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ORDENAÇÃO DE MULHERES AO PASTORADO

Notas teológicas e exegéticas1


Lourenço Stelio Rega2
1. Limitações destas notas

1.1 - Não incluimos aqui um estudo histórico do assunto.

1.2 - Não incluimos um estudo bíblico completo sobre o papel da mulher na Bíblia, isso
pode ser feito por meio de diversos livros existentes.

1.3 - Abordaremos apenas os textos diretamente ligados ao assunto.

1.4 - Não foi possível consultar toda literatura disponível alistada no final destas notas.
Procuramos utilizar as mais específicas sobre o assunto em pauta.

1.5 - Pelo tempo e espaço disponível não será possível alocar lado a lado as diversas
interpretações a respeito do assunto. Quando as interpretações não se contradizem não há
menção. Quando há posição diferente, geralmente alocamos a que mais julgamos correta, isto
é, a que melhor representaria uma solução para o texto em seu contexto literário e externo
(histórico e cultural).

1.6 - Pela sua natureza controvertida do assunto, não podemos manter uma linha de
interpretação fechada e galvanizada. Precisamos ouvir ...

2. Algumas dificuldades sobre o assunto

2.1 - Uma das tendências que se tem acentuado na sociedade é a autonomia feminina.

2.2 - Não se pode negar que a história humana tem sido, em geral, marcada por um
machismo.

2.3 - Aliás, uma das conseqüências da queda é a fato de que o desejo da mulher será
sujeito ao do homem. Então, a tensão machismo/feminismo já fôra prevista desde a queda.

2.4 - No decorrer da história da igreja, a função (título, cargo ou ofício) pastoral sofreu a
agregação/desagregação de diversos elementos e parece ter sido descaracterizada. Em outras
palavras, é bem provável que não consigamos chegar a alguma conclusão sobre o assunto se
pensarmos sobre o pastor à luz de seu perfil hoje.

1
Este documento foi feito a pedido do GT – Ordenação de Mulheres ao Pastorado. O documento foi aprovado
pelo GT e publicado como documento integrante de seu parecer, no livro do mensageiro da CBB, das
Assembléias de Salvador, BA (1997); de Goiania, GO (1999); e, de Serra Negra, SP (1999). No texto original
não constam esta nota de rodapé, nem o item 2.6.
2
O autor é Bacharel em Teologia, Mestre em Teologia (especialização em Ética), pós-graduado em Análise de
Sistemas, Licenciando em Filosofia, Mestre em Educação (especialização em Historia da Educação) e Doutor
em Ciências da Religião. Foi Deão da Faculdade Teológica Batista de São Paulo. Foi Ministro de Educação
Cristã na Igreja Batista da Praia do Canto, Vitória, ES. É Diretor e professor de Ética e Bioética da Faculdade
Teológica Batista de São Paulo e ex-Presidente da Associação Brasileira de Instituições de Ensino Teológico
(ABIBET). Foi membro do Grupo de Trabalho “Ordenação Feminina” da Convenção Batista Brasileira.

Ordenação de mulheres ao pastorado – Notas teológicas e exegéticas aprovadas pelo GT Ordenação de Mulheres 1
ao Pastorado, da CBB
a. Espera-se hoje do pastor que ele seja: profeta, evangelista, diácono (serviçal),
conselheiro, administrador, etc.
b. Em geral, pastor oficia ceia e batiza. Isto não pode ser defendido com textos provas
do Novo Testamento.

2.5 - Segue-se o fato de que, em geral, a Bíblia foi escrita através de um povo com
profunda ênfase no homem. Há até estudiosos que afirmam ser o povo bíblico machista.

2.6 - Neste caso, temos de enfrentar uma séria pergunta: como separar o que é cultural do
que é revelação de Deus? E pior ainda, como nos despirmos de nossa influência histórica e
também contextual contemporânea e eclesiástica para buscarmos a verdade no texto bíblico?
Aqui há três alternativas:3

a. A Bíblia é a única fonte de toda verdade teológica/doutrinal. Neste caso não é aceito
qualquer dado que as ciências ou cultura poderão nos fornecer.

