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SEMINÁRIO TEOLÓGICO

EBNESR

NT201 – PANORAMA DO NOVO


TESTAMENTO
2a Edição

Álvaro César Pestana

EBNESR
Recife, PE
2016
NT201-Panorama NT 2016 Álvaro C. Pestana

SEMINÁRIO TEOLÓGICO EBNESR


CNPJ.: 02.967.320/0001-40 Insc.: Isento
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ebnesr@gmail.com

Dedicatória:

Para
Lucas T. C. Pestana:
Meu filho amado.

PESTANA, Álvaro César. NT201 – Panorama do


Novo Testamento. 2a Edição. Recife: EBNESR, 2016.

147 p.: 30 cm.

1. Bíblia; 2. Novo Testamento; 3. Introdução; 4.


Panorama; 5. Cristianismo.

© 2016 Álvaro César Pestana

Escola Bíblica Nacional para Equipar os Servos do Rei 2


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AULA 01 – INTRODUÇÃO GERAL


INTRODUÇÃO
Desde os tempos do profeta Jeremias, uma Nova Aliança já estava prometida ao povo de Israel (Jr 31.31-
34). Quando Jesus estava prestes a consumar sua obra redentora na cruz, ligou sua morte na cruz com o
início desta Nova Aliança (Lc 22.20; 1Co 11.25). Os cristãos posteriores entenderam que estavam
vivendo nesta Nova Aliança por meio da fé em Jesus e no evangelho anunciado por meio dele e nele (Hb
8.1-13). Assim, a Nova Aliança se cumpre no cristianismo.
A palavra grega usada para designar aliança é o termo diatheke. Esta palavra, em grego, também pode
designar um testamento. Foi por causa destes dois sentidos do termo que o autor da Epístola aos Hebreus
explicou que a Nova Aliança, mediada por Jesus (Hb 9.15) era também um testamento: ou seja, um
acordo ou pacto que passa a vigorar com a morte do testador (Hb 9.16-17). Ora, como a Nova Aliança
entrou em vigor com o derramamento do sangue de Jesus, ou seja, com sua morte (Hb 9.18), ela também
é o nosso Novo Testamento.
Esta é a origem do termo Novo Testamento, aplicado aos livros cristãos que foram produzidos pelo
Espírito Santo, enviado por Jesus, para guiar a igreja e anunciar o cumprimento das promessas da Antiga
Aliança, ou seja, do Antigo Testamento.1
Os vinte e sete livros que são agrupados como Novo Testamento serão o alvo desta lição.
SÍNTESE
O Novo Testamento como um agrupamento de livros cristãos. Suas divisões e a classificação de seu
conteúdo. A história entre o Velho e o Novo Testamento. A história do Novo Testamento. A formação do
Novo Testamento e o reconhecimento dos livros canônicos.
DISCUSSÃO
I. PANORAMA DOS AGRUPAMENTOS DOS LIVROS DO NOVO TESTAMENTO.2
Numa análise do Novo Testamento, observemos as diferentes formas de agrupar os livros. Normalmente,
agrupamos os vinte e sete livros da seguinte forma:
Evangelhos (4) Mt, Mc, Lc, Jo
História da Igreja (1) At
Cartas (21) De Paulo: Rm, 1&2Co, Gl, Ef, Fp, Cl, 1&2Ts, 1&2Tm, Tt, Fm [Hb?]
Gerais: Hb, Tg, 1&2Pe, 1,2&3Jo, Jd
Profecia (1) Ap

Esta distribuição tornou-se muito tradicional, de forma que quase todos os Novos Testamentos que
encontramos apresentem os livros nesta ordem e classificados mais ou menos desta forma. É possível
simplificá-la:
Livros históricos (5) Mt, Mc, Lc, Jo, At
Cartas (22) Rm, 1&2Co, Gl, Ef, Fp, Cl, 1&2Ts, 1&2Tm, Tt, Fm, Hb, Tg, 1&2Pe,
1,2&3Jo, Jd, Ap

Podemos, contudo, agrupar os livros do Novo Testamento de outros modos3.

1
Lembro-me da objeção do finado prof. Walter Rehfeld, do Centro de Estudos Judaicos da USP, contra usar o termo Velho
Testamento para designar a Bíblia Hebraica, pois para ele, o Novo Testamento era um testamento por causa da necessidade de
testemunhas para o ratificarem, mas na opinião dele, a Tanakh não veio por meio de testemunhas. Contudo, ele não estava
consciente deste jogo de palavras possível pela dupla tradução de diatheke como aliança e testamento. Além disto, ele não levou em
conta a interpretação tradicional cristã que afirma que o Velho Testamento também é um testamento, pois cumpriu-se com a morte
de Jesus: ou seja, Jesus cumpre a Velha Aliança com sua morte e estabelece a Nova Aliança, também com sua morte. Logo, ambos
podem ser entendidos legalmente como “testamentos”, pois atingem sua consumação com a morte do Testador.
2
Para este primeiro ponto de nosso estudo, utilizo pesadamente o meu texto em: PESTANA, Álvaro C. O que é a Bíblia: Aula 06 –
Os Evangelhos e Atos. Campo Grande: Escola de Teologia em Casa, 2011.
3
BAXTER, J. S. Examinai as Escrituras: Gênesis a Josué (1). São Paulo: Vida Nova, 1992, p. 18-21, apresenta uma classificação
curiosa e exótica. Ele divide o Novo Testamento em: 5 livros de História (Mt, Mc, Lc, Jo, At) e 22 livros de Experiência-Doutrina
(9 Epístolas à Igreja Cristã: Rm, 1-2Co, Gl, Ef, Fp, Cl, 1-2Ts; 4 Epístolas Pastorais e Pessoais: 1-2Tm, Tt, Fm; 9 Epístolas aos
Cristãos Hebreus: Hb, Tg, 1-2Pe, 1-2-3Jo, Jd, Ap).

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EVANGELHOS
Os evangelhos, por exemplo, são normalmente divididos em dois grupos:
Evangelhos Sinóticos Quarto Evangelho
Mt, Mc e Lc Jo
Evangelhos que contam a história de Jesus de O evangelho de João narra a história de Jesus de
uma ótica semelhante. Várias teorias tentam uma ótica diferente da dos outros três evangelhos.
explicar o relacionamento entre os três.

Por outro lado, nunca devemos olvidar o fato que o Evangelho de Lucas e o Livro dos Atos dos Apóstolos
são, na verdade, uma obra única em dois volumes. Assim, embora Lucas esteja entre os Evangelhos, sua
obra é mais abrangente em tempo e escopo do que qualquer dos outros evangelhos.
Os Evangelhos são um gênero literário difícil de classificar. Acreditamos que, mesmo depois de notar
muitas semelhanças e contrastes com outras formas literárias, a melhor postura é considerar os
evangelhos como um novo gênero literário. Embora nossas classificações tentem abordá-lo ora como
história e ora como biografia, esta forma literária vai muito além do que consideramos os objetivos da
história ou da biografia.
A forma dos evangelhos decorre da pessoa e da pregação de Jesus, sendo preservados para a proclamação
de sua pessoa a obra.4
De nada nos serve uma história de Jesus que não o apresente como Senhor e Salvador. A estultícia de
compor uma biografia científica de Jesus jamais passou pela cabeça das testemunhas oculares que viram
sua glória. Jesus é impossível de ser “fotografado”: temos que nos contentar em andar na sua luz. Esta luz
brilha nos Evangelhos.
Os Evangelhos são a proclamação de Jesus, o Nazareno, o Filho de Deus, o Salvador de todos os homens.
CARTAS
As Epístolas ou Cartas também são classificadas de vários modos5. Podemos pensar nas cartas de Paulo
como sendo:
Cartas para sete igrejas (9) 1&2Co, Ef, Fp, Cl, Gl, 1&2Ts e Rm
Cartas para três amigos (4) Fm, Tt e 1&2Tm
Carta para um povo (1) [?] Hb [supondo que seja de Paulo]
Veja que o agrupamento das cartas de Paulo às sete igrejas sem dúvida assentaria o fato destas
representarem toda a cristandade, como as sete igrejas da Ásia também representavam no livro de
Apocalipse.6
Também foi sugestivo que as “Epístolas Gerais” ou “Epístolas Católicas” (no sentido de terem sido
enviadas a “todas” as igrejas) também somem sete: Tg, 1&2Pe, 1,2&3Jo e Jd – duas escritas por
apóstolos e duas escritas por irmãos de Jesus, filhos de José e Maria.
Outras classificações também são úteis quando estudamos as cartas de Paulo.
Lembre-se que a atual ordem das cartas nos nossos Novos Testamentos não é cronológica, mas segue
aproximadamente um ordem de “tamanho” dos livros. Romanos, o maior de todos encabeça a coleção e
Filemom, o menor, termina o grupo7.
Assim, uma classificação cronológica ajuda a inserção das cartas em seu contexto histórico, muitas vezes
aludido no livro dos Atos. Somente as chamadas “Epístolas Pastorais” foram escritas em época posterior
aos eventos registrados em Atos.
Epístolas da primeira viagem missionária (At 13-15) Gl
Epístolas da segunda viagem missionária (At 15-18) 1&2Ts
Epístolas da terceira viagem missionária (At 19-21) 1&2Co e Rm

4
PESTANA, Álvaro César, O Evangelho de Marcos: Arte Poética e Arte Retórica In: POSSEBON, Fabrício (Org.). O Evangelho
de Marcos. João Pessoa: Editora Universitária UFPB, 2010, p. 27-30.
5
Sigo aqui, um pouco da classificação e ordem encontrada na mais antiga lista de livros o Novo Testamento de que dispomos, o
chamado “Cânon de Muratori”. Veja BETTENSON, H. Documentos da Igreja Cristã. 3a Edição. São Paulo: ASTE/Simpósio,
1998, p.67-68 § 48.
6
FERGUSON, Everett. Early Christians Speak: Volume 2. Abilene: ACU Press, 2002, p. 66.
7
Para ser mais exato, a ordem de tamanho e importância é obedecida em duas séries: (1) Rm-2Ts e (2) 1Tm-Fm. A primeira série é
de cartas para igrejas e a segunda para indivíduos.

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“Epístolas da Prisão” (At 28) Fp, Ef, Cl e Fm


“Epístolas Pastorais” 1Tm, Tt, 2Tm

Estes agrupamentos das cartas de Paulo não somente servem a princípios de organização histórica, mas
também agrupa as cartas por questões doutrinárias e vocabulares. As “Epístolas Pastorais” escritas depois
da libertação da prisão romana narrada em Atos 28, refletem um vocabulário próprio. Este vocabulário
era apropriado e adaptado ao assunto das cartas, além de poder refletir um desenvolvimento vocabular de
Paulo, talvez, devido à sua possível viagem missionária à Espanha.8
As chamadas “Epístolas da Prisão” também têm certos temas enfatizados, sobretudo quando comparamos
Efésios e Colossenses.
Assim, estes agrupamentos nos fazem ver como aqueles documentos atingiam objetivos específicos de
auxílio ao desenvolvimento espiritual das igrejas.
As sete epístolas não paulinas do Novo Testamento foram chamadas de “Epístolas Gerais” ou “Epístolas
Católicas” por se acreditar que foram dirigidas a toda a cristandade e não a um grupo específico como as
cartas de Paulo9.
Embora algumas cartas não tenham um endereçamento preciso, a ideia de cartas “para todos os cristãos”
ainda não parecia ser possível. A Primeira carta de Pedro está endereçada para uma região específica (1Pe
1.1-2). A Terceira Epístola de João é uma carta para uma pessoa: Gaio (3Jo 1). De fato, o conteúdo de
todas as cartas mostram que cada autor tinha um grupo específico de leitores em mente.
Assim, as “Epístolas Gerais” guardam características que lhes são próprias. 2Pedro e Judas têm uma
proximidade de conteúdo difícil de não perceber. As três pequenas Epístolas de João respiram o mesmo
tipo de teologia e ambiente. 1Pedro guarda semelhanças e diferenças notáveis com as cartas paulinas.
Tiago, por sua vez, apresenta um estilo e temática totalmente próprios. Talvez seja o primeiro livro escrito
no Novo Testamento.
Todas as cartas têm a função de instruir, animar e edificar a igreja à distância10. São comunicação casual e
extemporânea baseada em princípios eternos e importantes. Por esta razão, o Novo Testamento tem
elementos que nos remetem ao momento específico da produção dos documentos e, ao mesmo tempo,
tem elementos de validade para todas as gerações de cristãos em todas as épocas e lugares. 11
A Epístola aos Hebreus é um dos mistérios do Novo Testamento. Como veremos, começa como tratado,
discorre como sermão e termina como epístola.12 Sua forma é um enigma, mas a função de “palavra de
exortação” (Hb 13.22) consegue se estabelecer.
PROFECIA
Muitos classificam o livro de Apocalipse como o único livro profético do Novo Testamento. De fato, o
próprio livro nomeia a si mesmo como profecia (Ap 1.3; 22.7, 10, 18-19). Contudo, profecia não lida
apenas com o futuro distante, mas com a exortação, o ensino e a motivação (1Co 14. 3). É obvio que, no
livro de Apocalipse, o elemento de predição é muito forte, pois o livro prevê a ação divina em vários
momentos. Por outro lado, vários textos dos Evangelhos13 e das Cartas14 também podem e devem ser
considerados proféticos, falando de ações divinas no futuro.
Outros dois mal entendidos sobre o Apocalipse são: (i) que ele seja um livro sobre o fim dos tempos ou
(ii) apenas sobre as catástrofes associadas com este fim. Na linguagem popular, a palavra “apocalipse” e
“fim do mundo” tornaram-se próximas.
Os dois erros precisam ser evitados. (1) O Apocalipse, como todo livro bíblico fala do futuro, mas muito
mais de sua época. (2) O Apocalipse não está oferecendo um mapa do fim dos tempos, mas uma
descrição da vitória dos povo de Deus contra os poderes políticos (diabólicos e humanos) do mal.

8
Romanos 15.24, 28; Cânon Muratoriano; 1Clemente aos Coríntios 5.8.
9
A ausência da frase “em Éfeso” (Ef 1.1) em muitos manuscritos antigos, tem levado muitos a imaginarem se esta carta não seria
uma verdadeira “Encíclica” a ser lida nas igrejas da Ásia. Poderia ser o que os Laodicenses receberam em Cl 4.16.
10
Pensamos que Educação à Distância é um fenômeno moderno, mas o Novo Testamento não deixa de ser uma forma de “Educação
Religiosa à Distância”.
11
Outro modo de afirmar isto está em FERGUSON, Everett. The Church of Christ. Grand Rapids: Eerdmans, 1996, p. xviii: “ ...
as correções [do NT] são elevadas fora do domínio do temporal e do temporário para o domínio do normativo e permanente. […]
Entretanto, as circunstâncias históricas do primeiro século não são normativas para os cristãos de séculos posteriores, mas o ensino
apostólico dado naquelas circunstâncias históricas é normativo.”
12
LIGHTFOOT, Neil R. Hebreus. São Paulo: Ed. Vida Cristã, 1981, p. 46.
13
Mateus 24-25 por exemplo.
14
1Coríntios 15 por exemplo.

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Apesar do Apocalipse usar uma enigmática linguagem simbólica, ele também usa muitos elementos
simples e conhecidos da epistolografia antiga.
O primeiro parágrafo caracteriza o obra como um livro profético (Ap 1.1-2). Outro parágrafo caracteriza
o livro como epístola (Ap 1.4-8). De fato, dois capítulos são uma “compilação de cartas” (Ap 2-3).
Depois disto, o livro é composto por visões e experiências do vidente em linguagem simbólica e exaltada.
O fecho da obra, contudo, é o fecho de um livro (Ap 22. 18-20) e também o fecho de uma carta (Ap
22.21).
Assim, o livro é uma mistura de livro profético com epístola!
O Apocalipse, com seu gênero único, entrou no Novo Testamento também para desempenhar uma função
única: animar cristãos sob perseguição imperial direta e aberta.
Recordando: Os livros históricos do Novo Testamento não estão ali a serviço da
história, mas a serviço da proclamação do evangelho. As cartas do Novo Testamento
eram correspondência particular e para sua época, mas, como os princípios que
nortearam sua redação eram o ensino de Jesus, tornaram-se modelos de aplicação do
evangelho na vida cotidiana. O Apocalipse não é um livro para amedrontar, mas para
animar.
*********
II. PANORAMA DA HISTÓRIA ENTRE O VELHO E O NOVO TESTAMENTOS.15
Chama-se “Período Interbíblico”, “Período Intestestamental” ou simplesmente “Intertestamento” ao
tempo que vai deste cerca do ano 400 a.C. até os tempos narrados no Novo Testamento, na época do
nascimento de João Batista e de Jesus, cerca do ano 7 ou 6 a.C. Como o próprio nome procura explicitar,
o período tratado não é acompanhado de nenhuma narrativa bíblica, nem do Velho ou do Novo
Testamentos, mas fica “entre” estes dois períodos.
Quando o Velho Testamento foi encerrado em sua redação, o povo de Deus estava no território de Judá.
Ela era uma pequena província do Império Persa, que falava aramaico, ao redor da cidade-templo de
Jerusalém. Nesta época, os Medo-Persas regiam o mundo por cerca de 90 anos e continuariam regendo
por mais uns 200 anos.
Contudo, quando abrimos o Novo Testamento temos muitas mudanças: (i) o mundo já é regido pelos
romanos, (ii) todo mundo fala grego e (iii) os judeus estão mais espalhados, ocupando até a Galileia, mas
falando grego e o aramaico. Muitas coisas mudaram; há os vários Herodes, encontramos pela primeira
vez as sinagogas, e nos deparamos com várias seitas judaicas. Tudo isto é novidade: coisas que surgiram
nestes 400 anos entre o Velho e o Novo Testamento.
Este estudo esquemático do Período Interbíblico procura mostrar como as coisas chegaram a ser o que
encontramos no Novo Testamento, ou seja, como o cenário do Velho Testamento mudou para tornar-se o
mundo do Novo Testamento.
ESBOÇO: PERIODIZAÇÃO DA HISTÓRIA.
Para ajudar entender as mudanças da história que ocorreram no Período Interbíblico, é bom considerar
abaixo os vários impérios que dominaram, sucessivamente, a Palestina desde o fim do Velho Testamento
até a época do Novo Testamento.
1. Período PERSA: [410-332] (de fato, de 539-332).
2. Período GREGO: [330-166]
a. Palestina sob domínio dos Ptolomeus [Egito]
b. Palestina sob domínio dos Selêucidas [Síria]
3. Período ASMONEU: [166-63]
4. Período ROMANO: [63 a.C.- ...]
RESUMO DA HISTÓRIA DOS JUDEUS, DESDE O IMPÉRIO PERSA ATÉ O INÍCIO DO DOMÍNIO
ROMANO:
Os judeus viviam em paz dentro do Império Persa. Além dos persas terem permitido o retorno dos judeus
para Jerusalém e arredores (Judeia), eles foram tolerantes com os judeus e até os apoiaram em várias
ocasiões. No apogeu do seu poder, o Império Persa invadiu a Grécia nos reinados de Dario e Xerxes.

15
Neste segundo ponto, utilizo amplamente: PESTANA, Álvaro C. A Bíblia Toda em Um Ano. Recife: EBNESR, 2011.

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Estas invasões pouco redundaram aos persas, mas despertaram nos gregos o espírito bélico que, no
transcorrer da história, resultará na conquista do Império Persa por Alexandre Magno, o macedônico.
Alexandre conquistou o Império Persa com incrível rapidez, mas ao final de suas conquistas, sua morte
prematura, deixou seu reino fragmentado em cinco reinos concorrentes, que depois tornaram-se quatro.
Destes quatro reinos, dois são de primordial importância para o estudo da história de Judá: O reino dos
Ptolomeus no Egito e o reino dos Selêucidas na Síria.
Na primeira partilha do reino de Alexandre Magno, a Palestina, incluindo a Judéia, ficou incorporada ao
reino dos Ptolomeus, do Egito. Esta participação foi muito positiva para o judaísmo. Nesta época iniciou-
se a tradução do Velho Testamento do hebraico para o Grego. Esta versão, mais tarde chamada
Septuaginta, foi a Bíblia dos judeus que falavam grego no mundo antigo. A própria capital do Império
Ptolemaico, Alexandria, tinha dois bairros judeus na cidade que tinha apenas cinco bairros.
Mais tarde, devido a guerras e intrigas entre os Ptolomeus e os Selêucidas, a Palestina passou ao domínio
dos gregos da Síria. O resultado foi que, mais tarde, os reis gregos da Síria, os Selêucidas, perseguiram os
judeus. Em especial, o rei Antiôco Epifânio tentou forçar os judeus a renegarem sua religião. O resultado
foi a revolta dos Macabeus, que acabou por gerar uma relativa independência dos judeus com relação ao
reino da Síria.
Os Macabeus eram os filhos de um sacerdote chamado Matatias que revoltou-se contra os decretos dos
reis da Síria que obrigam os judeus a negarem sua fé. Seus filhos, em sucessivas guerras acabaram por
obter independência da Judeia em relação à Síria e iniciou-se o Reino dos Asmoneus, pois Asmom era o
nome do pai de Matatias.
Alguns dos reis asmoneus foram os responsáveis pelo crescimento do reino, de modo que eles acabaram
por dominar toda a Judéia, Iduméia, Samaria, Galileia e parte da Trans-Jordânia. Esta dinastia destes reis-
sacerdotes durou apenas cerca de cem anos.
As intrigas internas pela sucessão do trono acabaram deixando aproveitadores tomarem o poder. Um
destes grandes aproveitadores era Antipater, um idumeu, cujo filho Herodes, acabou sendo o Herodes
Magno que conhecemos pelas narrativas do início do Novo Testamento. A dinastia dos Asmoneus acabou
e a família de Herodes, com auxílio dos romanos, reinou na Judeia e em toda a Palestina.
Os romanos já interferiam na Judeia desde o tempo de Antiôco Epifânio, mas a tomada da cidade de
Jerusalém e a anexação da Judéia ao domínio romano só ocorreu em 63 a.C., com a ação de Pompeu.
Desde esta época, a Judeia era governada por reis fantoches da família de Herodes, e quando interessava
aos romanos, procuradores administravam a Judeia. O Império Romano era um império, geograficamente,
do Mediterrâneo, culturalmente, Helenístico e politicamente, Romano.
As guerras judaicas de 66-70 d.C. e de 134-135 d.C. acabaram com a independência, e a maior
importância da Palestina na vida do judaísmo. Depois disto, a Dispersão dos judeus tornou-se o mais
importante local da vida do judaísmo.
NOVOS ELEMENTOS SURGIDOS NO PERÍODO INTERBÍBLICO
1. O JUDAÍSMO ANTIGO:
Os três serão os grandes focos e eixos do judaísmo no Novo Testamento vão se desenvolver no
intertestamento: Templo, Lei e Sinagoga.
O Templo reconstruído no tempo dos Persas tornou-se o centro da vida dos judeus da Judeia e até mesmo
daqueles que viviam na Dispersão. A hierarquia sacerdotal tornou-se muito importante para o judaísmo.
O cultivo da Lei, a Toráh, escrita e a oral, no estudo e na prática, tornou-se outra das principais
características do Judaísmo. Da tradição oral surgirá o Mishnah, a Gemara e finalmente o Talmude –
todos estes são livros de explicação da Toráh: comentários de comentários.
A Sinagoga, que deve ter surgido no Exílio Babilônico tornou-se outro grande centro da vida judaica.
Nela, não apenas a vida religiosa, mas a vida cívica e social dos judeus tinha seu eixo.
Mais tarde, quando o templo for destruído, a sinagoga e o cultivo do estudo das leis orais e escritas serão
centralizados nas sinagogas e o judaísmo passa a ser um judaísmo da sinagoga.
2. AS SEITAS DO JUDAÍSMO ANTIGO:
No Novo Testamento serão citados os Fariseus, Saduceus, Zelotes e Herodianos, contudo os Essênios e os
Terapeutas e outros grupos menores coexistiam.

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Estas seitas que não são mencionadas no Velho Testamento aparecem com toda a naturalidade no Novo
Testamento. Elas surgiram da luta do Judaísmo com as tendências do Helenismo e ao mesmo tempo com
um pouco de sincretismo com outras linhas de pensamento do mundo antigo.
FARISEUS: podemos considerá-los como um grupo de “centro-esquerda” do judaísmo, com expressões
populares e, também eruditas. Os Fariseus descendem dos Hassidins que por sua vez surgiram no período
em que os Seleucidas reinaram dominando a Palestina e especialmente na época em que perseguiram os
judeus. Estes Hassidins lutaram conta a helenização naquela época. Os fariseus valorizavam a Toráh oral
e escrita, que para eles compreendia todo o Velho Testamento. Ocupavam-se da interpretação a lei para
viver uma vida pura nos padrões dela. Apesar de lutarem contra o helenismo, eram influenciados pelos
gregos. Por exemplo, as “Sete Regras de Interpretação da Bíblia” de Hillel são regras gregas! Criam no
livre-arbítrio e também na soberania divina, na imortalidade da alma, nas recompensas pós-morte, na
ressurreição, nos anjos, espíritos e demônios. Enfatizavam era a ética e não a teologia: buscavam a pureza
e a observância da lei cerimonial. O interesse escatológico e messiânico do grupo variava muito.
SADUCEUS: podemos caracterizá-los como um grupo de “centro-direita” do judaísmo. Eram aristocratas
e sacerdotal. Acatavam apenas a Toráh escrita, e talvez apenas o Pentateuco. Com interesses mais
sacerdotais, sua interpretação da lei era mais literal que a dos fariseus. Eles aceitaram um maior grau de
helenização para ter e manter o poder. Quase não tinham esperança escatológica: para eles não havia
mundo espiritual. Por outro lado, eram muito exigentes na pureza levítica. Enfatizavam o livre-arbítrio e
resistiam às ideias Messiânicas, geralmente revolucionárias.
ZELOTES ou CANANEUS: representavam a “extrema-esquerda radical” do judaísmo. Originaram-se na
Galileia, dos antigos movimentos de resistência, que segundo alguns, vinha já do tempo das conquistas
dos Assírios! Os Zelotes que encontramos no Novo Testamento são produto de vários movimentos
políticos, sociais e religiosos, ora associados a Judas, o Galileu, ora ligados até mesmo aos fariseus.
Inspiravam-se em Fineias em seu zelo sanguinário. Criam em um messianismo político extremado e
tinham um zelo igualmente extremado pelas tradições de Israel. Um de seus lemas era “Não pagar
imposto aos romanos”. Eram contrários ao uso do grego na Palestina e desejariam banir toda interferência
estrangeira na Palestina.
HERODIANOS: embora seja difícil caracterizar plenamente os Herodianos, eles seriam um “partido
político-religioso de direita” no judaísmo antigo. Não podemos saber muito sobre as concepções deste
grupo mas aparentemente era formado por um grupo de cortesãos da família de Herodes com clara
tendência pró-romana no pensamento. Seu interesse imediato era a dinastia de Herodes, que era um
“cliente” do grande patrono, os Césares Romanos.
ESSÊNIOS: podemos dizer que eles eram um grupo de “centro-direita na esquerda” do judaísmo antigo.
Também descendiam dos Hassidins, mas em algum momento passado separaram-se deles. Eram um
grupo sacerdotal, e ao mesmo tempo contra-sacerdotal, pois rejeitavam como indignos aos sacerdotes
que, na época, atuavam no templo judaico. O Novo Testamento não cita este grupo, mas eles são
influentes no ambiente do antigo cristianismo. As ruínas descobertas em Qumrã trouxeram à luz a
literatura e algumas ideias deste grupo. Criam em dois messias, um sacerdotal e outro davítico, mas em
outras literaturas parece que criam em três: um de Arão, outro de Moisés e um último de Davi.
Praticavam a mais rigorosa pureza ritual. Eles não tirariam um boi que caísse num buraco no sábado!
Viviam em comunidades de partilha de bens, com culto, estudo e batismos diários. Evitavam o casamento
e proibiam o divórcio. Tinham a escatologia e o messianismo em alta. Os TERAPEUTAS devem ter sido
um tipo ou uma variação desta seita sacerdotal. Filão, um escritor judeu de Alexandria, descreve este
grupo como ‘monges’ que vivem em grupos, mas em pequenas residências separadas.
3. DIÁSPORA ou DISPERSÃO:
Houve um grande aumento da Diáspora, ou seja, do número de Judeus dispersos pelo mundo. Eles
estavam em grandes concentrações na Babilônia e Egito. Depois também encheram a Ásia Menor, a Síria
e até mesmo Roma. Atos 2 é testemunha da grande dispersão dos judeus.
4. LITERATURA:
No Intertestamento surgiram a Septuaginta, muitos livros apócrifos e pseudo-epigráficos. Embora o cânon
estivesse “fechado” a atividade literária dos judeus foi intensa.
Embora os judeus venerassem especialmente o que chamamos hoje de Velho Testamento, muitas outras
literaturas religiosas foram produzidas no Período Interbíblico. A confusão destes livros com os do Velho
Testamento só surgiu na controvérsia Católica do Concílio de Trento. São, contudo, livros interessantes
para compreender o pensamento do judaísmo.

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Neste período foi feita a tradução do Velho Testamento do hebraico para o grego – a Septuaginta. Ela
tornou-se a Bíblia dos judeus fora da Palestina e um grande meio de evangelização para a igreja.
*********
III. PANORAMA DA HISTÓRIA DO NOVO TESTAMENTOS.16
Estudaremos, em uma visão global e rápida, toda a história dos tempos do Novo Testamento, o Primeiro
Século da Era Cristã, conforme os documentos neotestamentário lançam luz e se relacionam com estes
tempos.
I. A HISTÓRIA DE JESUS NOS EVANGELHOS.
Do ano 4 ou 6 a.C. até o ano 30 d.C. para ter uma sequência histórica, precisamos ler os evangelhos: a
vida de Jesus.
Os evangelhos não são biografias e nem uma história o sentido restrito do termo. São documentos
teológicos, altamente bem pensados, mas também absolutamente baseados na verdade e nos fatos, dada
sua natureza sincera e honesta. São relatos de testemunhas oculares que nos permitem conhecer algo da
história embora seu alvo não seja a pesquisa histórica e sim a proclamação de Jesus como Senhor e
Salvador.
O tempo que eles abrangem é pequeno em relação ao período total da vida de Jesus: falam pouquíssimo
da infância de Jesus e não dão tratamento abrangente para sua vida, mas focalizam sempre a semana da
paixão. Contam as histórias e ensinos necessários para a compreensão de Jesus e do significado de sua
obra. Podemos ter uma sequência histórica da vida de Jesus e de um pouco do seu tempo, lendo os
evangelhos.
LIVROS BÍBLICOS DO PERÍODO:
Nenhum dos livros do Novo Testamento foi escrito durante este período, visto que Jesus ainda estava
vivo e só comissionou seus apóstolos depois de sua ressurreição. Há quem acredite que o “Documento
Q”, que constava de ditos de Jesus poderia ter sido compilado durante o ministério de Jesus por um de
seus apóstolos. Isto, contudo, é mera especulação.
II. A HISTÓRIA DA IGREJA NO LIVRO DE ATOS.
Do ano 30 ao 63 d.C. o livro de Atos nos ajuda a progredir na história, observando o crescimento da
igreja e a expansão do evangelho.
O livro não abrange a história da igreja como um todo em todas as regiões do mundo antigo, mas apenas
mostra a trajetória do evangelho, através de Pedro e, sobretudo, de Paulo, para mostrar o evangelho
chegando a Roma.
LIVROS BÍBLICOS:
Nesta primeira fase da história bíblica, temos a maior parte dos livros do Novo Testamento sendo
escritos. A Carta de Tiago pode ter sido um dos primeiros livros cristãos, escrito depois da morte de
Estevão, bem no início dos anos 30 ou 40. Todas as cartas de Paulo, menos as Epístolas Pastorais (1&2
Timóteo e Tito), são deste período histórico que é narrado pelo livro de Atos dos Apóstolos.
As cartas vão sendo escritas enquanto Lucas narra o trabalho missionário de Paulo. Também os
Evangelhos devem ser deste período, pois a obra em dois volumes Lucas-Atos termina no ano 63. Ora se
Lucas usou o evangelho de Marcos então podemos supor que Marcos já estava escrito e que Lucas usou-o
antes de terminar sua obra. Assim, podemos supor que Mateus também já tinha utilizado Marcos.
As cartas de Pedro e a de Judas também seriam deste período, embora esta atribuição seja mais difícil de
provar. Pode-se dizer que, quase todo o Novo Testamento é escrito na época narrada pelo Livro de Atos.
III. A HISTÓRIA DA IGREJA DEPOIS DO FIM DO LIVRO DE ATOS.
Do ano 63 até o fim do primeiro século, o ano 100 d.C., não temos mais nenhum livro único que dê uma
linha de desenvolvimento histórico. Temos apenas informações históricas espalhadas em vários livros da
época.
Para fazer uma sequência histórica para este período, temos que juntar pedaços esparsos e informação nas
Epístolas Pastorais e, sobretudo, na literatura Joanina, supondo que ela pertença a este período.

