série·de escritos que mostram semelhanças com os livros bíblicos, mas
não pertencem à Escritura: são os que denominamos apócrifos. Seus autores se ocul-
tam quase sempre atrás de um nome muito conhecido.1 Trata-se de escritos que pre-
tendem criar espaço para determinadas tendências teológicas e muitas vezes não têm
outro fim a não ser uma piedosa edificação. São quase sempre o produto de forte
inclinação ao fantástico e milagroso. Demonstra-o a pormenorizada descrição da res-
surreição de Jesus que se lê no Evangelho de Pedro' (também os quatro Evangelhos
canônicos dão notícia dele, porém sem descrever os eventos nos detalhes).

' Entre os apócrifos do AT temos: o Apocalipse de Moisés, a Ascensão de Isaías, o Testamento de Sa-
lomão; entre os do NT: o Evangelho de Pedro, o Protoevange/ho de Tiago, o Evangelho de Tome, o Epistolário
entre Paulo e o filósofo Sêneca.
'M. Erbetta (org.), Os apócrifos do Novo Testamento, 1/1, Casale Monferrato, 1975, p. 143-144: "Mas na
noite na qual começava a iluminar-se o dia do Senhor, enquanto os soldados montavam guarda, dois a dois,
ecoou no céu um forte grito. Eles viram os céus abertos e dois homens descer de la com grande esplendor
e aproximar-se do sepulcro. A pedra, que havia sido rolada à entrada, deslizou sozinha e se pôs de lado. O
sepulcro assim se abriu e os dois jovens entraram. Vendo isso os soldados acordaram o centurião e os anciãos.
Também estavam aí para a guarda. Enquanto explicavam aquilo que haviam visto, eis que veem novamente

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A Bíblia na história
Capítulo 11

Com base em qual critério foram inseridas na Bíblia as duas cartas de Pedro (que deuterocanônicos, ou que entraram primeiro no cânon em relação aos outros, que
entre outras coisas não remontariam ao apóstolo) ao passo que o seu Evangelho fo· teriam entrado num tempo posterior. Em vez disso, o significado dessa terminologia
considerado apócrifo? Evidentemente não foi a paternidade - autêntica ou supoa é somente um: protocanõnicos são os livros aceitos pela Igreja pós-apostólica sem
- de um apóstolo, ou de um discípulo seu, aquilo que determinou a inserção de um qualquer discussão; ao contrário, os deuterocanônicos são aqueles cuja canonicidade
escrito no cânon. foi debatida em algumas Igrejas, antes de serem definitivamente acolhidos no elenco
A Igreja pouco a pouco chegou à convicção de que alguns escritos eram ins- dos livros inspirados.
pirados porque continham uma tradição segura, indicações confiáveis, ajudavam 4 Os . deuterocanônicos são sete para o AT: Tobias > Judite,o 1-2 Mtacabveus,
b B iaruc,
•• -
aprofundar a fé; a Igreja descobriu que neles agia o Espírito de Deus, porque a men- Sabedoria, Sirácida,. e as seçoes de Daniel 3.13-14 e Ester 10,4-16.24:
, , , e sete para
sagem deste ou daquele escrito dava frutos. Ao contrário, viu que outros livros não
o NT: Hebreus, Trago, Judas, 2-3 João, 2 Pedro, Apocalipse. As Bíblias católicas e
reforçavam da mesma forma a fé do leitor e/ou até favoreciam o surgimento de cor-
protestantes de hoje, naquilo que se refere ao NT, trazem os mesmos livros na mesma
rentes heréticas. Portanto, chegou-se à conclusão de que não eram inspirados e não
ordem, exceto breves seções de atestação incerta no testemunho manuscrito. Em vez
se distinguiam em nada da literatura comum. O processo de formação do elenco dos
disso, para o AT, as Bíblias protestantes trazem somente os protocanônicos.
livros da Bíblia durou alguns séculos. No vocabulário relativo ao cânon bíblico, se acha também o termo pseudoepi-
gráfico ou pseudoepígrafe (pseudês grafe = falsa inscrição), introduzido pelos protes-
tantes para indicar os nossos apócrifos, ao passo que chamam apócrifos os livros do
2. TERMINOLOGIA
AT que nós chamamos deuterocanônicos. Portanto, para nós, Sirácida é livro deute-
Cânon deriva de kanón (caniço), porque um caniço era o instrumento para me- rocanônico, ao passo que Apocalipse de Moisés é livro apócrifo; para os protestantes,
dir, o termo assumiu o significado de medida, do qual derivou por sua vez o de regra, Sirácida é livro apócrifo, e o Apocalipse de Moisés é livro pseudoepigráfico.
norma. Com efeito, para o apóstolo Paulo, cânon é a norma que governa e regula a O cânon bíblico é a lista oficial dos livros que a Igreja reconhece como normati-
vida do cristão: "De minha parte, que eu não me glorie a não ser na cruz de nosso vos para a vida do cristão, como parte da sua fundação como comunidade de fé. Os
Senhor Jesus Cristo [...]. Com efeito, o que conta não é a circuncisão nem a não cir- livros canônicos são aqueles que constituem a regra da fé, transmitem as verdades
cuncisão, mas ser nova criatura [ ... ]. E para todos os que seguirem esta nonna [kai reveladas, estruturam a vida cristã. O reconhecimento oficial do cânon não exclui que
hósoi to(i) kanóni toúto(i) stoichésousin] haja paz e misericórdia, assim como para outros livros possam ter sido compostos com a assistência e guia do Espírito e depois
todo o Israel de Deus" (GI 6,14-16). se perdido. É o caso da carta aos Laodicenses (cf. CI 4,16).
Começando no século IV, o termo cânon passa a indicar o elenco das Sagradas
Escrituras oficialmente reconhecido pela Igreja. Atanásio (351) é o primeiro a distin-
3. FORMAÇÃO E FIXAÇÃO DO CÂNON HEBRAICO DAS ESCRITURAS
guir entre livros canônicos e apócrifos.? A distinção de Santo Atanásio entre livros
canônicos e apócrifos evoca a distinção de Eusébio de Cesareia (por volta de 300), Os escritos sagrados de Israel não se formaram por encantamento. Israel não co-
que, em referência aos "livros testamentários (endiáthekos)" fala de homologoúmena meçou sua história escrevendo livros. Primeiramente, viveu e, a seguir, após longa fase
(livros aceitas por todos), antilegómena (discutidos) e nótha (espúrios).' de tradição oral, escreveu para recordar aquilo que vivera e compreendera e, assim,
Após o Concílio de Trento, Sisto de Siena ( 1569) introduziu na Igreja católica oferecê-lo como lição de vida para as gerações seguintes.
a terminologia protocanônicos e deuterocanônicos. É uma terminologia pouco feliz,
porque poderia fazer pensar que os livros protocanônicos são mais canónicos que os
3.1.0 prólogo do Sirácida
sair do túmulo três homens: dois sustentavam o terceiro, enquanto uma cruz os seguia. A cabeça dos dois
primeiros alcançava o céu, ao passo que a cabeça do conduzido por eles pela mão superava o céu. A segU" Dentro do judaísmo as primeiras informações acerca de coletânea de livros sa-
ouviram uma voz do alto que dizia: 'Pregaste aos que dormem?' A seguir ouvia-se a resposta que vinha da grados encontram-se no prólogo do livro do Sirácida (130 a.C., aproximadamente).
cruz: 'Sim'. Então eles decidiram juntos ir a Pilatos e colocá-lo a par do acontecimento",
Nele, o neto de Jesus ben Sirá explica o motivo de sua tradução - do hebraico para o
Atanásio, em 351, escreve que O Pastor de Hermas "não faz parte do cânon", e, em 367, na 39 carta
festal, após haver elencado os livros do AT e do NT, os chama "livros incluídos no cânon (kanonizoména) e grego - do livro do seu avô:
acreditados como divinos" e os contrapõe aos "livros apócrifos (apókrypha)" que os hereges misturam com @>
Escrituras divinamente inspiradas.
Visto que a Lei e os Profetas e outros escritores que se seguiram a eles deram tan-
• Tod avia,
• nao
- sa ib emos se os livros "canônicos" de Atanásio correspondem aos homologoúmena de tas e tão grandes lições pelas quais convém louvar Israel por sua instrução e sua
'b·º
E use 10. sabedoria [...] também meu avô Jesus, depois de dedicar-se intensamente à leitura