TEOLOGIA - DOUTRINA

BÍBLIA

b. A Bíblia é apenas um referencial auxiliar que deverá ser considerado através das
ciências, tais como a Biologia, a Psicologia, etc. Estas ciências aliadas aos fenômenos culturais
é que são a fonte direta da verdade. Veja no desenho que há ligação direta das ciências e da
cultura com a Teologia/Doutrina. A ligação da via é através da ciência e da cultura.

TEOLOGIA - DOUTRINA

C
Biolo- U
gia L
BIBLIA T
Psico- U
logia R
A

3
Veja uma atualização e um desenvolvimento desta parte no livro, Lourenço Stelio Rega, Dando um jeito no
jeitinho – como ser ético sem deixar de ser brasileiro, São Paulo : Mundo Cristão, 2000, pgs. 210-215.

Ordenação de mulheres ao pastorado – Notas teológicas e exegéticas aprovadas pelo GT Ordenação de Mulheres 2
ao Pastorado, da CBB
c. Outra alternativa é considerar que a Bíblia é a fonte direta das verdades teológicas e
doutrinais, sem desconsiderar os dados fornecidos pelas ciências e pela cultura. Neste caso,
estes dados, quando se referir a situações ético-teológicas, deverão ser “filtrados” pelos dados
das Escrituras. Mas há a possibilidade de as ciências e/ou cultura nos fornecer diretamente os
dados, quando sua natureza for científica ou técnica.

TEOLOGIA - DOUTRINA

Biologia
BÍBLIA Cultura
Psicol.

3. O ministério no Novo Testamento

3.1 - No NT o termo característico para ministério é diakonia. No NT temos os seguintes


significados de diakonia:

a. Serviço em geral (Lc 10.40);

b. Serviço cristão em geral (1 Co 16.15; 2 Co 6.3; Ef 4.12). No decorrer da história o


termo MINISTÉRIO neste sentido passou a significar o clero em distinção aos leigos (isto é,
os do povo);

c. Serviço ou função particular recebida de Deus (At 20.24; Rm 11.13; 2 Tm 4.5)

(a) Aqui temos os dons espirituais (1 Co 12.5)

(b) Em At 6.1ss temos a distinção entre:


(i) Ministério cotidiano (assistência social, no caso) - v. 1,2

(ii) Ministério da palavra - v. 4

d. Um dom, geralmente traduzido ministério (Rm 12.7)

(a) Talvez aqui se refira à função de diácono (diakonos; diakonia é o trabalho do


diakonos)

(b) Se é assim, temos de ampliar a nossa compreensão do diaconato que, em geral,


tem sido considerado mais um cargo com status político diante dos membros da igreja. Ou,
por outro lado, tem sido uma função relegada à distribuição da ceia e ao cuidado com a
portaria do templo

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e. Ministério do Espírito (2 Co 3.8)

f. Conotações teológicas. Ministério da:

(a) morte (2 Co 3.7)

(b) condenação (2 Co 3.9)

(c) justiça (2 Co 3.9)

(d) reconciliação (2 Co 5.18)

3.2 - Os diferentes ministérios aparecem muito cedo, durante a própria vida dos apóstolos,
tanto em Jerusalém quanto no desenrolar dos primeiros passos da igreja em sua expansão
principalmente entre os gentios.

a. Segundo o livro de Atos, em Jerusalém os Doze são assistidos pelos sete a fim de
que eles possam se consagrar à oração e ao ministério da palavra (At 6.1-6).

b. Em Atos temos também a informação da existência de presbíteros (11.30). Nesta


instância, os apóstolos nem são mencionados. Talvez estando fora em viagens missionárias, os
presbíteros dirigissem a igreja. Veja também At 15.4.

c. Há presbíteros nas igrejas fundadas por Paulo (At 14.23; 20.17).

d. Os presbíteros de Éfeso também são chamados de bispos que devem pastorear o


povo de Deus (At 20.28).