16
Aqui também uso: PESTANA, Álvaro C. A Bíblia Toda em Um Ano. Recife: EBNESR, 2011.

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Pode ser que as Epístolas de Pedro e Judas sejam desta época, mas antes da morte de Pedro, que deve ter
ocorrido antes do ano 68 AD.
Mesmo assim, as informações desta época são mais inseguras que as que temos sobre os períodos
anteriores.
No fim, teremos todo o Novo Testamento escrito e sendo distribuído entre todas as igrejas antigas.
Eventos históricos importantes deste período, registrados por outros historiadores, são: (1) A perseguição
dos cristãos por Nero; (2) A destruição de Jerusalém pelos romanos; (3) A perseguição dos cristãos por
Domiciano.
LIVROS BÍBLICOS:
Os livros escritos neste período são as Epístolas Pastorais e a Literatura Joanina. Contudo, há quem
afirme que o Evangelho de João teria sido escrito antes do ano 70 d.C. por causa de referências históricas
que sugerem que Jerusalém ainda estava de pé quando o livro foi escrito. Pedro e Judas podem ter escrito
nesta época ou não. De qualquer forma, Apocalipse certamente pertence ao período final do Primeiro
Século.
******
O quadro da próxima página procura sumarizar a história do período do Novo Testamento, desde a
chegada dos Romanos com Pompeu até a morte do último dos apóstolos: João.

TABELA DA HISTÓRIA DO NOVO TESTAMENTO


Data Evento Neotestamentário História Secular Texto Bíblico Observações históricas e livros do
Novo Testamento
64 a.C. Pompeu toma Jerusalém A Judéia passa a ser Província Romana.
6 a 4 a.C. Nascimento de Jesus Reinado de Augusto Mt 1; Lc 2
[31 a.C. – 14 d.C.]
Reinado de Herodes Magno
[37 – 4 a.C.]
6-8 d.C. Jesus no Templo Lc 2.41ss
25-26 d.C. Batismo de Jesus 15º Ano do reinado de Tibério [14 – 37 Lc 3.1ss
d.C.]. Pôncio Pilatos governava a Judéia
[26 – 36 d.C]
30 d.C. Morte e ressurreição de Jesus Segundo Tácito, Jesus morreu sob Mc 15-16
Tibério, no governo de Pôncio Pilatos
30 d.C. Dia de Pentecostes – Início da At 2 50 dias depois da morte de Jesus
Igreja
31 d.C. Conversão de Saulo em Damasco Aretas IV reinava de 9 a.C até 40 d.C. At 9; 22.5; Gl Nesta época Tiago escreve a Epístola de
1; 2Co 11.32 Tiago
34 d.C. Saulo visita a igreja em Jerusalém At 9; Gl 1.18 3 anos depois da conversão de Paulo
Viagens de Pedro At 9
Conversão de Cornélio At 10
43 d.C Saulo e Barnabé em Antioquia At 11.25-26
44 d.C. 2ª. visita de Paulo a Jerusalém A fome veio nos dias de Cláudio entre 45 Gl 2.1; At 14 anos depois da conversão de Paulo
Morte de Tiago, apóstolo. e 46 d.C. Agripa morreu em 44 d.C. 11.29-30;
12.25
45-48 d.C. 1ª viagem missionária de Paulo Sérgio Paulo, Procônsul em Chipre 45-46 At 13-14 Inicio das igrejas na Galácia.
d.C.
48 d.C. Pedro em Antioquia Gl 2.11; At Paulo escreve a Carta aos Gálatas
14.27-28
49 d.C. Reunião em Jerusalém At 15
49-51 d.C. 2ª viagem missionária de Paulo O decreto de Cláudio: 49 ou 50 d.C. At 15-18 Redação de
(fim de 49 Ano 50 = chegada a Corinto Gálio, Procônsul em Corinto nos anos 51 1 e 2 Tessalonicenses
até outono Ano 51 = volta a Antioquia – 52 d.C.
de 51)
54-58 3ª viagem missionária Nero começa a reinar [54-68 d.C.] At 18-21 Redação de 1&2Coríntios e Romanos

58-60 Prisão de Paulo Félix, procurador da Judéia nos anos 52- At 21-28
58 Aprisionamento em Jerusalém 60 d.C.
58-60 Preso em Cesaréia Festo, procurador da Judéia nos anos 60 –
60 Viagem para Roma 62 d.C.
Década de Atividades missionárias de Pedro Pedro parece ter viajado pela Ásia indo 1Pe 1.1 Redação de 1&2Pedro, [Talvez Judas]
60 até Roma.
61-63 Preso em Roma Parece que Paulo não foi julgado por At 27- 28 Redação de Filipenses, Colossenses,
Nero nesta ocasião e foi liberto depois de Filemom e Efésios [Talvez Hebreus]
ficar 2 anos a disposição do Estado.
Cerca de Intensa atividade literária da igreja Nenhum destes livros menciona a queda 1Pe 5.13 Marcos, Mateus e Lucas-Atos escritos
65 d.C. de Jerusalém no ano 70 d.C. Lc 1.1-4 antes de 70 d.C.
63 Viagem para a Espanha Rm 15.24
64-67 Viagens na Grécia e Ásia Descritas nas Epístolas Pastorais. 1Tm 1.3; Tt Redação de 1Timóteo e Tito
1.5
66 Morte de Tiago, irmão de Jesus. Início da Revolta Judaica na Judéia [66- Mt 24
70 d.C.]
67 Prisão e morte de Pedro e Paulo em 2Tm 4.13 Redação de 2Timóteo
Roma

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68 Morte de Nero. Depois de Oto, Galba e Roma ficou em constante guerra civil
Vitélio, Vespasiano reina. até o ano 69.
70 Destruição da cidade de Jerusalém por Nenhum livro do NT cita este evento.
Tito
Anos 80- Atividades de João em Éfeso e Tito reinou nos anos 79-81 d.C. Ap 1.9 Redação do Evangelho de João,
90 prisão em Patmos Domiciano reinou entre 81-96 d.C. 1,2&3João e Apocalipse
98-100 Morte de João Depois de libertado por Nerva.

IV. PANORAMA DA HISTÓRIA DA FORMAÇÃO DO NOVO TESTAMENTOS.17


Os 66 livros da Bíblia terminaram de ser redigidos no fim do Século I A.D. A questão que esta lição vai
responder de modo rápido é: Como a Bíblia chegou até nós? Como ela atravessou os séculos até chegar
ao nosso tempo, o Século XXI?
O quadro abaixo contrasta dois processos de formação da Bíblia: o primeiro coordenado diretamente por
Deus, o segundo, coordenado por Deus indiretamente, por meio de sua Providência Soberana.
EM TERMOS ESPIRITUAIS EM TERMOS HUMANOS

DEUS LIVROS ESCRITOS E DIVULGADOS


ê ê
ESPÍRITO SANTO LIVROS COLECIONADOS E COPIADOS
ê ê
ESCRITORES INSPIRADOS LIVROS TRADUZIDOS
ê ê
LIVROS BÍBLIA

O PROCESSO ESPIRITUAL
Deus é aquele que iniciou o processo de revelação bíblica. Ele inspirou os profetas (2Pedro 1.20-21) que
produziram as Escrituras (2Timóteo 3.16-17).
O processo é vividamente descrito em Apocalipse 1.1-3 com a seguinte sequência: Deus è Jesus è
Anjo è João (apóstolo) è Livro è Igrejas.
Os cristãos herdaram o Velho Testamento dos judeus, pois foi a eles que Deus confiou seus oráculos
(Romanos 3.2). O Novo Testamento foi redigido por apóstolos ou por pessoas ligadas ao círculo
apostólico e, assim, a Bíblia com seus dois Testamentos estava completa.

O PROCESSO HUMANO
A história da compilação do Novo Testamento segue as seguintes etapas:
1. CIRCULAÇÃO DOS LIVROS DO NOVO TESTAMENTO
Os livros do Novo Testamento, assim que recebidos pelas igrejas, começaram a ser lidos publicamente
(1Ts 5.27; Cl 4.16). De fato, a ordem para que estes livros fossem circulados entre as igrejas já estava
incluída em alguns livros (Cl 4.16). Muitos livros têm destinatários que indicam que o documento
circularia entre várias localidades (Ap 1-3; 1Pe 1.1-2). Associada a esta ordem de leitura pública,
percebe-se que as igrejas começaram a copiar os livros para formar coleções dos livros apostólicos.
Pedro, que não foi destinatário de nenhuma carta de Paulo, conhecia todas as cartas dele (2Pe 3.14-16).
2. RECONHECIMENTO DO CÂNON DO NOVO TESTAMENTO
Já no tempo do Novo Testamento, os livros foram reconhecidos como inspirados e dignos de obediência
(1Co 14.37). Já no Primeiro Século, um escritor cristão que morava em Roma chamado Clemente,
escreveu uma carta a qual ele menciona vários livros do Novo Testamento. Até o ano 150 AD, quase
todos os livros do Novo Testamento já eram amplamente conhecidos e usados pela igreja antiga. No
Século IV, com o fim das perseguições contra a igreja, os 27 livros do Novo Testamento já são
reconhecidos e usados pela igreja em toda parte.

17
Neste quarto ponto, também utilizo amplamente: PESTANA, Álvaro C. A Bíblia Toda em Um Ano. Recife: EBNESR, 2011.

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O processo de reconhecimento do chamado “cânon” do Novo Testamento não foi feito por uma igreja ou
por concílios ou papas, mas pela igreja como um todo, que reconhecia a apostolicidade, antiguidade e
inspiração divina dos nossos 27 livros do Novo Testamento.
Deus deixou o reconhecimento destes livros a cargo dos cristãos, mas também podemos testemunhar a
Providência Divina protegendo estes livros e ajudando os cristãos a diferenciá-los dos livros comuns ou
dos livros espúrios.
3. TRANSMISSÃO E PRESERVAÇÃO DOS LIVROS DA BÍBLIA
Desde sua redação até o ano de 1452 a Bíblia foi preservada em cópias feitas a mão, ou seja, cópias
manuscritas. No ano de 1452 Gutemberg imprimiu o primeiro livro, uma versão latina da Bíblia.
Antes disto, o texto do Velho Testamento foi preservado em hebraico pelos judeus e o texto grego do
Novo Testamento foi copiado e preservado pelas igrejas de todo o mundo.
Apesar deste processo depender da qualidade das cópias manuscritas, as descobertas de manuscritos
bíblicos muito antigos tem demonstrado que o texto bíblico tanto do Velho como do Novo Testamento
tem sido muito bem preservados. As edições modernas da Bíblia baseiam-se em textos que comparam
muitos manuscritos de altíssima qualidade para se obter o texto mais próximo dos originais.
As primeiras edições impressas da Bíblia hebraica foram: a edição de Soncino (1494), a Poliglota
Complutense (1514-17) e a Bíblia Rabínica de Jacob ben Hayyim (1524-25). No caso do Novo
Testamento, Desidério Erasmo, publicou em 1516 o primeiro Novo Testamento impresso em grego.
4. TRADUÇÃO DOS LIVROS DA BÍBLIA
A Bíblia da igreja antiga era composta pela tradução do Velho Testamento para o Grego, a Septuaginta, e
o Novo Testamento, todo redigido em grego. Porém, logo foi necessário traduzir o texto para outras
línguas, onde o evangelho estava sendo pregado. Traduções para o latim, copta, siríaco, etíope e outras
línguas antigas logo surgiram. Contudo, durante a Idade Média, no cristianismo europeu, o uso
predominante do latim a ponto de muitos, ainda hoje, imaginarem que a Bíblia tivesse sido escrita nesta
língua. Com o advento da Reforma Protestante e também do Renascimento, a busca da mensagem da
Bíblia nas línguas originais gerou novas traduções para os idiomas modernos.
A versão de João Ferreira de Almeida, feita na Indonésia entre 1670 e 1753. Na verdade, Almeida
publicou sua tradução do Novo Testamento em 1681, mas morreu antes de terminar a tradução do Velho
Testamento. Seus colegas terminaram sua obra que foi publicada por completo em 1753.
Atualmente, temos no Brasil várias versões de ótima qualidade: Almeida Revista e Atualizada (2ª
Edição); Nova Versão Internacional; Nova Tradução na Linguagem de Hoje.

CONCLUSÃO
Assim, iniciamos o estudo do Novo Testamento com uma visão global de seu conteúdo, da história do
período que o precedeu, da história da época do Novo Testamento e, finalmente, da história e do processo
de junção do mesmo com o Antigo Testamento para formar a Bíblia Cristã que hoje utilizamos.
Não existe conjunto de livros mais influente e mais importante que o Novo Testamento. Nas próximas
lições, estudaremos cada grupo de livros com mais detalhes, tratado de cada obra em separado,
aprofundando a leitura, que apesar de todos os aprofundamentos, sempre será panorâmica e geral.

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AULA 02 – OS EVANGELHOS SINÓTICOS

INTRODUÇÃO
Os evangelhos são os livros mais importantes do mundo. Tratam da única história que, de fato, melhorou
a história do mundo: a história de Jesus.
Fora dos Evangelhos, poucas informações temos sobre Jesus. Mesmo no livro de Atos e nas cartas do
Novo Testamento, as informações históricas são pequenas quando comparadas com a riqueza de detalhes
dos Evangelhos.
Fora da Bíblia, o testemunho da história é suficiente para provar que Jesus existiu e causou impacto em
sua época, mas pouco lucramos com estes relatos, quando os comparamos com a grandeza da graça e
verdade que temos nos Evangelhos.
Ha historiografia pagã antiga, por exemplo, temos várias menções importantes sobre Jesus18:
Talo (cerca de 52 AD) foi um historiador samaritano antigo, que afirmou que aquelas 3 horas de
trevas, relativas à morte de Jesus, deviam ser devidas a um eclipse.19 Explicação impossível, pois
eclipses solares não ocorrem na lua cheia (Páscoa judaica).20
Josefo (37-95 AD) falou de Jesus como um sábio, um mestre e um realizador de milagres. O
texto dele, como chegou até hoje, atribui o título “Cristo” a Jesus, embora isto seja discutido.21
Ele também falou da morte de Tiago, irmão de Jesus, “chamado Cristo”22
Tácito (55-117 AD), historiador romano, citou o fato de Cristo ter sido morto por Pôncio
Pilatos, no tempo de Tibério e de ser o originador da seita dos cristãos.23
Suetônio (75-160 AD), outro historiador, falou da expulsão dos judeus de Roma por causa de
tumultos em torno de um tal de “Cresto”. Ele não sabia bem do que se tratava o tumulto, mas
hoje em dia, os estudiosos sugerem que o nome e pessoa em questão era “Cristo”.24
Plínio, o jovem, (111 AD), governador romano da Bitínia, citou Cristo em sua carta a Trajano,
como sendo o alvo da devoção dos cristãos.25
Mara, filho de Serapião, (cerda de 73 AD) foi o autor de uma carta onde faz paralelo entre
mortes de grandes sábios como Sócrates, Pitágoras e o “sábio Rei” dos judeus. Ora, ele estava
falando da morte de Jesus.26
Luciano de Samosata, um escritor satírico do Segundo Século referiu-se a Cristo.27
Os Talmudes28 judaicos podem ser citados, para mostrar as antigas críticas contra Jesus. Eles
são praticamente medievais em sua redação final, de modo que sua informação tem pequeno
valor. Neles, apesar da polêmica judaica, fazem alusão crítica ao nascimento virginal, crucifixão
e ao poder de fazer milagres.

18
Muitas das citações abaixo, podem ser lidas nas línguas originais em THERON, Daniel J. The Evidence of Traditon. London:
Bowes & Bowes, 1957; Em português: BETTENSON, H. Documentos da Igreja Cristã: 3a. Edição. São Paulo: ASTE, 1998.
19
Citado por : BRUCE, F. F. Merece confiança o Novo Testamento? São Paulo: Edições Vida Nova, 1967, p. 147-148.
20
Veja também MCDOWELL, J. Evidência que exige um veredito: Vol. 1. 2a Ed., São Paulo: Candeia, 1992, p. 106-107.
21
Josefo, Antiguidades dos Judeus XVIII.3.3 citado por Eusébio, História Eclesiástica I.11.7. Sobre a discussão em torno do texto
de Josefo e de provas adicionais de sua substancial autenticidade veja: BRUCE, 1967, p. 134-146. Também MCDOWELL, 1992, p.
105.
22
Josefo, Antiguidades dos Judeus XX.9.1 citado por Eusébio, História Eclesiástica II.1.4; II.23.4; II.23.20. Orígenes também cita
esta passagem e o título de “Cristo” dado a Jesus: Orígenes, Contra Celso, I.47.
23
Tácito, Anais XV.44.2
24
Suetônio, Vida de Cláudio, XXV.4
25
Plínio, Epístolas X. xcvi-xcvii
26
BRUCE, 1967, p. 148; MCDOWELL, 1992, p. 107-108. Ver também SCHAFF, Philip. History of the Christian Church: Vol.
1. Peabody: Hendrickson, 1996, p. 171.
27
MCDOWELL, 1992, p. 104;
28
BRUCE, 1967, p. 131-132; MCDOWELL, 1992, p. 108-110; MIRANDA, Osmundo Afonso. Estudos Introdutórios nos
Evangelhos Sinóticos. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1989, p. 20-22.

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Os escritos cristãos posteriores, sejam os escritos dos autores ortodoxos, sejam os documentos de outra
natureza, normalmente dependem dos evangelhos e são raros os documentos que tem “algo original e
autêntico” para oferecer.29
Assim, nossos estudos dos Evangelhos e do Livro dos Atos dos Apóstolos, lida com o que há de mais
central e essencial na fé cristã.
SÍNTESE
Um estudo introdutório aos evangelhos, focando especialmente os evangelhos sinóticos: Mateus, Marcos
e Lucas. A origem dos evangelhos e o problema sinótico. Estudos introdutórios para cada um dos
evangelhos sinóticos.
DISCUSSÃO
“No princípio era Jesus...”30
Jesus deu início ao Novo Testamento não apenas por ter inaugurado a Nova Aliança. Sua vida, seus
ensinos, seus atos simbólicos, sua morte e ressurreição e seu cuidado de preservação da mensagem por
meio de discípulos, tudo isto, fez nascer não somente a igreja, mas também o Novo Testamento.
Jesus é o autor, o planejador e o escritor do Novo Testamento, por meio de seus discípulos – contudo, não
se engane: a obra é dele.
Há um consenso, quase dogmático, entre os estudiosos bíblicos, que diz que os Evangelhos (e Atos) são
livros escritos muitos anos depois de Jesus, quando a igreja estava perdendo as testemunhas oculares e
precisava “preservar e regular” a tradição sobre Jesus.31
Contudo, este consenso tem sido cada vez mais desafiado e recentemente, vários dados e circunstâncias
têm indicado uma data mais antiga para os Evangelhos.
(i) Um desafio antigo e ainda não plenamente respondido foi proposto pelo bispo inglês John A.
T. Robinson em 1976. Ele escreveu uma apologia de uma data antiga para todos os livros do
Novo Testamento, uma vez que os mesmos não mencionam a destruição de Jerusalém no ano 70
AD.32 Seria inimaginável que tal tragédia não deixasses nenhum sinal nos escritos
neotestamentários, se eles fossem posteriores a ele.
(ii) Mais recentemente, dois paleografistas, trabalhando com diferentes manuscritos, chegaram à
surpreendente conclusão que os evangelhos foram escritos nos anos 40-50 da Era Cristã. Um
deles, o alemão Carsten Peter Thiede trabalhou com um manuscrito que estava no num museu
de Magdalen College de Oxford: o papiro 64 (p64). A data tradicional para este pequeno
fragmento do evangelho de Mateus era cerca de 200 AD, mas Thiede advoga uma data cerca de
50 AD, com base na paleografia. O outro papirologista foi o espanhol José O’Callaghan que
trabalhando com um papiro do ano 50AD, de conteúdo desconhecido, das cavernas de Qumran,
descobriu nele um verso do Evangelho de Marcos. 33
(iii) Uma última obra de grande impacto é o livro de Richard Bauckham sobre os
Evangelhos34, apresentando evidências impressionantes e cumulativas para o fato de serem os
evangelhos relatos de testemunhas oculares e de terem sido escrito, em sua maioria, no período
em que viviam não somente estas testemunhas oculares que narraram os relatos, mas também os
próprios personagens das narrativas. Em sua obra, ele mostrou como os escritores do Novo
Testamento estavam escrevendo dentro dos cânones da historiografia de testemunho do mundo
antigo que é o tipo de historiografia mais confiável que se pode aproveitar.

29
Para observar a dificuldade de achar autênticos ditos e histórias de Jesus, basta ver o magro resultado obtido depois de muito
esforço em JEREMIAS, Joachim. Palabras Desconocidas de Jesus. Salamanca: Ediciones Sigueme, 1996.
30
Faço alusão a Jo 1.1.
31
KÜMMEL, W. G. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Paulinas [Paulus], 1982, p. 117, sugere, para o evangelho de
Marcos, uma data entre 64-70, mas cogita datas depois de 70. KOESTER, H. Introdução ao Novo Testamento, volume 2: história
e literatura do cristianismo primitivo. São Paulo: Paulus, 2005, p. 182, já avança a data de Marcos entre 70 e 80. LOHSE, Eduard,
Introdução ao Novo Testamento. São Leopoldo: Sinodal, 1985, p. 145, coloca Marcos o fim dos anos 70.
32
ROBINSON, John A. T. Redating the New Testament. Disponível em
www.preteristarchive_com/Books/1976_robinson_redating-testament.html Acessado em 18 dez 2006.
33
THIEDE, Carsten Peter; D’ANCONA, Matthew. Testemunha Ocular de Jesus. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
34
BAUCKHAM, Richard. Jesus e as testemunhas oculares: Os Evangelhos como testemunho de testemunhas oculares. São Paulo:
Paulus, 2011.

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Vários autores têm mantido, em seus escritos, a possibilidade de que os evangelhos sejam anteriores ao
ano 70 AD.35
Na verdade, ao lermos o Novo Testamento, temos a clara impressão de que as testemunhas oculares dos
eventos relatados não tinham passado, mas sim, estavam entre os ouvintes.36
Assim, o nascimento do Novo Testamento, e sobretudo, dos Evangelhos pertence ao período antigo da
igreja, ou seja, à época dos apóstolos e das testemunhas oculares de Jesus.
“Ora o nascimento [dos Evangelhos] de Jesus Cristo foi assim...”37
Os escritos cristãos nasceram, por obra do Espírito Santo, pelo resultado da vida e obra de Jesus.
A vida, ensino, ações milagrosas, surpreendentes e comuns de Jesus forma a matéria prima básica do
evangelho, dos Evangelhos e de todo o resto do Novo Testamento.
Contudo, este material não foi recolhido a esmo. Usou-se um filtro ou um critério de aglutinação daquilo
que dizia respeito a ele. Este critério foi sua morte, sepultamento e ressurreição.
Sua paixão e glorificação tornaram-se o ponto de convergência de sua vida e ao mesmo tempo centro de
toda a interpretação de sua obra na terra e nos céus.
Por esta causa, pouco interesse houve, entre os cristãos antigos, em um retrato físico de Jesus. Não houve
interesse em caracterizar sua cultura humana ou falar de locais de sua residência ou de sua família, seus
bens etc.
A diferença de ponto de partida e de objetivo final ao escrever sobre Jesus foi tal que os gêneros literários
existentes não eram adequados e a igreja criou um novo gênero literário para escrever sobre Jesus.38
Vinho novo para odres novos... um nascimento virginal!
“A palavra da cruz...”
O centro do evangelho é a paixão de Cristo39. Muito já foi dito sobre o fato dos Evangelhos serem
narrativas da paixão com uma longa introdução.40 Nisto, muitos falsos evangelhos, inadvertidamente, se
desmascaram, não dando atenção à morte, sepultamento e ressurreição de Jesus.
O coração do evangelho foi o que Jesus fez na cruz e as narrativas e discursos escolhidos para compor o
evangelho, foram avaliados pelo prisma da cruz.
As narrativas de atos, milagres, ações simbólicas e ensinos de Jesus foram incorporados nas narrativas à
medida que eram iluminados pela cruz e, também, a iluminavam. É por isto que, frequentemente, temos
um “mini-evangelho” em uma narrativa de milagre ou em um discurso de Jesus.41
“No princípio eram as palavras de Jesus...”42
As palavras de Jesus, em forma de ditos, ensinos, parábolas ou longos discursos foram a base dos
aspectos didáticos do Novo Testamento.
As palavras de Jesus eram consideradas decisivas resolver questões na igreja antiga. Veja algumas
questões resolvidas pela palavra de Jesus:
§ a volta de Cristo (1Ts 4.13-18);
§ matrimônio e divórcio (1Co 7.10);
§ sustento de obreiros (1Co 9.14);
§ ceia (1Co 11.23-25); etc.

35
CARSON, D. A.; MOO, D. J.; MORRIS, L. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Ed. Vida Nova, 1997 e HÖRSTER, G.
Introdução e Síntese do Novo Testamento. Curitiba: Editora Evangélica Esperança, 1996. TOGNINI, Enéas; BENTES, João
Marques. Janelas para o Novo Testamento. São Paulo: Louvores do Coração LTDA, 1992, 86, supreendentemente dá data entre
50-55 AD para Marcos.
36
Mt 28.15 – o dia de hoje!; Mc 15.21, compare com Rm 16.13; Lc 1.1-4 – testemunhas oculares; Jo 19.35; 21.24 – testemunho
confirmado; At 20.35 – recordar o que todos sabiam.
37
Deliberadamente, aludimos a Mateus 1.18.
38
Falaremos disto com um pouco mais de detalhes na discussão sobre o Evangelhos de Marcos. LEON-DUFOUR, Xavier. Os
Evangelhos e a História de Jesus. São Paulo: Paulinas, 1972, p. 220: “O gênero literário dos evangelhos é uma criação cristã
original (K. L. Schmidt, R. Bultmann)”.
39
1Co 15.1-11.
40
M. Kähler citado por STONEHOUSE, Ned B. Origins of Th Synoptic Gospels: some basic questions. Grand Rapids: Baker,
1979, p. 72, n. 47.
41
WOODROOF, James. Quatro Realidades. São Paulo: Editora Vida Cristã, 1999.
42
Faço deliberada alusão a João 1.1.

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A igreja distinguia claramente a palavra de Jesus da palavra dos apóstolos (1Co 7.12), de forma que
aqueles que acusam a igreja antiga de “criar” ditos de Jesus para resolver questões urgentes, trabalham
contra a evidência.
A palavra de Jesus equivalia ao Velho Testamento em autoridade e verdade (1Tm 5.18), o que fazia com
que o registro e a citação das mesmas fosse muito importante para as comunidades cristãs.
Estudos afirmam que existiu um documento antigo, escrito por cristãos, que colecionava os “Ditos” ou
“Sentenças” de Jesus. Tal documento poderia ser escrito ou composto de um conjunto de tradições orais,
mas parece ter sido usado por Mateus e Lucas na composição de seus evangelhos.
Os estudiosos do passado chamaram este documento hipotético pela letra “Q”, do alemão “Quelle”, que
significa “fonte”, pois esta era a língua dos formuladores desta hipótese.43
“Jesus... andou por toda parte fazendo o bem...”44
O que Jesus viveu, ensinou e fez são a base do Novo Testamento, mesmo antes dele começar a ser escrito.
A narrativa sobre a ceia do Senhor, citada por Paulo na carta aos Coríntios (1Co 11.23-25) é uma
testemunha da uniformidade e dispersão da tradição oral sobre Jesus, pois a narrativa que Paulo
colecionou na epístola segue de perto as narrativas dos Evangelhos.45
Não são apenas suas palavras que são citadas para resolver questões, mas seu exemplo é invocado como
digno de imitação. O exemplo de humildade de Jesus é usado como exemplo para gerar concórdia na
igreja de Filipos (Fp 2.5-11). O exemplo de sofrimento de Jesus também é paradigma para os escravos
cristãos que sofrem maus tratos (1Pe 2.21-25). E muitos casos semelhantes poderiam ser notados.
Muitas vezes a história de Jesus é narrada (At 2.22-24; 2Pe 1.16-18) e lições ou conclusões teológicas são
extraídas destas narrativas.
Uma palavra que Jesus tenha falado, por exemplo, quando disse, “o que sai do homem é o que
contamina” (Mc 7.14) é usada como base para um comentário explanatório posterior: “E, assim,
considerou ele puros todos os alimentos” (Mc 7.19b).
Enfim, a impressão de Jesus foi tão forte na vida dos seus seguidores que, ao lermos o Novo Testamento,
concluímos que "haviam eles estado com Jesus" (At 4.13).
“Então, lhes abriu o entendimento para compreenderem as Escrituras...”46
Muitos podem pensar que a igreja antiga era composta por gênios anônimos que fizeram uma nova
interpretação do Velho Testamento.47 Isto não é verdade. Foi Jesus que abriu o entendimento dos
apóstolos para entenderem o Velho Testamento (Lc 24.44-45).
As interpretações geniais do Velho Testamento que encontramos no Novo, vêm de Jesus. Por exemplo,
foi ele que fez a identificação do Servo de Yahweh de Isaías e do Filho do Homem de Daniel como o
Messias, o Cristo (Mc 10.45 e outros).
Foi a morte de Jesus que revelou que muitos Salmos que falavam do sofrimento dos justos, como Salmo
22 e 69, falavam, sobretudo, do sofrimento dele. Foi a ascensão de Jesus que revelou o sentido verdadeiro
do Salmo 110, que falava de um regente que seria Sacerdote e Rei, coisa impossível em Israel, mas
possível pela obra de Jesus.
O fato de Jesus sofrer maldição, por ser pendurado na cruz (Dt 21.23), mas estar ressurreto e vivo (At 9.4-
6), forçou Paulo a concluir que a maldição que Jesus estava carregando não era a dele, mas a nossa (Gl
3.13). Assim também Pedro e todos os outros chegaram à mesma conclusão (1Pe 2.24; 1Jo 2.2).
Assim, a autoria de Jesus está em toda interpretação bíblica genial e verdadeira da igreja cristã. Mesmo
que ele não tenha feito expressamente cada uma delas, seu ministério e ensino prepararam o terreno de tal
forma que aquelas ideias, doutrinas e interpretações iriam brotar inevitavelmente.