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A Bíblia na história
Capitulo 11

d a Lei dos Profetas e dos outros livros dos antepassados e depois de adquirir neles
9 • • 1 Flávio Josefo não fornece a indicação exata de quais são os treze livros dos
grande experiência, ele próprio sentiu a necessidade de escrever algo sobre a i4
Profetas e os outros quatro livros; mas, das indicações que oferece nos outros escritos
truça-0 e a sabedoria > a fim de que os que
.
amam a mstruçao, submetendo-se a
• • essa
disciplina, progridam muito mais no viver segundo a Lei (Prólogo do Sirácida) seus, o elenco pode ser facilmente reconstruído. Os treze livros dos Profetas corres-
pondem a Js, Jz com Rt (um único livro), 1-2Sm (um único livro), 1-2Rs (um único
livro), Is, Jr com Lm, Ez, e os doze profetas menores (um único livro), J6ó, Est, Dn, Esd
E depois de haver anotado as dificuldades de traduzir do hebraico para Ogre
e Ne (um único livro), 1-2Cr (um único livro). Os outros quatro livros correspondem
e exaltado a indubitável força do ongma +l hebr·
<.

e ra1co (N3.ao somente esta obra, mas "&o


a S/, Pr, Ct, Qo. Ao todo, 22 livros sagrados, a mesma quantidade de letras do alfabeto
também a própria Lei os Profetas e o resto dos livros conservam uma vantagem não
hebraico. Poucos anos depois, o apócrifo 4 Esdras 14,18-47 menciona 24 livros acei-
pequena no texto original"), conclui: "Vindo ao Egito [ ... ], também eu achei neces.
tos pelos judeus como sagrados; trata-se da mesma lista de Flávio Josefo, mas com a
sário trabalhar com diligência e fadiga para traduzir este livro [ ... ] que publico para contagem a parte de Lm e Rt.
aqueles que no exterior desejam instruir-se conformando os próprios hábitos para
viver segundo a Lei" (Prólogo do Sirácida).
O prólogo do Sirácida contém alguns dados importantes: a) Israel pode contar 3.3. Um cânon palestinense oposto a um cânon alexandrino?
com dois grupos de escritos já completos e praticamente fechados, a Lei e os Profetas,
e com o terceiro grupo ainda aberto, os Escritos; b) os ensinamentos presentes nesses No passado se considerava que os judeus da diáspora alexandrina possuíssem
livros constituem para Israel norma de sabedoria e regras de vida. um cânon mais amplo do que o dos seus irmãos da Palestina, compreendendo tam-
A Torá (Gn, Ex, L, Nm, Dt) havia recebido sua forma definitiva provavelmente bém os deuterocanónicos (Tb, Jt, 1-2Mc, Sb, Sir e Br). O texto grego da LXX seria
no tempo de Esdras (século IV a.C.). Também o grupo dos Profetas, compreendendo testemunha desse cânon alexandrino que contém os deuterocanónicos. Hoje essa tese
Js, Jz com Rt, 1-2Sm, 1-2Rs, Is, Jr, Ez, os doze profetas menores (Os, Jl, Am, Ab, Jn, não conta mais com o suporte da crítica. A versão da LXX não pode constituir em si
Ma, Na, Hab, Sf, Ag, Zc, MI), parece fechado e fixado quando se escreve o Sirácida mesma a prova de um cânon porque: a) a tradução se deu no espaço de aproxima-
(180 a.C., aproximadamente), porque o louvor dos Pais (Sir 44-50) reevoca as princi- damente um século e meio; b) os únicos códices que possuímos da LXX são códices
pais personagens e episódios da história bíblica exatamente segundo a ordem e a suces- cristãos do século IV d.C.; e) quanto aos livros dos Macabeus, não há concordância
são do grupo dos Profetas anteriores (Sir 46,1--48,24) e posteriores (Sir 48,25-49,12). entre os códices (o Códice B não os contém; o Códice N' traz 1 e 4 Me; o Códice A
Quanto ao terceiro grupo, os Escritos, o Sirácida não fornece elemento para ava- contém os quatro); d) os dados que podemos tomar de Fílon - o autor judeu-alexan-
liar a sua extensão; o louvor dos Pais não menciona Esdras, Ester, Daniel; menciona, drino mais representativo na passagem do século I a.C. e d.C. - não oferecem para o
porém, Zorobabel, Josué filho de Josedec e Neemias (Sir 49,13-15). judaísmo alexandrino uma situação diferente da situação da Palestina, naquilo que se
refere à extensão da coleta dos escritos.
A própria biblioteca de Qumrã não atesta um cânon bíblico exato. Entre os
3.2. O cânon de Flávio Josefo rolos e os fragmentos de Qumrã falta - entre os livros canônicos - somente Ester.5
Entre os deuterocanônicos em Qumrã conhecia-se a carta de Jeremias (Br 6) e os li-
. O judaísmo palestinense do século I d.C. confirma os dois primeiros blocos da vros de Tobias e Sirácida; mas se encontram também livros apócrifos como Jubileus,
Lei e dos Profetas como encerrados e definitivos, e atesta certa delimitação do terceiro Henoc e os Testamentos dos Doze Patriarcas, obviamente além dos escritos próprios
bloco. Por volta de 95 d.C., o historiador fLÃvro JosEFO escreve: da comunidade. Portanto, também Qumrã testemunha um cânon bíblico fechado e
definido somente para os dois grupos da Torá e dos Profetas; em vez disso, o terceiro
Não há entre nós uma infinidade de livros debatidos e contraditórios, mas somen- grupo - os Escritos - "parece" aberto também a Br 6, Tb e Sir.
te --
22 que abr raçam a hhistória d le todos
d os tempos e são justamente considerados
· d
Com a destruição do templo (70 d.C.), a religião judaica tornou-se sempre mais
divinos. Entre eles estão os cinco livros de Moisés, contendo as Leis e a narrativa religião "do Livro", daí a necessidade de um cânon exato dos livros sagrados. Sabe-
dos eventos acontecidos desde a criação do homem até a morte do legislador dos
mos que, no assim chamado Sínodo de Jâmnia, discutiu-se - e no fim foi confirmada
hebreus [ ... ]. Da morte de Moisés até o reinado de Artaxerxes os Profetas que
- a canonicidade de Oohélet e do Cântico, mas não há provas de que em Jâmnia os ra-
sucederam a Moisés narraram em treze livros os fatos que acont:ceram no tempo
binos tenham fechado definitivamente o cânon; pelo menos após Jâmnia continuaram
deles. Os outros quatro livros contêm hinos em honra de Deus e preceitos (úteis para
a vida [...]. De Artaxerxes a nós, os acontecimentos foram igualmente postos po
escnto; mas esses livros não adquiriram a mesma autoridade dos anteriores, porque 5
O livro de Ester foi excluído pelos essênios de Qumrã por causa da ênfase que esse livro dá à festa de
a sucessão dos profetas não foi bem estabelecida (Contra Apião 1, 8). Purim, que contrastava com O calendário festivo da comunidade.