3.3 - É curioso notar que em diversas ocasiões Paulo expõe uma eclesiologia sem oficiais
como hoje ensinamos.

a. Rm 12.4-8: diversas funções (praksin) - profecia, ministério (diakonia), ensino,


exortação, repartir, administração (presidir), exercer misericórdia.

b. 1 Co 12.8-10: palavra da sabedoria, palavra do conhecimento, fé, dons de curar,


operação de milagres, profecia, discernimento de espíritos, variedade de línguas, interpretação
de línguas.

c. 1 Co 12.28: apóstolos, profetas, mestres, operador de milagres, dons de curar,


socorros, governos, variedade de línguas, interpretação de línguas.

d. Ef 4.11: apóstolos, profetas, evangelistas, pastores/mestres (conforme a estrutura


gramatical).

e. 1 Ts 5.12: Presidir; Hb 13.7,17: conduzir, guiar

f. 1 Tm 3.1-13; 5.17-25: presbíteros, diáconos, mulheres (v. 11).

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g. Tt 1.5-9: presbíteros.

3.4 - Algumas questões:

a. Nossa abordagem eclesiológica geralmente procura estabelecer uma distinção entre


oficiais e membros (para não dizer leigos). Estão incluidos entre os oficiais os pastores e os
diáconos. Para estabelecer isto pode-se afirmar que em 1 Timóteo e Tito temos uma teologia
de ministério e eclesiologia mais desenvolvida com o estabelecimento dos ofícios de pastor e
diácono, do que no início do Novo Testamento. Mas,

(a) E os presbíteros da igreja de Jerusalém que já se faziam presentes bem antes de


1 Tm e Tt? (At 11.30; 15.4)

(b) Já vimos que os termos presbítero, bispo e pastor se referem a uma só função
(At 20,28).

(c) A função de pastor é incluída na lista de dons de Paulo (Ef 4.11).

(d) O mesmo ocorre com a função diaconal (diakonia) se a identificarmos com o


dom que nossas Bíblias traduzem por ministério em Rm 12.7.

(e) As datas prováveis destes escritos estão incluídas num período bem curto - cerca
de 55 a 63 dC.

b. Contrariamente ao que temos feito - o estabelecimento de um rígido sistema de


governo para a igreja - vemos nos escritos de Paulo uma grande gama de variação nos cargos
e/ou funções das igrejas primitivas. Por que?

(a) Variava de acordo com o local e seu contexto de necessidades?

(b) Variava de acordo com a época ou evolução do tempo?

(c) Será que as diversas tabelas paulinas de dons e/ou funções são fechadas ou
apenas representativas? Poderemos ter outros dons hoje?

3.5 - Mesmo assim, é possível ver um grupo de pessoas encarregadas de fornecer os


instrumentos necessários para o cumprimento do ministério pelos membros da igreja. Veja Ef
4.11,12:

Ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas,
e outros para pastores e mestres, com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o
desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo,

a. Para o aperfeiçoamento (katartismos, preparo, equipamento, conserto de redes,


tornar algo no que deve ser) dos santos.

b. Para que os santos, depois de preparados, possam desempenhar o seu ministério


(eis ergon diakonias). A palavra traduzida aqui por serviço é a palavra grega diakonia, que
também pode ser traduzida como ministério.

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c. E assim, ocorra o crescimento da igreja (eis oikodomen toy somatos).

d. Pelo que vimos, há um grupo que cuida de equipar e há um outro que, depois de
equipado, cuida de cumprir o ministério.

e. Essa estratégia prevê os seguintes resultados:

(a) unidade da fé (v. 13);

(b) pleno conhecimento (epignosis de epignosko ### epi + ginosko, conhecer por
experiência);

(c) maturidade cristã (meninos: nepios; veja 1 Co 3.1-3; Hb 5.12,13) (v. 14);

(d) crescimento dinâmico (v. 15);

(e) integração comunitária e operacional (v. 16). Aqui fecha-se o círculo voltando-se
ao crescimento da igreja mencionado no item c acima.

3.6 - Neste ponto, é preciso lembrar que cedo na história a igreja se institucionalizou e a
autoridade crescente foi concedida a algumas funções, especialmente a dos bispos e o
ministério ordenado, que ministrava os sacramentos que acabou sendo considerados como os
canais da graça de Deus aos fiéis.

3.7 - Há um detalhe importante aqui: hoje é comum a idéia de um pastor titular e de


ministros auxiliares. Já foi possível ouvir de pastores associados. Mas parece-nos que no
Novo Testamento é difícil encontrar que há apenas um líder vitalício em cada igreja. Paulo
escreve a Timóteo e a Tito, como pastores de Éfeso e Creta, respectivamente, mas não nos
deixa saber se eles eram os líderes únicos lá. É bem provável que temos no Novo Testamento
um tipo de ministério cooperativo, pelo menos Ef 4.11 dá essa idéia.