43
MIRANDA, 1989, p. 43, 50-57; MARTIN, Ralph P. The New Testament Fundations: Vol. 1 – The Four Gospels. Exeter: The
Paternoster Press, 1975, p. 143-151; LOHSE, 1985, p. 133-137 discute a possibilidade de Q ser oral e não escrita.
44
At 10.38.
45
Embora os Evangelhos estivessem sendo escritos nesta época, o fato de Paulo estar em trabalho missionário e afastado dos
grandes centros cristãos, talvez fizessem com que ele não estivesse lendo Marcos ou Mateus. Lucas, provavelmente, será escrito um
pouco mais tarde, juntamente com o livro de Atos, no fim do tempo do livro de Atos.
46
Lc 24.45.
47
Este é o equívoco de MOULE, C. F.D. As Origens do Novo Testamento. São Paulo: Paulinas [Paulus], 1979, que concede muito
pouco a Jesus, no que diz respeito às interpretações geniais do Antigo Testamento. Por exemplo, nas páginas 78-79, Moule,
rapidamente, descarta a interpretação de Jesus de Salmo 110, atribuindo-a aos evangelistas ou outros. É uma pena!

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Há teorias que dizem que a igreja teria colecionado várias “listas” de passagens que se cumpriam em
Jesus.48 Eles usariam estas listas para pregar aos judeus sobre Jesus, provando que ele era o Messias, por
meio das Escrituras. Estas listas são chamadas pelo termo latino “Testimonia”, que significa justamente
“testemunhas”.49 Se esta lista era escrita50 ou oral, não é possível determinar, mas é bem provável que a
igreja tivesse produzido tal obra (escrita ou oral), pois quando comparamos as pregações cristãs antigas,
vemos que certos textos acabam sempre sendo citados.
Assim podemos entender Paulo, Hebreus e todos os livros que utilizam ricamente a Bíblia Hebraica ou a
Septuaginta,51 faziam isto pelo ímpeto dado por Jesus à sua interpretação bíblica.
Uma prova imediata disto é o uso de textos do Velho Testamento, feitos por Pedro em Atos 1, antes da
vinda do Espírito Santo. Pedro junta o Salmo 69.25 ao Salmo 109.8 de um modo incomum. De onde
Pedro aprendeu isto? Não podemos dizer que ele falava por inspiração do Espírito como ocorrerá
posteriormente (Atos 2.4, 14). Como Pedro agora entende estes textos relevantes para a escolha de um
sucessor de Judas? Inclusive, vale a pena perguntar: De onde veio a ideia de um sucessor de Judas e dos
textos que indicaram seu desvio e substituição? Certamente, vieram de Jesus, que passou 40 dias com eles
(Atos 1.3).
“Recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas...”52
Uma etapa fundamental para a redação dos Evangelhos e de todos os livros do Novo Testamento, foi a
vinda do Espírito Santo (At 2). Esta vinda inaugurou os “últimos dias” como o tempo da salvação (At
2.17, 21) e esta salvação só podia ser realizada pela ação do Espírito no povo de Deus.53
Os apóstolos tornaram-se: (i) os intérpretes oficiais de Jesus e (ii) intérpretes inspirados por ele para o
desenvolvimento do seu ensino e missão.
Jesus escolheu doze apóstolos para iniciar, simbolicamente, o novo Israel. Eles se tornaram, por
capacitação do Espírito, as primeiras testemunhas oficiais de seu ensino, certificadas e oficialmente
acatadas como seus legítimos intérpretes e portadores da tradição oficial. Toda cultura oral precisa de
“contadores de história oficial”: estes eram os apóstolos de Jesus.54
Embora os apóstolos distinguissem bem o que tinha sido ensinado por Jesus e o que estava sendo
revelado agora por eles mesmos (1Co 7.12), eles sabiam que seu ensino era oficial e suas palavras eram
mandamentos para a igreja (1Co 7.40; 14.37-38). Jesus mesmo havia prometido assistência a estes
homens, pelo Espírito Santo (Jo 14-16), e, assim, eles receberem revelações de Deus (1Co 3.10).
Tornaram-se as colunas da igreja e o ponto de referência da tradição e do ensino de Jesus (Gl 2.2,9).
A obra destes antigos foi o “fundamento” da revelação que se desenvolveu nas igrejas (Ef 2.20; 2Pe 3.2;
Jd 17; Ap 21.14).
Por esta causa, quando Lucas fala das pessoas que entrevistou sobre as origens do cristianismo, para
escrever seus livros, Lucas-Atos, ele os qualifica como: “os que foram desde o princípio testemunhas
oculares e que se tornaram servidores da palavra”, hoi ap’arches autoptai kai hyperetai genomenoi tou

48
Quem elaborou com cuidado esta hipótese, em tempos mais recentes foi J. Rendel Harris com as obras Testimonia (I), 1916 e (II),
1920, de acordo com LONGENECKER, Richard. Biblical Exegesis in The Apostolic Period. (Grand Rapids): Eerdmans, 1975, p.
89-92.
49
DODD, C. H. Segundo as Escrituras: Estrutura Fundamental do Novo Testamento. São Paulo: Paulinas [Paulus], 1979, p. 25-58,
onde ele se arrisca fazendo uma lista de pelo menos 15 textos que seriam incluídos nesta “antologia”: Sl 2.7; Sl 8.5-7; Sl 110.1; Sl
118.22-23; Is 6.9-10; Is 53.1; Is 40.3-5; Is 28.16; Gn 12.3; Jr 31.31-34; Jl 2.28-32; Zc 9.9; Hc 2.3-4; Is 61.1-2; Dt 18.15, 19.
50
Foram encontradas antologias de textos proféticos em Qumran. “Florilegium” foi o nome dado a estas listas de textos agrupados
por interesses. Uma possível diferença, se for real, é que os Testimonia podem ser apenas coleções de textos, mas os Florilegium
tem comentários. DUPONT-SOMMER, A. The Essene Whitings from Qumran. Cleveland: The World Publishing Company,
1967, p. 310-311. CROSS JR., Frank Moore, The Ancient Library of Qumran: Revised Editon. New York: Doubleday & Co.,
1961, p. 147 chama estes manuscritos de Testimonia.
51
A igreja antiga usava, preferencialmente, a Septuaginta.
52
At 1.8.
53
BOER, Harry R. Pentecost and Missons. Grand Rapids: Eerdmans, 1964. Apresenta a exelente tese de que o poder do Espírito é
a força propulsora da missão cristã e não qualquer imperativo institucional.
54
Sobre a ideia de um “contador oficial das tradições” veja BAILEY, Kenneth E. Informal Controlled Oral Transmission and the
Synoptic Gospels In: Themelios 20.2 (January 1995): p. 4-11. Neste artigo, Bailey mostra que os dois modelos de preservação de
tradições orais com os quais se julga que o evangelho foi transmitido não são os únicos e nem os melhores para explicar o fenômeno
dos Evangelhos. O primeiro é o modelo da “transmissão informal sem controle” que se imaginou que geraria muitas variações na
tradição. Tal modelo não explica a boa coerência do Novo Testamento. O segundo modelo é o da “transmissão formal e controlada”
que é realizada pelos rabinos, sheiks e cristãos do Oriente: a tradição é decorada com exatidão e com volume tal que livros inteiros
como o Corão, são guardados na mente, com fidelidade. O terceiro modo, proposto por Bailey, é a “transmissão informal
controlada” onde o controle vem de diversos fatores, tais como antiguidade, contato com os pioneiros, etc. Esta última é a que se
aplica aos Apóstolos de Jesus.

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logou, oi` avpV avrch/j auvto,ptai kai. u`phre,tai geno,menoi tou/ lo,gou. Ou seja, não são dois grupos distintos
que são consultados, mas um único grupo com duas qualificações simultâneas: (i) eles foram testemunhas
oculares e (ii) eles agora pregam a palavra.
Ou seja, Lucas consultou os “intérpretes oficiais” da tradição cristã e não pegou nada de segunda ou
terceira mão.
Foram as histórias e ensinos de Jesus, narrados por seus intérpretes oficiais (Lc 1.1-4; 2Pe 1.16-18), que
foram colocados em forma escrita nos Evangelhos.
As tradições orais, formadas à partir destas testemunhas, circularam nas antigas comunidades cristãs, a
ponto de palavras aramaicas com “Aba”55 e palavras hebraicas como “amém”56 e “aleluia”57 poderem ser
lidas e compreendidas por comunidades não exclusivamente judaicas do mundo antigo.58
A grande fonte destas tradições foram os próprios apóstolos e todas as testemunhas oculares dos eventos
relatados. Paulo chega a falar de 500 testemunhas da ressurreição que viram a Jesus ressurreto em um
único evento (1Co 15.6).
Desta forma, antes de iniciar a redação dos livros do Novo Testamento, estas histórias de Jesus já eram
contadas e repetidas pela igreja em todo o mundo. Os evangelistas não estavam livres para “criar e contar
o que quisessem” pois havia muita gente viva que poderia dizer: “Eu estava lá e não foi assim que
ocorreu!” Por outro lado, seu relato é tão seguro e sóbrio que não ocorreu na igreja apostólica, uma
tentativa de “corrigir” qualquer evangelho. O testemunho era verdadeiro e foi acolhido como tal.
“Quando lerdes, podeis compreender...”59
Como diz Lucas no prólogo do seu evangelho (Lc 1.1-4), os evangelhos foram redigidos por testemunhas
oculares ou com as informações obtidas destas pessoas. Lucas diz que muitos já haviam escrito obras
sobre Jesus antes dele. Se ele falou de muitos, não devemos supor que o número era pequeno.
Também é errado supor que os cristão demoraram muito para colocar por escrito seus evangelhos.60 Este
é um antigo consenso que os fatos estão mostrando ser impossível de manter.
Quatro evangelhos foram deixados pelos antigos e aceitos pela igreja, logo no seu início: Mateus, Marcos,
Lucas e João.
A igreja classificou-os como: (i) Evangelho Sinóticos61 e (ii) O Quarto Evangelho.
Evangelhos Sinóticos Quarto Evangelho
Mt, Mc e Lc Jo
Evangelhos que contam a história de Jesus de O evangelho de João narra a história de Jesus de
uma ótica semelhante. Várias teorias tentam uma ótica diferente da dos outros três evangelhos.
explicar o relacionamento entre os três.

Claro que estes não foram os únicos evangelhos escritos na antiguidade, mas são os únicos que foram
reconhecidos, desde a mais antiga notícia, como autênticos guardiões da verdadeira história de Jesus.
Os chamados evangelhos apócrifos, em sua grande maioria, perderam-se na história.62 Os que foram
preservados, em um avaliação geral, mostram a falta de valor histórico e de inspiração divina. A igreja
não perdeu quase nada com a não conservação desta massa de literatura religiosa.

55
Mc 14.36 e Rm 8.15 – para as igrejas em Roma; Gl 4.6 – para as igrejas na Galácia.
56
Esta palavra ocorre em muitos textos: Rm 1.25; 9.5; 1Co 14.16; 2Co 1.20; Fp 4.20; 1Pe 4.11 etc. A maioria destes leitores é de
origem gentílica.
57
Ap 19.1, 3, 4, 6. – Os leitores originais eram da Ásia Menor.
58
Muitas outras palavras hebraicas e aramaicas entraram no vocabulário da igreja, por meio dos evangelhos.
59
Ef 3.4.
60
BITTENCOURT, B. P. A forma dos Evangelhos e a problemática dos Sinóticos. São Paulo: ASTE, 1969, p. 105-113,
apresenta razões para a demora e para a formação dos evangelhos – todas elas precisam ser questionadas, pois são construções
imaginárias da comunidade primitiva que as atuais pesquisas já podem questionar.
61
O primeiro a chamar os 3 primeiros evangelhos de Sinóticos foi J. J. Griesbach, no fim do Século XVIII. CARSON; MOO;
MORRIS, 1997, p. 19.
62
Listas de nomes destas obras encontram-se em OTERO, Aurelio de Santos. Los Evangelios Apocrifos. Madrid: Biblioteca de
Autores Cristianos, 1956, p.17-27. Este mesmo autor apresenta em sua obra cerca de 53 obras apócrifas. MORALDI, Luigi.
Evangelhos Apócrifos. São Paulo: Paulus, 1999, apresenta cerca de 13 obras. VIELHAUSER, Philipp. História da Literatura

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Alguns poucos deles, aparentemente, conseguiram guardar reminiscências verdadeiras e antigas. Por
outro lado, o que mais se nota neles é a dependência dos Evangelhos Canônicos (Mateus, Marcos, Lucas
e João), o desejo de “melhorar o evangelho ou de diminuir o escândalo da cruz”.63
Embora, hoje em dia esteja na moda dar mais crédito aos evangelhos apócrifos do que aos canônicos, tal
eleição não se faz com base na qualidade das obras, mas sim pelo desejo de “desconstruir” a história do
cristianismo.64
Evangelho e Evangelhos
O livros que contam a história de Jesus, receberam, unanimemente, na tradição, o nome de
“evangelhos”65, que vem do grego euangelion, euvagge,lion, que significa “boa notícia” ou “boa nova”.66
A razão do uso deste título é múltipla;
(i) Em primeiro lugar, a razão literária. Marcos usou o termo para dar nome ao seu livro (Mc 1.1). Se esta
primeira frase não era o nome do livro, pela proximidade do começo da obra, a palavra era uma ótima
candidata a ser o título da mesma, usando o princípio hebreu antigo de dar nome a um livro pelas
primeiras palavras que aparecem nele.67
(ii) Em segundo lugar, a força do personagem principal. Estes livros falavam da mesma pessoa que a
mensagem anunciada pelos evangelistas cristãos, ou seja, falava de Jesus. Se a mensagem e o livro tinham
o mesmo foco, deveriam ter o mesmo nome. Assim, o nome da proclamação, “o evangelho” também era
um nome adequado ao livro que falava do personagem desta proclamação: Jesus.
(iii) Em terceiro lugar, a influência da origem ou fonte do livro. Pelo que podemos inferir, as narrativas
dos evangelhos foram compostas à partir das pregações feitas sobre a pessoa de Jesus. Assim, se o livro
foi construído desta fonte, deve indicar, no seu título, esta origem.
Os Evangelhos Cristãos são quatro, testemunhando o único evangelho. Esta é a razão pela qual os antigos
títulos gregos dos evangelhos faziam questão de dizer Evangelho “segundo” este ou aquele autor. O
Evangelho era um só, mas sua exposição era quádrupla.
No passado, ocorreram poucas reações contra os quatro evangelhos. Uma reação, que não era exatamente
contrária a eles, mas que não aceitou sua pluralidade foi o esforço de Taciano, de fazer das quatro
narrativas, uma única narrativa contínua. Esta obra foi chamada de Diatessaron, do grego, Dia
Tessa,ron,68 que era um termo matemático-musical que significa “a harmonia de quarta”. Esta obra foi
muito popular, mas, em geral, a maior parte da igreja continuou com os quatro evangelhos.69
Os Evangelhos Sinóticos
Observando-se os Evangelhos Sinóticos, percebemos os seguintes fatos:
1. Marcos é o menor dos três. Veja a tabela:70
Mt Mc Lc
Versos 1068 661 1149
Palavras 18.293 11.025 19.376

Cristã Primitiva: Introdução ao Novo Testamento, aos Apócrifos e aos Pais Apostólicos. Santo André: Academia Cristã, 2005,
apresenta cerca de 9 grupos de evangelhos apócrifos.
63
BORCHERT, Otto. O Jesus Histórico. São Paulo: Ed. Vida Nova, 1985, p. 74-82 faz uma excelente demonstração do espírito
que motiva os apócrifos, que é bem diferente do Espírito dos Evangelhos Bíblicos.
64
Uma obra que desmascara esta questão é WRIGHT, Tom. Judas e o Evangelho de Jesus. São Paulo: Loyola, 2008. O trabalho é
excelente e desmascara toda a grande agitação marqueteira provocada pelo lançamento do livro “O Evangelho de Judas” pela
National Geographic em 2006.
65
Justino Mártir, Apologia 67.3, usa o termo “memórias” do grego apomnemoneumata, avpomnemoneu,mata. Mas em Apologia 66 ele
as chama de “evangelhos”.
66
No grego pagão antigo, a palavra significava o pagamento que se dá a quem dá uma boa notícia, mas o uso do Novo Testamento é
apenas o sentido de que a mensagem de Jesus é uma boa notícia por trazer salvação e esperança.
67
É assim que se nomearam os livros da Torá.
68
Parece que o título original completo seria: “O Evangelho de Jesus Cristo por meio dos quatro [evangelhos/evangelistas]”.
STENNING, John F. Diatessaron In: HASTINGS, James. A Dicionary of the Bible: supplement. Peabody: Hendrickson, 1988, p.
451-461.
69
Dicionário Patrístico e de Antiguidades Cristãs. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 404.
70
WALLACE, Daniel B. The Synoptic Problem. Dallas: Biblical Studies Press, 1986, p. 4, disponível em http://www.bible.org
acessado em 19 dez. 2007. LÄPLE, Alfred. Bíblia: Interpretação atualizada e catequese: vol 4 – O Novo Testamento 2. São
Paulo, Paulinas [Paulus], 1980, p. 82-85.

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71

2. Dos 661 versos de Marcos,


600 são reproduzidos por Mateus.72
350 são reproduzidos por Lucas.73

74

3. Mateus omite menos que 10% do material de Marcos; Lucas omite cerca de 45% de Marcos.75
4. Quase nunca Mateus e Lucas concordam contra Marcos: normalmente, Marcos fica no grupo da
“maioria”. Ou seja: em pequenos detalhes, temos sempre Mateus+Marcos contra Lucas ou Lucas+Marcos
contra Mateus. Estes detalhes são coisas simples como uso de artigos, adjetivos, palavras ou tempos
verbais, nada sobre uma “mudança de história”.
5. Mateus e Lucas tem 235 versos, que não estão em Marcos, nos quais eles concordam substancialmente.
6. Mateus tem de 300 a 350 versos que são somente seus.76
7. Lucas também tem quase 600 versos somente seus, que não encontram paralelo nem em Marcos nem
em Mateus.77
8. Apesar de Marcos ser o menor evangelho, suas histórias individuais ou perícopes, são, geralmente,
maiores do que as de Mateus e Lucas.
Estes são os principais dados sobre o relacionamento dos Evangelho Sinóticos. Há várias teorias tentando
explicar este fenômeno. Elas tentam explicar não somente a forma atual destas obras, mas também a
origem e o relacionamento deles.78

71
Figura de LÄPPLE, vol 4, 1978, p. 83.
72
MIRANDA, 1989, P. 50, diz que Mateus condesou 606 versos de Marcos em 500 dos seus versos.
73
Logo, estes 350 versos são comuns aos três Sinóticos.
74
Figura de LÄPPLE, vol 4, 1978, p. 84.
75
BITTENCOURT, 1969, p. 135.
76
O número não é a simples subtração de 1068-600-235=233 por que os cerca de 600 versos de Marcos tornam-se 500 em Mateus,
assim a conta seria: 1068-500-235=333
77
MIRANDA, 1989, p. 51.
78
Para uma visão de relance de todas as possibilidades, veja CARSON; MOO; MORRIS; 1997, p.31-43. Para uma boa discussão
mais enxuta: HÖRSTER, 1993, p. 13-21. Também TOGNINI; BENTES, 1992, p. 69-73; BITTENCOURT, B. P., 1969, p. 113-167.

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A teoria mais popular é a chamada “Teoria das Quatro Fontes”, que afirma que os chamados Evangelhos
Sinóticos relacionam-se uns com os outros conforme o quadro abaixo:

Marcos Fonte Q
[hipotética]

Fonte M Fonte L
[hipotética] [hipotética]

Mateus Lucas

Este quadro representa a seguinte história:


1. Marcos teria sido o primeiro dos evangelhos sinóticos a ser escrito.
Esta hipótese baseia-se no fato que Mateus e Lucas parecem ter conhecido e usado Marcos como “matéria
prima” inicial para escrever suas obras.
Quase tudo que está em Marcos, também está em Mateus e Lucas. Lucas até afirmou que usou obras
anteriormente escritas para escrever a sua (Lc 1.1-4).
2. Outro documento escrito que devia circular na igreja antiga é o hipotético “Documento Q”.
Este documento deveria ter um conteúdo que pode ser descoberto pela seguinte operação: todo material
que está tanto em Mateus como em Lucas, mas não está em Marcos.
Este é um modo muito simplificado de explicar este documento, mas ajuda o leitor entender a razão pela
qual os estudiosos supuseram a existência desta obra. Os eles repararam que Mateus e Lucas
concordavam quase “palavra por palavra” em certos textos que não vinham do Evangelho de Marcos. Isto
fez com que eles imaginassem que havia uma obra que os dois usaram para escrever as suas. [O texto
comum de Mateus e Lucas são 235 versos].
Se este documento era escrito ou apenas uma tradição oral bem assentada, não se pode chegar a uma
conclusão definitiva.79
3. As matérias que estão apenas no Evangelho de Mateus foram atribuídas a uma “Fonte M”.80
Ela seria uma fonte exclusiva de Mateus, pois não aparecem nem em Marcos e nem em Mateus. Por
exemplo, as narrativas dos dois capítulos iniciais de Mateus são exclusivos dele. Na verdade, não é
necessário imaginar que fosse uma fonte única e nem que tivesse forma escrita.
4. Da mesma forma, a “Fonte L” representa materiais exclusivos de Lucas.81
Lucas poderia ter obtido estas informações de fontes escritas ou de entrevistas orais que ele afirma ter
feito no prólogo de seu evangelho (Lc 1.1-4). Por exemplo, as informações dos dois primeiros capítulos
de Lucas, sobre o nascimento de João, de Jesus e a infância de Jesus, são exclusivos de Lucas. O Terceiro

79
CERFAUX, 1972, P. 41: “florilégio oral ou escrito utilizado pelos evangelhos de Mateus e de Lucas”. MIRANDA, 1989, p. 53: “
se é que tal documento existiu”. BITTENCOURT, 1969, p. 146-152, trata Q como documento escrito. LOHSE, 1985, p. 135-137,
discute a possibilidade de Q ser oral ou escrito e opta pela última. CARSON; MOO; MORRIS, 1997, p. 41, admite a possibilidade
de Q ser parte escrita e parte oral.
80
BITTENCOURT, 1969, p. 156-157.
81
BITTENCOURT, 1969, p.151-155.

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Evangelista também adiciona grandes blocos de material, que estudaremos adiante, que não tem paralelo
em nenhum outro evangelho.
As quatro fontes para nossos Evangelhos Sinóticos são: Marcos, Q, M e L. Sendo que Marcos além de ser
uma das fontes de Mateus e Lucas, é também um evangelho canônico com eles.
*****
Esta teoria não é aceita por todos, mas representa uma das melhores explicações para os evangelhos
sinóticos. Algumas questões precisam ser resolvidas:
(1) Se Marcos foi o primeiro a ser escrito, por que Mateus é o primeiro evangelho nas nossas
Bíblias?
Resposta: A razão de Mateus ser o primeiro evangelho deve-se a muitos fatores que nada têm a ver com a
história de sua redação. Mateus começava com uma genealogia do Velho Testamento, que fazia dele uma
obra adequada para iniciar o Novo Testamento, ligando-o com o Velho. Além disto, Mateus era o único
evangelho que cita a palavra “igreja” e era o mais usado pela igreja antiga. Isto deu-lhe certa
proeminência. Mais uma razão da prioridade de Mateus é o fato de ter sido escrito por um apóstolo,
diferentemente de Marcos e Lucas. Esta preferencia pelos apóstolos fez com que certos manuscritos
antigos usassem os evangelhos na seguinte ordem Mateus, João antes de Lucas e Marcos.82
(2) Será que um apóstolo como Mateus, testemunha ocular dos eventos do evangelho, usaria os
relatos de Marcos para escrever seu evangelho, sendo que Marcos nem era apóstolo?
Resposta: Marcos não era apóstolo, mas, pela tradição, escreveu os discursos de Pedro. Além disto,
parece que Marcos escreveu o evangelho como uma espécie de novo gênero literário. Assim, Mateus,
mesmo sendo um apóstolo e uma testemunha ocular, não tinha pretensões de originalidade ou de afirmar
seu “estilo próprio”. Com toda a humildade, usou o Evangelho de Marcos, adaptando-o e aumentando seu
conteúdo para uso das igrejas que ele servia. O costume de usar os materiais de outros ou da igreja era
comum. O próprio Paulo cita, muitas vezes, textos tradicionais da igreja antiga. Hoje, quando lemos, nem
sempre percebermos que aquilo que Paulo está falando, veio de outros autores.
(3) Por que o Evangelho de João não entrou nesta teoria?
Resposta: João escreveu com propósitos diferentes e, ao que parece, deliberadamente evitando os temas e
histórias já descritas nos outros evangelhos. Por isto, os estudiosos dividem os evangelhos em dois
grupos: a) Os Evangelhos Sinóticos e b) o Quarto Evangelho.
(4) Por que temos que ter ou pensar em uma teoria sobre o relacionamento dos evangelhos? Não
podemos simplesmente usar os quatro sem pensar em como eles se relacionam?
Sim, podemos esquecer estas teorias se conseguíssemos ler um evangelho sem pensar nos outros. Quando
lemos um evangelho e comparamos ou completamos ou até contrastamos com o outro, estamos,
conscientemente ou não, com alguma “teoria” de relacionamento na cabeça. Portanto, é melhor que esta
teoria seja pensada e ponderada, para não se adotar “soluções” de momento que, mais tarde, se mostram
prejudiciais contra os evangelhos. O fato verdadeiro é que todos, conscientes ou não, tem uma teoria de
relacionamento dos evangelhos e fazem suas leituras de acordo com elas. Nosso esforço é que esta teoria
seja pensada e pesada.
(5) Por que os quatro evangelhos são anônimos?
Certamente, esta é uma questão cuja resposta absoluta só teremos quando encontrarmos Mateus, Marcos,
Lucas e João, na ressurreição! Mas, podemos e devemos arriscar alguns palpites. (i) Boa parte do
anonimato dos Evangelhos segue a linha do anonimato dos livros históricos do Velho Testamento: não
importa o autor, mas a obra – não o escritor, mas o personagem principal. No caso dos Evangelhos, Jesus
não deixa dúvidas sobre quem é o protagonista. (ii) Em segundo lugar, estes evangelhos foram escritos
por homens humildes, que não se julgavam dignos de “levar as sandálias” de seu Mestre – quanto menos
ter seus nomes na narrativa do evangelho – a modéstia dos autores deve ser uma das grandes razões do
anonimato. (iii) Em terceiro lugar, é bom lembrar que estes evangelhos não foram escritos “num vácuo”,
mas sim, dentro de e para comunidades: todo mundo sabia que aqueles livros tinham sido escritos por tal
ou qual autor – é interessante notar que os evangelhos falsificados, apócrifos, todos tem um grande

82
O Codex Beza (Séc. V), Codex W, Washington (Séc. IV/V) e Codex X, Monacensis (Séc. X) têm a ordem: Mt, Jo, Lc e Mc. O
Codex Claramontano (Séc. VI) tem a seguinte ordem: Mt, Jo, Mc e Lc. Todos estes seguem a “Ordem Ocidental”, que coloca os
apóstolos antes dos não-apóstolos.

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cuidado de apresentar (falsamente), o nome do suposto apóstolo autor.83 Os Evangelhos autênticos foram
reconhecidos em sua época, pois a igreja e os escritores se conheciam e a obra recebeu o título depois,
sem qualquer dificuldade de lembrar quem escreveu o que.
As diferenças entre os evangelhos
O estudo da chamada “Crítica das Fontes” para os Evangelhos Sinóticos propõe teorias tais como a teoria
das quatro fontes descrita acima. Contudo, o estudo chamado “Crítica da Redação” associada à “Crítica
Literária” tem nos ajudado muito a entender as particularidades de cada um dos evangelhos e aprender a
apreciar melhor a mensagem deles.
Assumir uma teoria de relacionamento dos evangelhos ajuda a pensar nas modificações e ênfases de cada
texto, em relação aos “textos de origem”.
Por outro lado, mesmo sem assumir necessariamente uma das teorias, as comparações entre os
evangelhos são úteis e elucidativas.
Mateus está constantemente "polindo" o estilo de Marcos que é um pouco mais rude e direto. Mateus é
mais bonito e quase sempre abrevia Marcos. Ocasionalmente, Mateus omite completamente detalhes de
Marcos, pois este é dado a detalhamentos aparentemente desnecessários.
Mateus, muitas vezes em seu evangelho, “limpa a cena”, ou seja, foca apenas em Jesus e mais uma
pessoa. Por exemplo, na cura da sogra de Pedro, o evangelho de Marcos fala de muita gente, mas no
evangelho de Mateus tudo fica entre a sogra de Pedro e Jesus – as outras pessoas “somem” da cena.
Mateus faz isto constantemente.
Lucas, geralmente fiel a Marcos, também resume e traduz suas expressões para o seu público gentílico.
Lucas geralmente segue mais a ordem de Marcos do que Mateus. Lucas acrescenta grandes blocos de
material, mas dentro da ordem de Marcos.
Cada escritor segue seu estilo. Marcos tem seu estilo rude e vivo. Mateus tem estilo polido e cuidadoso.
Lucas é o mais literário. Vale a pena, a cada narrativa, contrastar os evangelistas para poder ver, nas
diferenças entre eles, possíveis tônicas e ênfases.

83
Devo esta ideia a Bruce, citado por CARSON, D. A., O Comentário de João. São Paulo: Shedd Publicações, 2007, p. 69.

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====================================================================
HIPÓTESE DE MATEUS COMPILADOR84
Teoria de relacionamento entre os
Q evangelhos sinóticos: “Hipótese de Mateus
Compilador” de Alan Garrow [Streeter's
'Other' Synoptic Solution: The Matthew
Conflator Hypothesis] apresenta uma antiga
teoria com novas bases e com novos fatos. 85

Mc Em linhas gerais, a teoria ou hipótese é que


Mateus consultou não somente Marcos e a
hipotética fonte “Q”, mas também o
evangelho de Lucas.
Lc
Esta hipótese explica bem todos os
fenômenos observados na redação dos
evangelhos sinóticos, bem como as pequenas
concordâncias de Mateus e Lucas, contra
Mt Marcos. Entre outras coisas, esta hipótese
explica os seguintes fatos.
A maior concordância na preservação das palavras de Jesus entre Mateus e Lucas do que entre os três
sinóticos.
• A concordância na transmissão das palavras de Jesus na chamada “Triplice Tradição”, Mateus,
Marcos e Lucas, é de 10%.
• A concordância na transmissão das palavras de Jesus na chamada “Tradição Dupla”, Mateus e
Lucas (com Q), é de 38%.
Esta maior concordância poderia ser explicada por consulta mútua de Mateus e Lucas. Marcos não teria
participado desta “compilação”.
Contudo, surge a questão. Será que podemos explicar melhor estes dois fenômenos?
Um modo de ver quem é o compilador é observar a fidelidade de cópia de cada evangelista:
Lucas não parece ser o copista que faz a compilação, pois copiaria diferentemente Mateus e Marcos:
• Lucas é 23% fiel a Marcos nas palavras de Jesus;
• Mas se está copiando Mateus, é 38% fiel, nas palavras de Jesus.
Mas no caso de Mateus, a coerência prova que ele copia, tanto Marcos como Lucas.
• Mateus é 38% fiel a Lucas, nas palavras de Jesus;
• Mateus é 36% fiel a Marcos, nas palavras de Jesus.
Logo, Mateus copiou Lucas com o mesmo cuidado que copiou Marcos. É por conta de Lucas que os
Sinóticos tem uma concordância geral de apenas 10%.
Outra hipótese que corrobora e explica os fenômenos desta Hipótese de Mateus Compilador é observado
ao aplicarmos o conhecimento das duas “tipologias” ou “tipos” de escribas da antiguidade. Alan Garrow
fala de uma escola de escribas que faz o uso de “Rolos” e uma escola de escriba que faz uso de
“Códices”. Para simplificar, vamos falar de “Usuários de Rolos” e de “Usuários de Códices”.
As diferenças entre eles seriam as da tabela abaixo:

84
Preferi usar “compilador” do que “conflator”, usado em inglês pelos estudiosos, pelo fato do vocábulo “conflator” em português
estar ligado a erros de associação “a falácia lógica de tratamento de dois conceitos distintos, como se fossem um”
(http://creationwiki.org/pt/Falácia_lógica) ou “o erro gramatical e/ou lingüístico que consiste em misturar frases ou sentenças
(geralmente, ditados populares), gerando uma corruptela de frases longas ou sem sentido aparente, distorcendo totalmente o
significado das frases utilizadas” (https://pt.wikipedia.org/wiki/Conflação).
85
A discussão ainda em estado provisório, está disponível, em inglês, em vídeos. GARROW, Alan. Streeter's 'Other' Synoptic
Solution: The Matthew Conflator Hypothesis. Disponível em http://www.alangarrow.com/mch.html acessada em 30 jan 2016.