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A Bíblia na história
Capítulo 11

os debates sobre Qo e Ct, e O texto hebraico de Sirácida foi lido e transcrito n significa
_ simplesmente que . não tiveram oportunidad e dee rerenr-se
r,.:.
a e ] es. De resto
sinagogas também nesse período. Pode-se falar de cânon hebraico definitivo (isto ~s não são expressamente citados também livros prot , • '
. E , . ocanomcos, por exemplo: Rute
limitado aos 24 livros da atual Bíblia Hebraica) somente por volta do século III 4o' Esdras, Neemias, ster,. Cântico, Qohélet,, Abdias,, Naaum. No entanto, temos alusoes.'
, .
bastante explícitas a Sir 5,11 em Tg 1,19; a Sb 2,24 em Rm 5,12: 2M
en Hb 11,34. >'5a 1c6,18-7,42
3.4. Por que os judeus têm cânon reduzido? Também em época pós-apostólica, o texto oficial da Igreja para o AT foi o da
LXX ou uma tradução
, completa dela (Vetus Latina). • Unma con f, rmaçao a iavor do
=,

Depois de Esdras (século IV) faltou um personagem autorizado que assegurasse


cânon completo nos é dada pelos antigos monumentos s cns ·stáaos, d e mo d o particular
e

0 caráter divino dos escritos mais recentes, ou confirmasse o caráter sagrado de es- pelas catacumbas. Encontramos numerosas cenas que re 'presentam episódios · 'd' narra-
critos mais antigos a respeito dos quais os profetas não se haviam expressado clara-
dos pelos escritos deuterocanônicos misturadas com c . ,
mente. Esse motivo é focalizado por Flávio Josefa em Contra Apião (1,8), onde, após · .· ' :enas que representam episó-
dios narrados nos protocanônicos
- (jamais cenas que represent f d
.am atos narra os nos
haver enumerado os escritos canônicos, acrescenta: "De Artaxerxes (século V) até
apócrifos do AT). São frequentes: a representação dos três jovens na fornalha (Dn 3,
nós, tudo foi escrito, porém esses livros não têm entre nós a mesma autoridade dos
seçao deuterocanomca); a ·representaçao de Daniel na cova d tos 1 teoes,
- com o proteta r
anteriores, porque nunca houve uma segura sucessão dos profetas".
Habacuc que lhe leva comida (Dn 14, também seção deuterocanônica).
Isso é acompanhado por outros dois motivos: a) segundo os fariseus, um escrito
A partir do final do século II d.C., dois fatores contribuíram para fixar a ex-
não podia ser considerado sagrado se não fosse escrito em língua hebraica ou aramai-
tensão do AT cnstao: a) a heresia de Marcião; b) a opção pelo cânon mais breve por
ca (única língua considerada digna de expressar a Palavra de Deus); b) além disso,
parte do judaísmo.
devia ter sido composto na Palestina (único lugar adequado para a revelação divina).
A reação da Igreja à posição de Marcião (t 160 aproximadamente), para O qual
o AT não unha nenhuma importância para o cristão, pelo contrário, era de atribuí-lo
a um Deus malvado, teve consequências de amplo relevo. Justino, Ireneu, Origenes
4. O CÂNON CRISTÃO DO ANTIGO TESTAMENTO
e outros defenderam o AT, considerado necessário pela riqueza do seu ensinamento
Se no século I d.C. a extensão do terceiro grupo dos livros sagrados no judaísmo especialmente em relação à história da salvação, concebida e atuada pelo único Deus,
ainda era incerta, não podemos esperar da Igreja apostólica (e, portanto, dos escritos que é ao mesmo tempo Deus de Israel e Pai de Jesus Cristo. A defesa do AT é acompa-
do NT) uma resposta exata e definitiva a esse problema. Todavia, o NT focaliza a nhada inevitavelmente pelo problema da sua exata extensão.
grande consideração dada às Escrituras de Israel. Sobre a canonicidade e inspiração dos deuterocanónicos, discutiu-se, tanto no
A respeito das Escrituras de Israel, Jesus afirma que não podem ser anuladas (Jo Oriente quanto no Ocidente, até o século IV. Orígenes, Atanásio e Cirilo de Jerusalém
10,35); afirma que não veio ab-rogar, mas conduzir ao cumprimento (Mt 5,17-18); re- optaram pelo cânon breve dos judeus; no Ocidente, Agostinho foi tenaz defensor do
fere-se a elas com peremptório está escrito (gégraptai), que encerra toda discussão (Mt cânon longo, evocando o uso desses livros na liturgia de numerosas Igrejas, evocando
4,4-10). A mesma coisa fazem os outros escritores do NT mediante as fórmulas: Para também sua preciosa contribuição para a doutrina e a fé. Jerônimo, após ter se apai-
que se cumprisse a Escritura, ou: A Escritura diz. Esse uso indica que as Escrituras de xonado pela hebraica veritas, foi convicto sustentáculo do cânon breve, limitado aos
Israel, para a Igreja apostólica, são também Escrituras "cristãs". livros escritos originariamente em hebraico. Todavia, não teve a pretensão de absolu-
A comunidade cristã se desenvolveu sobretudo no âmbito da diáspora, onde Rs._ tizar o seu ensinamento contra o ensinamento comum da Igreja.
se usava a Bíblia dos LXX. Com efeito, eram poucos os que ainda conseguiam com- /' - Do século V ao Concílio de Trento, remos a unanimidade moral dos escritores
preender e usar o hebraico. A primitiva Igreja falava grego, celebrava em grego, e cristãos a favor dos deurerocanônicos. Os aurores que ainda levantaram dúvidas con-
se escrevia em grego, consequentemente, as leituras litúrgicas eram tiradas da Bíblia tra os deuterocanônicos são poucos: no Oriente, João Damasceno; no Ocidente, Gre-
Alexandrina. Ao escrever, quando se citava a Bíblia, tomava-se a LXX.° gório Magno (t 604) e Ugo de São Vítor (século XII). A partir de 1546, ano da defini-
Os autores do NT, mediante o uso, aprovaram e reconheceram O cânon como ção tridentina, nenhum católico pôs em dúvida a canonicidade dos deurerocanônicos.
se encontrava na versão dos LXX. Esse argumento conserva toda a sua força mesmo A respeito dos deuterocanônicos do AT:
que se tenha de admitir que os apóstolos, em seus escritos, nunca citam explicitamente 1. Não se pode pretender que rodo antigo escritor cristão cite de todos os escri-
passagens dos deuterocanônicos. Todavia, 0 silêncio não equivale a desaprovação; tos deurerocanônicos do AT. Era natural a citação do AT quando a ocasião se
apresentava e, evidentemente, não se apresentava a cada Padre da Igreja a oca-
6
Das 350 citações do AT no NT, aproximadamente 300 são tiradas da LXX. sião de citar de todos os deuterocanônicos.