3.8 - O fato do pastor geralmente ser o presidente da igreja é um ajuste administrativo a


uma situação que provém em geral de imaturidade emocional e espiritual. Atos 6.1-6
demonstra claramente que há pelo menos o envolvimento dos apóstolos apenas com o
ministério (diakonia) da palavra enquanto que os sete ficariam encarregados da distribuição
(diakonia) diária. Isso pode nos dar a entender que havia o trabalho ligado à palavra e o
trabalho do cuidado diário ligado às atividades do expediente da igreja.

3.9 - É preciso resgatar na vivência eclesiástica o conceito de sacerdócio universal dos


crentes, reavivado na Reforma Protestante e tão presente em nossos princípios batistas. Neste
sentido nenhuma vocação é maior ou melhor que outra.

3.10 - Em resumo: Um estudo comparativo do Novo Testamento demonstra que não


temos uma teologia fechada de ministério, mas uma teologia funcional.

a. os escritores bíblicos descreveram como a igreja funcionava;

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b. neste caso, há princípios ministeriais, em vez uma teologia descritiva;

c. B. H. Streeter chamou de dinâmica sua teoria a respeito do ministério no Novo


Testamento. Para ele existia simultaneamente uma diversidade de formas, adotadas e
adaptadas de acordo com as circunstâncias. Em Jerusalém havia bispos, anciãos (presbiteros),
e diáconos. A igreja de Antioquia tinha profetas e mestres. As igrejas fundadas por Paulo
tinham anciãos=bispos=pastores, profetas, e mestres, enquanto que nas Epístolas Pastorais
foram mencionados presbíteros=bispos e diáconos;4

d. Embora não havia uma estrutura definida e uniforme de ministério, havia um núcleo
básico de princípios. Simpson afirma que o Novo Testamento

... é normativo não em detalhe, mas em princípio ...A consideração importante não é
reproduzir o modelo exato da organização primitiva, mas antes preservar a natureza
espiritual essencial da igreja como o povo de Deus, o corpo de Cristo e o Senhor e o
5
Espírito Santo exerce o ministério real e contínuo.

c. isso também é perceptível em diversos itens da própria eclesiologia. É curioso notar


que cada grupo consegue utilizar referências bíblicas para comprovar sua estrutura
eclesiológica;

d. creio que, com exceção do conceito de oficialato (pastores/bispos e diáconos), nós


batistas conseguimos sintetizar em nossa eclesiologia esses princípios bíblicos, entre eles,
autonomia da igreja local, assembléia democrática, cooperativismo, bases de união eclesiástica
à luz da unidade/diversidade, etc.

4. O ato da ordenação

4.1 - Está presente no Antigo Testamento. Os levitas eram ordenados.

4.2 - No Novo Testamento parece não haver indícios claros a ponto de termos de afirmar
que alguém deva ser ordenado para algum ofício. Colin BROWN (1983, vol. III, p. 228) afirma
que o NT também nada diz a respeito da ordenação dos homens, no sentido de revesti-los
de uma posição e autoridade que perdurem durante toda a vida. Ao falar do ministério o
NT ressalta os dons e as funções, que não se exercem necessariamente em toda situação
eclesiástica específica (cf. 1 Co 12.4-3; Rm 12.4-8; Ef 4.11ss).

4.3 - Como vimos, no Novo Testamento a ênfase parece ser em dons e funções e não em
ordenação e ofício. A pessoa tem o dom, então exerce-o.

4.4 - No Novo Testamento parece não haver qualquer ligação do dom com o fato de a
pessoa ser homem ou mulher. Em outras palavras o dom é para ambos os sexos.

a. As características para o bispo envolvem apenas itens masculinos, mas também não
era de se esperar diferente em vista da colocação do homem na sociedade da época.
4
KASCHEL, apud B. H. Streeter, The primitive church studied with special reference to the origin of the christian
ministry. New York : MacMillan, 1992, capítulos III e IV.
5
id., E. P. Y. Simpson, Ordination and christian unity. Valley Forge : Judson, 1966. p. 58, 155, 162.