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Usuários de Rolos Usuários de Códices


(i) usa paráfrase antes de copias verbatim; (i) cópias verbatim;
(ii) raramente muda a ordem que encontra da fonte; (ii) Muda a ordem das fontes radicalmente;
(iii) troca de fontes não frequentemente; (iii) troca de fontes frequentemente;
(iv) Exemplo: Josefo. (iv) Exemplo: Taciano.

Aplicando aos evangelistas Mateus e Lucas temos:


O uso de Marcos por LUCAS O uso de Marcos por MATEUS
(i) Usa a paráfrase ao invés da cópia verbatim (i) Copia verbatim extensivamente
(ii) Raramente muda a ordem de sua fonte (ii) Muda a ordem da fonte radicalmente
(iii) Pula de fontes com pouca frequência (iii) Pula entre as fontes frequentemente
[usa grandes blocos sem alterar]. [mistura materiais entre os blocos]
LUCAS é um típico usuário de rolos… MATEUS é um típico usuário de códices...

Quando se compara estes hábitos de Lucas e de Mateus, observa-se que este comportamento explica bem
os fenômenos observados se Mateus for o compilador de Marcos, Lucas e Q. Contudo, Lucas não poderia
ter esta posição de compilador pois seu tratamento como “usuário de Rolos” não explicaria os fatos dos
Sinóticos.

A hipótese de que Lucas teria usado Marcos e Mateus não é consistente, pois Lucas usa Marcos como
“usuário de rolos”, mas não estaria usando Mateus desta forma. Ele não tira blocos de matérias de
Mateus. O Sermão do Monte não é tratado assim em Lucas. Logo, Lucas não se encaixaria no modelo.

A hipótese dos dois documentos (Mc e Q sendo usados por Mt e Lc, sem que estes usassem um ao outro)
Não é consistente, por causa de Lucas. Mateus usa Q como usa Marcos: ele se comporta como “usuário
de códices”. Ele altera a ordem, ele pula de fontes e faz cópias verbatim etc. Ele é um “usuário de
códices”. O problema da hipótese dos dois documentos é Lucas: ele usa Marcos como “usuário de rolos”,
mas não usa Q desta forma. A “Hipótese de Mateus Compilador” é a que explica tudo. Mateus sempre
trabalha como “usuário de códices” e Lucas sempre trabalha como “usuário de rolos”.

A “Hipótese de Mateus Compilador” explica as pequenas e poucas concordâncias de Lucas e Mateus


contra Marcos. A pergunta é: se ele conheceu Lucas, por que omitiu tantas narrativas? A resposta
absoluta é impossível dada a ausência do autor, Mateus, contudo, pode-se perceber que ele omite temas e
textos que poderiam ser ofensivos a Jesus. Omite temas que não são, por algum motivo, de seu interesse
(crítica aos ricos, samaritanos, mulheres, figurações de Deus etc.). Também omite textos que julga
repetitivos. De qualquer forma, a “Hipótese de Mateus Compilador” explica com boa razoabilidade,
muitos fenômenos dos Evangelhos Sinóticos.
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MATEUS
INTRODUÇÃO
Mateus é o “Evangelho Eclesiástico” por excelência. Dentre os evangelhos só ele cita a palavra “igreja”.
A preferência da igreja por ele fez com que ocupasse o primeiro lugar no Novo Testamento, até mesmo
antes de Marcos, o primeiro evangelho a ser escrito.
Mateus foi escrito para uma comunidade de cristãos de cultura judaica que estava profundamente
engajados na missão de pregar o evangelho aos gentios.
Por causa deste objetivo ministerial e missionário, neste evangelho os ensinos sobre Jesus e a igreja,
tornam-se claros e práticos.
O livro é claramente organizado em torno de cinco grandes discursos de Jesus de forma a servir
perfeitamente como um “Manual de Instrução de Novos-Convertidos”, cumprindo o plano de Jesus que
finaliza a obra: “... ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado ...” (Mt 28.20).
DISCUSSÃO
O evangelho de Mateus tem sido datado ao redor do ano 70 d.C., pois é evidente, pelas evidências
internas da obra, que Jerusalém ainda não foi destruída. Por outro lado, estudos recentes, mostram que é
muitíssimo possível que a obra seja já estivesse escrita cerca do ano 50 d.C. O papiro 64 (p64)
anteriormente datado ao redor do ano 200 AD,86 agora está sendo datado ao redor do ano 50 AD.87
Tradicionalmente a autoria é atribuída a Mateus ou Levi, um dos doze apóstolos de Jesus. A tradição de
que teria sido escrito em hebraico ou aramaico carece de fundamento, embora ainda seja amplamente
discutida.88 Baseia-se numa informação equivocada de um escritor antigo chamado Pápias, citado por
Eusébio de Cesareia89. O grego do livro é excelente e não mostra sinais grosseiros de tradução. Suas
citações do Velho Testamento vem, ora da Septuaginta e ora de algumas versões semíticas. Isto quer dizer
que a obra não vem de um original aramaico, pois por qual motivo o tradutor optaria, ora por traduzir por
meio da “versão padrão” que seria a Septuaginta e ora usar uma “tradução livre”?
Uma teoria muito aceita, afirma que Mateus usou o evangelho de Marcos ao escrever o seu. Ele abreviou
as narrativas de Marcos para adicionar os grandes discursos de Jesus e outras narrativas ausentes em
Marcos.90
Ainda hoje, também há aqueles que defendem a prioridade de Mateus e explicam o fenômeno dos
Evangelhos Sinóticos por outros mecanismos que não as teorias das “Quatro Fontes” ou outras.
Como um evangelho, o livro trata da vida de Jesus desde o nascimento até a ressurreição. A destruição de
Jerusalém é profetizada na obra, mas não há sinais de que ela já tivesse ocorrido na época. O evangelho
pressupõe que a igreja receptora da obra era uma igreja de origem judaica, mas engajada em um grande
trabalho missionário até mesmo entre os gentios. Conforme já enfatizado, o livro é um “manual da igreja”
ou uma “cartilha para neófitos”.
Neste evangelho, Jesus é Emanuel, “Deus Conosco” (1.23), pois sua divindade é afirmada e sua presença
entre os homens garantida, não apenas nos dias de sua encarnação, mas (i) nas reuniões de Cristãos ele se
faz “Deus Conosco” (Mt 18.20) e também (ii) no trabalho missionário evangelístico, ele prometeu ser
“Deus Conosco” até os fins dos tempos (Mt 28.20).
Mateus é o evangelho eclesiástico por excelência! Menciona a palavra igreja três vezes (16.18; 18.17) e
tornou-se o evangelho predileto para leitura e ensino na igreja antiga. Nenhum outro evangelho usa a
palavra igreja.

86
Por exemplo no O Novo Testamento Grego: quarta edição revisada. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, Stuttgart: Sociedade
Bíblica Alemã, 2007, p. xvii.
87
THIEDE; D’ANCONA, 1996, p. 18, 24, 37, 173,
88
CARSON; MOO; MORRIS, 1997, p. 75-76.
89
Eusébio, História Eclesiástica III.39.1-7.
90
Comento, a título de curiosidade, a obra de HADDAD, Victor. Jesus em Mateus. Aparecida: Editora Santuário, 1985: esta obra
propõe a teoria que Mateus é o resultado da junção e edição de três livretos: (i) o evangelho original, (ii) o evangelho anexado e (iii)
o evangelho ou a primeira boa nova. Embora a obra não tenha recebido muita atenção ou apoio erudito, representa um ponto de vista
oriental, não europeu, para o Evangelho de Mateus. Vale a pena observar suas teorias.

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O evangelho e a mensagem de Jesus são apresentados como a o Cumprimento da Lei e a Nova Lei. O
judaísmo deste evangelho é sempre reconhecido por todos. Ele não precisa explica os costumes, as leis e a
cultura judaica.
Note, contudo, que apesar da igreja para a qual Mateus escreveu seu evangelho tinha fortes raízes
judaicas, era uma igreja missionária e visava os gentios. Não eram cristãos judeus fechados em sua etnia e
costumes, mas, sim, uma igreja cônscia de sua bela herança israelita, disposta a compartilhas as bênçãos
de Abraão com todos os gentios. Há grande ênfase no cumprimento de profecias do Velho Testamento.
Esta ênfase precisa ser lida corretamente: a igreja não é a comunidade que abandonou o Velho
Testamento, mas, sim, a única comunidade, que por seguir Jesus, consegue seguir o Velho Testamento.
O evangelho de Mateus, por seu arranjo em tópicos, se presta para o preparo de candidatos ao batismo e
para o ensino de neófitos. Mateus pode ser entendido como um “Manual para Novos Convertidos”. É
muito interessante notar que o Didaquê, um primitivo manual de catecúmenos do Segundo Século usa
bastante o evangelho de Mateus.
O alvo deste evangelho é apresentar Jesus como o Rei-Messias de Israel, Salvador de todos os povos.
Como reedição do evangelho de Marcos, Mateus pretendia que sua obra se adaptasse à pregação aos
gentios, à polêmica com os judeus e às necessidades de ensino na igreja antiga. Como bem observou certo
estudioso de Mateus, o princípio orientador que Mateus utilizou para fazer sua “Versão Revista e
Atualizada do Evangelho Romano de Marcos”, foi oferecer um compêndio completo e organizado dos
mandamentos do Senhor.91 E arriscaríamos dizer que, juntamente com este “compêndio de
mandamentos”, Mateus desejava caracterizar Jesus como o Messias, o Rei e o Senhor, com todas as
narrativas que circundam os mandamentos.
Um esboço do Evangelho de Mateus tem que ressaltar a composição em torno dos 5 grandes discursos,
como se fossem os novos 5 livros da Torá ou os novos 5 livros do Salmos. Cada livro é encerrado com os
discursos de Jesus e a uma “fórmula” que sinaliza algo como “Jesus terminou de falar estas coisas...”
(7.28; 11.1; 13.53; 19.1; 26.1).92
Todos os discursos terminam com a ideia de juízo. A visão do fim de todas as coisas percorre todo o
ensino de Jesus. Todos os discursos foram proferidos para os discípulos. Pode-se observar que os
discursos estão organizados em resposta aos contextos em que se encontram, de modo que a ordem segue
uma progressão lógica e única que descreveremos nos parágrafos depois da tabela abaixo.

Prólogo 1.1—2.23 1.1-17 Genealogia


1.18—2.23 Narrativa: Nascimento, fuga e retorno
Livro I 3.1—7.29 3.1—4.25 Narrativa: Inicio do ministério
5.1—7.27 Sermão: Sermão para os discípulos
7.28-29 Fórmula final:
Livro II 8.1—11.1 8.1—9.35 Narrativa: 10 “milagres”
9.36—10.42 Sermão: Sermão da missão
11.1 Fórmula final:
Livro III 11.2—13.53 11.2—12.50 Narrativa: Controvérsias
13.1-52 Sermão: Sermão das Parábolas
13.53 Fórmula final:
Livro IV 13.54—19.1 13.54—17.21 Narrativa: Incredulidade e fé
17.22—18.35 Sermão: Sermão da Igreja
19.1 Fórmula final:
Livro V 19.2—26.1 19.2—22.46 Narrativa: Reinado e rejeição
23.1—25.46 Sermão: Sermão de julgamento
26.1 Fórmula final:
Clímax 26.2—28.20 26.1-16 Prenúncios da paixão
26.17—27.66 Narrativa da prisão e morte
28.1-20 Narrativa da ressurreição

91
BACON, Benjamin W. Studies In Matthew. London: Constable & Co. LTD, 1930, p. 81.
92
Sigo de perto DAVIES, W. D. The Setting of the Sermon on the Mount. Cambridge: Cambridge University Press, 1966, p. 14-
15.

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O prólogo de Mateus apresenta a genealogia de Jesus dividia em 3 grupos de 14 nomes (Mt 1.17). O
número 14 foi escolhido por ser o número resultante da soma das letras hebraicas do nome de Davi: dwd
= Dawid, onde d = 4 e w = 6, logo temos:
d(4) + w(6) + d(4) = 14
Este recurso quer afirmar que Jesus é o Grande e Maior Davi, pois se de Abrão até Davi Deus levou 14
gerações e depois de 14 gerações a família de Davi perdeu o reino, pois ocorreu o exílio, agora, 14
gerações depois, Deus está providenciando, de novo, o novo rei ungido, o Cristo Jesus.
Repare que Mateus, apesar de seguir Marcos, ocasionalmente, agrupa os materiais marcanos para
sistematizar seu ensino sobre Jesus.
Em Mateus 5-7, o Sermão do Monte caracteriza Jesus como Messias, por meio do discurso. Depois disto,
nos capítulos 8-9, ele agrupa 10 milagres e atos de Jesus para caracterizar como Messias pelos atos
maravilhosos.93
Depois disto, ele passa à missão, por palavras (Mt 10) e por atos (Mt 11-12), mas nesta, recebe muita
oposição e percebe como os ouvintes se recusam à mensagem do Messias.
Logo, ele muda o discurso, usando as Parábolas como meio de ocultar sua mensagem dos não
comprometidos ao mesmo tempo que ensinava seus discípulos (Mt 13).
Segue, então um período de ambivalentes resultados: os discípulos crescem na fé e os opositores
aumentam a descrença (Mt 13.54-17.27). Neste ponto, Pedro faz sua confissão que substancia a fé de
todos os discípulos.
Logo, Jesus está pronto para ensinar sobre a igreja, a comunidade dos que o confessam como Cristo (Mt
18). E começa sua caminhada para Jerusalém onde ele se revela como Rei e, ao mesmo tempo, os debates
e polêmicas vão aumentando a um ponto que parece não haver arrependimento.
Neste momento, Jesus faz um longo discurso profético, primeiro contra os líderes religiosos da nação (Mt
23) e depois contra o templo e a cidade de Jerusalém, anunciando também, o fim de todas as coisas (Mt
24-25).
O evangelho termina com as narrativas mais famosas do Evangelho, ou seja, a narrativa que vai da ceia
do Senhor até a ressurreição (Mt 26-28).
A confissão de Pedro assume, neste evangelho, sua forma mais plena e explícita. Também os títulos
atribuídos a Jesus indicam claramente sua divindade e caráter messiânico. O debate com os que negam a
Jesus tal posição percorre toda a obra. O alvo de Mateus não era escrever biografia, mas escrever o
sentido teológico da vida, morte, ressurreição, atos e discursos de Jesus apresentando-o como o Cristo.

93
MURPHY-O’CONNOR, Jerome. Milagres em Mateus. São Paulo: Paulinas, 1973, p. 13.

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ESTUDO DOS SERMÕES DE MATEUS


O DISCÍPULO
[Mateus 5-7]
I. O CARÁTER [5.1-16] A. Não julgar: [não ser juiz]
A. Natureza: B. Julgar: [não ser sem juízo]
As bem-aventuranças = o caráter de Cristo; VI. O ENCORAJAMENTO [7.7-11]
As recompensas = comunhão com Deus. A oração torna tudo possível e disponível
B. Propósito: VII. O RESUMO [7.12]
Ser sal e luz = a missão de Cristo. Regra de ouro:
II. O COMPORTAMENTO [5.17-48] O comportamento do amor de Jesus
A. Exceder [os comportamentos “certos”] VIII. AS ALTERNATIVAS [7.13-28]
B. Imitar Jesus [agir como Cristo] A. Dois caminhos
III. A DEVOÇÃO [6.1-18] estreito, vida - largo, morte
A. Secreto B. Duas árvores
B. Deus como Pai boa - má
C. Disciplina [Esmola, Oração, Jejum]. [pelo fruto se conhece a árvore,
IV. OS VALORES [6.19-34] pela obediência se conhece o profeta].
A. Riqueza: não buscar. C. Dois fundamentos
B. Pobreza: não se preocupar obedecer - desobedecer
V. O DISCERNIMENTO [7.1-6]

A MISSÃO
[Mateus 9.35-11.1]
I. A NECESSIDADE DA MISSÃO [9.35-38] O tempo é curto e o trabalho urgente.
O mundo carente de Deus V. OS ESTÍMULOS DA MISSÃO [10.24-33]
A “seara” de Deus Proteção e vida eterna
II. OS OBREIROS DA MISSÃO [10.1-4] Não temais! Não temais! Não temais!
Chamados e equipados. VI. AS DIFICULDADES DA MISSÃO [10.34-
Poucos, mas dispostos a aprender e praticar. 39]
III. AS INSTRUÇÕES PARA A MISSÃO Pressão externa e disciplina interna.
[10.5-15] Só com a segunda se vence a primeira.
Proclamação do evangelho a pessoas dispostas a VII. AS RECOMPENSAS DA MISSÃO
ouvir e cooperar com ele. [10.40-42]
Preocupar-se com a missão e não com a Agradar a Deus e ser recompensado
provisão. Para Deus, participar e apoiar é igual a realizar.
IV. OS CONSELHOS PARA A MISSÃO VIII. O MODELO DA MISSÃO [11.1]
[10.16-23] “Deus tinha um único Filho,
Haverá inimigos e oposição e fez dele um missionário”

O REINO
[Mateus 13.1-52]
I. A PARÁBOLA DO SEMEADOR: V. A PARÁBOLA DO TESOURO:
[1-23] A PROCLAMAÇÃO [44] A GRAÇA PRECIOSA
O Reino proclama a Palavra de Deus para vários O Reino é um “achado”, um presente de Deus.
tipos de coração. VI. A PARÁBOLA DA PÉROLA:
II. A PARÁBOLA DO JOIO NO TRIGO: [45-46] A GRAÇA ENCONTRADA
[24-30, 34-43] A REALIDADE O Reino é o alvo de uma vida inteira: ele custa e
O Reino vive no mundo de pecado: a separação vale tudo o que temos e somos.
definitiva só ocorre no fim. VII. A PARÁBOLA DA REDE:
III. A PARÁBOLA DA MOSTARDA: [47-50] A SEPARAÇÃO
[31-32] A EXPANSÃO O Reino será separado do mundo no juízo final.
O Reino cresce à partir de pouco, mas o contraste VIII. A PARÁBOLA DO DEPÓSITO:
entre o início e o fim é grande. [51-52] O ENTENDIMENTO
IV. A PARÁBOLA DO FERMENTO: Entender o Reino é entender a antiguidade das
[33] A INFLUÊNCIA coisas novas e a novidade das coisas velhas: é
O Reino tem o poder de transformar, de entender as parábolas.
influenciar e mudar o ambiente.

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A IGREJA
[Mateus 18]
I. A HUMILDADE: [1-5] IV. A RESOLUÇÃO: [15-20]
Na igreja de Deus, grandeza é serviço humilde. Na igreja de Deus não há “fofoca”. Resolve-se
Temos que nascer de novo para entrar na igreja, problemas de pecado pessoalmente,
temos que permanecer como “crianças” para honestamente e diretamente. A igreja faz tudo
continuar nela. para que a vontade de Deus se cumpra de forma
II. O CUIDADO: [6-9] que tudo que a igreja faz é aprovado por Deus.
Na igreja de Deus todo cuidado com qualquer V. O PERDÃO: [21-35]
irmão é muito importante. É necessário ter Na igreja de Deus perdoa-se ilimitadamente.
autodisciplina para não causar problemas para Imitamos o modo de Deus nos perdoar. O perdão
outros e evitar ser castigado por isso. divino motiva o perdão humano. Sem perdão
III. O VALOR: [10-14] humano, não haverá perdão divino.
Na igreja de Deus todos tem tanto valor que
devemos buscar qualquer um que tenha se
desviado. Esta é a vontade do Pai.

A POLÊMICA
[Mateus 22-23]
I. Questões CÍVICO-POLÍTICAS [22.15-22] V. Questões PSICO-MOTIVACIONAIS
“Dai a César o que é de César [23.1-7]
e a Deus o que é de Deus”. Fale e faça.
II. Questões FÍSICO-NATURAIS [22.23-33] Não atue para ser visto ou aplaudido,
Conheça as Escrituras e o poder de Deus. mas sim para agradar Deus.
III. Questões ÉTICO-MORAIS [22.34-40] VI. Questões SOCIAIS-
Ame a Deus com tudo e sobre tudo; ORGANIZACIONAIS [23.8-12]
ame ao próximo como a si mesmo. Deus e Cristo são os chefes e superiores.
Isto resolve tudo. No reino dele todos são filhos, todos são irmãos.
IV. Questões FILOSÓFICO-RELIGIOSAS No reino dele, grandeza é serviço humilde.
[22.41-46] VII. Questões CULTURAIS-RELIGIOSAS
Jesus é a resposta para todas as perguntas; [23.13-39]
Jesus é a pergunta para a qual o homem não tem Não aceite religião falsa.
resposta. Religião falsa leva à catástrofe.

O FUTURO
[Mateus 24-25]
I. O ANÚNCIO E A QUESTÃO [24.1-3] Sem distinção espaço-temporal, a profecia se
Jesus anuncia a destruição do templo. Mas os projeta agora para o fim dos tempos, para o fim
apóstolos perguntam sobre dois assuntos: de tudo. Isto ocorre porque desde a queda de
1. Destruição do templo e da cidade; Jerusalém, o fim dos tempos pode chegar a
2. Destruição do mundo (fim dos tempos) qualquer instante.
[pensavam que as duas ocorreriam juntas]. V. A VIGILÂNCIA [24.32-25.30]
II. OS ANTECEDENTES [24.4-14] O dever dos discípulos é ficar vigilantes,
Estes “sinais” ocorreram antes da queda de aguardando a volta de seu Senhor, realizando o
Jerusalém e não são evidências decisivas nem que ele mandou.
sobre a destruição de Jerusalém, nem sobre o fim VI. O JULGAMENTO FINAL [25.31-46]
dos tempos. Estes sinais não sinalizam nada! Os dois destinos finais são apresentados. O
III. O FIM DE JERUSALÉM [24.15-28] critério do juízo não ensina salvação pelas obras
O sinal certeiro e decisivo é dado no verso 15: o mas requer que tratemos as pessoas como
exercito romano na Judeia. Agora o texto fala do trataríamos a Cristo, pois ele não se faz presente
fim de Jerusalém. apenas no seu retorno, nas se faz presente nos
IV. O FIM DO MUNDO [24.29-31] seus servos e naqueles que precisam de ajuda.
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MARCOS
O Evangelho segundo Marcos: Arte Poética e Arte Retórica94
A familiaridade tira o respeito. A maioria das pessoas, acostumada a ler os livros bíblicos, sobretudo, os
evangelhos, acaba deixando de vislumbrar e apreciar a arte e a beleza das narrativas. Aproveitando a
possibilidade de uma (re)leitura de “A Boa Nova Segundo Marcos”95 na tradução do prof. Ricardo José
Cavalcanti Sobral, convido os leitores a apreciarem algo da técnica poética e retórica do Evangelista
Marcos.
O autor do evangelho
Os mais antigos manuscritos desta obra, unanimemente, identificam-na como obra de Marcos. Os dois
grandes manuscritos unciais do Século Quarto, o Manuscrito Vaticano e o Manuscrito Sinaítico têm o
título: KATA MARKON.96 Outro título muito tradicional é EUAGGELION KATA MARKON.97 Há
quem98 imagine que o verdadeiro título da obra deveria ser a primeira frase da obra: VArch. tou/
euvaggeli,ou VIhsou/ Cristou/ ui`ou/ qeou/, mas, de fato, este verso funciona como abertura, tema e tese da
obra.
As mais antigas evidências externas que apoiam a autoria de Marcos estão nos: a) escritos de Pápias, um
dos bispos da igreja de Hierápolis (c. de 130 d.C.); b) Prólogos Antimarcionitas (c. de 160-180 d.C.); c)
escritos de Irineu, bispo da igreja em Lion (c. de 180).
João Marcos, o autor desta obra é citado em vários outros livros do Novo Testamento. Sua mãe chamava-
se Maria e ela pode ter sido a dona da casa em cujo cenáculo foi celebrada a última ceia de Jesus.99 Ele
trabalhou como companheiro de viagem de Paulo e Barnabé100 e mais tarde, também viajou com Pedro101.
Não há certeza de que ele tivesse sido uma testemunha ocular dos eventos narrados no seu evangelho102,
mas teve contatos com Pedro, com os apóstolos de Jerusalém, com a família de Jesus, com Barnabé (que
era seu primo103) e com Paulo.
Marcos foi chamado de discípulo e intérprete104 de Pedro [o` maqhte.j kai. e`rmhneuth.j Pe,trou] já que ele
havia “transmitido-nos, de forma escrita, as coisas pregadas por Pedro” [ta. u`po. Pe,trou khrusso,mena
evggra,fwj hvmi/n parade,dwken]105. Embora Pápias afirmasse que Marcos escreveu sem ordem,106 isto pode
deixar transparecer apenas sua preferência pela “ordem” de Mateus. Ao que parece, a obra de Marcos
segue uma seqüência histórica muito parecida com a ordem do sermão de Pedro em Atos 10.34-43.
A origem, gênero literário e estilo do Evangelho
A questão da origem do evangelho de Marcos e até mesmo do gênero literário da obra é alvo de
discussões acaloradas até hoje. Embora a tradição acima mencionada apresente o trabalho de Marcos
como uma forma de “coleção das memórias de Pedro”, esta declaração não é suficiente para dar conta de
tudo o que Marcos faz em seu evangelho.
Certamente, Marcos deve ter usado as histórias que Pedro contou, pois, em certos momentos da narrativa,
os detalhes do texto exigem a presença de uma testemunha ocular. Em outros momentos, a intolerância do

94
Originalmente publicado em POSSEBON, Fabrício. O Evangelho de Marcos. João Pessoa: Editora UFPB, 2010, p. 25-65. A
versão aqui publicada tem certas adaptações e revisões além de ser resumida.
95
As citações do Evangelho de Marcos neste trabalho vêm da tradução do prof. Ricardo José Cavalcanti Sobral.
96
Também alguns outros manuscritos cursivos têm este título.
97
Desde o Século Quinto este título é encontrado em muitos manuscritos unciais e na maioria dos cursivos.
98
Quem faz isto é MARXSEN, W. Mark the Evangelist: Studies on the Redaction History of the Gospel. Nashville: Abingdon,
1969, p. 125.
99
Atos 12.12. Também é possível que esta casa seja o local de reunião da igreja de fala grega em Jerusalém e a igreja de fala
aramaica (o grupo de Tiago) estaria reunida no cenáculo onde Jesus teria feito a última ceia com seus apóstolos.
100
Atos 13.5, 13; 15.36-39; Filemom 24; Colossenses 4.10; 2Timóteo 4.11
101
1Pedro 5.13.
102
Há quem imagine que Marcos 14.51-52 é uma narrativa autobiográfica.
103
Colossenses 4.10.
104
Pápias, anterior a Irineu e a Eusébio, já apresentava Marcos com intérprete de Pedro [e`rmhneuth.j Pe,trou] (citado por Eusébio,
História Eclesiástica III.39.15).
105
Irineu, Contra Heresias III.1.1-2; citado também em Eusébio, História Eclesiástica V.8.2.
106
Eusébio, História Eclesiástica III.39.15.

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texto com Pedro e os outros discípulos exige que a crítica parta deles mesmos, como narradores de suas
próprias mazelas.107
Além de Pedro, Marcos pode ter contado com testemunhos pessoais daqueles que acompanharam os fatos
narrados sobre a vida de Jesus. Morando Jerusalém na época dos eventos finais da vida de Jesus, ele e
muitos outros conhecidos poderiam ser informantes de primeira mão sobre os fatos a narrar. Também não
é impossível que outros já tivessem escrito algumas coisas sobre Jesus. A própria pregação e teologia da
igreja antiga podem ter fornecido vocabulário e arcabouço estrutural para a redação do Evangelho.
O gênero literário da obra que chamados “Evangelho de Marcos” não se encaixa bem nos gêneros
literários disponíveis no mundo antigo108: não se encaixa bem nas conhecidas “Vidas” [bi,oi],109 pois,
omite elementos fundamentais ao gênero e ao mesmo tempo, narra detalhes que o extrapolam. Também
não há como considerá-lo nos gêneros “Atos” [pra,xeij]110, “Memórias” [avpomnhmoneu,mata]111, “Histórias”
[i`stori,ai]112 ou ainda “Novela” (ou ficção)113 por não corresponder aos elementos mais característicos
destes gêneros.
Fico com aqueles que consideram a obra de Marcos como a fundação de um novo gênero114 literário onde
o sublime e o humilde115 podem ser tratados conjuntamente, sem prejuízo da realidade do quadro
apresentado. “Evangelho” tornou-se o nome adequado e tradicional para este gênero literário.
Os evangelhos, como representação da realidade, revolucionaram a narrativa do mundo antigo, na opinião
de Erich Auerbach. A descrição da realidade nos autores clássicos pagãos era moralista (enfatizando o
belo e bom - o sublime), retórica (ou seja, preocupada com o gênero: comédia, tragédia, política, etc) e
firmada na perspectiva dos grandes (olhando o mundo “de cima”). Eles se ocupam dos grandes feitos, da
guerra, dos discursos e de tudo que é grandiloquente e honroso entre os grandes.
A narrativa da realidade comum, do cotidiano e das coisas humildes não podia ser narrada nos gêneros
nobres e sublimes. Tal narrativa era empurrada para a comédia. Nesta, era possível encontrar o escravo, o
padeiro, a mulher, a viúva e outros personagens comuns.
Os evangelhos, numa revolução da representação literária, apresentam a realidade do povo simples em
um novo tipo de discurso sublime. Ou seja, o leproso, o pescador, o coletor de impostos são retratados
fora do ambiente da comédia. A Antigüidade nunca se ocuparia das histórias do Evangelho e, se as
contasse, usaria o gênero adequado a isto: a comédia.116
O Evangelho, até mesmo pelo seu gênero literário, tirou pessoas de sua condição insignificante e comum
e os apresenta com Jesus, em condições de profunda seriedade e ocasionalmente, tragicidade.117 Os
evangelistas fizeram uso do discurso direto de um modo nunca visto antes.118 O relato dos evangelhos
dirige-se a todos e não apenas aos “pares”. Exige uma postura e tomada de posição. A brevidade dos
relatos impulsiona o leitor a deixar o acontecimento sensível e concentrar-se no seu significado.119 A

107
A insistência de Marcos na profunda obtusidade dos discípulos de Jesus não é uma tentativa de macular a memória daqueles bons
homens, mas era um modo muito comum de mostrar a grandeza da revelação oferecida. Uma grande revelação sempre é misteriosa
e não compreendida. O texto, portanto, quer valorizar a mensagem e não criticar os discípulos. Mateus e Lucas não usam tanto este
recurso como Marcos o fez.
108
MARTIN, Ralph P. The New Testament Foundations - Vol. 1: The Four Gospels. Exeter: Paternoster Press, 1975, p. 16-20.
109
Como as famosas obras de Plutarco ou de Suetônio. Considerar os evangelhos como “aretalogias” também pode ser classificada
em conjunto com das “biografias”.
110
Um exemplo disto é a Anabasis de Arriano (historiador romano que floresceu no Segundo Século AD), que narra as campanhas
militares de Alexandre Magno.
111
Um exemplo desta são os “Ditos e feitos memoráveis de Sócrates”, de Xenofonte.
112
Como as famosas Histórias de Heródoto, Tucídides, Políbio e outros.
113
Exemplos, entre outros, seriam O conto efésio de Xenofonte (Séc. II AD) ou Um Conto Etíope de Heliodoro (Séc. III AD). Há
quem considere que Marcos escreveu uma ficção imitando a obra de Homero (Ilíada e Odisseia) ou até mesmo que Lucas-Atos
inspire-se na Eneida de Virgílio.
114
Uma boa descrição das várias opções de classificação dos evangelhos e uma opção pelo aspecto “sui generis” é encontrada em
RHODES, Paul; BOYD, Gregory A. The Jesus Legend: A Case for the Historical Reliability of the Synoptic Jesus Tradition.
Grand Rapids: Baker, 2007, p. 309-361.
115
Sobre esta questão, veja os parágrafos abaixo, nos quais utilizo, amplamente, as ideias de AUERBACH, Erich. Mimesis – a
representação da realidade na literatura ocidental. São Paulo: Perspectiva, 1994, p. 21-95.
116
AUERBACH, 1994, p. 132 “Na antiga teoria, o estilo de linguagem elevado e sublime chamava-se semo gravis ou sublimis; o
baixo, sermo remissus ou humilis; ambos deviam permanecer severamente separados. No cristianismo, ao contrário, as duas coisas
estão fundidas desde o princípio, especialmente na Encarnação e na Paixão de Cristo, que realizam e combinam tanto a sublimitas
quanto a humilitas no mais alto grau”.
117
AUERBACH, 1994, p. 62: “Surge um novo sermo humilis, um estilo baixo do tipo que seria aplicável somente à sátira e à
comédia, mas que ora se estende muito além do seu território original, atingindo o mais elevado e o mais profundo, até o sublime e o
eterno”.
118
AUERBACH, 1994, p. 38-39.
119
AUERBACH, 1994, p. 41.