252 253
Capitulo 1
A Bíblia na história

Igrei·a cita como Palavra de Deus algum escrito deute a início do século II, treze cartas de Paulo (corpus paulinum) eram 1he{
d d 1a
2 Se um Padre ·id : . d "TOcan NO . [[. 9 conhecidas
• d resumir que ele cons1 erasse msp1ra o também O - , • na Ásia Menor e na ta 1a. No curso da primeira metade d ,
nico do AT, pode-se p! 2Soutr, Gréc1a, .- " 1o século
1 II,
namos pO ucos testemunhos em relaçao .
aos outros escritos aJJostólicos·
. ,na segun a
d
deuterocannicos.
re d do século II, os Atos dos Apóstolos, o Apocalipse e pelo menos a 1Jo e a 1Pd
p dre da Igreja nunca cita algum escrito deuterocannico do A metal€ ·
3. Se um a p d ,h , nem siderados canomcos.
. d
da.
considerá-lo adversário 1o canon ongo. o era aver fort eram con
por isso se eve . e sus.
. d ma certeza moral, se de 1 e se conservam mmtas obras nas .
peita em vez Ie u» : quais
. frequenrtemente os escritos protocanomcos e nunca os deuterocano'n·I cos,
1 cita
ele mo à formação do cânon do Novo Testamento
5.2. R iU
4 A controvérsia com os judeus induzia alguns escritores a conferir valor somen- No século II, dois fatores contribuíram para a fixação do cânon do NT: a heresia
t~ àqueles livros sobre os quais era possível basear-se para um diálogo com eles,
de Marcião e o gnosticismo.
Marcião não re1e1tou somente o AT na sua totalidade, mas negou também parte
d NT. Aceitou como textos sagrados dez cartas de Paulo (excluía Hb, 1-2Tm, Tt e
5. o CÂNON DO NOVO TESTAMENTO
Fm) e uma versão do Evangelho de Lucas depurada de todos os acenos ao Deus do
5.1. Memórias de Jesus e dos apóstolos AT. O gnosticismo do século II caminhou na direção contrária: orgulhando-se de re-
velações particulares obtidas em encontros secretos com Cristo ressuscitado, produziu
Grande parte dos escritos do NT surgiu por motivos ocasionais e era destinada novos Evangelhos e cartas que garantia serem de origem apostólica.
a cada comunidade, e não à Igreja universal. Cada comunidade vivia da pregação oral o fato de que Marcião (t 160 aproximadamente) tenha encurtado o cânon pro-
do apóstolo que a fundara, complementada por seus eventuais escritos.7 va indiretamente que no seu tempo havia um cânon mais longo; com efeito, Ireneu o
O cânon do NT foi fixado em época pós-apostólica. Em cada Igreja se passa- acusa de havê-lo mutilado. Tertuliano, após haver afirmado que os Testamentos são
rá lentamente de uma coletânea incompleta a uma coletânea mais completa, até os dois afirma que o NT se compõe por quatro Evangelhos, por treze cartas de Paulo,
elencos e decisões do magistério dos séculos IV e V. Os critérios para a conservação pela epístola aos Hebreus, pela primeira carta de João e pelos Atos dos Apóstolos. Se-
e aceitação eram: a) a origem apostólica real ou presumida; b) a importância da co- rapião, bispo de Antioquia, aproximadamente no ano 190, assim se pronuncia ace~ca
munidade para a qual o escrito foi feito; c) a conformidade com a regra da fé; d) às do "Evangelho apócrifo de Pedro": "Nós, irmãos, acolhemos Pedro e os outros após-
vezes também o caso (como para Filêmon em relação a outras cartas de Paulo que se tolas como Cristo em pessoa, mas somos bem perspicazes em re1e1tar os_ escmos que
perderam). falsamente trazem o nome deles, sabendo que não os recebemos como tais por nossos
Os quatro Evangelhos, ainda que não sejam os escritos mais antigos do NT,8 mensageiros" (em Eusébio, História Eclesiástica VI, 13,3). .
foram os primeiros a ser colocados no mesmo plano dos escritos do AT e reconheci- .. da formaçao
Na história - do canon neotes t ame. ntário um documento impor-
a

dos como normativos para a comunidade cristã [canônicos]. Os Padres apostólicos tante é o Cânon Muratoriano que re fl ete o canon
, d Igrei·a de Roma de 200 d.C.,
ª lh
fornecem a prova de que, no início do século II, as grandes Igrejas possuíam uma aproximadamente O cânon sustenta o carater norm 1ativo dos quatro Evange, . os,
,,
coleção de livros designada com o nome Evangelhos. Por volta de 140, Pápias, • 1· d outras três cartas apostoltcas 1
d os Atos dos Apóstolos, de treze cartas pau mas, e . d pd
bispo de Hierápolis, conhecia Marcos e Mateus. Justino (por volta de 150) põe • e o Apocalipse te e ro, que,
(Jd; 1-2 Jo) e do Apocalipse; ao lado d este nomeia-s , _ f h
os Evangelhos no mesmo plano das Escrituras hebraicas: "No dia chamado do sol . . - , . I • Esse cânon nao raZ nen uma
ias todavia, se considera "não apto à leitura na Igreja'. _.,,, [ 4.Sa
nos reummos num só lugar, da cidade e do campo, e se faz a leitura das Memor ·ta como cnstao o 1vro a
referência a Hb 1-2Pd Tg e 3Jo, e estran h amente ace ,, [e+ somente
dos apóstolos [Evangelhos] e dos escritos dos Profetas, até que o tempo permita b d ..> dAT);e recomeu a a e1tura, s
(PG 6,429).

e!oria de Salomão (que pertence ao canon
a.
° '
privada, do Pastor de Hermas. , . d C sareia comunica que
6
U steto depois, por vota de 310 4.€, É,","$'~ aaas tereis Hit.
ainda subsistiam discrepâncias nas listas dos livros h ciclos por todos
Ee·
cl.
III, 25,1-14). Não participavam dos [1vros O fcialmente
ci
reconte
11
Do NT, parece que somente alguns escritos eram destinados a mais de uma comunidade: Tg_ ' ':
doze tribos dispersas no mundo; 2Cor 1,1: A todos t de tode A i-
1
p 1,1:4os fiéis dispe
no Ponto, na Galácia na Ca , os san os e o a a ca,a; .'... mais de urna - de Paulo no mesmo plano
idade ; ' 3padócia, na Asia e na Bitínia; ou giravam como circulares dirigidas a "u, 3,15-16, que põe as cartas 1 artas
comuni ª e (da, surge um caráter normativo que transcende a comunidade local). ·
das outr
ma confirmação vem da segunda carta de Pedro
E. .
,' ?

Pd(5o além do ano


125d C) pelo menos algumas c
O prim • • . . . d conoto, d,_ "as iscrituras. Portanto, quando e escrita a 2
1h

eb iro escrito neotestamentano foi a primeira carta de Paulo aos Tessalonicenses, escrita "° na .d d postólica.
entre d lezemlro de 50 e março di 51 d e 'aulo usufruíam junto com os Evangelhos garantia e autor ta e a
e , lurante a segunda viagem missionária.