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b. Não se esperava ter uma mulher como líder religiosa, principalmente entre os
judeus-cristãos.

5. A mulher e o homem na criação e na queda

5.1 - Hierarquia: O homem foi criado primeiro e a mulher pecou primeiro

5.2 - O homem é o cabeça hierárquico da mulher: ... o marido é o cabeça da mulher,


como Cristo também é o cabeça da igreja (Ef 5.23).

a. Em geral a palavra kefale é traduzida como cabeça sendo interpretada neste texto no
sentido de dominação, de autoridade superior. Colin BROWN (1983, vol III, p. 224) afirma
que kefale, no entanto, também pode significar “origem”, e.g., a fonte de um rio.

b. HAUBER (1992, p. 64) afirma que

No pensamento grego, acreditava-se que o coração fosse o órgão dominante.


Viam-no como a sede da vontade, de emoções, etc, ao passo que a cabeça servia ao corpo
concedendo-lhe vida. Assim, um significado melhor para cabeça, em sentido figurado, seria
6
“nascente”.
Um excelente estudo sobre esta palavra (kephalh) é o realizado por Gilbert
Bilezikian. Ele levanta o emprego dela em escritos não-bíblicos, nas traduções gregas do
Velho Testamento, e no Novo Testamento. “Fonte” ou “fonte de vida”, concorda o
mencionado autor, é a idéia que a palavra comunica em textos como 1 Coríntios 11.3 e
Efésios 5.23. Conclusão dele: kephale emprega-se metaforicamente no Novo Testamento
“numa variedade de situações que lhe conferem certa flexibilidade conceitual, mas sempre
7
com a idéia de servir ao corpo numa dimensão criacional, nutritiva ou representativa”.
Henry G. Liddell e Robert Scott, no mais antigo e extenso léxico, enumeram várias
definições de kephale nenhuma das quais expressa autoridade ou posição superior. Pelo
contrário, os empregos figurados (aplicáveis a este estudo) incluem palavras como “fonte,
origem, coroa, preenchimento” e “soma, total”. Esses usos verbais comunicam o sentido da
8
palavra que ela teria ao ser compreendida no grego secular e religioso de Paulo.

c. EVANS (1986, p. 74) afirma que Paulo está considerando a supremacia de Cristo
sobre a igreja em termos de seu total sacrifício por ela, sua salvação, e não em termos de
seu governo e autoridade.

d. Se estas abordagens estiverem corretas, então cabeça aqui poderá significar origem,
fonte de alimento, cuidado e serviço, em vez de autoridade e hierarquia.

5.3 - A mulher é auxiliadora do homem (Gn 2.18)

a. A palavra hebraica ‘ezer

6
apud Gilbert Bilezikian, Beyond sex roles. Grand Rapids : Baker, 1986. p. 137.
7
apud id., “A critical examination of Wayne Gruden’s treatment of kephale in ancient greek texts, in : Women and
Men in Minitry-Colecte Readings, Pasadena : Fuller Tehological Seminary, 1988, p. 141.
8
apud Hery George Liddell e Robert Scott. A Greek-English lexicon. Oxford : Clarendon, 1940. p. 945.

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(a) BROWN (1983, p. 740) afirma que é um substantivo utilizado 20 (ou 21) vezes
no Antigo Testamento e significa socorro, ajuda, amparo ou aquele que ajuda, ajudador. É
utilizado 2 vezes para Eva (Gn 2.18,20), 15 vezes para Deus e 3 ou 4 vezes para homens.

(b) SIDDAWAY (1994, p. 28) afirma que

em nenhum lugar estes dois substantivos (‘ezer e ‘ezrah), significam auxílio prestado por um
assistente, empregado, secretário. Certamente não indicam inferioridade ... ‘ezer é
geralmente usado se referindo a Deus e muitas vezes o ser humano enfatiza sua fraqueza e
necessidade da ajuda de alguém mais forte que ele ... sugerimos, então, que em Gênesis 2.18
Deus quer fazer para Adão um aliado, companheiro, amigo leal com quem ele entraria em
aliança de casamento ... por isso os homens renunciam o compromisso com os pais e
assumem um novo pacto com a esposa.

e
b. A palavra k neghdô: SIDDAWAY indica que nghd, no hebraico, significa “em
e
frente”. Então parece que k neghdô significa em “frente dele, correspondente a ele, seu
confrontante ou para complementá-lo”, indicando um relacionamento face a face, de
reciprocidade e mutualidade. Ela sugere que a tradução melhor seria correspondente, mas
podemos também traduzir como aliada.

c. Se isso está correto então a mulher foi formada para completar não o homem como
macho, mas a humanidade, que para ser completa precisaria de macho e fêmea.