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Doutrina da Encarnação contribuiu para a remoção da clássica divisão de estilos: estilo sublime para o
elevado e estilo cômico para o cotidiano. O sublime invadiu o cotidiano e este foi elevado ao sublime
também.120 A construção paratática, comum ao discurso baixo, passa a pertencer ao discurso elevado.121
A relação com os outros evangelhos
Conforme uma das teorias mais populares122 entre os estudiosos da Bíblia, o Evangelho de Marcos é uma
das fontes utilizadas tanto por Mateus como por Lucas na redação de seus próprios evangelhos. Esta é a
chamada “Teoria das Quatro Fontes” que tentam explicar o relacionamento entre os chamados
“Evangelhos Sinóticos”123, a saber, Mateus, Marcos e Lucas.
A teoria fica explicada, de modo muito simples no esquema abaixo:

Marcos Fonte Q
[hipotética]

Fonte M Fonte L
[hipotética] [hipotética]

Mateus Lucas

O Evangelho de Marcos teria sido utilizado por Mateus e Lucas, pois quase todo o conteúdo de Marcos é
utilizado por estes. Os outros documentos são hipotéticos e não se pode afirmar com, certeza, se eram
documentos escritos e, no caso das “Fontes M e L”, que eram documentos únicos.
A “Fonte Q” se apresenta como hipótese a partir da observação que há muitas narrativas, não oriundas do
Evangelho de Marcos, com as quais Lucas e Mateus concordam quase que palavra por palavra. Isto
parece sugerir que eles usaram uma mesma fonte.
Os materiais exclusivos de cada um dos evangelistas foram atribuídos a fontes particulares: “Fonte M”
para Mateus e “Fonte L” para Lucas124. Nestes casos, como já dissemos, o caráter oral ou escrito,
fragmentário, múltiplo ou único destas fontes não pode ser facilmente aquilatado.
Embora esta teoria não seja aceita por todos, tem uma boa aceitação e privilegia o Evangelho de Marcos
não só como o primeiro evangelho canônico a ser escrito como também faz dele a base para o
desenvolvimento dos outros evangelhos. Em termos modernos, os outros evangelhos são reedições que
suplementam a história com mais materiais e também modificam os propósitos da narrativa, em função de
diferenças entre os leitores e também dos objetivos dos escritores.
Datação e destinatários
A datação do Evangelho de Marcos já oscilou muito conforme o pensamento de vários avaliadores. Uma
série de pressupostos é assumida pelos vários estudiosos antes, de finalmente, afirmarem uma data.
Os principais pontos de referência para uma datação são obtidos ao se responder às seguintes questões: 1)
Foi escrito antes ou depois da morte de Pedro [antes ou depois da perseguição de Nero – 64 d.C.]? 2) Foi

120
AUERBACH, 1994, p. 61.
121
AUERBACH, 1994, p. 95.
122
Todo tipo de relacionamento entre os sinóticos já foi defendido. A prioridade de Mateus é muito antiga e tradicional, mas não
explica bem todos os fenômenos observados. A teoria de ser Marcos um resumo de Mateus ou ainda uma “soma” (conflação) de
Mateus e Lucas também é pouco crível. A prioridade de Marcos descansa sobre o privilégio da simplicidade maior.
123
O adjetivo “sinótico” tenta enfatizar o fato de estes três evangelhos narrarem a história de Jesus pela “mesma ótica”. O
Evangelho segundo João conta a história de Jesus por um outro “ponto de vista”.
124
O prólogo de Lucas (Lc 1.1-4) afirma com clareza que Lucas usou fontes escritas e orais múltiplas. Assim, a “Teoria das Quatro
Fontes” pode ser plausível, embora quase certamente seja uma simplificação dos fatos.

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escrito antes ou depois da queda de Jerusalém (70 d.C.)? 3) Foi escrito antes ou depois de Mateus e
Lucas?125 4) Foi escrito por João Marcos ou por outro autor?
Na minha avaliação, a obra tem detalhes historiográficos que a situam no Primeiro Século. Por exemplo:
a referência a “Simão Cireneu, ... o pai de Alexandre e Rufo” (Marcos 15.21) só faz sentido se esses
forem conhecidos da comunidade, ou seja, os leitores e personagens são contemporâneos.
A ausência de qualquer menção clara da efetiva destruição de Jerusalém, profetizada por Jesus (Marcos
13) prova que tal desastre ainda não tinha ocorrido. Outra ausência importante é a de referências à
perseguição da igreja por Nero. A leitura da obra ajuda a inferir que ela ainda não tinha ocorrido,
portando, o apóstolo Pedro estaria vivo quando a obra foi publicada.
Um debate, ainda sem consenso, originado em estudos de paleografia de dois pequenos fragmentos de
manuscritos126 afirma uma data ao redor do ano 50 AD para a redação e publicação do Evangelho de
Marcos.
Assim, influenciado por toda estas e outras127 razões, considero os anos 50 AD a melhor data para a
publicação do Evangelho de Marcos.
O problema do final do evangelho de Marcos
Como todos os livros em forma de manuscrito que a antiguidade nos legou, o Evangelho de Marcos
apresenta pequenas divergências entre as cópias devido ao processo de transmissão manuscrita. O
problema que causa maior perplexidade é o que ocorre no final do evangelho.
Os manuscritos que chegaram até hoje podem ser agrupados em quatro categorias128, conforme o tipo de
leitura que apresentam no fim do Evangelho de Marcos.
(Tipo 1) A maior parte dos manuscritos têm o final tradicional do Evangelho de Marcos, ou seja, o texto
segue normalmente até Marcos 16.20.
(Tipo 2) Alguns manuscritos importantes terminam o livro em Marcos 16.8, com a frase evfobou/nto ga,r,
“pois temiam”. O final tradicional (Marcos 16.9-20) é omitido.
(Tipo 3) Alguns manuscritos adicionam um texto chamado “o final breve de Marcos” entre Marcos 16.8 e
depois continuam apresentando o texto de Marcos 16.9-20.
(Tipo 4) Um manuscrito que representa uma antiga tradição, acrescenta um longo texto após o verso 14 e
depois continua o fluxo normal do final tradicional até o verso 20.
Não é possível fazer aqui todas as ponderações relativas a esta questão, mas o que se pode dizer de modo
rápido é que os textos dos tipos 3 e 4 têm fraca atestação e pouca possibilidade de serem autênticos. O
texto do tipo 1, apesar de tradicional, não parece ser original. Marcos 16.9-20 dá a impressão de ter sido
escrito por um autor diferente do que escreveu o resto do Evangelho. É natural acreditar que alguém
quisesse suplementar o Evangelho de Marcos se ele terminasse em Marcos 16.8 e parece que Marcos
16.9-20 é um dos resultados desta tentativa. Além disto, é difícil explicar como originou-se e divulgou-se
o texto do tipo 2, se o texto do tipo 1 fosse o mais antigo e estivesse disponível. O surgimento do texto 1 é
explicável a partir da existência de textos do tipo 2, mas o contrário não é muito possível.
Vários129 escritores têm oferecido três soluções: (a) Pode ter acontecido que, acidentalmente, o final de
Marcos se perdeu, ficando o manuscrito mutilado depois de Marcos 16.8. (b) Pode ser que Marcos foi
impedido, circunstancialmente, de terminar sua obra por prisão ou morte. (c) Pode ser que Marcos,
deliberadamente, terminou sua obras em Marcos 16.8, para manter o assombro e terminar sua obra com a
proclamação da ressurreição.

125
Se o Evangelho de Marcos é fonte para Lucas-Atos, e se este for datado pelo final da narrativa (ano 62 AD), é necessário que este
evangelho seja uma obra já concluída antes do início do trabalho de Lucas, ou seja, o Evangelho Segundo Marcos precisaria estar
completo antes do ano 62 AD.
126
O paleógrafo Joseph O’Callagan trabalhando com o manuscrito chamado “7Q5” e seu colega Carsten Peter Thiede, trabalhando
com o papiro 64 (p64), chegaram à conclusão de datas muito antigas para o Evangelho de Marcos (veja THIEDE, Carsten Peter;
D’ANCONA, Matthew. Testemunha Ocular de Jesus. Rio de Janeiro: Imago, 1996).
127
A obra clássica de ROBINSON, John A. T. Redating the New Testament. London: SCM Press, 1976, já advogava a
necessidade de datar mais primitivamente a todos os livros do Novo Testamento. Este livro está disponível digitalmente em
www.preteristarchive.com/Books/1976_robinson_redating-testament.html.
128
Adapto e sigo METZGER, Bruce M. A Textual Commentary on the Greek New Testament – Second Edition. Stuttgart:
Deutsche Bibelgesellschaft, 1994, p. 102-106.
129
Entre estes se podem contar o próprio Bruce Metzger, citado na nota anterior e também CARSON, D. A.; MOO, D. J.; MORRIS,
L. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1997, p. 117-118.

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Há, contudo, quem suponha que o próprio Marcos130 escreveu posteriormente os versos 16.9-20, ou que
uma outra mão, igualmente apostólica, tenha terminado a obra. Na verdade, Marcos 16.9-20 tem detalhes
arcaicos que atestam seu valor: trata-se de um tesouro da igreja antiga, que não sabemos bem onde
guardar.
Esboço
1.1-45 - Introdução ao Evangelho: João e de Jesus.
2.1-3.6 - A oposição a Jesus: perdão de pecados e liberdade da tradição.
3.7-8.30 - O ministério na Galileia.
8.31-10.52 - A caminhada para Jerusalém.
11.1-16.20 - A última semana e a ressurreição.
Outro esboço
INTRODUÇÃO E PRÓLOGO - 1.1-13
I. O MINISTÉRIO GALILEU - 1.14-5.43 (ministério ao redor do mar da Galileia)
(Um dia de Jesus 1.21-39)
(O início da oposição a Jesus 2.1-3.6)
(As parábolas 4.1-34)
II. O MINISTÉRIO GALILEU - 6.1-9.50 (mais jornadas pela Galileia)
(A confissão de Pedro 8.27-30)
(A transfiguração 9.2-13)
III. O MINISTÉRIO NA JUDEIA - 10.1-13.37 (indo e atuando em Jerusalém)
(O ministério de Jesus no templo 11.1-12.44)
(O sermão sobre a destruição do templo 13)
IV. NARRATIVAS DA PAIXÃO E RESSURREIÇÃO - 14-16
(A ceia do Senhor 14.22-26)
(O julgamento judaico 14.53-15.1)
(O julgamento romano 15.1-15)
(A cruz a morte e o sepultamento 15.22-47)
(A ressurreição e aparições 16.1-20)
Evangelho e as Poéticas do mundo antigo131
Uma leitura deste evangelho não obriga o leitor a concluir que o escritor era um homem de educação
refinada. Na verdade, sua linguagem é mediana e ele não dá mostras de utilizar-se dos recursos do que
chamaríamos de “educação superior”132 no mundo antigo.
Contudo, ao afirmarmos isto, não queremos dizer que sua obra carece de arte ou que não transpareça nela
uma inteligência que adota133 e até supera134 os cânones da Arte Poética e da Arte Retórica de seu tempo.
Uma observação da narrativa do Evangelho de Marcos, considerando certos aspectos da arte poética
antiga valoriza o texto como representação da realidade feita com arte e com intencionalidade teológica (e
ideológica).
Já se observou, muitas vezes, que o Evangelho de Marcos tem as características formais de uma
tragédia grega135. (1) Uma introdução ou exposição que narra a aparição pública de Jesus e sua
identidade divina (Marcos 1.1-13). (2) Um desenvolvimento de ação ou uma complicação devida ao
anúncio da mensagem de Jesus que encontra resistência dos religiosos, apesar dos milagres e da qualidade
do ensino (Marcos 1.14-8.21). (3) O ponto central da narrativa, o clímax ou a crise do enredo está

130
HÖRSTER, Gerhard. Introdução e Síntese do Novo Testamento. Curitiba: Esperança, 1996, p. 27-28 cita a opinião de F. Godet
que o próprio Marcos escreveu o final longo mais tarde em sua carreira cristã. Esta hipótese explicaria as mudanças de estilo e até
mesmo de postura de Marcos 16.9-20.
131
Falando em Poéticas em geral, remeto o leitor aos pensamentos de Aristóteles, Horácio, Longino e outros antigos que
discorreram sobre a arte da narração, representação, poesia e assemelhados. Em português, uma compilação útil é Crítica e Teoria
Literária na Antiguidade, Rio de Janeiro, Ediouro (Tecnoprint), 1989.
132
Sobre a educação no mundo Greco-romano, MARROU, Henri-Irene. História da Educação na Antigüidade. São Paulo: EPU,
1973 [1990 (5ª reimpressão)]. Para uma síntese mais próxima para estudos do Novo Testamento, veja SAMPLEY, J. Paul (org.).
Paulo no mundo greco-romano: um compêndio. São Paulo: Paulus, 2008, p. 171-196.
133
BEST, Ernest. Mark’s Narrative Technique, in Journal for the Study of the New Testament, 1989; 37; p. 44-45.
134
WILDER, Amos N. The Language of the Gospel: Early Christian Rhetoric. New York: Harper & Row, 1964, p. 31 onde o
autor louva os evangelistas por escreverem sem as afetações, falsidades e vacuidades do pseudo-aticismo da época e também diz que
“o evangelho representa não somente a libertação, mas também a purificação da linguagem”.
135
Nesta análise, sigo AUNE, David E. The New Testament in Its Literary Environment. Philadelphia: Westmister Press, 1987,
p. 48-49.

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incluída entre duas curas de cegos (Marcos 8.22-26 e 10.46-52), sendo que, neste momento, Jesus toma o
caminho para Jerusalém, numa viagem que todos sabem que será fatal (Marcos 8.27; 9.33; 10.17, 32, 52).
É neste ponto climático da narrativa que Pedro confessa Jesus como o Cristo (Marcos 8.27-30) e a partir
desta constatação e deste momento, Jesus passa a profetizar sua morte descrevendo a “paixão e
ressurreição do Filho do homem” (Marcos 8.31; 9.31; 10.33-34). Tal ponto do evangelho de Marcos
corresponde, aproximadamente, ao “reconhecimento” e depois à “peripécia” aristotélicas136. A confissão
de Pedro corresponde ao “reconhecimento” da verdadeira identidade de Jesus e à mudança de discurso. A
decisão de Jesus em ir para Jerusalém marca a mudança de rumo do enredo para o trágico (Jesus passa a
prever sua morte e caminha para o local de execução), ou seja, a “peripécia”. Em toda esta parte central
da história, os discípulos não conseguem compreender o significado de ser discípulos de Jesus (Marcos
8.22-10.52). (4) Segue o desenlaçe ou as ações trágicas que seriam, no pensamento de Aristóteles,
desencadeadas pela hamartia137 de Jesus. Ele vai para a Judeia e especificamente, em Jerusalém onde tem
seu confronto final com as autoridades religiosas (Marcos 11.1-13.37). No caso de Jesus, a ideia de
hamartia como “erro de cálculo” não se adapta bem, pois, Jesus vai para Jerusalém com plena
consciência do que o aguarda. (5) A catástrofe ocorre logo após a celebração da Páscoa judaica com a
traição, prisão, julgamento, morte e sepultamento de Jesus (Marcos 14.1-15.39). (6) Ocorre um desenlace
inesperado quando o túmulo aparece vazio e Jesus ressurge aos seus discípulos (Marcos 15.40-16.20)138.
Neste sentido, o Evangelho de Marcos se aproxima de uma “tragicomédia” que não era estranha no
mundo antigo139.
Embora os conceitos de “reconhecimento” e “peripécia” aristotélicos não sejam encaixados claramente na
narrativa de Marcos, eles funcionam bem, tanto em termos da trama, da narrativa e, principalmente, da
teologia de Marcos. Há, no Evangelho de Marcos, um fenômeno denominado o “segredo messiânico”.
Este nome é dado à observação que no Evangelho de Marcos, Jesus tenta ocultar o fato de ser o Cristo e
sua atividade taumatúrgica (Marcos 1.24-25, 34, 44; 3.11-12; 5.43; 7.24; 8.26; 9.9-10; 9.30). Ele guardou
a revelação pública deste fato para sua audiência pública, oficial e religiosa diante do Sumo-sacerdote
(Marcos 14.62).
As interpretações deste fenômeno pelos teólogos têm sido das mais diversas140, mas o que nos interessa é
que o “segredo messiânico” possibilita um “reconhecimento” e uma “peripécia” na narrativa.
O “reconhecimento” (avnagnw,risij) pode ser encontrado na confissão de Pedro (Marcos 8.29) que
declara “Tu és o Cristo”. Esta constatação marca o centro do Evangelho, anunciada no primeiro verso
(Marcos 1.1) e parafraseada na última narrativa, na confissão de um centurião romano, ao pé da cruz de
Jesus (Marcos 15.39).
A “peripécia” (peripe,teia), ou seja, a mudança do ritmo da narrativa, acelerando sua tragicidade, ocorre
depois da confissão de Pedro, pois, à partir deste ponto da narrativa, várias modificações acontecem: (a)
Jesus faz três predições sobre sua morte (Marcos 8.31; 9.31-32; 10.32-34)141; (b) também, percebe-se a
diminuição da atividade milagrosa de Jesus, pois, dos vinte milagres feitos por Jesus, narrados por
Marcos142, apenas três serão feitos depois da confissão de Pedro; (c) além disto, pouco depois da
confissão de Pedro, inicia-se a viagem de Jesus para Jerusalém, indo ao encontro da morte; (d) a narrativa
se encaminha para três das mais longas unidades literárias do livro, ou seja, a polêmica com os religiosos

136
Aristóteles, Arte Poética, 1452a,12 – 1452b,14.
137
“Hamartia” na análise aristotélica não é “pecado” e nem sempre “erro trágico”, mas simplesmente uma ação do protagonista da
tragédia que, geralmente, desencadeia o final trágico, ou seja, conduzem o protagonista à morte ou a alguma outra forma de
dificuldade. Aristóteles, Arte Poética, 1453a,10.
138
Embora alguns somente aceitem o texto até o verso 16.8, considerando o texto posterior como um anexo ao evangelho.
139
É só lembrar, por exemplo, de Alceste de Eurípides.
140
MCMILLAN, Earle. The Gospel According to Mark. Austin: Sweet Publishing Company, 1973. Faz um rápido resumo da
história deste conceito. No início, os teólogos alemães diziam ser o “segredo messiânico” uma construção literária de Marcos, mas
os eruditos britânicos, em sua maioria, viram como uma postura deliberada de Jesus, evitando compreensões equivocadas de seu
messianado (Conforme Marcos 9.9, somente depois da sua morte e ressurreição, seu messianado seria entendido). Penso que a ideia
de Jesus tem ocultado sua identidade faz sentido, pois ele precisava evitar ser identificado com vários tipos de “Messias”
indesejáveis, tais como os “messias guerreiros” ou como os “messias sacerdotes-escribas” que muitos aguardavam. Contudo, o
evangelho de Marcos já mostra a plena consciência de Jesus de seu messianado desde a narrativa do seu batismo e tentação (Marcos
1.9-13). Os teólogos que tentam mostrar que o messianado de Jesus é uma invenção posterior da igreja, protegida de críticas pelo
“segredo messiânico” parecem criar um problema para resolver outro.
141
Certamente, já há alusões ocultas ao destino de Jesus narradas em Marcos 2.20; 9.12-13; 12.6.
142
Milagres de Jesus: 1.21ss – um exorcismo; 1.29ss – cura da sogra de Pedro; 1.32ss – muitas curas; 1.40ss – um leproso; 2.1ss –
um paralítico; 3.1ss – a cura da mão de um homem; 4.35ss – acalmando uma tempestade; 5.1ss – o endemoninhado geraseno; 5.21ss
– a filha de Jairo; 5.25ss – a mulher hemorrágica; 6.30ss – uma multiplicação de pães; 6.45ss – andar sobre as águas; 6.53ss – várias
curas; 7.24ss – uma menina endemoninhada; 7.31ss – um surdo; 8.1ss – outra multiplicação de pães; 9.14ss – o jovem
endemoninhado; 10.46ss – o cego Bartimeu; 11.12ss – a maldição da figueira.

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(Marcos 11.27-12.40), o discurso profético sobre a destruição do templo (Marcos 13.1-37) e a narrativa
da paixão de Cristo (Marcos 14.1-16.8[ou 20]).
Outros elementos que aproximam Marcos da Arte Poética da Antiguidade. Com o chamado uso do
“presente histórico” Marcos, ocasionalmente, é criticado como um “escorregão literário”. No estudo dos
Evangelhos, o “presente histórico” é caracterizado pelo uso do presente em vez do aoristo do
indicativo143, que seria mais compatível com o contexto e com a narrativa. Marcos usa o “presente
histórico” 151 vezes (Marcos 1.12; 2.10; 6.1 etc.). Lucas evita ao máximo este uso e também Mateus,
porém, com menos consistência. Longino, no entanto, já considerava tal mudança de tempo, o poliptoto,
como um sinal de sofisticação poética trazendo vivacidade à narrativa.144
A necessidade de manter a narrativa unida e integrada, que era uma preocupação da tragédia grega com
seu princípio de unidade de ação145, é contornada por Marcos com várias soluções próprias e bem
ajustadas.
O uso do advérbio euvqu,j “imediatamente” cerca de 34 vezes nos primeiros nove capítulos e mais 7 vezes
nos últimos sete,146 dá grande agilidade ao relato, fazendo com que a primeira parte do evangelho “passe
rápido” e conferindo mais peso e dramaticidade à parte final da obra, sobretudo à narrativa da paixão, que
é o grande final da obra147.
O uso constante da “parataxis”, ou seja, conectar narrativas por uma simples conjunção aditiva “e” (kai,)
não era apreciado pela poética da época. Talvez, por causa disto, Mateus e Lucas procurassem evitar tais
construções ao copiar materiais de Marcos. Assim mesmo, fica o fato que Marcos consegue vários feitos
com seu estilo paratático: (a) ele se aproxima das tradições narrativas veterotestamentárias e dá um “ar”
bíblico ao seu relato148; (b) ele consegue enfatizar a “unidade de ação” tão necessária a uma narrativa que
seria lida do começo ao fim diante de uma assembleia cristã.
Também o uso de “sumários”149, ou seja, pequenos resumos de várias atividades gerais de Jesus, é uma
técnica de Marcos que o coloca entre os bons narradores do mundo antigo. Filostrato em sua obra, “A
vida de Apolônio”, também faz uso do mesmo recurso, mostrando que era uma técnica nobre dentro da
Poética da época.150 Assim, Marcos suaviza as transições na narrativa com arte.
Ernest Best151 afirma que Marcos consegue uma forte linha de narrativa por meio de quatro elementos: (1)
o uso de um fluxo rápido de ligação e de movimento entre as narrativas, não deixando a ação cessar entre
um acontecimento e outro (Marcos 1.14-15; 8.22-26; 10.46-52; 15.40-47); (2) a continuidade de
personagem, ou seja, toda a narrativa fica presa a Jesus e com raríssimas exceções, se desvia dele; (3) o
contínuo caminhar da narrativa para o clímax conhecido por todos os leitores e que vai ficando cada vez
mais evidente na narrativa; (4) o crescimento dos temas importantes ao redor da pessoa de Jesus.
Observa-se a capacidade de Marcos em contar uma história, fazendo com que as emoções cresçam com a
narrativa pela intensificação do silêncio de Jesus nos últimos capítulos. Jesus fala somente três vezes na
narrativa da paixão, desde sua prisão (14.50) até o fim do evangelho (16.8). Nestas três ocasiões, seu
discurso é breve e feito quase que por obrigação ou força das circunstâncias. (Marcos 14.62; 15.2; 15.34).
O silêncio e passividade de Jesus nesta narrativa aumentam o efeito e o impacto do brado na cruz: “Deus
meu! Deus meu! Por que me abandonaste?” Estas seriam suas últimas palavras, se o evangelho
terminasse em Marcos 16.8.
O recurso aos “parentesis” como palavra do narrador, também são discerníveis em Marcos. Embora
Marcos mostre certa inabilidade em utilizar bons marcadores de parêntesis no seu texto, assim mesmo ele

143
BLASS, F.; DEBRUNNER, A. A Greek Grammar of the New Testament and Other Early Christian Literature. Chicago:
The University of Chicago Press, 1961, p. 167, #321.
144
Longino, Sobre o Sublime, cap. 25 – Poliptoto – Permuta de tempos (cito Longino a partir do livro: Aristóteles, Horácio e
Longino, Crítica e Teoria Literária na Antiguidade, Rio de Janeiro, Ediouro, 1989, p.116).
145
Aristóteles, Arte Poética 1451a, onde a preocupação é que a história tenha unidade de ação, ou seja, não se refira a muitas coisas
e perca a continuidade.
146
SWETE, H. B. Commentary on Mark. London: Macmillan, 1913, p. xlviii.
147
Para aqueles que concordam com a frase que o Evangelho de Marcos é uma história da “narrativa da paixão com uma longa
introdução”, este fato corrobora com a tese.
148
CONYBEARE, F. C.; STOCK, St. George. A Grammar of Septuagint Greek. Grand Rapids: Zondervan, 1980 (reimpressão de
uma parte de F. C. Conybeare & St. George Stock, Selections from the Septuagint, Boston, Ginn & Co., 1905), parágrafo 40:
“Falando a grosso modo, é certo dizer que o grego da Septuaginta não tem sintaxe, mas apenas parataxis”. Assim, o estilo de
Marcos parece “grego bíblico”.
149
Os sumários de Marcos que narram atividades intensas de Jesus são: 1.14-15, 32-34, 39; 3.7-12; 6.6b, 34, 53-56; 10.1. Todos eles
foram aproveitados por Mateus que não viu neles problema estilístico ou poético.
150
AUNE, 1987, p. 54.
151
BEST, 1989, p. 50-52.

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consegue fazer seus comentários no texto. O capítulo 7 é um dos mais repletos de parêntesis: Marcos 7.3-
4; 7.11b; 7.19b. No primeiro caso, ele usa um ga,r “pois” para explicar o costume judaico. No segundo
caso, ele simplesmente introduz uma frase solta no meio do texto: o[ evstin( Dw/ron, “isto é, oferta”. No
último destes casos, uma construção participial, sem ligação com o discurso anterior, marca o parêntesis:
kaqari,zwn pa,nta ta. brw,mata, “purificando toda a nutrição”. É claro que no uso oral deste evangelho, a
dificuldade de identificar os parêntesis diminuiria.
A vivacidade é uma das características literárias sempre ressaltadas no Evangelho de Marcos.
Marcos impressiona com o uso da “ipisissima verba” de Jesus, em língua aramaica, em quatro ocasiões
específicas: (a) “Talithá koûmi” no momento da ressurreição da filha de Jairo (Marcos 5.11); (b)
“Effathá” no momento da cura do surdo-gago (Marcos 7.34); (c) “Abbá” na agonia do Getsêmani
(Marcos 14.36); e (d) “eloí, eloí, lamá sabachthani?”, o brado da cruz (Marcos 15.34). Em todas estas
ocasiões, ele oferece uma tradução grega para seus leitores não familiarizados com o aramaico, mas a
retenção destas frases no texto ajuda a manter o ar de mistério e até mesmo de agonia da narrativa.
Outra forma de apreciar a vivacidade e o detalhamento do texto de Marcos pode ser feita por uma simples
comparação com os outros evangelhos narrando um mesmo evento. Observe o caso do milagre de Jesus
acalmando uma tempestade152.
Mateus 8.23-27 Marcos 4.35-41 Lucas 8.22-25
73 palavras gregas 118 palavras gregas 94 palavras gregas
9,3 linhas de texto grego 14,1 linhas de texto grego 11,8 linhas de texto grego

Lendo Mateus e Lucas conseguimos entender o mesmo quadro e a mesma história, mas o que surpreende
é o fato de Marcos ter tantos detalhes, aparentemente desnecessários para a história, em sua narrativa. Isto
vai contra a antiga tese de Agostinho que afirmava ser Marcos um réles abreviador de Mateus. Na
verdade, Mateus e Lucas é que são os abreviadores.
Evangelho e a Arte Retórica do mundo antigo153
O trabalho de sistematizar os mecanismos e o funcionamento dos discursos da Antiguidade foi realizado,
em sua forma clássica, pelos gregos e, depois, aplicado e ampliado pelos romanos. Contudo, esta
sistematização do discurso humano apenas identificou e classificou o que já se praticava. Ocasionalmente,
o estudo empírico dos discursos produziu sugestões de melhoramento dos mesmos.
Assim, uso da retórica antiga na análise de textos como o Evangelho de Marcos não afirma nem nega que
o autor fizesse uso consciente dos conhecimentos retóricos de seu tempo. Apenas afirmamos duas coisas:
(a) a retórica consegue explicar o funcionamento de discursos e textos não redigidos por retores, pois a
comunicação humana se processa, por natureza, por vias semi-padronizadas; (b) os autores bíblicos, tais
como Marcos, podiam não ser retores, mas utilizavam a retórica antiga por conhecimento direto ou de
maneira intuitiva.154
Há muitos elementos da retórica antiga que podemos observar na leitura do Evangelho de Marcos. Desde
o fim dos anos 60 do século passado, os estudiosos da Bíblia foram conclamados a prosseguirem em seus
estudos do texto bíblico passando das já consagradas análises filológicas, históricas e literárias para a
análise retórica.155
As três maiores correntes da chamada crítica retórica aplicada aos textos bíblicos são: (a) análise retórica
como análise da arte literária e oratória dos escritores bíblicos – concentra-se mais na poética do discurso;
(b) análise retórica pelos tratados de retórica clássica (Aristóteles, Cícero, Quintiliano etc), observando o

152
MCMILLAN, 1973, p.16-17.
153
Falando em geral sobre a Arte Retórica, penso nos cânones estudados e preservados por Aristóteles, Cícero (incluindo pseudo-
Cicero, Retórica a Herênio), Quintiliano, Isócrates e seus pares.
154
OLBRICHT, Thomas H. An Aristotelian Rhetorical Analysis of 1 Thessalonians in BALCH, David L.; FERGUSON, Everett;
MEEKS, Wayne (ed.s). Greeks, Romans, and Christians: Essays in Honor of Abraham J. Malherbe. Minneapolis: Fortress
Press, 1990, p. 221 fala que a retórica estava tão disseminada na cultura geral do mundo greco-romano, que Paulo não poderia ter
escapado de sua influência. Podemos dizer o mesmo sobre Marcos e todos os outros autores do Novo Testamento.
155
Todos citam o discurso presidencial de James Muilenburg na Sociedade de Literatura Bíblica em 1968 como o marco de uma
renovação do estudo da Bíblia por meio das Retóricas antigas e modernas. Sobre a história recente do uso da retórica nos estudos
bíblicos veja: ROBBINS, Vernon K., The Rhetorical Full-Turn in Biblical Interpretation: Reconfiguring Rhetorical-Political
Analysis in PORTER, S. E.; OLBRICHT, T. H. (ed.s). Rhetorical Criticism and the Bible: Essays from the 1998 Florence
Conference. Sheffield: Sheffield Academic Press, p. 48-60; Veja também MORRISON, Michael, Rhetorical Criticism: History,
Purpose, and Method, disponível em http://www.angelfire.com/md/mdmorrison/nt/rhetorical.htm em julho de 2009.