255
254
A Bíblia na história Capitulo 11

..:. . H} T 2Pd, Jd, 2-3Jo (antilegómena); discutia-se ainda acerca d para AT e o NT um cânon idêntico ao de Hipona. A Igreja do Ocidente apresenta
como canomcos.
.
, g, ' ' • ,
d J a-o que O próprio Eusébio não tem certeza quanto a situa- 1 o entre os
° esse mesmo canon longo no Decreto Gelasiano (aproximadamente 492, , EB 26) , por
/ fi .
A pocalipse te 1o , ~f;)
isso se pode a rmar que a Igreja, desde o século IV, sustentou em seus pronunciamen-
homologoúmena ou entre os nótha (= espúrios ou apocr1ros).
. d nda metade do século V, acerca do canon do NT, há consenso tos O atual cânon longo.
A partr la segu .
.d d unânime. Somente os nestoranos se apartam desse con. A Igreja do Oriente aceitou o cânon longo no Concílio Trullano II ou Quinis-
que pode d ser considerado dr' id
. N ,
sentimento. 1o secuio 1 XVI ' algum grupo da Reforma teve. uv1d as• acerca de alguns sexto (692). O patriarca Fócio (+ 891) o confirmou e declarou mais uma vez obriga-
,:. rtanto, a Igreja, nos séculos III-V foi gradativamente tomando tório para toda a Igreja oriental.
deuterocanomcos, por , ' . .
...· d s longo do NT As causas que determinaram incertezas e dúvidas A primeira intervenção da Igreja em nível universal relativa ao texto sagrado
consciência to canon '
a respeito da canonicidade de alguns livros foram: aconteceu no Concilio de Florença (1442). No último decreto desse concílio ecumêni-
a) A falta de elenco oficial e definitivo dos livros sagrados. co, foi apresentado um elenco dos livros sagrados em conformidade com O dos con-
cílios africanos e com o Decreto Gelasiano (Bula Cantate Domino, 4 de fevereiro de
b) As dificuldades de comunicação entre uma e outra Igreja e as dificuldades
1442, EB 4 7). Porém não se trata de definição solene, mas de profissão de fé no cânon
referentes ao idioma, que às vezes impediram as Igrejas de se informarem reci- bíblico. O cânon do Concílio de Florença é idêntico àquele que será expresso median-
procamente acerca dos escritos apostólicos, comunicando-os entre elas. te definição do Concílio de Trento, quer por aquilo que diz respeito ao conteúdo do
c) O exagerado cuidado ao excluir os numerosos apócrifos em circulação às elenco, quer pela disposição dos livros bíblicos (única exceção: Atos dos Apóstolos é
vezes envolveu também algum livro de origem apostólica e inspirado; ao con- colocado antes do Apocalipse:
trário O cuidado deficiente impeliu outros a inserir algum apócrifo entre os
A Igreja confessa um só, idêntico Deus como autor do antigo e novo Testamento
'
inspirados. [ ... ] porque os santos de um e de auto Testamento falaram sob inspiração domes-
d) O mau uso praticado por seitas hereges em relação a certos livros (Hebreus e mo Espírito Santo. Desses aceita e venera os livros compreendidos sob os seguintes
títulos [ ...] (EB 47).
Apocalipse)."%
e) A brevidade exagerada e o valor doutrinal não relevante de alguns escritos
deuterocanônicos, como 2 e 3 ]o e judas. Contra Judas há desconfiança por citar 6.2. A definição do cânon no Concílio de Trento
um livro apócrifo, Henoc.
Após o Concílio de Florença, parecia estar estabelecido definitivamente quais
livros pertenciam à Sagrada Escritura, mas Lutero acendeu novas disputas. Na sua
6. O MAGISTÉRIO ECLESIÁSTICO E O CÂNON tradução da Bíblia em alemão, traduziu também os deuterocanônicos do AT, mas
colocou-os no fim, declarando-os expressamente apócrifos e livros a não serem con-
6.1. As declarações do magistério acerca do cânon siderados no mesmo plano da Sagrada Escritura, mas que no entanto são úteis e bons
de ler.''
A primeira declaração do magistério a respeito do cânon aconteceu no Concílio
O Concílio de Trento viu-se obrigado a decidir definitivamente a questão do
de Hipona (393, assembleia plenária dos bispos da província da África; EB 16-18),
cânon. No dia 8 de abril de 1546, com o decreto De libris sacris et de traditionibus
que traz o cânon longo não só para o AT, mas também para o NT, e difere do atual
recipiendis (sessão 4), definiu solenemente o elenco dos livros do Antigo e Novo Tes-
apenas por alguma diversidade na sucessão dos livros. O mesmo cânon foi confirma-
tamento, e concluiu assim:
do pelo 3º (397) e 4° (419) Concílio de Cartago. Os Padres do Concílio de Hipona
haviam afirmado expressamente que o cânon devia ser confirmado pela Igreja de Se alguém não aceitar como sagrados e canónicos esses livros, na sua integridade
Roma (EB 18 e 20). Não resulta que aos bispos desses concílios tenha chegado a con- e com todas as suas partes, como se costuma lê-los na Igreja católica e como se
firmação de Roma; todavia, pode-se presumir. Com efeito, resulta que naquela época encontram na antiga edição da Vulgata Latina e desprezar conscientemente as pre-
também a Igreja de Roma possuía o mesmo cânon. Em 405, papa Inocêncio I despa· anunciadas tradições: seja anátema (EB 60).
cha ao bispo de Tolosa, Exuprio, uma carta (Consulenti tibi, EB 21) na qual reproduz

" Não está clara a atitude de Lutero em relação a Hebreus, Tiago, Judas e Apocalipse. Na sua tradução
10 Po 1 . . e. apósta
r exemplo, os novacianos invocavam Hb 6,4-6 para negar a possibilidade do perdão para os do NT de 1522 e 1546, são traduzidos e impressos, mas não têm, diferentemente dos outros livros, uma enu-
tzs: ·ile • q+ar dos
as; os milenaristas, por sua vez, apelavam com insistência ao Ap 20,4.6, onde se fala do reinado milen meração e índice.
eleitos.
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256
A Bíblia na história
Capítulo 11

,. d T tra as Igrejas da Reforma, entregou o elenco com 1


O Concílio te rento, coni . 'Plet Se alguém não reconhece como sagrados e canónicos os livros da Sagrada Escritura
. d d do com os concílios antenores: 44 para o AT (classifi na sua integridade e com todas as suas partes, assim como foram elencados pelo
dos livros sagra os e acor . ICou
Baruc como livro único com Jeremias), e 27 para o NT; incluiu, +
=, santo Smodo de Trento ou se ne 'a que sao
- d.luvmnamente
• · ·
inspirados: · anátema
seja
Lamentações e H .. ] r-
.- ., '

. deuterocanônicos e anatematizou aque es que nao aceitavam com (EB 79).


tanto, os iIIvros , 1O
sagrados e canônicos tais livros e com todas as suas partes.
O Vaticano II retoma a mesma doutrina:

A santa mãe Igreja, , segundo a fé apost6li - cons1·id era como santos e canomcos
s o 1ca, ... os
6.3. Notas sobre o decreto tridentino livros inteiros do Antigo e do Novo Testamento com todas
. . · - as suas partes, porque,
escritos por inspiração do Espírito Santo, têm Deus por autor. e como tais foram
1. Não se faz qualquer distinção entre escritos protocanónicos e deuterocanón.
confiados à própria Igreja (DV 11 ). '
cos; os deuterocanônicos estão inseridos entre os protoca110111cos.