5.4 - SOBERAL (1989, p. 171) nos lembra que na época de Paulo, os escravos serviam a
seus amos e a mulher era considerada um objeto, igual a um escravo que se comprava e
vendia.

5.5 - A idéia de Soberal é que do mesmo modo que havia tolerância à escravidão (Ef 6.5;
Cl 3.22; 1 Co 7.21-23; Rm 6.15-17; Tt 2.9-10; 1 Pe 2.18) ainda que ela não estivesse dentro do
cerne do cristianismo, tolerava-se os preconceitos contra a mulher e isso acabou passando
como um dado cultural aos textos bíblicos. Ele afirma (id. ib.) que a lista de textos bíblicos
onde os autores recomendam a obediência e submissão a seus amose senhores pode ser
ampliada, mas, a partir desses textos, não concluímos que é legítima a escravidão.

5.6 - Provavelmente o argumento de Paulo em 1 Tm 2.11-14 seja retórico e circunstancial


uma vez que em outras ocasiões ele afirma que diante de Deus não há diferença entre eles.
Veja

No Senhor, todavia, nem a mulher é independente do homem, nem o homem independente da


mulher. Porque, como provém a mulher do homem, assim também o homem é nascido da
mulher; e tudo vem de Deus. (1 Co 11.11,12)

A mulher não tem poder sobre o seu próprio corpo, e sim o o marido; e também,
semelhantemente, o marido não tem poder sobre o seu próprio corpo, e sim a mulher. (1 Co
7.4)

Destarte, não pode haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem
mulher; porque todos vós sois um em Cristo. (Gl 3.28)

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5.7 - Ainda é preciso reconhecer que, às vezes, Paulo ensinava uma ética particular
segundo sua opinião e confessava isso. Veja 1 Coríntios 7.25,40 contraste com o v. 10 e 12.
Neste texto de 1 Co 7 ora Paulo diz que o ensino é dele, ora é do Senhor.

5.8 - Ou aceitamos o caráter retórico e circunstancial de Paulo ou temos de afirmar que ele
se contradisse e colocamos em risco a unidade e integridade das Escrituras.

6. A mulher não deve falar na igreja

6.1 - Textos: 1 Co 14.33-35 e 1 Tm 2.11-14 (este texto foi tratado no item anterior)

6.2 - Isso é cultural ou determinação bíblica?

6.3 - Essa indagação é pertinente, pois considere-se o número de colaboradoras na igreja


primitiva. Ex.: as quatro filhas de Felipe (At 21.9); Lídia de Filipos (At 26.14,15); Priscila (At
18.2, 26; Rm 16.3,4); Febe (Rm 16.1); etc. Veja lista em Colin BROWN, p. 226, Vol. III.

6.4 - O primeiro detalhe que deve ser ressaltado aqui é que o contexto de 1 Co 14.33-35 é
de ordem no culto. Veja o versículo que antecede a colocação de Paulo sobre a mulher:
porque Deus não é de confusão e sim de paz. Como em toda igreja dos santos (v. 33). Neste
trecho Paulo está demonstrando isto com ensinos a respeito do uso do dom da profecia e de
línguas e, a partir deste texto até o versículo 35, ele volta a sua atenção para a mulher e a sua
participação no culto. Neste sentido Soberal (1989, p. 169) afirma que

Paulo diz o porquê de a mulher não fazer uso da palavra na assembléia: Não é conveniente
... (1 Co 14.35). Desta forma, Paulo nos leva ao campo comportamental e à ordem na
assembléia. Ele não se refere a temas ou motivos teológicos. As perguntas subseqüentes que
aparecem no mesmo texto revelam o tom sagaz e disciplinar. “Porventura, a palavra de Deus
tem seu ponto de partida em vós? Ou fostes vós os únicos que a recebestes? (1 Co 14.36). O
próprio Paulo termina o capítulo apresentando argumentos disciplinares sociológicos e não
teológicos: “Tudo, porém, seja feito com decência e ordem” (1 Co 14.40).