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funcionamento do processo de persuasão conforme os usos e as partes do discurso – concentra-se nos


modos de persuasão; (c) análise retórica como método de explicitar o uso prático do poder dentro das
comunidades de leitores – concentra-se na compreensão da práxis revelada ou estimulada pelo
discurso.156
Nesta nossa provocação, trataremos um pouco de cada um destas grandes vias da análise retórica do texto
bíblico.
Segundo George A. Kennedy, o evangelho de Marcos é caracterizado por uma “retórica cristã radical”157.
Diferentemente de Mateus e Lucas, Marcos enfatiza a autoridade e o poder de Jesus. Mateus e Lucas
narram o nascimento divino de Jesus, genealogias e assentam uma série de fundamentos para caracterizar
a grandeza de Jesus. Marcos já apresenta Jesus em plenos poderes, convidando todos a uma tomada de
posição. Trata-se de uma retórica “kerigmática”, ou seja, uma retórica baseada na pregação da mensagem
do evangelho.
Amos N. Wilder já afirmava que “a característica básica do Evangelho é revelação e não persuasão”.158
Por isto, Thomas H. Olbricht fala dos livros neotestamentários como representantes de uma “retórica da
igreja”, diferente, em alguns aspectos importantes, das retóricas clássicas, tais como as de Aristóteles e
Quintiliano.159 Entendendo esta diferença, podemos buscar nos escritos de Marcos as semelhanças e
diferenças de seu discurso retórico com o dos seus contemporâneos.
Uma das técnicas retóricas mais importantes e utilizadas de vários modos por Marcos é a inclusão,
inclusio.160 São várias as formas como a inclusão ocorre no evangelho de Marcos.
Uma famosa inclusão observa-se entre Marcos 1.1 e Marcos 15.39: no primeiro verso do livro e no último
testemunho humano da obra, Jesus é declarado “Filho de Deus”. Assim, toda a obra “fica incluída” dentro
deste tema, pois, a inclusão é uma técnica que procura definir discurso incluído por este tipo de “rótulo”
inicial e final. Da mesma forma, a menção da palavra “boa nova” (evangelho) no início e no fim da obra
definem o seu conteúdo (Marcos 1.1 e Marcos 16.15).161
Uma inclusão mais sofisticada também pode ser notada nos personagens que abrem e fecham o livro:
Marcos começa com o “mensageiro” anunciando Jesus (Marcos 1.2ss) e termina com um jovenzinho
atuando como um “mensageiro” (provavelmente um anjo) anunciando o Jesus ressurreto (Marcos
16.5).162
Outras formas de “inclusão” utilizadas amplamente por Marcos envolvem narrativas ou perícopes
inteiras. Narrativas e frases ‘incluem’ dentro dela algum material que elas explicam. O objetivo destas
‘molduras’ do texto é que a cena do meio seja iluminada ou escurecida pela “moldura”. Gera-se uma
tensão ou uma intensificação do ensino ou da narrativa.
Os exemplos abaixo mostrarão de modo mais óbvio o que Marcos faz.
Exemplo nº 1 – A família de Jesus e a blasfêmia dos escribas. Note a ordem dos textos no evangelho de
Marcos:
Marcos 3.20-21 – A família de Jesus diz que ele está louco e viaja para prendê-lo.
Marcos 3.22-30 – Os escribas dizem que Jesus está endemoninhado: ele é Belzebu.
Marcos 3.31-35 – A família de Jesus chega e não é reconhecida por Jesus.
Note que a história da família de Jesus, que não acredita nele e vem a Cafarnaum para prendê-lo como
louco é interrompida pela história da incredulidade dos escribas que vão muito além de dizer que ele está
louco – eles o acusam de estar possuído por Belzebu!
Tal intercalação de temas faz com que um evento seja entendido à luz do outro e que um interprete o
outro. O que a família considera loucura, os religiosos consideram possessão demoníaca e as duas coisas
são o mesmo tipo de avaliação negativa do mesmo evento: a atividade de Jesus.

156
BLACK, C. Clifton. The Rhetoric of the Gospel: Theological Artistry in the Gospels and Acts, St. Louis: Chalice Press,
2001, p. 4-19.
157
KENNEDY, George A. New Testament Interpretation Through Rhetorical Criticism. Chapel Hill: The University of North
Carolina Press, 1984, p. 104-107.
158
WILDER, 1964, p. 29-30.
159
OLBRICHT in BALCH; FERGUSON; MEEKS, 1990, pág. 226.
160
Sobre o uso de inclusões no ensino de Jesus veja PESTANA, Álvaro César. Provérbios de Jesus (Provérbios do Homem-
Deus). São Paulo: Vida Cristã, 2002, p.17-18, 31-32, 92.
161
Este raciocínio aceita que Marcos 16.9-20 deve ser parte integrante do Evangelho de Marcos.
162
Este raciocínio supõe que Marcos terminou sua obra em Marcos 16.8 propositadamente.

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Exemplo nº 2 – A fama de Jesus e a morte de João Batista. Novamente, observe a sequência:


Marcos 6.7-13 – Jesus envia os doze para pregar
Marcos 6.14-29 – A fama de Jesus faz Herodes pensar em João Batista
Marcos 6.30-33 – Os doze retornam da pregação
A história da morte de João Batista é narrada como reminiscência de Herodes, que agora acha que Jesus é
João ressurreto (Que ironia: o justo que morre deve ressurgir com poder!) A fama de Jesus produzida pela
pregação dos doze explica a associação dele com João Batista. Por outro lado, a morte de João Batista
profetiza e sugere o tipo de morte que Jesus vai sofrer. O justo morre por causa de sua fé! Um texto
ilumina outro. Tal intercalação de temas não é acidental ou falta de arte, pelo contrário, trata-se de uma
técnica refinada de comunicação.
Exemplo nº 3 – A figueira sem fruto e o templo infrutífero. A narrativa do milagre envolve a narrativa da
purificação do Templo judaico, mostrando que seu culto era ‘sem fruto’ como a figueira do milagre.
Marcos 11.12-14 – Jesus amaldiçoa a figueira sem fruto
Marcos 11.15-19 – A purificação do Templo
Marcos 11.20-25 – Jesus fala sobre a figueira seca e sobre fé
Exemplo nº 4 – A traição de Judas e a homenagem em Betânia. Neste caso, o contraste entre o texto que
faz a ‘moldura’ e a narrativa de ‘dentro’ é assustador. A feiura da traição ressalta a beleza da homenagem.
A generosidade do presente é contrastada com a mesquinhez da traição.
Marcos 14.1-2 – Os líderes querem matar Jesus à traição
Marcos 14.15-19 – A unção em Betânia
Marcos 14.20-25 – Judas e os líderes preparam a traição de Jesus
Exemplo nº 5 – O julgamento de Jesus e a negação de Pedro. Os dois julgamentos de Jesus: o primeiro,
pelo sinédrio judaico (Marcos 14.53-65) e o segundo, pelo procurador romano (Marcos 15.1-15), formam
a moldura da tríplice negação de Pedro (Marcos 14.66-72). A negação de justiça e de defesa para Jesus é
o quadro que encontra paralelo na negação de fidelidade e de confissão por parte de Pedro. Os inimigos
estão atacando e os amigos o estão negando. Em termos humanos, Jesus está absolutamente só. Os seres
humanos, cada grupo ao seu modo, estão negando Jesus. Uma cena complementa a outra.
Exemplo nº 6 – A história da ressurreição da filha de Jairo, que tinha 12 anos, é emoldurada pela história
da mulher hemorrágica, doente por 12 anos. Uma cura dá ambiente para a outra e uma intensifica o
sentido da outra.
Marcos 5.21-24a – O pedido de Jairo e a disposição de Jesus para curar a menina
Marcos 5.24b-34 – A cura da mulher hemorrágica e a disposição de Jesus para salvar
Marcos 11.20-25 – A desistência do pedido e a disposição de Jesus para ressuscitar a menina
Embora o enquadramento do milagre da cura da mulher no meio da caminhada para a casa de Jairo seja
uma questão da cronologia dos acontecimentos, o fato de Marcos manter esta ordem, sem separar as
narrativas, combina com seus hábitos editoriais e literários. Ele mostra, com estas duas curas, a disposição
e o poder de Jesus. Duas pessoas sem valor na sociedade são atendidas rapidamente e além das
expectativas: a mulher queria só cura, obteve salvação; a menina precisava de uma cura, mas recebeu uma
ressurreição! Uma análise da retórica do uso do poder seria altamente produtivo, ao encontrar um texto
como este.
Há outras construções similares a estas quatro mencionadas, algumas maiores, que abrangem grandes
seções do evangelho (como a cura dos cegos em 8.22-26 e em 10.46-52).
Também o uso de ironia dramática163, comum em todo o relato bíblico, ocorre bastante em Marcos e com
refinamento que merece atenção.
Ironia vem do verbo grego “dizer”. Para nosso uso, é a deliberada insinuação de uma coisa por meio de
outra. Portanto, ironia é fazer ou dizer algo querendo dar a entender outra coisa. No caso das ironias dos

163
BEST, 1989, p. 55.

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evangelhos, os leitores têm uma posição privilegiada em relação aos protagonistas dos eventos históricos
e, por causa disto, podem ler e entender os eventos em um “nível superior”.
Em Marcos 14.57-58, Jesus é acusado de ter afirmado: “eu destruirei este templo, feito por mãos, e
durante três dias construirei outro, não feito por mãos.”. Na narrativa, a acusação não faz muito sentido,
mas os leitores cristãos já sabem aplicar o dito em dois níveis: (a) eles sabem que Jesus é Deus, logo, seu
corpo é um templo, uma morada de Deus, que seria destruída na cruz e reconstruída na ressurreição; (b)
eles sabem que Jesus, depois da ressurreição, construiria um novo templo, ou seja, uma nova comunhão
de adoradores a Deus. Assim, ironicamente, a acusação feita contra Jesus para seu mal torna-se, num
nível superior, uma declaração de suas obras divinas posteriores.
Outro texto repleto de discurso irônico, onde o que se diz é “invertido ou elevado” para outro sentido, é o
relato da crucifixão e morte de Jesus Cristo (Marcos 14.22-32)164.
O QUE OCORREU/FOI NARRADO O QUE SIGNIFICOU
IRONIA
Jesus foi acusado de ser o rei dos Judeus (26) Houve um reconhecimento oficial de Jesus como rei.
Foi colocado entre os malfeitores (27-28) De fato, Jesus veio viver entre os malfeitores que somos nós.
Jesus foi anunciado como quem derruba o templo e o De fato, Jesus morreria e em três dias iria levantar-se da
reedifica em três dias (29) morte. Ele é o verdadeiro templo onde Deus mora.
“Salva a ti mesmo e desce da cruz” (30) Ele salvou a todos por não ter descido da cruz
“Salvou outros, a si mesmo não pode salvar.” (31) De fato, salvou os outros por não salvar a si mesmo.
“Desça agora da cruz, para que vejamos e creiamos” Hoje, pessoas creem nele sem tê-lo visto, justamente porque
(32) ele não desceu da cruz.

Estas ironias seriam facilmente reconhecidas pelos leitores que tinham fé em Jesus, sabem de todas as
suas ações salvíficas e de toda a dignidade de sua pessoa, logo, o texto passa a ser lido em um nível
superior ao da narrativa.
Ao compreender a ironia do relato, temos condições de entender, também, por que estes detalhes e não
outros relativos à crucifixão foram relatados. Normalmente, o relato privilegia a ironia do momento, ou a
alusões a temas escriturísticos (paralexismos).165
Outra técnica muito utilizada por Marcos, que provavelmente é eco da técnica da tradição de preservação
oral das narrativas166, é a técnica de construir as narrativas em quiasmos.
Um quiasmo, também chamada de “construção em espelho” é um arranjo de frases ou de parágrafos de
modo que cada elemento do conjunto encontra seu correspondente em ordem inversa à da primeira
ocorrência, ou seja, em termos de estrutura, temos uma composição do tipo: A B C C’ B’ A’. O primeiro
tema voltará a ser o último, o segundo será o penúltimo e assim por diante.
Os ditos de Jesus, muitas vezes, estavam construídos em quiasmo167. Por exemplo, Marcos 2.27:
To. sa,bbaton dia. to.n a;nqrwpon evge,neto
kai. ouvc o` a;nqrwpoj dia. to. sa,bbaton\
O sábado surgiu por causa do homem,
e não o homem por causa do sábado.
O formato é de um óbvio ABB’A’:
sábado... homem; homem... sábado.
Um exemplo de quiasmo em uma unidade literária maior é encontrado em Marcos 2.13-3.8. Aqui168, uma
série de controvérsias de Jesus contra o judaísmo é agrupada em um único bloco por meio do quiasmo
(construção em espelho) do tipo: a b c d-d’c’b’a’, sendo que a “parelha central” de pronunciamentos,
quase pode ser descrita como o “centro” de toda a seção.

164
Citado em PESTANA, Álvaro César. Momentos importantes na vida de Jesus. São Paulo: Editora Vida Cristã, 2000, p. 58.
165
O relato da morte de Jesus, deliberadamente, usa o vocabulário de trechos bíblicos que falavam do sofrimento do Justo, tais como
Salmo 22, Salmo 69, Isaías 53 e similares.
166
LUND, Nils W. Chiasmus in the New Testament: a study in the form and function of chiastic structures. Peabody:
Hendrickson, 1992, p. xviii.
167
LUND, 1992, p. 32.
168
LUND, 1992, p. 303, com adaptações.

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(a) Jesus à beira-mar – uma grande multidão [2.13]

(b) Escribas e fariseus: “Por que ele come com ... os que erram?” [2.14-17]
Exemplo justificador: Provérbio sobre médico e doentes

(c) Discípulos de Jesus e dos fariseus: “Por que ... não jejuam?” [2.18-20]
Exemplo justificador: Provérbio sobre noivo e amigos

(d) Princípio orientador: Pano novo em veste velha [2.21]

(d’) Princípio orientador: Vinho novo em odres velhos... [2.22]

(c’) Discípulos de Jesus e fariseus: “Por que trabalham no sábado?” [2.23-28]


Exemplo justificador: Davi e os sacerdotes

(b’) Fariseus e herodianos: “É lícito trabalhar no sábado?” [3.1-6]


Exemplo justificador: Sábado como dia para fazer o bem

(a’) Jesus a beira-mar – uma grande multidão [3.7-8]


Quando um “quiasmo” tem um centro, esta estrutura passa a ser denominada como uma estrutura
concêntrica. Um exemplo disto é a narrativa da cura do cego Bartimeu, narrada em Marcos 10.46-52.
A narrativa adota como centro, o chamado redentor de Jesus (verso 49). Jesus aparece na primeira e na
última cena, além da cena central. Os eventos podem ser classificados nas categorias abaixo, conforme as
letras.
NARRATIVA ORDEM
LITERÁRIA
A SITUAÇÃO (46) A
Jesus passa – Discípulos. Multidão.
O cego parado.
OS DIÁLOGOS: O PEDIDO (47) B
O cego ouve.
O cego chama.
A REPRESSÃO DA FÉ (48) C
A multidão reprime.
O cego chama.
O CHAMAMENTO (49) CENTRO
Jesus para e chama.
O povo encoraja e avisa.
A DECISÃO DE FÉ (50) C’
O cego lança a capa.
O cego levanta-se.
O DIÁLOGO: A QUESTÃO (51) B’
O que quer? Jesus interroga.
Quero ver! O cego responde.
A NOVA SITUAÇÃO (52) A’
Jesus afirma. *
O cego é curado e segue Jesus.

Os tratados retóricos do mundo antigo classificavam as operações retórica em169: invenção, disposição,
elocução, memorização e pronunciação (Inventio - Eu[resij; Dispositio/Inuentio – Oivkonomi,a Ta,xij;
Elocutio – Le,xij; Memoria – Mnh,mh; Pronunciatio/Actio `Upo,krisij)170.

169
Quintiliano, Institutio Oratoria, III.3.1 – Omnis autem orandi ratio, ut plurimi maximique auctores tradiderunt, quinque
partibus constat: inventione dispositione elocutione memoria pronuntiatione sive actione (utroque enim modo dicitur). Cito o texto
latino da edição da LCL.

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A “invenção”, no Evangelho de Marcos, consistiu da seleção de relatos e de discursos. Dentro das


tradições orais, certamente, Marcos escolheu o que lhe interessava em termos da mensagem que queria
transmitir sobre Jesus.
Mais de 25% das narrativas de Marcos falam de milagres e cerca de 40% do livro trata do ensino de
Jesus171. Além destes dados, lembremo-nos que a narrativa da Paixão ocupa cerca de 20% do texto.172
Assim, podemos avaliar o tipo de peso que Marcos deu aos vários elementos da vida de Jesus na seleção
de elementos, ou seja, na “invenção” de sua obra.
Um dos aspectos mais destacados da “invenção” está no fato que muitas das perícopes escolhidas por
Marcos são evangelhos em miniatura173. Ou seja, a arte de Marcos consegue colocar “o evangelho (boa
nova) dentro de cada narrativa do evangelho (boa nova)”. Cada parte ilumina o todo e o todo se vê em
cada parte.
Certamente, isto não ocorre claramente a todo momento, mas em algumas narrativas é muito evidente.
Por exemplo, na cura do leproso, de Marcos 1.40-45, a mensagem do evangelho se vê, em semente,
dentro desta única narrativa.
A HISTÓRIA DO LEPROSO O EVANGELHO
A lepra exclui a pessoa da vida O pecado exclui a pessoa da Vida
Fala de um leproso indo a Jesus Fala do pecador indo a Jesus
Fala de um pedido de purificação Fala de nosso pedido de perdão
O leproso não tem direito de exigir O pecador não tem direito de exigir
Jesus tem misericórdia Jesus tem misericórdia
Jesus purifica da lepra Jesus purifica do pecado
Homem curado Homem salvo
Jesus fica “leproso” (ele não pode entrar nas Jesus fica “pecador” (ele carrega os pecados dos
cidades por causa da sua fama) homens e assim morre na cruz)

Um homem necessita de ajuda e recorre a Jesus que, com misericórdia, mostra consideração para com ele,
tomando seu lugar de “pessoa excluída” da sociedade. O verso 45 apresenta uma situação profundamente
irônica174 que tem grande repercussão teológica. O texto diz que depois da cura do leproso e da
divulgação do milagre, Jesus não podia mais ir para as cidades: “ele [Jesus] não podia entrar visivelmente
em uma cidade, mas ficava fora, em lugares desertos.” A ironia é que o leproso, que antes não podia
entrar nas cidades, agora pode. Por outro lado, Jesus que andava de cidade em cidade, agora não pode
mais entrar nelas. O leproso estava purificado e reintegrado à sociedade e Jesus estava “leprificado”, ou
seja, como se fosse um leproso, não podia mais entrar nas cidades.
Esta ironia alude, imediatamente, à teologia da cruz, onde Jesus tornou-se maldito e pecado para nos
salvar (2Coríntios 5.21; Gálatas 3.13). Porque o leproso ficou puro, Jesus fica com “lepra”. O evangelho
está anunciado aí, nas entrelinhas, para quem quiser ler.
Assim, a arte de Marcos, na escolha das narrativas, muitas vezes optou por histórias que são um resumo
da história do evangelho que ele está narrando.
Outra técnica da “invenção” de Marcos envolve o uso deliberado de “padrões bíblicos”. Um exemplo
disto é o modo como ele narra o seu evangelho, aproximando, ocasionalmente, seu texto com o “Ciclo de
Histórias de Elias e Eliseu” (1Reis 17-2Reis 13). João Batista é assemelhado a Elias (Marcos 1.6) e Jesus
pode ocupar o lugar de Eliseu, sucessor de Elias. Já que Marcos fala que João Batista era o Elias que
devia vir (Marcos 9.13), Jesus adapta-se bem ao papel de “novo-Eliseu”, fazendo milagres similares aos
de Eliseu: (i) multiplicar comida (2Reis 4.42-44//Marcos 6.30-44; 8.1-10), (ii) ressuscitar uma criança
(2Reis 4.32-37// Marcos 5.35-43), (iii) curar a lepra de um homem (2Reis 5.1-19//Marcos 1.40-45) e
outros paralelos menores, alguns até sem grande significado.175

170
Segundo MOSCA, Lineide do Lago Salvador (org.). Retóricas de Ontem e de Hoje. São Paulo: Humanitas, 1997, p. 28, os
gregos falavam de quatro componentes do sistema retórico: inventio, dispositio, elocutio et actio. Os romanos, a eles,acrescentaram
mais um: memoria.
171
Devo estas duas primeiras cifras a AUNE, 1987, p. 57 e 58.
172
Esta porcentagem é uma aproximação grosseira, usando o número de páginas de texto grego como base. Apesar de sua
precariedade, ela dá uma ordem de grandeza da dimensão deste relato.
173
Para um aprofundamento deste tema em linguagem simples: WOODROOF, James S. Quatro Realidades: princípios para uma
vida cristã de poder. São Paulo: Vida Cristã, 1999.
174
Já discutimos a ironia, anteriormente, dentro da Poética de Marcos.
175
Devo esta lembrança a BEST, 1989, p. 48-49. Ele cita outras fontes bibliográficas.

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Esta construção, conforme um “modelo bíblico” era muito impressionante e significante para uma
comunidade leitora do Velho Testamento em grego (Septuaginta) que, por estar imersa nestas narrativas,
podia apreciar fácil e rapidamente estas alusões, que para nós quase parecem fantasiosas.176
Contudo, se aceitarmos, como hipótese de trabalho, que Marcos emulava a literatura “clássica” da
comunidade cristã, certamente, concederemos mais atenção aos paralelos entre as narrativas evangélicas e
as veterotestamentárias.177
A “disposição” do Evangelho também seguiu uma ordem retoricamente pensada, pois, já mostramos,
anteriormente, que Marcos faz arranjos e ligações cuidadosas das narrativas. Certamente, ele tem que
obedecer a ordem cronológica dos eventos, mas se utiliza delas para enfatizar sua mensagem.
A “disposição organiza-o [o material da invenção], ligando-o e prendendo-o em conjunto”178. Marcos
dispõe seu material em ordem conforme vários critérios teológicos (e retóricos). Por exemplo, um aspecto
que pode parecer ocasional em Marcos, mas que tem um grande peso retórico é a descrição geográfica
das atividades de Jesus.
No Evangelho de Marcos, Galileia é mais do que a terra natal de Jesus (Marcos 1.14). Galileia é o lugar
onde eles vão encontrar com o Jesus Ressurreto (Marcos 16.7), Galileia é o lugar da fé e do ser discípulo
de Jesus. Ele já tinha predito que os encontraria de novo na Galileia (Marcos 14.28). A Galileia é o lugar
onde os discípulos foram escolhidos (Marcos 1.16), onde a fama de Jesus era grande (Marcos 1.28), onde
o ministério de Jesus se desenvolveu (Marcos 1.39; 9.30). Embora viessem a Jesus pessoas de todas as
regiões circunvizinhas (Marcos 3.7-8), sua atividade centralizava-se ao redor do Mar da Galileia. Quando
ele vai para a Judeia, logo, o temor se apodera de seus discípulos (Marcos 10.1 e 32).
Jerusalém e a Judeia são a terra da rejeição e da morte (Marcos 10.32-34). Todos sabem que Jerusalém é
o local da traição, prisão, julgamento e morte de Jesus (Marcos 14-16), logo, não é em Jerusalém que os
discípulos são incentivados a permanecer para verem o Cristo ressurreto. É na Galileia que eles o verão
(Marcos 16.7). Somos informados, pelos evangelhos de Lucas e João, que Jesus apareceu aos discípulos
na Judeia, em Jerusalém e arredores. Contudo é arte da “invenção” de Marcos não narrar estes eventos
para transformar a simples situação geográfica numa sutil lição teológica: o lugar de encontro com Jesus é
no terreno da fé e do discipulado e não na terra da dúvida, da rejeição e do preconceito. Assim, Galileia e
Judeia deixam de ser apenas marcos geográficos e tornam-se marcos teológicos neste Evangelho.
O quesito “memória” para a retórica antiga, dizia respeito à memorização do discurso a ser apresentado
como também do discurso dos outros, uma vez que muitas vezes seria necessário responder, ponto a
ponto, a um discurso já realizado.
Na “Retórica a Herênio (III.28-40)”179, todo tipo de técnica de memorização é oferecido. Já Quintiliano
enfatiza que uma boa composição será um melhor guia para a memória. Ele já mostra que a poesia e o
ritmo ajudam mais do que os textos em prosa e não rítmicos.180 Como já observamos acima, o uso de
vários recursos poéticos como quiasmo, inclusões e outras formas de discurso artístico deveriam ajudar na
memorização das narrativas.
Por outro lado, no caso do Evangelho de Marcos, a memorização de muitas narrativas já havia ocorrido
no processo de transmissão oral das histórias de Jesus. Logo, o que se vê na obra escrita, é uma tentativa
de permitir ao ouvinte, a memorização dos relatos pela manutenção dos antigos auxiliares da memória das
narrativas orais bem como pela criação de novos auxílios à memória.
A primeira técnica de auxílio à memorização que queremos enfatizar é a repetição181. Marcos sabia que a
leitura pública da obra, diante das comunidades, seria contínua e completa, ou seja, o leitor não pode
“voltar atrás na leitura” para reforçar um detalhe. Logo, o evangelista “repete” temas e narrativas no
decorrer leitura.

176
Um exercício interessante é ler o livro de Jonas e compará-lo com o milagre de Jesus acalmando a tempestade (Marcos 4.35-43).
Os gerasenos, descritos no texto posterior e os ninivitas do livro de Jonas tem reações diferentes, assim também como Jesus e Jonas
se contrastam em muitos aspectos.
177
De fato, fenômeno semelhante ocorreu com a literatura grega, pois a leitura dos seus “clássicos” fez com que seus cânones
passassem a ser imitados e reproduzidos por outros autores.
178
Quintiliano, Institutio Oratoria, VII. prohoemium.1.
179
Afortunadamente, temos uma publicação bilíngüe, latim-português, desta obra: [Cícero], Retórica a Herênio (tradução de Ana
Paula Celestino Faria e Adriana Seabra). São Paulo: Herdra, 2005.
180
Quintiliano, Institutio Oratoria, XI.2.39
181
Por outro lado, a repetição era reconhecida como útil pelos escritores antigos. O provérbio latino “Repetita iuvant”, “a repetição é
útil” é atribuído a Horácio, Ars Poetica, 365 (Citado por TOZI, Renzo. Dicionário de Sentenças Latinas e Gregas. São Paulo:
Martins Fontes, 2000, #378, p. 175).

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Equivocam-se os que pensam que a repetição de narrativas e histórias semelhantes são um momento,
como dizem os críticos “onde Marcos cochilou”182. Marcos repete histórias semelhantes para reforçar os
conceitos nela descritos.
Duas vezes Jesus demonstra poder sobre a natureza (Marcos 4.35-41 e 6.45-52); duas vezes multiplica
pães e peixes (Marcos 6.30-44 e 8.1-10); duas vezes os discípulos não entendem Jesus (Marcos 6.52 e
8.14-21); duas vezes Jesus entra em controvérsia com os fariseus (Marcos 7.1-23 e 8.11-13).
Nas curas de dois homens: um que era surdo e gago e outro que era cego, a similaridade das narrativas faz
ver que o interesse de Marcos não está apenas na repetição, mas numa leitura dos relatos em um “outro
nível”. Os textos estão no quadro abaixo:
Marcos 7.31-37 Marcos 8.22-26
A cura de um surdo-gago A cura de um cego em Betsaida
“Efatá” = “Abre-te” Enxergando mal e depois enxergando bem
(abrindo o entendimento) (entendendo cada vez melhor)
Trouxeram um surdo-gago Trouxeram um cego
Pediram para impor mãos Pediram para tocar nele
Retirou-o da multidão Retirou-o da aldeia
“cura estranha com saliva e rituais” “cura estranha em duas etapas”
“Effathá” = “Abre-te Enxergando mal e depois enxergando bem

Parece que ambos os milagres são performizados por Jesus e lidos pelo público de Marcos como
“símbolos” do progresso dos discípulos que precisavam “abrir” os ouvidos e “enxergar” quem era Jesus.
Estes milagres narrados antes da confissão de Pedro, mostram simbolicamente o caminho de progresso da
fé dos discípulos que não entendem Jesus, mas que mais tarde, passam a compreendê-lo.
Assim, a repetição dos mesmos textos e dos mesmos temas, ajudava o ouvinte, que não pode “voltar atrás
no texto”, a fixar na memória o conteúdo e as ideias narradas.
Também os chamados “tripletes” do Evangelho de Marcos atendem à necessidade de ajudar a memória
do ouvinte: temos três parábolas (Marcos 4.3-32), três opiniões sobre Jesus (Marcos 6.14-15) que são
repetidas em outra situação (Marcos 8.27-28). Também são três as predições da morte do Messias
(Marcos 8.31; 9.31; 10.33-34) e os discípulos dormem três vezes (Marcos 14.32-42) antes de Pedro negar
Jesus três vezes (Marcos 14.66-72).
Toda esta arte retórica de Marcos ajuda a memória dos ouvintes do discurso no formato de livro.
Hoje em dia, a chamada “crítica da performace” 183 analisa a forma e o efeito da leitura pública do Novo
Testamento diante do público – isto tem a ver com a “pronunciação” do discurso. O que se tenta resgatar
é o efeito original da leitura dos livros neotestamentários nas comunidades cristãs. Por muitos anos, a
negligência destes aspectos fez com que a compreensão do texto passasse por um processo que lida com o
texto como documento escrito que precisa ser lido e relido, mas a verdade é que os documentos do Novo
Testamento causavam seu impacto por uma leitura integral e, com certeza, bem ensaiada.
Assim, os aspectos retóricos da elocução do discurso (elocutio) são altamente significantes para todos os
livros do Novo Testamento, incluindo o Evangelho de Marcos.
Podemos até supor os momentos em que o público era convidado a participar com palmas ou com outros
tipos de aclamações184. Não devemos imaginar que a leitura de Marcos, na íntegra, nas primeiras
assembleias cristãs fosse feita em “silêncio de igreja”. Os antigos já estavam acostumados a manifestar
aprovação e reprovação de modo ruidoso e audível quando ouviam discursos públicos de qualquer
natureza185. A sinagoga judaica também tinha espaço para uma clara manifestação de aprovação ou
reprovação186.