2. Fala-se de livros que se encontram na Vulgata. O Concílio de Trento conside.


rou a edição Vulgata como texto de referência (= das várias traduções latinas, a 7.0 PROBLEMA TEOLÓGICO DO CÂNON
Vulgata era a mais confiável). Os Padres conciliares sabiam que a Vulgata não
era isenta de imprecisões e erros de tradução; com efeito, recomendaram uma Percorremos o caminho histórico de formação do cânon do Antigo e Novo Tes-
revisão crítica do texto latino, à qual se chegou com a Vulgata Sisto-Clemen- tamentos. Mas por que esse cânon e não outro? Em quem se baseou a Igreja para
tina de 1592. Por isso, quando o concílio estabelece a Vulgata como termo de aceitar determinados livros como canônicos e, ao mesmo tempo, rejeitar outros?
comparação para indicar quais são os livros inspirados, subentende: a não ser A questão do cânon da Escritura, como vimos, se reapresentou na época do
que se trate de partes da Vulgata que, por erro de tradução, não correspondem Concílio de Trento. Pouco antes do concílio, os humanistas, sobretudo Erasmo
de Roterdã, haviam levantado críticas acerca de alguns livros. As questões eram
ao texto original ou não se encontram de modo nenhum no texto original.
principalmente de natureza histórica e se referiam de modo especial aos deutero-
3. A definição de Trento é a resposta da Igreja católica às Igrejas da Reforma que canônicos do AT.
haviam desenterrado antigas dúvidas dos primeiros séculos da Igreja. Erasmo de Lutero considerou secundários, em relação ao testemunho dado a Cristo, os
Roterdã punha em dúvida a apostolicidade de Hebreus, Tiago, 2 Pedro, 2-3 João, mesmos escritos rejeitados por Erasmo, e os colocou no fim da sua tradução da
Judas e do Apocalipse. Lutero atribuía valor secundário a Hebreus, Tiago, Judas Bíblia para o alemão. Lutero pensava que o critério determinante para reconhecer
e Apocalipse. Essas incertezas no âmbito da Reforma Protestante hoje desapa- um escrito como canônico fosse a capacidade de conduzir a Cristo, o seu urgere
receram, naquilo que se refere ao NT. Ao contrário, para o AT, seguem o cânon Christum (= propor energicamente, fazer valer Cristo). Sua crítica se baseava em
breve, portanto excluem os deuterocanônicos. argumentações teológicas e não era crítica ao cânon, mas crítica no cânon, den-
tro dele. Lutero distinguiu entre livros privilegiados, pois refletiam o testemunho
4. Os livros elencados no decreto são sagrados e canónicos com todas as suas apostólico central em Cristo (Romanos e Gálatas); livros ordinários, que, de certo
partes [ ... ] como se encontram na antiga edição da Vulgata Latina. Median- modo, já eram testemunho de um catolicismo primitivo; e livros de grau secundá-
te o inciso: com todas as suas partes [cum omnibus suis partibus], se quis rio, que não conduziam adequadamente a Cristo (Hebreus, Judas, Tiago, 2 Pedro,
garantir a canonicidade também de breves seções, como o final de Marcos Apocalipse).
12
(Mc 16,9-20), o suor de sangue (Lc 22,43-44)e o episódio da adúltera (Jo Naturalmente, para os reformadores, para aceitar esses livros não podia bastar
7,53-8,11), que, ainda hoje, no NT protestante, ou não figuram ou são postos
a decisão magisterial da Igreja, pelo fato de que a Igreja não podia pôr-se acima da
entre parênteses. Escritura e decidir a respeito dela, e isso em coerência com o princípio da sola Scrip-
Os concílios posteriores acrescentam somente retoques complementares à po tura. O critério para estabelecer quais livros eram canônicos devia ser encontrado na
ção tridentina. O Vaticano I afirma que os livros da Escritura são sagrados e canoni- própria Escritura.
cos porque inspirados. De fato se lê: Os pronunciamentos do Concílio de Trento, do Vaticano I e Vaticano II para
os teólogos protestantes não são, naturalmente, decisivos. Pelo contrário, acusam a
"? Erasmo (t 1536) pusera em did; ·idade do que não Igreja católica de colocar-se acima da Escritura, caindo num círculo vicioso sutil: a
hz - .:.
±, 1uvu1a a genuinida e desses três trechos evangélicos, sustentan e·
%?7·" escritos pelos autores Mc, Le, Jo) aos quais normalmente eram atribúidos. A doida acerca"%?j, Igreja católica definiu qual é sua Escritura Sagrada para em seguida apoiar-se nela
nuinidade não comportava a dúvida sobre a canonicidade, mas Erasmo não distinguira bem entre genu"" e Justificar-se como Igreja fiel à Escritura. Para o teólogo católico, pelo contrário,
e canonicidade e, portanto, a sua posição era suspeita. Sua posição teve alguns seguidores entre os cató"
259
258
A Bíblia na história Capitulo 11

:., -~ , vinculantes, todavia isso não o exime de refletir sob


1 criando o cânon. Esse momento decisivo, que teria marcado para sempre o con-
-5