6.5 - Certamente Paulo tinha uma forte influência rabínica. Neste caso a atitude Paulo
talvez seja comparável com a de Pedro na questão da circuncisão, onde Pedro não tinha
completamente calculado as implicações dos evangelhos para a sua tomada de posição (cf.
Gl 2.11 ss). (Colin BROWN, 1983, vol. III, p. 227).

6.6 - Soberal (1989, p. 104) afirma que

os apóstolos e a comunidade cristã primitiva se deixam influenciar pela correntes judaicas.


Recriminam Pedro por ele ter recebido os gentios (At 11.1-4). Exigem a circuncisão dos
gentios convertidos (At 15.1,2). Paulo, tão liberal e defensor dos direitos dos outros e dos
próprios, não resistiu às pressões e deixou que circuncidassem a seu discípulo Timóteo, por
ser filho de uma mãe judia, mas de um pai grego (At 16.1-3).

6.7 - Colin BROWN (1983, vol III, p. 227) menciona que

outros vêem na atitude de Paulo o resíduo de um ponto de vista rabínico, judaíco, que não
está a altura das instrospecções de Paulo quanto à posição das mulheres em Cristo ... neste
caso, a atitude de Paulo talvez seja comparável com a de Pedro na questão da circuncisão,
onde Pedro não tinha completamente calculado as implicações dos evangelhos para a sua
tomada de posição (cf. Gl 2.11ss). Por outro lado, o pronunciamento de Paulo pode ser

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encarado como regra que era válida no ambiente social, cultural, educacional e eclesiástico
dos dias dele, mas que já não se aplica mais hoje. Neste caso as suas recomendações sejam
comparáveis com seus pontos de vista que, em outra passagem, considera como sendo
opinião dele (1 Co 7.25).

6.8 - CHAMPLIN (s.d., vol IV, p. 230-232) afirma que


Em qualquer discussão sobre os regulamentos paulinos atinentes às mulheres, convém que
nos lembremos que as mulheres eram tidas em bem baixa conta na estimativa dos homens
judeus. Muitos rabinos duvidavam que as mulheres tivessem alma. Se um escravo do sexo
masculino podia ler as Escrituras na sinagoga, uma mulher judia não tinha permissão para
tanto. Nenhuma mulher podia freqüentar as escolas de teologia. Na realidade os rabinos
afirmavam: É preferível queimar a lei do que ensiná-la a uma mulher!” ... ensinar é um sinal
tão grande de emancipação que Paulo, como bom rabino judeu que era, não podia tolerar ...
Essa era uma ordenança judaíca; às mulheres não era permitido ensinarem nas assembléias, e
nem mesmo fazerem indagações. Os rabinos ensinavam que ‘uma mulher não deve saber
outra coisa senão como usar os seus utensílios caseiros’. E as declarações do rabino Eliezer,
conforme transmitidas por Bammidbar Rabba, secção 9, fol. 204, são ambas dignas de
observação e de execração. essas declarações são as seguintes: ‘Antes sejam queimadas as
palavras da lei, do que serem elas ensinadas a uma mulher’ ... Nas sinagogas judaicas aos
homens era permitido disputarem, discutirem, dialogarem e fazerem perguntas. Nenhuma
mulher judia podia fazer isso. Por semelhante modo, as mulheres crentes não podem fazer
assim, nas suas reuniões públicas. O silêncio das mulheres, excetuando o
‘Amém’responsivo, deve ser absoluto. Os rabinos judeus também proibiam as mulheres de
‘liderarem’os cânticos nas sinagogas, embora pudessem cantar juntamente com os homens.
6.9 - A expressão como a lei também determina (1 Co 14.34) talvez seja uma referência a
Gn 3.16 e Nm 30.8-12 que demonstram a mulher como dependente totalmente do seu marido,
por estar-lhe sujeita.

6.10 - Uma pergunta inquietante é por que Paulo não condenou às mulheres que
profetizavam quando discute o assunto em 1 Co 11.5?