182
Os antigos críticos falavam que “até o hábil Homero, ocasionalmente, cochila” (Horácio, Ars Poetica, 359, citado por TOZI,
2000, #461, p. 216), mas este não é o caso aqui.
183
Para uma visão geral da chamada “critica da performance” que analisa o processo e os efeitos da leitura pública dos textos
bíblicos, veja Performance Criticism: An Emerging Methodology on Biblical Studies, disponível em http://www.sbl-
site.org/assets/pdfs/Rhoads_Performance.pdf em julho de 2009.
184
Dependo do artigo de SHINER, Whitney. Working the audience: applause lines in the performance of Mark, obtido em junho de
2009 em http://rhetjournal.uor.edu/Shiner.pdf
185
Atos 17.32 – veja que Paulo é interrompido e ridicularizado por alguns dos ouvintes. A intervenção do público era uma
constante.
186
Atos 13.46 – veja que os oponentes de Paulo falam contra ele durante sua pregação.

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Embora seja difícil reconstruir as antigas performances de leitura de Marcos, podemos imaginar,
conforme os hábitos de participação nos antigos discursos, que o povo manifestar-se-ia em ocasiões tais
como: (a) Quando Jesus cita uma frase sentenciosa; (b) Quando Jesus silencia seus inimigos e críticos; (c)
Quando uma expressão de fé ou uma confissão verdadeira é feita por algum personagem da narrativa.
Tais observações resgatam o impacto do evangelho de acordo com os métodos antigos de ênfase e de
valorização da narrativa.
Também poderíamos utilizar a chamada crítica retórica187 para analisar perícopes e discursos particulares
do evangelho de Marcos.
Por exemplo, o Sermão Profético de Jesus em Marcos 13.5-37 pode ser estudado188 como uma peça
retórica avulsa:
A unidade retórica é assinalada pelos versos 13.5a e 14.1, pois no primeiro, anuncia-se o discurso e no
segundo, o narrador intervém. A situação retórica pode ser descrita como um discurso esotérico,
característico de Marcos, onde uma explicação privada explicita uma declaração pública (Marcos 4.10-
34; 7.17-23; 9.28; 10.10-12). O gênero retórico189 do discurso não pode ser descrito nem como judiciário
e nem como deliberativo, logo, o discurso encaixa-se melhor no gênero epideítico ou demonstrativo. O
arranjo retórico do sermão seria: exórdio = v.5; narração = v.6-36; peroração = v. 37. A invenção retórica
neste sermão pode gerar análises muito complicadas, mas pode-se ver as chamadas “provas não
artificiais” tais como a citação do profeta Daniel e também, as “provas artificiais” tais como a parábola da
figueira (v. 28-29). O estilo retórico do sermão não segue os ideais de “pureza, clareza, beleza e
propriedade”190 ao modo da retórica clássica, mas, dentro dos limites do grego koinê e mesmo com alguns
semitismos de Marcos, o sermão segue a linguagem da Septuaginta e dos discursos proféticos, de modo
que a avaliação do estilo se dá mais por estes critérios do que pelos da literatura clássica. Por outro lado,
no aspecto “beleza ou ornamentação” não estão ausentes neste discurso devido ao uso de várias figuras191
de linguagem, dicção, pensamento etc. A “efetividade retórica” do discurso depende da forma de avaliá-
lo, conforme a frase de C. C. Black, “apesar de Marcos não ser um Cícero, seria surpreendente se
Quintiliano o tivesse desaprovado em qualquer aspecto”192.
Outro texto que pode ser usado para exemplificar uma análise retórica de perícopes isoladas é Marcos
2.23-28, tratando da controvérsia sobre o sábado193.
Narrativa: Arrancando e comendo espigas no sábado (v. 23)
Tema: “não é permitido” (v. 24)
Argumento (refutação):
Citação: Ler as Escrituras (v. 25)
Exemplo: O ato de Davi (v. 25-26)
Analogia: Comer quando se tem fome (v. 25)
Máxima: Sábado foi feito para as pessoas (v. 27)
Conclusão: “o filho do homem é também senhor do sábado” (v. 28)

Também a obra de Marcos revela seu uso das três grandes vias da persuasão: logos, lo,goj ; ethos, e;qoj e
pathos, pa,qoj194.. O “logos” diz respeito ao poder de persuasão do próprio discurso, o “ethos” fala sobre o
caráter do orador que acaba sendo uma grande ferramenta de persuasão e o “pathos” que são as emoções,
sentimentos e desejos dos ouvintes. A persuasão deverá “convencer” por meio destas três vias
Assim, no Evangelho de Marcos, vemos em vários lugares, estes elementos sendo apresentados.
O evangelho de Marcos apresenta um discurso (logos) muito forte e coerente, seja no ensino e ações de
Jesus, seja pela redação que Marcos dá à narrativa. Quando Jesus refuta seus adversários, por exemplo,
seu discurso é arrasador. Ele refuta a acusação de ser um possesso de Belzebu através de um processo
lógico irrefutável (Marcos 3.22-30).
(1) Esta perícope está demarcada pela inclusão feita pelos versos 22 e 30 que falam da acusação levantada
contra Jesus: “tem espírito impuro!”

187
KENNEDY, 1984 é o manual básico para esta abordagem.
188
Faço aqui um rápido resumo de BLACK, 2001, p. 47-73.
189
Aristóteles, Arte Retórica, I.3.1-4.
190
Quintiliano, Institutio Oratoria, VIII.1-XI.1.
191
Um a lista completa tomaria muito espaço aqui. Veja BLACK, 2001, p.64-68.
192
BLACK, 2001, p.70.
193
Sigo MACK, Burton L. Rhetoric and the New Testament. Minneapolis: Fortress Press, 1990, p. 52-53.
194
Aristóteles, Arte Retórica I.2.3-7.

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(2) O encaminhamento do discurso é o de uma refutação, ou seja, ele opta pelo discurso indireto195,
insinuatio, primeiramente destruindo a ideia dos adversários (23-26), depois apresentando sua tese e sua
proposta (27) e fechando o discurso com uma advertência e exortação (28-29).
(3) Jesus apresenta sua defesa por meio de uma pergunta retórica: “Como pode Satanás expulsar
Satanás?” Esta questão expõe o absurdo da acusação, pelo silogismo (23):
Premissa maior: Jesus está expulsando Satanás e seus demônios [fato]
Premissa menor: Ele está fazendo isto pelo poder de Satanás [acusação]
Conclusão: Logo, Satanás está expulsando Satanás [absurdo]
(4) Ilustrando o absurdo da conclusão, Jesus apresenta duas “parábolas” ou comparações muito
semelhantes: a parábola do reino dividido e a parábola da casa dividida (24-26).
Premissa maior: Reino ou casa dividida, vai destruir-se [fato]
Premissa menor: Se Satanás expulsa Satanás, ele está dividido [alegação]
Conclusão: Logo, Satanás está destruindo seu próprio poder [absurdo]
(5) Jesus, então, dá a sua explicação para o fenômeno que ele mesmo está realizando nos exorcismos:
Premissa maior: Um valente só é vencido por um mais valente [fato]
Premissa menor: Jesus está vencendo Satanás [fato observado]
Conclusão (que não está explícita no texto): Jesus é mais poderoso que Satanás e está tirando o
que está em poder de seu rival.
(6) Depois destes raciocínios, ele exorta os seus críticos contra a possibilidade deles estarem pecando
contra o Espírito Santo (28-29). Ele subentende o seguinte raciocínio:
Premissa maior: O poder do Espírito Santo é manifesto nos exorcismos.
Premissa menor: Alguns estão atribuindo os exorcismos a Satanás.
Conclusão: Eles estão identificando Satanás com o Espírito Santo!
Assim, neste texto e em muitos outros, a força argumentativa do discurso de Jesus em si mesmo fortalece
o discurso do próprio Evangelho de Marcos.
O caráter (ethos) de Jesus é magnificado em vários pontos do relato. Os milagres, o brilhantismo dos
discursos, a compaixão e uma série de outros detalhes ajudavam a criar, ao redor de Jesus, um caráter
grandioso e misterioso que fortalece a obra. Ele ensina com uma capacidade fora do comum (Marcos
1.22). Ele tem uma autoridade nunca vista (Marcos 1.27). As massas ficam assombradas com seus
milagres (Marcos 1.12). Seus discípulos perguntam: “ora, quem é este que tanto o vento quanto o mar o
escuta?” (Marcos 4.41). O debate com os líderes religiosos no pátio do templo termina com a vitória
arrasadora de Jesus (Marcos 11.27-12.40, veja especialmente versos 12.12, 17, 34 e 37).
Muitas destas afirmações sobre o caráter de Jesus também provocavam os sentimentos e afeições
(pathos) no público. Contudo, podemos observar que Marcos utiliza, com honestidade, os sentimentos do
seu público a favor do seu discurso. Por exemplo, a declaração do centurião romano ao pé da cruz,
“verdadeiramente este homem era Filho de Deus” (Marcos 15.39), tem um grande apelo emocional para
os cristãos romanos, pois neste momento, um oficial romano, confessa em nome de todos os romanos,
quem é Jesus.
Se o evangelho terminar mesmo em Marcos 16.8, ele se encerra em um momento altamente emocional,
em que as certezas da ressurreição provocam um temor “numinoso”196, quase sentindo a presença do
divino sobre as testemunhas. Um grande apelo emocional tenta chamar à atenção a grande promessa das
boas novas, o evangelho promete ressurreição. Marcos sempre quer emocionar seus leitores de modo
favorável à fé. Conforme os bons cânones da retórica clássica, terminar com um elevado pathos a favor
do que se promove, era o alvo de todo bom retor.197
Convite à leitura
Marcos viveu numa época em que as comunidades cristãs podiam, influenciadas pelo mundo greco-
romano, considerar Jesus como mais um mito ou mais um “homem-divino”. Ele percebeu que algo
precisava ser feito.

195
[Cícero], Retórica a Herênio, São Paulo: Herdra, 2005: Livro I.10 [pág. 62-63].
196
O termo de OTTO, R. O Sagrado: um estudo do elemento não-racional na ideia do divino e a sua relação com o racional
(tradução de Prócoro Velasques Filho). São Paulo: Metodista, 1895.
197
Por exemplo, Aristóteles, Arte Retórica, III.19.

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Marcos resolveu escrever uma obra histórico-teológica, mas também poética e retórica. Seu alvo era
resgatar tanto o aspecto histórico e fatual da vida de Jesus, sua humanidade, como também persuadir a
respeito da sua Divindade.
Para Marcos, não se podia enfatizar tanto o Jesus celestial, o Cristo Rei, a ponto de esquecer o Jesus
histórico, Nazareno, que viveu na Palestina. Ele também não desejava valorizar demais o Jesus de Nazaré,
olvidando a fé que o proclamava Rei e Senhor, em claro desafio à propaganda imperial que concedia estes
títulos aos Imperadores.
Este livro, que mescla história, teologia, poesia e retórica, arriscou-se a construir um relato que
aprendemos a chamar de “boa nova”, evangelho, um novo gênero literário, para inspirar um novo gênero
de vida, um novo gênero de humanidade, mais parecido com o Jesus divino deste evangelho, que nos
parece ser o melhor ser humano que já pisou o planeta Terra.

LUCAS
O evangelho de Lucas foi escrito com base em outros evangelhos e obras sobre Jesus já existentes (Lc
1.1-4). Provavelmente, o evangelho de Marcos era uma destas fontes. Se o hipotético “Documento Q”
tivesse existência material, certamente ele o estaria usando e citando.
Lucas, médico, colega missionário de Paulo é o autor (Cl 4.14). Ele teve o contato com pessoas da
primeira comunidade cristã, pelo menos em Atos 21, quando foi com Paulo à comunidade de Jerusalém e
encontrou discípulos antigos na fé.
O Evangelho de Lucas é o primeiro volume de uma obra de dois. O segundo volume é Atos (Atos 1.1-2).
Teófilo é o destinatário e certamente o patrocinador das duas obras. Caberia a Teófilo, publicar o livro, ou
seja, contratar escribas, providenciar o material e depois a divulgação do trabalho.
O autor de Lucas-Atos não menciona o seu nome na sua narrativa, contudo, a autoria de Lucas fica
evidente por meio de um estudo comparativo de Atos com as cartas de Paulo.
O autor de Lucas-Atos se faz presente na narrativa de Atos nos textos chamados “seções de nós” (16.10-
17; 20.5-21.18; 27.1-28.16).
Devemos, então, procurar saber quem estava com Paulo nestes momentos, através da menção de nomes
em Atos e nas outras literaturas.
Todos os nomes da lista de Atos 20.4-5 devem ser eliminados da possível autoria, pois o autor está
presente na cena e cita todos estes na terceira pessoa.
Depois disto, somos informados por Atos 28.30 que o autor do livro está com Paulo na prisão romana.
Eliminados os nomes anteriores das listas de pessoas que com Paulo em Roma (Colossenses 4.7-14 e
Filemom 23-24), resta a melhor indicação de autoria: Lucas.198
A tradição antiga é unânime em torno do nome dele. A mais antiga lista de livros do Novo Testamento, o
chamado Cânon Muratoriano,199 de cerca do ano 150 AD, atribui o Evangelho e Atos a ele. Os Prólogos
Antimarcionitas (c. 160-180), Irineu (Séc. II), Clemente de Alexandria (Séc. II), Tertuliano (Séc. II),
Orígenes (Séc. III), Eusébio (Séc IV) e Jerônimo (Séc. V) são todos unânimes em torno do nome de
Lucas.200
A unidade de autoria do Evangelho de Lucas e do livro de Atos pode ser vista de vários modos. Uma
simples leitura dos prólogos das duas obras já seria suficiente, mas há outros elementos.
O estilo e linguagem das duas obras são muito semelhantes apesar da mudança de personagens e cenário.
Tanto o evangelho como o livro de história tem interesse no universal, nos gentios, nas mulheres e nos
desprivilegiados. Ambos os livros dão grande ênfase ao trabalho e atuação do Espírito Santo. Ambas as
obras manifestam interesses apologéticos.

198
Tito nunca é mencionado em Atos, embora esteja muitas vezes com Paulo. Isto levou alguns à suposição de que ele era irmão de
Lucas, e, por esta causa, não foi mencionado pelo irmão no Livro de Atos. Não é possível provar tal hipótese.
199
BETTENSON, H. Documentos da Igreja Cristã: 3a Edição. São Paulo: ASTE, 1998, #48. p. 67-68; THERON, 1957, p. 106-
107
200
BRUCE, F. F, The Acts of The Apostles: the greek text with introduction and commentary. 2nd Edition. Grand Rapids:
Eerdmans, 1951, p. 1.

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Os dois livros mostram as aparições de Jesus, após a ressurreição, apenas em Jerusalém, omitindo as
aparições da Galileia, narradas por Mateus, Marcos e o apêndice de João (Jo 21). Somente Lucas e Atos
falam de Jesus diante de Herodes. Os outros evangelhos não o mencionam.
Lucas é o médico amado (Cl 4.14). Apesar disto, o uso de terminologia médica nos livros de Lucas-Atos
não é conclusivo para a determinação de autoria. Contudo, é um pequeno argumento adicional.201
O que se sabe sobre Lucas:
O Prologo dos Quatro Evangelhos de Jerônimo, fala o seguinte de Lucas:
“Lucas, o médico, de nacionalidade síria de Antioquia, cuja glória estava no Evangelho, que foi,
ele mesmo, discípulo do Apóstolo Paulo, investigando certas coisas mais profundamente e
descrevendo mais as coisas que ouviu do que as que viu, como ele mesmo admite no prólogo, ele
foi o terceiro que compilou uma obra nas regiões da Acaia e da Beócia.”202
Nos prólogos monarquinianos, as mesmas informações são dadas e se acrescenta fatos tais como:
“Ele nunca teve uma esposa ou filhos, ele morreu na Bitínia com setenta e quatro anos de idade,
cheio do Espírito.”203
Eusébio de Cesareia e Jerônimo também narram fatos semelhantes sobre Lucas e as obras que escreveu: o
Evangelho de Lucas e o Livro dos Atos dos Apóstolos.204 Jerônimo associa Lucas com “o irmão cujo
louvor no evangelho está espalhado por todas as igrejas” (2Co 8.18; 12.18?). O fato de Tito nunca ser
mencionado no Livro de Atos dos Apóstolos apesar de estar ao lado de Paulo em muitos momentos da
narrativa, tem levado alguns a pensarem que Lucas é irmão de Tito e não menciona o nome dele na obra
por modéstia.
Lucas tem o privilégio e a responsabilidade de ser o único gentio a escrever um livro de sua autoria,
inspirado pelo Espírito, em toda a Bíblia. Ele acaba agindo como o primeiro historiador da igreja205, um
dos primeiros apologistas e diplomatas do cristianismo diante dos pagãos e do governo. Além disto ele
cumpre cabalmente a função de um teólogo-evangelista, pois sua descrição da obra de Jesus é calcada em
fortes fundamentos teológicos que se harmonizam com todos os outros teólogos do Novo Testamento, ao
mesmo tempo que oferece novos pontos de vista originais e verdadeiros. Ele também tem a honra de ser o
grande orador e retor no Novo Testamento, registando discursos e promovendo a oratória cristã.
A obra Lucas-Atos termina com a prisão e Paulo em Roma. Se esta for a data de redação destas obras (ao
redor do ano 62 d.C.) isto confirmaria a data de Marcos para a década de 50 d.C.!
Se quisermos imaginar que o autor não escreveu logo depois de Atos 28, pois Paulo ainda teve alguma
atividade missionária depois disto, não podemos escapar de uma data entre 62-70, pois o livro não
menciona a destruição de Jerusalém.
Podemos imaginar que as duas estadas de Lucas em Roma com Paulo ajudaram-no a recolher mais dados
sobre Jesus. Pode ser que foi lá que ele teria tomado contato com o Evangelho de Marcos.
O autor tem um dos melhores níveis de cultura literária do Novo Testamento. Seu grego é bonito. Apesar
disto, sua fidelidade aos originais e as tradições antigas faz com que sua obra tenha muitas expressões que
são traduções diretas do aramaico ou transcrições fiéis de suas fontes. Por exemplo: os capítulos 1 e 2 do
Evangelho de Lucas, tem uma linguagem arcaica e cheia de aramaísmos, fazendo justiça ao ambiente
judaico no qual os fatos ocorrem. Lucas trabalha com a fidelidade de um historiador honesto e cuidadoso.
O alvo do livro vem expresso no prólogo do Evangelho (1.1-4): dar certeza das verdades já ensinadas. O
livro tem ênfase especial sobre: salvação para todos; interesse de Deus pelas pessoas como indivíduos; a
obra do Espírito Santo; oração; etc.
Um esboço de Lucas pode ser o seguinte:
A - PRÓLOGO 1.1-4
B - AS NARRATIVAS DA INFÂNCIA 1.5-2.52
C- A PREPARAÇÃO PARA O MINISTÉRIO 3.1-4.13
D - O MINISTÉRIO DA GALILEIA 4.14-9.50

201
Este era um argumento pró-Lucas de Willian K. Hobart em 1882: Atos 1.3; 3.7ss; 9.18, 33; 13.11; 28.1-10.
202
THERON, Daniel J. Evidence of Tradition. London: Bowes & Bowes,1957, p. 53 §38.
203
THERON, 1957, p. 61, §43.
204
THERON, 1957, p. 69, §50 e p. 71, § 51.
205
Lucas é o historiador do Novo Testamento. Menciona correta e precisamente muitos dados históricos.

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C’ - DA GALILEIA PARA JERUSALÉM 9.51-19.27


B’ - EM JERUSALÉM 19.28-21.38
A’ - A PAIXÃO E RESSURREIÇÃO 22.1-24.53
O uso do Evangelho de Marcos por Lucas
Em geral, Lucas usa a narrativa de Marcos como ‘esqueleto’ para seu livro, seguindo sua ordem,
conteúdo e disposição do material. No prólogo de seu evangelho ele já havia declarado que se utilizara de
outros relatos escritos antes dele fazer o seu próprio (Lc 1.1-4). Certamente, o evangelho de Marcos era
uma de suas fontes.
As principais modificações “estruturais” do evangelho de Lucas em relação ao de Marcos são: (i) duas
“intercalações” de material adicionado por Lucas, e (ii) uma grande lacuna de material de Marcos,
omitido por completo por Lucas.206 Há outras modificações, tais como as histórias do nascimento e da
infância, ausentes em Marcos. Também há diferenças nos relatos finais, nas aparições da ressurreição, etc.
As inúmeras variações menores só podem ser estudadas em cada narrativa.
As “intercalações” ou “inserções” são duas: a chamada “pequena intercalação” em Lucas 6.20-8.3 e a
“grande intercalação” em Lucas 9.51-18.14. São longas narrativas com milagres, ensinos etc. introduzidas
no meio da sequência narrativa de Marcos, que, até aquele momento, corria mais ou menos paralelamente
à narrativa de Lucas.
A “grande lacuna” é um agrupamento de narrativas que Lucas deve ter visto em Marcos, mas que
resolveu não incluir no seu evangelho: Mc 6.45-8.26. As possíveis razões para estas omissões são várias,
mas uma razão inicial para sua omissão era justamente providenciar espaço no livro para as
“intercalações” já mencionadas. Lucas nada fala sobre a questão do divórcio narrada em Marcos 10.1-12;
omite um diálogo depois da transfiguração, narrado em Marcos 9.9-13; e omite um grande bloco de
materiais de Marcos.207.
Veja o quadro abaixo208:
Esboço de Marcos Marcos Lucas Esboço de Lucas
1-2 Início
Na Galileia 1.1-3.19 3.1-6.19 Na Galileia
[3.20-35] [deslocado em Lucas]
6.20-8.3
4.1-9.44 8.4-9.50
[6.45-8.26] [omitido por Lucas]
9.18-50
8.27-9.41 [omitido por Lucas]
[9.9-13]
9.51-18.14 Indo para Jerusalém
Indo para Jerusalém [10.1-12] [omitido por Lucas]
18.15-19.27
10.13-25
Em Jerusalém 11.1-16.8-20 19.29-24.53 Em Jerusalém

Não podemos notar aqui todas as características próprias de Lucas, que saltam aos olhos quando o
comparamos com os outros evangelistas, mas uma coisa pode ser logo percebida: Lucas evita repetir
certas lições e fatos e por outro lado, faz questão de “repetir” outros. Por exemplo, Lucas só narra a
primeira multiplicação de pães e peixes, mas narra o fato de Jesus ter enviado os Doze e depois enviar os
Setenta (ou Setenta e dois). Esta última “repetição” de uma história parecida deve servir para nos avisar
sobre o interesse de Lucas na “missão e pregação”, assunto sobre o qual ele dedicará quase todo o
segundo volume de sua obra, o Livro de Atos dos Apóstolos.
O longo trecho do evangelho de Lucas que os estudiosos tem chamado de “Narrativa da Viagem”209, ou
seja, Lucas 9.51-19.48, texto que quase coincide com a chamada “grande inserção”. Esta chamada

206
Um pequeno quadro útil encontra-se em HÖRSTER, Gerhard, Introdução e Síntese do Novo Testamento. Curitiba: Editora
Evangélica Esperança, 1993, p. 40-41.
207
Por exemplo, HÖRSTER, 1996, p. 40.
208
Neste quadro anotamos apenas as maiores omissões e rearranjos de material. Uma análise ponto a ponto perícope a perícope foge
ao nosso propósito e obscureceria as grandes inserções de material que queremos ressaltar.

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“Narrativa da Viagem” seleciona e apresenta várias narrativas e ensinos de Jesus desde sua decisão de ir
para Jerusalém até sua chegada ao destino.
Ele já havia feito a genealogia de Jesus retroceder até Adão, mostrando assim a ligação de Jesus com
todos os homens (Lucas 3.23-38). Ele é o evangelista sempre pronto a mostrar a fé dos excluídos e dos
improváveis: mulheres, pobres, publicanos, prostitutas, samaritanos e até gentios.
No evangelho de Lucas, Jesus acaba por “resgatar” os samaritanos e a própria palavra “samaritano”. O
impacto da obra de Jesus foi tal que, hoje em dia, chamar alguém de “samaritano” é qualificá-lo como um
filantropo. Contudo, no tempo de Jesus, quando um judeu chamava alguém de “samaritano”, estava
pensando em pessoas próximas dos demônios (João 8.48)210. O quadro traçado por Lucas não é idílico,
mas realista: no início da “Narrativa da Viagem”, os samaritanos não agem bem com Jesus. Eles
percebem que ele está indo para Jerusalém e, por causa disto, negam-lhe hospitalidade (Lucas 9.52).
Pobres samaritanos: receberam preconceito e começaram a praticá-lo – o mal do ressentimento encontrou
morada no coração deles. Apesar disto, e já demonstrando sua grande capacidade de perdoar e redimir,
Jesus faz com que o “herói” da parábola do homem roubado na estrada (Lucas 10.30-37) fosse um
samaritano, e não um sacerdote ou um levita (E ele nem mencionou um “intérprete da lei” pois era um
deles que o questionava e seria o personagem que naturalmente seria evocado na lista de religiosos).
Assim, a cura dos dez leprosos que tem o seu clímax na salvação total de um samaritano fica bem dentro
dos interesses de Jesus por todos os homens, inclusive pelos que sofrem preconceitos (Lc 17.11-19).
Os três versos sobre os samaritanos no Evangelho de Lucas são uma verdadeira narrativa da História da
Salvação. (1) Em Lucas 9.52, os samaritanos estão revoltados contra Jesus e não o recebem. (2) Em
Lucas 10.33, Jesus se “encarna” samaritano, para salvar o homem caído na estrada – pois a compaixão é
o verbo chave que descreve Jesus, por exemplo, na parábola dos filhos perdidos (Lc 15.20); (3)
Finalmente, Jesus salva totalmente o samaritano, pois, embora a mensagem de cura fosse dada a todo o
grupo de dez leprosos, o samaritano agradece e recebe salvação integral (Lc 17.19).

AS GENEALOGIAS DE JESUS
Excerto do livro ‘SEMPRE ME PERGUNTAM’211
As diferentes genealogias de Jesus em Mateus e Lucas já têm sido explicadas satisfatoriamente por várias
teorias. i) Elas poderiam ser as genealogias de José (em Mateus) e de Maria (em Lucas); a genealogia de
direito ao trono e genealogia de sangue. ii) Outra explicação que também tem chamado atenção é a que
considera as duas como sendo de José, sendo que na de Mateus se fala da linha de direito ao trono e em
Lucas da linha de descendência direta. iii) Ainda há a possibilidade e necessidade, de que ambas as
genealogias sejam a mesma, pelo menos em alguns momentos.
Como que as duas genealogias chegariam a José? Possíveis explicações encontram-se nos costumes
judaicos ou de levirato ou de adoção. Ou Jacó, da lista de Mateus, ou Heli, de Lucas, não tinham filho e
um ou outro adotou José, assim, um era o pai natural e outro o pai legal.
As genealogias divergem depois de Davi, voltam a reunir-se em Salatiel212 e voltam a divergir depois de
Zorobabel. Depois disto, apesar de alguma coincidência de nomes no restante da lista não necessita ser
tomada como identificação de indivíduos, mas não se pode excluir esta hipótese de modo absoluto.
Mateus divide sua genealogia em três grupos de 14 pessoas213, número relacionado com o rei Davi;
Lucas, por sua vez apresenta 77 nomes de Jesus a Adão (incluindo Jesus e Adão), fazendo de Jesus o
homem de número 77. Assim, ambas as listas não pretendem ser exaustivas, mas sim sugestivas. O
elemento histórico nelas é verdadeiro, mas não necessariamente completo. Certamente a genealogia de
Mateus omite nomes, pois a lista de descendentes depois do exílio conta com apenas 14 gerações, o que
daria uma média de 50 anos por geração. A lista de Lucas para o mesmo período tem 18 nomes, que dá

209
Um esboço que analisa a estrutura concêntrica desta parte de Lucas encontra-se em BAILEY, Kenneth. As Parábolas de Lucas,
(A poesia e o camponês: uma análise literária e cultural das parábolas de Lucas). São Paulo: Vida Nova, 1985, p. 29-36.
210
O livro de Atos continua resgatando os samaritanos do seu universo preenchido por demônios ao narrar as conversões em
Samaria e até mesmo a conversão de Simão, um tipo de feiticeiro enganador (Atos 8).
211
PESTANA, Álvaro César, Sempre me perguntam! São Paulo: Vida Cristã, 2003, p. 141-143.
212
Jeconias e Neri são ambos mencionados como pais de Salatiel . Isto se explica por meio de adoções ou casamentos leviratos.
213
Tal arranjo artificial tem motivações teológicas percebíveis para os acostumados com interpretações judaicas que usam a
gematria. Gematria é uma modo de interpretação judaica que atribui valor numérico às letras. Assim, na gematria, o nome de Davi,
no hebraico DVD seria 4+6+4=14. Por isto, arranjar a genealogia em grupos de 14, mostra uma relação “profética” entre Jesus e a
casa de Davi. Há outras possibilidades de interpretação deste número 14 usando as teorias judaicas de duração do mundo por um
certo número de gerações. Estas, contudo, parecem muito distantes do texto para poderem ser aplicadas aqui.

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uma média de 33 anos por geração, que é algo mais realista. Mesmo assim, as duas listas podem estar
abreviadas para que a média de gerações chegue a ser mais realista, entre 25-30 anos.214
Comentários adicionais:
O erudito batista A. T. Robertson215 discute brevemente as teorias, favorecendo uma delas. J. Jeremias,
embora critique as listas, acredita que os judeus do tempo de Jesus tinham amplas condições de guardar
um registro genealógico cuidadoso.216
A inclusão de mulheres na genealogia de Mateus é inédito, mas prepara para a inclusão triunfal de Maria
na lista das mulheres usadas por Deus.
As genealogias iniciam onde querem: Mateus em Abraão, pai dos judeus e Lucas em Adão, pai de todos
os homens. Assim, as ênfases judaicas e universais de cada um dos evangelhos, respectivamente, são
declaradas e mantidas.
Alguns nomes da genealogia de Lucas não se encontram em nenhum registro do Velho Testamento,
sendo de sua fonte própria.
A teoria que diz que a genealogia de Mateus é de José e a de Lucas é de Maria tem tido muitos
defensores:
1. Defende-se a seguinte interpretação em Lucas 3.23. Ao invés de ler “Era, como se cuidava,
filho de José, filho de Heli” seria necessário ler “Era filho de José, como se cuidava, filho de
Heli”.
2. A omissão de qualquer menção a Maria em Lucas é consistente com a própria lista em si, que
não alude a mulheres, diferentemente de Mateus.
3. Há uma nota, discutida no Talmud, que diz que Maria era filha de Heli. (Cf. Strack &
Billerbeck, Kommentar zum Neuen Testament aus Talmud und Midrasch, Munich, 1922-
1961).
4. Eusébio, na H.E. 1.7 expõem a teoria de Julio Africano para a qual ele afirmava ter obtido
dados através de contatos com a própria família de Jesus. Nesta teoria, Heli é o pai de Maria.
Assim, esta teoria tem certa tradição a seu favor. Modernamente, contudo, considerar as duas linhagens
como sendo de José tem sido uma teoria igualmente possível.
A palavra final não pode ser dada nesta questão, mas as possibilidades permitem compreender o sentido
dos textos e aceitar sua historicidade apesar de nossa dificuldade de acompanhá-la.
CONCLUSÃO
Os evangelhos sinóticos são um dos maiores tesouros do cristianismo. Eles apresentam Jesus para seus
seguidores e também para quem ainda não o conhece, mas quer saber sobre quem ele era e como
manifestou-se por palavras e ações.
Quando lemos Mateus, Marcos e Lucas, em suas obras paralelas e muito similares, percebemos que as
diferenças nos relatos não vem de qualquer imprecisão ou de discórdia, mas da riqueza do impacto que
Jesus teve sobre estes homens e também por causa das diferentes carências das comunidades cristãs que
olhavam para Jesus como resposta para seus questionamentos.
Assim, três narrativas quase iguais, relacionadas entre si, mas com grande originalidade, surgem por meio
dos Evangelhos Sinóticos. Eles nos convidam a “olhar juntamente com eles” a história de Jesus, juntando
nosso olhar ao deles.