as decisões concares sao ' a


questão do cânon. fim entre os inícios da Igreja e a Igreja pós-apostólica, coincidiu com a metade
do século
_ II. Entao,
, . dada. a proximidade ainda existente em re 1 açao- a, autentica
• ·
pregação apostólica, foi possível tomar essa decisão.
7.1.0 fundamento do cânon do NT na teologia protestante
Dessa breve resenha emergem três dados: a) os teólogos protestantes não negam
No mundo protestante se acentua a importância do_ Espírito; é o Espírito que se que a Igreja teve e tem papel importante na transmissão do cânon; b) porém, evita-se
torna garantet do Caráter divino das Escrituras no coraçao dos d;
crentes. As tentativas
., qualquer aparência de submissão da Escritura à Igreja; 3) o Espírito exerce função
dação do cânon bíblico podem ser agrupa as em tres: . , . importante no reconhecimento da autoridade da Escritura.
protestantes d e fun , .
1. O recurso ao conteúdo evangelrco do Novo Testamento como cnteno de ca- As três posições expostas acima não podem ser aceitas pela parte católica. Nos
nonicidade é característico da tradição luterana. Um escrito do NT é normativo dois primeiros casos, o crente se põe sozinho diante da Escritura [subjetivismo], sem
se conduz a Cristo. Segundo G. W. Kümmel, 13 o cânon torna acessível ao crente qualquer critério objetivo com condições de garantir-lhe que se trata de Palavra de
0
anúncio originário do Evangelho [kerygma]. Aquilo que confere autoridade, Deus autorizada. No terceiro caso, oferece-se uma hipótese histórica não documen-
aquilo que é importante, não é o conjunto dos livros canónicos - nesse caso, a tável, que supõe uma fratura entre a Igreja apostólica e a pós-apostólica; esta não
autoridade da Escritura derivaria de uma simples decisão eclesial -, mas a prega- poderia tomar as decisões que hipoteticamente a primeira tomou em seu tempo.
ção autêntica de Cristo veiculada por esse cânon e a ser descoberta. Portanto, é Nos três casos está presente a problemática da relação entre a Escritura e a Igreja
necessário O esforço exegético, a pesquisa histórico-crítica sob a guia do Espírito com sua Tradição e seu magistério. Se rejeitarmos o valor da Tradição e do magistério,
Santo. Seguindo um itinerário semelhante, E. Kasemann 14 constata que· a Igreja esvai-se a possibilidade de proporcionar um fundamento objetivo ao cânon bíblico,
primitiva, fixando o fechamento do cânon, sancionou as próprias contradições remetendo o todo às decisões de cada indivíduo.
por causa da diversidade de teologias encontradas nos vários livros canônicos.
Por isso, a tarefa do crente é descobrir nesse cânon o autêntico Evangelho. O
autêntico Evangelho seria constituído pela justificação do pecador mediante a fé 7.2. A contribuição da teologia oriental"?
e a graça de Cristo. Todos os textos neotestamentários são julgados à luz desse
Segundo a teologia oriental, a Igreja vive e existe sob a ação e o impulso do Es-
cânon no cânon, o único que confere autoridade à Escritura do NT.
pírito Santo, que é essencial para a vida da Igreja. Dom N. Edelby sintetizou essa ideia
2.K. Barth15 individua o critério de canonicidade no autotestemunho (ou au- na assembleia sinodal do Vaticano II, recordando que, como não é possível a realidade
topistia) da Escritura. A Igreja transmitiu o cânon da Escritura, mas, se há um de Cristo se não se unem a carne nascida do ventre de Maria e a ação do Espírito,
cânon, é porque a Escritura se impôs à Igreja como norma e regra de vida. Se assim também a Bíblia é Palavra viva somente graças à força vivificante do Espírito.
assim não fosse, a Igreja estaria acima da Escritura, a palavra humana, acima da Ora, a Tradição é a teofania do Espírito, e sem o Espírito a história da salvação é
Palavra de Deus. Portanto, dado que a Igreja não pode propor algum cânon com incompreensível, e a Escritura, letra morta." Entre Escritura e Tradição, não há qual-
autoridade, tarefa do crente é o encontro com a palavra autêntica de Deus sob a quer contradição. A Escritura não é senão a Tradição apostólica escrita vivificada pelo
orientação do Espírito. Todavia, o cânon eclesial é preciosa indicação que atesta Espírito. Tradição e Escritura não são duas fontes da revelação, mas dois momentos
a fé dos outros, mas não pode ser imposta a ninguém. formais da Tradição.
Aplicando esses princípios ao cânon, resulta que o cânon da Escritura é o conjun-
3. O. Cullmann" tentou pôr em acordo o autotestemunho da Escritura com a
to da Tradição apostólica escrita, reconhecida pela Igreja sob a luz e a força do Espírito
autoridade da Igreja apostólica. Em sua opinião, assim que os escritos do NT como expressão autêntica da própria Tradição. A Bíblia é Escritura santa na Igreja
se impuseram à Igreja por sua intrínseca autoridade apostólica, a Igreja tomou somente sob ação do Espírito, presente na Igreja; portanto, só nesse contexto pode ser
uma decisão de tipo normativo e obrigatório para a Igreja de qualquer tempo, compreendida corretamente. Essa impostação ajuda a superar o problema da subjeti-
vidade detectado nas posições protestantes; ajuda também a descrever as relações entre
'> G. W.Kümmel, Einleitung in das Neuen Testament, Heidelberg, Quelle&Meyer, 1983.
Escritura e Tradição da Igreja, sem que a Igreja se ponha acima da Escritura,
" E. Kasemann, Das Neue Testament als Kanon. Dokumentation und kritísche Ana/yse zur gegenwiirtigen
Diskussion, Gõttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 1979
17
S. Bulgakov, L'ortodossia, Bolonha, li Mulino, 1981; V. Mehedintu, Offenbarung und Überlieferung,
'5K. Barth, Die Souveranitát des Wortes Gottes und die Entscheidung des Glaubens, Zürich, Evangelische
Verlag A. G. Zoll,kon, 19482; Oie Schrift und die Kirche, Zürich, Evangelischer Verlag A. G. Zollikon, 1947. Gi:ittingen, 1980, p. 214ss.

O. Cullmann, lntroduzione ai Nuovo Testamento, Bolonha, li Mulino, 1968. "Dei Verbum, 81-87.

261
260
A Bíblia na história
Capítulo 11

7.3. Tentativas católicas de fundação teológica do cânon conteúdo (o escrito coincide com o kerygma apostóli- 1b
Ico, em ora nao remon-
a=

te exatamente ao período dos apóstolos). Poder-se-ia traduzir apostolicidade


Também pela parte católica houve uma reflexão teológica sobre o fundamen orgmnara.
do cânon. P. Grelot"" reconhece as contribuições da teologia protestante e avalia po.
sitiva a relevância atribuída à intervenção do Espírito Santo. Todavia, é necessário o Ortodoxia:
. foram incluídos
, . no cânon
_ os escritos s que se acre ·diJtava que re-
precisar que o destinatário dessa ação não é o crente em si mesmo, nem a Igreja de produzissem a autêntica pregação apostólica so brre Crinsto, sua v1·i a, sua
determinada época, mas a Igreja de todos os tempos, guiada pelo magistério, que, em mensagem.
matéria de fé, desfruta de infalibilidade. Nem o magistério, nem a Tradição eclesial, à Catolicidade: . foram incluídos
qual pertence, podem ser considerados órgãos puramente humanos, porque o Espírito
e
. no cânon aqueles li vros que por to 5q as ou quase
todas as Igrejas eram considerados inspirados (o uso linG. .:
Santo continua agindo na Igreja mediante os seus carismas. ·. LurgIco era seu teste-
munho); se, pelo contrano, eram acolhidos somente por ai I · r
Segundo K. Rahner," a Igreja alcança o conhecimento do cânon bíblico não · d d I d guma greJa, roram
d e1Xa Os e a O.
mediante o esforço humano, mas mediante a revelação divina. Se Deus quer a Igreja,
ele a quer com todos os seus elementos constitutivos, entre os quais a Sagrada Escri- Esse processo de reconhecimento e definição realizou-se sob a ação do Espírito
tura, que é a objetivação da fé da Igreja apostólica e seu elemento fundante. A Igreja Santo:
selecionou, sob a guia do Espírito, ao longo da história, os livros da Escritura - livros "A teologia protestante tem razão de afirmar isso com força. Resta saber qual é
que são a sua norma de fé e de vida, norma desejada por Deus e por ele entregue à o seu siqezto ao qual fazer chegar esse testemunho do Espírito Santo. A respeito disso
Igreja -e constituiu o cânon da Escritura. a teologia protestante tem uma noção de Igreja muito insuficiente para que seu juízo
seja aceitável. De fato, não é a cada crente em si mesmo que o Espírito Santo infunde
uma persuasão relativa ao cânon" ,22 essa persuasão foi dada à Igreja, que continua
8. CRITÉRIOS E FUNDAMENTO TEOLÓGICO DO CÂNON sendo assistida pelo Espírito para que ela conserve fielmente o depósito apostólico na
sua integridade.
A história da formação do cânon focalizou quão errado é pôr em contraste O critério final de normatividade do Novo e do Antigo Testamento, o funda-
entre si a Escritura e a Tradição ou postular o sola Scriptura. Cada livro da Bíblia mento do cânon, é a autoridade do Senhor Jesus. Somente quando, sob a guia do
surgiu no seio do povo de Deus do Antigo e do Novo Testamento e não é senão a Espírito, essa autoridade é percebida, um escrito pode ser acolhido como canônico;
fixação por escrito da Tradição sagrada desse povo de Deus. Nem Cristo nem os somente neste caso nos encontramos com a norma última (norma normans), que,
apóstolos deram à Igreja um cânon vinculante determinado. Somente após incerte- para o cristão, nunca é um livro, mas uma pessoa, Cristo. Jesus Cristo é o ponto de
zas que duraram séculos inteiros e após ásperas disputas, a própria Igreja estabe- referência, a norma última. Se se reconhecem como normativas determinadas tradi-
leceu o cânon, mediante o poder do Espírito Santo prometido a ela por Cristo, e, ções escritas, é porque refletem com fidelidade o ensinamento de Cristo transmitido
na base da Tradição, esclareceu quais livros apresentavam a revelação do Antigo e pelos apóstolos.
Novo Testamento. O cânon não é senão a fixação de Tradição secular de um elenco Evidentemente, nem todos os critérios que apresentamos estão presentes em
vinculante de livros sagrados. igual medida nos escritos bíblicos. Portanto, pode-se falar de uma hierarquia do apos-
De fato, os critérios que guiaram a Igreja ao reconhecimento dos escritos inspi- tólico dentro do cânon do NT, e desse modo é possível recuperar uma contribuição
rados do NT são três: apostolicidade, ortodoxia e catolicidade. interessante da teologia protestante relativa ao cânon no cânon, mas sem a tentação
0
de excluir algum escrito. De fato, na Igreja não se leem todos os livros bíblicos com
Apostolicidade: foram considerados canônicos os escritos que remontavam a mesma frequência, nem todos têm a mesma importância. A respeito disso, o Vati-
ao círculo dos apóstolos ou dos seus mais próximos colaboradores. Não se cano II afirma: "Entre os escritos do NT sobressaem os Evangelhos, pois constituem
trata, ou pelo menos não sempre, de apostolicidade estritamente histórica,' o testemunho principal da vida e da doutrina do Verbo encarnado, nosso Salvador"
o escrito pode conter uma dimensão histórica (isto é, proceder dos apóstolos (DV 18a).
ou do seu círculo), mas pode tratar-se também apenas de uma dimensão de