6.11 - Enfim, cabe aqui uma observação de CHAMPLIM (s.d., vol 5, p. 304). O Novo
Testamento não foi escrito em um vácuo, e é natural esperar que alguns ensinamentos de
natureza estritamente ‘local e cultural’ tenham sido incluídos, mas que não podem ser
obrigatórios para todos os lugares e para todas as épocas.

6.12 - Neste sentido pode-se fazer um quadro comparativo com outro texto nesta carta
que utiliza eventos concretos vividos pelos coríntios para transmistir princípios. É preciso
separar esses eventos dos princípios, uma vez que estes são permanentes e aqueles temporais.
O evento ou fato funciona como que um veículo para que o princípio possa nos ser conduzido
até hoje.

TEXTO FATO/EVENTO PRINCÍPIO


É permitido comer carne Se isso escandalizar a um
1 Coríntios 8 sacrificada aos ídolos? irmão fraco, não se deve
comer carne.
A mulher pode falar na Se a ordem e decência do
1 Coríntios 14 igreja? culto for comprometida,
então ela não deve falar.

Ordenação de mulheres ao pastorado – Notas teológicas e exegéticas aprovadas pelo GT Ordenação de Mulheres 11
ao Pastorado, da CBB
6.13 - Outra pergunta inquietante é, por que mesmo tendo estes textos (1 Co e 1 Tm)
temos permitido que a mulher fale nas reuniões da igreja? Ou aceitamos a interpretação literal
e a praticamos ou entendemos essas passagens à luz de seu sentido cultural e aceitemos as
suas conseqüências.

6.14 - Se os fatos até aqui apresentados forem corretos temos que concluir que a
finalidade de Paulo é apresentar normas e orientações para que a participação na liturgia
seja viva e que tudo seja feito com ordem e decoro (SOBERAL, 1989, p. 170).

7. Algumas notas conclusivas

7.1 - Em primeiro lugar vimos que é preciso diferenciar entre o conceito de PASTOR
conforme o Novo Testamento e o que foi agregado a ele no decorrer da história.

7.2 - É preciso também considerar até que ponto está correta a diferença entre oficiais da
igreja e os membros, com o conceito neotestamentário de dons que o Espírito Santo distribui
a todos os crentes e não a apenas a alguns.

a. O conceito essencial de ministério no Novo Testamento é que há uma ativa


participação de todos os crentes e não apenas de alguns.

b. Podemos concluir, então, que a chamada de Deus é para todos os crentes a


cumprirem o seu dom no seu ministério, mas isso não exclui o fato de que alguns são
separados para serem líderes entre o seu povo ou para exercer ministério específico sob a
direção do Espírito Santo.

7.3 - É preciso considerar que se a indagação anterior está correta, se os dons são para
ambos os sexos, se PASTOR é um dom (Ef 4.11) e se os dons são distribuídos a todos os
crentes indistintamente, então, é possível que no corpo de Cristo haja mulheres com esse
dom.

7.4 - Considerando que não é possível comprovar seguramente que o Novo Testamento
preserva a figura veterotestamentária da ordenação a uma vocação específica, creio que a
pergunta Pode a mulher ser ordenada ao pastorado? não é pertinente.

7.5 - Apesar disso é preciso também considerar que diversas mulheres cristãs têm
afirmado que, em geral, uma mulher não teria condições pessoais - devido a sua condição de
esposa, de mãe e mesmo de mulher - para assumir um pastorado (como hoje é compreendido)
em sua inteireza de implicações.

7.6 - Enfim, outro detalhe a considerar, é que talvez as mulheres cristãs não estejam
pleiteando o lugar do homem, mas uma oportunidade mais ampla de servir a Cristo.

BIBLIOGRAFIA PARA CONSULTA

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Testamento. São Paulo : Vida Nova, 1983. 3 vols.

Ordenação de mulheres ao pastorado – Notas teológicas e exegéticas aprovadas pelo GT Ordenação de Mulheres 12
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Guaratinguetá : Voz Bíblica, s.d. Volumes 1, 4 e 5.

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exegético? São Paulo : edição própria, 1994.

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que lhe seja idôneo. São Paulo : dissertação de mestrado não publicada, 1994.

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setembro/1988, vol V, n.o 10.

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