" P Grelot, la Bibbia e la teologia, Roma, Desclée, 1969, p. 134-136.


'º K. Rahner, Sul/a ispirazione dei/a Sacra Scrittura, Bréscia, Paideia, 1967.
De fato, escritos de duvidosa autenticidade apostólica foram aceitos como canônicos (por exemplo a
carta aos Hebreus, 2 Pedro e Apocalipse). ° P Grelot, La Bibbia e la teologia, p. 135.
262 263
A Bíblia na história

CAPÍTULO 12
9. QUESTÕES ABERTAS
:

9.1. Há livros sagrados não canonicos.


)
REVELAÇÃO E SAGRADA ESCRITURA
Teoricamente falando, é possível; o Concílio de Trento não afirma explicitamen.
te que os 1•IIVrOS e! lencados no cânon são os únicos
.
livros sagrados e inspirados ' Esse
problema surgiu quando se enfatizou que poderia haver algumas cartas de Paulo que
não chegaram a nós (cf. 1Cor 5,9 [Paulo fala de uma carta escrrta anterrormente, mas
que não chegou a nós}; Cl 4,16 [Paulo fala de uma carta enviada aos Laodicenses]).
Neste caso, sendo tais escritos obra de um apostolo, dever-se-ta pensar que tenham
e expressem o carisma e o ministério apostólico, razão pela qual se trataria de te.
1. INTRODUÇÃO
tos inspirados. Todavia, esses escritos, por nao terem estado no canon b1bhco, não
atingiram a normatividade dos outros escritos bíblicos. Portanto, deve-se supor que Na linguagem comum usamos imagens e modos de dizer que adaptam ou citam
seu conteúdo não traria nenhuma mudança substancial àquilo que chegou a nós da situações, personagens e expressões bíblicas: ir de Herodes a Pilatos, fazer-se Marta
Tradição apostólica e nos foi transmitido pela Sagrada Escritura. e Maria, ter a paciência de ]ó, vender-se por um prato de lentilhas, apocalipse (= no
sentido de evento assustador), ser velho como Matusalém (ser um matusa). Se um pai
afirma que Antônio é seu benjamim, pretende dizer que é seu predileto. Benjamim,
9.2. Relação entre cânon bíblico e texto canônico com efeito, era filho predileto do patriarca Jacó. Todos sabem que um traidor às vezes
é definido um Judas; que Babel é sinônimo de grande confusão; que fazer-se de Cire-
Qual é o texto normativo para o cristão? A resposta não é fácil. Na Igreja per- neu significa carregar pesos ou responsabilidades de outros; ser como Tomé significa
duraram, e em parte perduram, vários textos: a Bíblia Hebraica, a tradução LXX, a ser incrédulo. A expressão tohuwabohu é usada nos países de língua alemã quando se
Vetus Latina (que em poucos casos reflete tradições textuais pré-massoréticas); a Vul- fala de caos e confusão apavorantes. Essa expressão vem do Gênesis: No princípio...
gata. A crítica textual pode certamente ajudar a rejeitar determinadas posições, mas a terra estava tohuwabohu = informe e deserta. A expressão ler o Levítico a alguém
em alguns casos é impossível tomar uma decisão totalmente segura. Além do mais, as (= recriminar alguém) remonta ao homônimo livro do AT que contém numerosas
diversas leituras variantes foram usadas como texto autorizado por numerosas Igre- prescrições cultuais e jurídicas. Também a expressão sinistro (para acidente) tem deri-
jas locais. Qual critério seguir? Visto ser impossível remontar ao texto originário, é vação bíblica; de fato, na Bíblia, o lado esquerdo é o lado frágil, azarado.
preciso ater-se em primeiro lugar àquilo que a crítica textual nos refere. Quando isso Nosso modo atual de falar é rico de influências bíblicas. Isso não deve surpreen-
não resolver a dúvida, será necessário estudar o uso de cada variante textual por parte der- nos a Bíblia é O livro mais traduzido de toda a literatura mundial, embora ainda
da Tradição da Igreja. Se sequer esta solução resolver a dúvida, será necessário tomar ."°
seja • demonstrar que é, o maus
necessário ··Iid
Ido.
O ftal to certo é que esse livro não se. situa
as duas variantes como canônicas e considerá-las textos diferentes transmitidos num entre os escritos facilmente compreensivers. sta e' ui1ma das razões que contribuem
. ..' Esta
mesmo cânon. para que com a Bíblia se demonstre tudo, do amor livre à legitimidade de dispor ple-
namente da herança alheia.
Abraão não tinha filhos. Sarai, sua esposa, lhe disse: "Vê, o Senhor me impediu de
ter filhos· une-te à minha escrava: talvez por meio dela poderei ter filhos • Abraão
. , d'd d Sarai Assim no final de dez anos desde que Abraão habitava no
ouviu o pe 1 o e • ' , • de a
país de Canaã, Sarai, esposa de Abraão, tomou Agar, a eg1pc1a, sua escrava, e u-
como esposa a Abraão (Gn 16,2-3).

A união de Abraão com Agar, a escrava da esposa, não é de nenhum modo con-
denada. Alguém poderia deduzir desta passagem o direito ao amor livre ou à Polia
• t não conhecer o 1re1to onenta
mia ou até à barriga de aluguei; mas isso somen e se_. -id
. , •1 d sse conceder a própria escrava ao mar4o.
antigo que previa que a esposa ester pute: .. .. :
Neste caso os filhos da escrava eram considerados filhos legmmos dos coniuges.
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