214
JEREMIAS, J., Jerusalém no tempo de Jesus: pesquisas de história econômico social no período neotestamentário. São
Paulo: Paulinas, 1983, p. 392-393
215
ROBERTSON, A. T. “Notas Elucidativas de Pontos Difíceis da Harmonia” in WATSON, S. L.; ALLEN, W. E. Harmonia dos
Evangelhos. Rio de Janeiro: JUERP, 1964, p. 229-231.
216
JEREMIAS, 1983, p. 292ss, 381-396.

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AULA 03 – O EVANGELHO DE JOÃO E O LIVRO


DE ATOS DOS APÓSTOLOS

INTRODUÇÃO
Os dois livros que estudaremos nesta lição guardam relações que os ligam e os afastam dos Evangelhos
Sinóticos. Atos dos Apóstolos é a continuação do Evangelho de Lucas e o Evangelho de João é uma outra
versão da história de Jesus já narrada nos Evangelhos Sinóticos.
Estes livros também nos preparam para o resto do Novo Testamento, pois o Evangelho de João já
apresenta um Evangelho de Jesus que valoriza a teologia e a reflexão teológica de sua vida e
ensinamentos. Trata-se de um evangelho de uma igreja já amadurecida enquanto que os Sinóticos são
evangelhos da igreja nascente. O livro de Atos também apresenta-se como a continuidade da ação de
Jesus, depois da sua vida registrada no evangelho: é a continuação ou a consequência do Evangelho.
SÍNTESE
Os quatro evangelhos comparados. A ordem dos evangelhos na tradição cristã. O Evangelho de João. O
Livro dos Atos dos Apóstolos.
DISCUSSÃO
O estudo comparativo dos quatro evangelhos nos ajuda a ler cada um deles nas suas particularidades. O
alvo de comparar não é harmonizar ou retirar as diferenças, mas magnifica-las na medida que
compreendemos a razão das mesmas. Se pudermos compreender a intencionalidade das diferenças,
aprenderemos mais dos vários aspectos e significados da vida de Jesus entre os homens.
OS QUATRO EVANGELHOS
Cada um dos evangelhos se inicia de um jeito diferente, de acordo com seu ponto de vista e alvo. Estes
PRÓLOGOS caracterizam cada um deles de modo particular.
Marcos escreveu um evangelho; Mateus fez um livro, Lucas apresente uma história e João inicia um
tratado.
Marcos descreve o início do evangelho; Mateus revela suas origens; Lucas, recorre às suas fontes; João
evoca a própria eternidade.
Marcos calcou seu evangelho na pregação, enquanto Mateus preferiu moldá-lo para o ensino. Lucas
preparou uma narrativa informativa e coordenada da história, mas João preferiu apresentar uma reflexão
e um aprofundamento contemplativo aos atos e palavras de Jesus.
O prólogo de cada um destes evangelhos deve ser apreciado por já carrega, em si, as diferenças e
particularidades de cada uma das obras.

MARCOS MATEUS LUCAS JOÃO

o início dos evangelhos

tema e personagem formato e base caráter e alvo eternidade e mundo


Evangelho Livro História Tratado
de Jesus da gênese sobre os fatos do ensino da eternidade e da
cristão temporalidade
Jesus Cristo, Filho de Filho de Abraão e para produzir plena Deus se fez homem
Deus Filho de Davi certeza de fé

Mc 1.1 Mt 1.1-17 Lc 1.1-4 Jo 1.1-18

O MIOLO, ou o corpo central de cada um dos evangelhos também revela suas características e alvos
particulares. Marcos apresenta Jesus como o Filho de Deus e o Cristo, em palavras e obras. Mateus faz de

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Jesus a nova Torá e o novo Saltério, com 5 grandes discursos, intermediados com suas grandes ações e
revelações. Lucas apresenta Jesus caminhando na nova História da Salvação, o Novo Êxodo e a Nova
Aliança: ele relata com cuidado, a viagem de Jesus, da Galileia para Jerusalém. João apresenta os sinais
do Messianado Divino de Jesus e ao mesmo tempo apresenta sua Glorificação na cruz e na ressurreição.

MARCOS MATEUS LUCAS JOÃO


o “miolo” dos evangelhos

Atos e discursos de 5 grandes discursos e O relato da Viagem Livro dos sinais 1-12
Jesus grandes ações Livro da glória 13-21

O CENTRO de cada um destes evangelhos apresenta Jesus e marca algo do propósito da obra. O centro
dos Evangelhos de Marcos e Mateus é a confissão de Pedro. Desde este momento, o evangelho se
encaminha para seu desfecho e os discípulos são convidados a sofrer por sua fé. O evangelho de Lucas
descola o centro para um momento bem próximo a este: depois da confissão de Pedro, Jesus decide ir
para Jerusalém para morrer. Este é o centro do Evangelho, marcado por esta viagem para a cruz. O
Evangelho de João apresenta um centro diferente. No fim do ministério público de Jesus, João mostra que
todos os sinais haviam sido dados e agora, era uma questão de fé ou falta de fé. Jesus, contudo,
encaminhar-se-ia para a glória por meio da cruz.
Assim os evangelistas marcam suas obras com certos “divisores de águas” ou “pontos de inflexão” de
modo que, à partir deste momento, as narrativas tomam sua direção final.

MARCOS MATEUS LUCAS JOÃO

o centro dos evangelhos

A descoberta Confissão de Pedro A decisão O convite


Mc 8.27 Lc 9.51 Jo 12.44-50

Quem é o Cristo e Tempo cumprido, Crer e seguir ou rejeitar


que tipo de Cristo decisão tomada e perder-se

Como já comentamos, todos os evangelhos autênticos TERMINAM com a paixão de Cristo.217 Esta é a
grande ênfase de nossos evangelhos e esta narrativa caracteriza o maior aspecto da graça de Deus de
modo concreto.

MARCOS MATEUS LUCAS JOÃO


o relato da paixão-ressurreição nos evangelhos

Mc 14-16 Mt 26-28 Lc 20-24 Jo 18-20

O FIM dos Evangelhos revela perfeita coerência com seu início, alvos e desenvolvimento.
Marcos, que iniciou a obra apresentando o livro como evangelho, agora pede que todos vão pregar este
evangelho.
Mateus, cuja obra é um livro, termina com a ordem de fazer deste novo ensino uma “nova escola” da fé e
do ser discípulo de Jesus.
Lucas, que narrou uma viagem para Jerusalém, agora prepara os discípulos para a viagem ao contrário, de
Jerusalém para o mundo todo: uma nova época surgiu e uma nova história será escrita.

217
A título de curiosidade, o recém publicado Evangelho de Judas, não narra a morte de Jesus, coisa característica dos evangelhos
gnósticos que nada querem com a morte de Jesus. O Evangelho de Tomé, composto apenas por ensinos de Jesus também se
desmascara como falso por esta omissão. O Evangelho de Pedro, do qual temos apenas fragmentos, narra a morte, sepultamento e
ressurreição de Jesus. Afortunadamente, o fragmento que temos é justamente desta narrativa principal. Mesmo sendo um apócrifo,
este evangelho entendeu o ponto crucial do evangelho.

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João, que iniciou seu evangelho ressaltando o envio do Filho ao mundo, agora retrata o Filho enviando os
seus ao mundo, assim como o Pai o enviou. A segunda encarnação de Cristo é apresentada na
comunidade de seguidores de Jesus.

MARCOS MATEUS LUCAS JOÃO

a finalização dos evangelhos

Mc 16.15-16 Mt 28.18-20 Lc 24.46-47 Jo 20.21


Ide e pregai Façam discípulos Pregue arrependimento Nova encarnação

Evangelho ir-batizar-ensinar Nova história O envio se repete


[2º volume = Atos]

Novas notícias Nova escola Nova época Nova vida

Resumindo um Anexando a um
evangelho: evangelho:
At 10.36-43 Jo 21

No fim deste quadro, observe que Atos 10.36-43 é um excelente resumo do Evangelho de Marcos, feito
por Pedro, que conforme a tradição, é a voz apostólica por trás do relato.
Também João 21 é um exemplo de muitas histórias que poderiam ser acrescentadas aos evangelhos, mas
que não foram. João 21 já representa um resgate para a posteridade, de uma das muitas outras coisas que
Jesus fez e ensinou que deixaram de ser registradas.
A ORDEM DOS EVANGELHOS
A ordem nos livros do Novo Testamento nem sempre foi a que temos hoje em nossas Bíblias. De fato, até
mesmo na atualidade, temos Bíblias que desafiam a ordem tradicional dos livros.218
A ordem dos evangelhos pode variar de manuscrito para manuscrito, embora nossa ordem atual seja a que
mais encontramos na antiguidade: Mateus, Marcos, Lucas e João.
A ordem atual deve ser devida à influência de Agostinho, que imaginava que Marcos abreviava
Mateus.219
Contudo, a igreja antiga, relacionou a visão dos quatro querubins de Apocalipse 4.7 com os quatro
evangelhos, atribuindo a cada um deles, um dos rostos dos querubins.
Apocalipse 4.7 fala que eles tinham rosto de leão, de touro, de homem e de águia.220 Esta atribuição pode
testemunhar sobre a antiga ordem dos evangelhos, conforme os vários antigos escritores cristãos:
Irineu221: Mt = Homem; Jo = Águia; Mc = Leão; Lc = Touro.
Atanásio222: Mt = Homem; Mc = Touro; Lc = Leão; Jo = Águia.223
Vitorino: Mt = Homem; Mc = Leão; Lc = Touro; Jo = Águia.
Jerônimo224: Mt = Homem; Mc = Leão; Lc = Touro; Jo = Águia
Agostinho: Mt = Leão; Mc = Homem; Lc = Touro; Jo = Águia.
Em todas estas classificações, Marcos foi ligado ao leão na maior parte das vezes. Isto poderia indicar
algo sobre sua antiguidade, pois o leão é o primeiro animal da série do texto de Apocalipse 4.7. Um

218
TEB e EP
219
GRANT, 1957, p. 64.
220
Ez 1.10 – homem, leão, touro, águia.
221
Irineu, Contra Heresias III.11.8.
222
BARCLAY, W. The Daily Study Bible: Revelation of John – Vol. 1, Chapters 1-5. Revised Edition. Edinburgh: The Saint
Andrew Press, 1976, p. 160-161.
223
SCHAFF, Philip. History of The Christian Church – Vol. 1. Grand Rapids: Hendrickson, 1996, p. 586.
224
Jerônimo, Com. Mateus.

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mosaico pré-bizantino e pré-Justiniano encontrado em Ravena (~400 AD)225 tinha a seguinte ordem dos
evangelhos: Mc, Lc, Mt, Jo. Surpreendentemente, Marcos e Lucas ficavam acima de Mateus e João.
Por outro lado, a ordem dos evangelhos nas obras cristãs e nos manuscritos, normalmente coloca Mateus
como o primeiro evangelho.
Fragmento de Muratori: ~ Séc. II [Mt. Mc,] Lc, Jo.
Orígenes; Atanásio; Mss Sinaítico ~ 350AD; Sínodo de Laodicéia ~360 AD: Mt, Mc, Lc, Jo
Mommsen ~ Séc. IV: Mt, Mc, Jo, Lc
O Codex Beza ~ Séc. V: Mt, Jo, Lc e Mc.226
O Codex Claramontano ~ Séc. VI: Mt, Jo, Mc, Lc
Codex W, Washington ~ Séc IV/V: Mt Jo Lc Mc227
Codex X, Monacensis ~ Séc, X: Mt Jo Lc Mc228
Os últimos quatro manuscritos repetem o que encontramos em Irineu e o que se chamou de Ordem
Ocidental dos evangelhos, ou seja, os apóstolos evangelistas precedem os outros.

JOÃO
O Quarto Evangelho foi escrito por João, o discípulo amado, que reclinou-se sobre o tórax de Jesus na
última ceia e compartilhou daquilo que só Jesus sabia. Na fórmula genial de Orígenes, “João repousava
no seio do Senhor, como o Senhor repousava no seio de seu Pai”.229
A identificação do discípulo amado (Jo 21.24), autor do livro, com João, Filho de Zebedeu exige vários
passos.
Primeiro, a única evidência interna de autoria é a indicação do próprio livro de que o autor é o “discípulo
a quem Jesus amava” (Jo 19.26, 35; 20.2; 21.20-24).
Quem seria ele? Ele, certamente é um dos sete discípulos citados em João 21.2. São eles: Pedro, Tomé,
Natanael, os filhos de Zebedeu e mais dois discípulos. Como os três primeiros são citados no próprio
evangelho de João como pessoas distintas do “discípulo a quem Jesus amava” restam os filhos de
Zebedeu e os outros dois discípulos.
De todos estes, João, filho de Zebedeu é a melhor opção, pois o seu irmão morreu no início da história da
igreja (Atos 12) e os outros dois não são identificáveis. 230
O próximo passo é comparar este livro com o Apocalipse, cujo autor também é João. Embora o
Apocalipse tenha vocabulário e gramática diferentes do Evangelho de João, participa, juntamente com a
pequena epístola de 1João, do seleto grupo de textos que usam a expressão “logos” (verbo) para referir-se
a Jesus. Os textos são João 1.1-3, 14, 1Jo 1.1 e Ap 19.13: esta “ligação” de textos faz com que a autoria
tradicional de João para o Evangelho seja fortalecida pela do Apocalipse e pelas pequenas 3 cartas,
tradicionalmente, atribuídas também a ele.
As evidências externas que indicam a autoria de João, filho de Zebedeu para o Quarto Evangelho são
muitas e bem significativas.231
O Cânon Muratori (c. de 150 AD) já citava a autoria joanina do Quarto Evangelho, assinalando,
curiosamente, o incentivo do apóstolo André.232
Irineu (c. de 180 AD) que foi discípulo de Policarpo (c. de 110 AD) que por sua vez tinha disso
discípulo de João, afirmava a autoria joanina deste evangelho.233
Teófilo de Antioquia (c. de 170-180) nomeia João como autor do Evangelho.

225
GRANT, 1957, p. 66.
226
GRANT, Frederick C. The Gospels: Their Origin and Their Growth. London: Faber & Faber, 1957, p. 64; METZGER, Bruce M.
The Text of The New Testament. 2nd Ed. London: Oxford University Press, 1968, p. 49.
227
METZGER, 1968, p. 56.
228
METZGER, 1968, p. 57
229
Citado por FEUILLET, A. O Prólogo do Quarto Evangelho. São Paulo: Paulinas, 1971, p. 5. Relembra a proximidade da
expressão em Jo 1.18 “no seio do Pai” com a expressão “reclinando-se sobre o peito” em Jo 13.23, 25.
230
O Evangelho Apócrifo de Pedro, dirá que estes dois eram André e Mateus. Ev. Pe XIV.60.
231
Para acompanhar um pouco a antiga teoria de dois Joões em Éfeso, o apóstolo e um ancião, veja CARSON, 2007, p. 69-82.
232
BETTENSON, 1998, #48. p. 67-68; THERON, 1957, p. 106-109
233
Irineu, Contra Heresias III.11.7; THERON, 1957, p. 6-7.

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As evidências internas, ou seja, características do próprio Evangelho, são totalmente favoráveis para a
autoria de João, o apóstolo de Jesus. O autor parece ser um judeu palestinense com interesse e amplo
conhecimento do judaísmo. Ele conhece pessoas do mundo judaico: senadores, sacerdotes, etc. Apresenta
detalhes precisos da geografia e ambientação cultural da região: Judéia, Samaria, Galileia e Jerusalém.
Seu grego pode ser o de alguém de quem pensa em aramaico. Ele apresenta-se como um apóstolo e nada
no texto faz com que ele perca esta qualificação.
O que ele escreveu?
Segundo um sumário final do próprio Quarto Evangelho (Jo 21.24-25), esta obra é:
1. Testemunho
2. Atos de Jesus
3. Livro
É um testemunho por ser relato de quem esteve presente durante o desenrolar dos fatos. Por outro lado,
prende–se aos atos de Jesus, falando das coisas que ele fez: o relato confessa-se seletivo em face da
riqueza e volume de material disponível. Finalmente, o formato de livro é adequado, para que outras
gerações tivessem acesso ao testemunho dos atos de Jesus.
Por que ele escreveu?
Os motivos da redação do livro são explicitamente confessados em João 20.30-31:
Na verdade, fez Jesus diante dos discípulos muitos outros sinais que não estão escritos
neste livro. Estes, porém, foram registrados para que creiais que Jesus é o Cristo, o
Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome.
Estes objetivos anunciam a obra como um livro de sinais ou evidências da Divindade de Jesus.
Principalmente, a parte inicial do livro (Jo 1-12) mostra vários milagres que sinalizam a Divindade de
Jesus.
Jesus é revelado como Deus e Salvador, cumprindo a função de Messias que traz luz e vida para o mundo.
O alvo da obra é que, por meio da fé em Jesus, a salvação por ele providenciada chegue a todos.
Como ele escreveu?
O Evangelho, em João 19.35, relata que seu método de trabalho: (i) O autor escreve como testemunha
ocular dos eventos narrados; (ii) O autor escreve com plena consciência de estar sendo fidedigno e
verdadeiro em seu relato; (iii) O autor escreve para permitir a fé de outros, por meio de seus relato e
testemunho.
Não podemos exigir nada mais de nenhum historiador, testemunha, repórter ou mensageiro. João,
claramente, escreve a verdade.
Como ele começou a escrever?
O Prólogo do Evangelho de João, João 1.1-18 é uma preciosíssima peça poética-teológica da literatura
mundial. Nada mais simples e mais profundo jamais foi escrito.
Apesar disto, é apenas o prólogo!!! Todo leitor deste prólogo, sente-se despreparado para lê-lo, pois há
tanto para pensar e refletir sobre ele, mas, o leitor tem que seguir adiante, lendo o Evangelho. Nesta
leitura do Evangelho, as informações recebidas da leitura do Prólogo, fecundam e fertilizam a
compreensão de cada capítulo e narrativa. Finalmente, após a leitura de todo o evangelho, uma releitura
do prólogo se faz necessária – esta agora é iluminada e abrilhantada com a leitura que já se fez do
Evangelho. Logo, novas compreensões e luzes aparecem... e estas convidam a mais uma leitura do
Evangelho... e assim sucessivamente.
O Quarto Evangelho é fruto de reflexão e meditação. Seu modo de falar de Jesus não
combina com o narrador apressado ou com o cronista preocupado em acumular fatos:
João fala daquilo que encheu seu coração e sua mente. Por esta causa, seu texto evoca
reflexão. Ele pode perceber como os atos e palavras de Jesus vários níveis de
comunicação e expressão. Seu evangelho foi feito para ser lido e relido. Todos já
conheciam a história, mas se olhassem de novo, teriam algo para aprender. Este é o
constante convite da Escritura: toda releitura pode encontrar novidades de primeira
leitura.

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Um esboço simples do evangelho de João:


Prólogo 1.1-18
1. O livro dos Sinais 1.19-12.50
2. O livro da Glória 13.1-20.29
Epílogo 20.30-31
Apêndice 21.1-25
Pós-Escrito 21.24-25
Outro esboço, que trabalha um pouco mais com o desenvolvimento da obra é:
TEMAS textos
Prólogo 1.1-18
APRESENTAÇÃO DO CRISTO 1.19-51
DE CANÁ A CANÁ 2-4
ESCÂNDALOS 5-6
CONTROVÉRSIAS 7-10
ENFRENTANDO A MORTE 11-12
DESPEDIDA 13-17
PAIXÃO 18-19
RESSURREIÇÃO 20
Objetivo 20.30-31
Apêndice 21
Nota final 21.24-25
O Evangelho de João, diferentemente dos Sinóticos, apresenta o mesmo evangelho com diferentes
ênfases. De fato, também os Evangelhos Sinóticos têm diferentes enfoques, mas como sua fraseologia e
estrutura são similares, não percebemos com facilidade estas diferenças de apresentação do único
evangelho.
João, contudo, apresenta claras diferenças. As próprias narrativas escolhidas por João, normalmente,
diferem das dos Sinóticos. São raros os casos como da Multiplicação de Pães e peixes, que ocorrem em
todos os Evangelhos.
Oito características literárias de João
Observemos, contudo, oito características literárias do Evangelho de João, que serão muito úteis na leitura
do mesmo.234
1. INCOMPREENSÃO
Ocorre em uma série de ocasiões, quando Jesus fala algo, e o ouvinte não compreende o que Jesus está
dizendo. Logo, Jesus tem que falar de novo e explicar mais. Por exemplo, o discurso de Jesus diante de
Nicodemos é assim: Jesus fala de novo nascimento, ele não entende e Jesus fala mais (Jo 2.20; 3.4; 4.11;
6.26; 8.33; 11.11-12, 24; 14.5-8).
2. IRONIA
“Ironia” significa “dizer outra coisa”, ou seja, uma coisa é falada, mas outra, diferente, é transmitida ou
significada. Ocorre muitas vezes no Evangelho de João quando alguém fala algo que tem um sentido
verdadeiro em outro nível de discurso ou de compreensão. Um exemplo é a frase de Caifás que diz
“convém que morra um só homem e que não venha a perecer toda a nação” (Jo 11.50). Esta frase, no seu
sentido original é coisa de bandidos que matam um alguém para se preservar, contudo, João viu nisto um
sentido irônico, pois Jesus realmente morreu para que o povo não pereça (Jo 11.51-52). Há muitos
exemplos destas ironias no Quarto Evangelho (Jo 3.2,4; 4.12; 6.42; 7.28,29,35; 8.22; 9.24,40; 11.48-50;
12.19; 19.3,14,22).
3. DUPLO SENTIDO ou ambiguidade deliberada
A literatura Joanina trabalha com muita felicidade e profundidade com palavras e frases de duplo sentido.
Estes sentidos não resultam de nossa dificuldade de entender o texto, mas parece que são o resultado de
um deliberado desejo de dizer mais de uma coisa ao mesmo tempo.

234
Devo a lista e muitas ideias a BROWN, Raymond E. Evangelho de João e Epístolas. São Paulo: Paulinas [Paulus], 1975, p. 16-
19.

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João usa palavras com duplo sentido, como por exemplo, a expressão “nascer de novo” pode também
significar “nascer do alto” – neste caso, um sentido não exclui o outro (Jo 3.3). Muitos exemplos podem
ser encontrados (Jo 3.3, 8, 13, 17; 7.8; 13.1; 15.21, 19, 30).
Em muitos outros lugares, textos e narrativas inteiras têm um segundo significado. Nestes casos, a
narrativa tem seu sentido histórico, mas, ela mesma revela um sentido teológico, escatológico ou
espiritual da mesma leitura (Jo 1.29,31; 2.8,20; 3.5; 4.11; 6.35-50; 9.7; 11.4; 13.1-17; 19.36).
4. INCLUSÃO ou quiasmo
Inclusão é um artifício oral e literário de marcar o início e o fim de um discurso com uma palavra ou frase
que se repete. Uma inclusão é como um “sanduiche”: os pães são as frases ou palavras iguais que ocorrem
no início e fim do texto – o conteúdo da inclusão é o recheio do sanduiche.
1.1, 18 com 20.28 Deus
2.1-4 com 4.54 de Caná a Caná
9.2 com 41 não é cego por pecar X são cegos por pecar
3.23 com 10.40 lugar das retiradas ou fugas
19.14-16 com 36-37 temas do cordeiro pascal

5. ESCATOLOGIA REALIZADA
No Evangelho de João, tudo ocorre JÁ! Ressurreição já, juízo já, vida eterna já. Os estudiosos da
escatologia, ou seja, do estudo das últimas coisas (Jo 3.18; 5.24-25; 7.12; 9.16; 10.19,21; 12.31-33; 14.1-
3, 18-20; 17.3).
6. DIÁLOGO/MONÓLOGO
Uma característica importante das narrativas do Quarto Evangelho é o fato que em muitos casos Jesus
começa uma conversa, dialogando com alguém, mas depois, sem nenhum aviso, este diálogo torna-se um
monólogo – e muitas vezes não sabemos se quem está falando é o último interlocutor do diálogo ou se é o
escritor do evangelho (Jo 3.16; 10.1-18; 14-17).
7. REPETIÇÕES E REINTERAÇÕES
O Evangelho de João repete e repete certos temas e frases. As repetições podem ocorre num mesmo
discurso ou em todo o evangelho. Estas repetições são um modo de ressaltar temas e ligar narrativas (Jo
3.31-36; 5.26-30; 6.51-59; 8.13-18; 10.7,9,10,11,14; 12.44-50; 13.1-30; 16.4-33).
8. SUBSTITUIÇÃO DA RELIGIÃO DE ISRAEL
No Último Evangelho, elementos importantes da religião de Israel são substituídos por Jesus ou pela fé
cristã. Por exemplo, Jesus é o novo e verdadeiro templo, substituindo o antigo templo judaico (Jo 2.6-9).
Este é um dos inúmeros exemplos de substituição do vinho velho pelo novo, feito por Jesus (Jo 2.6-9;
2.19; 3.10-13; 4.21; 7.37-39; 8.12; 15.1ss; 17; 19.14 – hora de cordeiro morrer; 19.23; 19.28-37).
O evangelho de João e os outros evangelhos
As datas de composição dos Evangelhos Sinóticos e do Evangelho de João tem recebido avaliações
diversas:
Teoria 1 – Datas distantes entre eles:
Os Sinóticos teriam sido escritos antes de 70 AD, ou seja, antes da destruição de Jerusalém, mas João
teria sido escrito bem depois de 70, nos anos 80-90.
Teoria 2 – Datas próximas (antes de 70):
Tanto João como os Sinóticos seriam anteriores ao ano 70 AD. Neste caso, João 5.2, que fala do tanque
de Betesda como ainda existindo em Jerusalém é tomado literalmente como prova de que a cidade ainda
estava de pé, da forma como Jesus a conheceu, antes da guerra.
O trabalho de Richard Bauckham sobre os evangelhos, favorece a ideia que João é posterior e que escreve
a história muitos anos depois do ocorrido, no fim do primeiro Século. Uma das provas disto é o fato de
João mencionar nomes de Pedro atacando Malco e também mencionar o nome de Maria como a mulher
que ungiu Jesus. Os Evangelhos Sinóticos, quando falam destes eventos, não citam nomes para não
permitir aos inimigos do movimento cristão nascente, nas décadas iniciais de sua expansão em Jerusalém

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e Judeia, localizar e processar, tanto Pedro como Maria por estas ações “subversivas”. Contudo, como
João escreve quando eles já estavam mortos, os nomes são mencionados.235
Relacionamentos de João com os Sinóticos
Novamente, a discussão sobre quanto João teria conhecido os outros evangelhos é longa. Ao nosso ver ele
conheceu o Evangelho de Marcos quase com certeza. Também não é difícil que ele tenha conhecido
Mateus e Lucas.
Se assumirmos a data tardia, nos anos 80 e 90 para o Evangelho de João, seria muito difícil que ele nada
soubesse sobre os outros Evangelhos que já estavam circulando, provavelmente desde os anos 50 e 60.
Diferença de perspectiva e chave hermenêutica
O leitor atento que lê os Evangelhos Sinóticos e depois lê o Evangelho de João percebe, rapidamente: (i) a
mudança na estrutura da narrativa: a ordem e os paralelos entre os sinóticos diferem de João; (ii) a
mudança na geografia, pois João concentra-se na Judeia enquanto os Sinóticos, na Galileia; (iii) a
mudança de perspectiva literária, pois João enfatiza diálogos e utiliza as narrativas de milagres de modo
muito mais ligado ao contexto que os milagres dos Sinóticos, que muitas vezes se encontram enfileirados
um após outro.
Contudo, a diferença mais importante é a da perspectiva do leitor em relação à história – a posse de uma
chave hermenêutica diferente, no Evangelho de João.
O leitor dos Evangelhos Sinóticos é convidado a ler o texto entendendo que a compreensão (Mc 4.22) e a
plena pregação do mesmo (Mt 10.27) ocorrerá apenas posteriormente. O processo hermenêutico é o
seguinte: (i) ler o texto; (ii) procurar entender como ele tem significado depois do evento da cruz.
Um exemplo e prova disto é a narrativa da Transfiguração (Mc 9.2-9; Mt 17.1-9; Lc 9.28-36).
Nos evangelhos de Marcos e Lucas, há a clara instrução de só entender e falar sobre este assunto
depois da ressurreição. Ou seja, eles entenderiam depois e falariam depois sobre este tema,
como, de fato, Pedro posteriormente o fez, fora dos Evangelhos (2Pe 1.16-18).
Já o leitor do Evangelho de João encontra-se em outro ambiente. O cumprimento desta promessa de
compreensão e proclamação já está ocorrendo no Evangelho de João (Jo 14.17, 25-26; 15.26; 16.7, 8-11,
12-15). O leitor não tem que esperar até o fim da narrativa e nem a história da cruz para tecer
considerações de compreensão. O texto mistura narrativa e explicações da narrativa em seu sentido
teológico.
Um exemplo da chave hermenêutica dada ao leitor de João são as narrativas da transformação de
água em vinho e a purificação do templo (Jo 2). Na própria narrativa do milagre, os discípulos já
entendem a glória de Jesus e depositam fé nele (Jo 2.11). Também na purificação do templo, a
posterior compreensão do sentido dos atos e palavras de Jesus já é registrado no próprio texto da
história (Jo 2.17 e 21-22). Assim, o Evangelho de João apresenta uma leitura da vida de Jesus, já
com as chaves para a compreensão de seu significado nas próprias narrativas.
Cronologia do evangelho de João
Diferentemente dos Sinóticos que enfatizam o ministério Galileu de Jesus, o Evangelho de João enfatiza
seu ministério na Judeia com as idas e vindas da Galileia.
1.19-51 --- Judeia: João Batista e Jesus
2.1-12 --- Galileia
2.13-3.36 ---- 1º período em Jerusalém – 1a Páscoa
4.1-43 -- Galileia
5.1 ---- 2º período em Jerusalém
6.1; 7.1 ---- Galileia – 2a Páscoa
7.2, 8, 10 ---- 3º período em Jerusalém Tabernáculos
11.55 ---- 4º período em Jerusalém 3a Páscoa (12.1; 18.28)
A possibilidade de marcar três páscoas no ministério de Jesus vem desta organização da narrativa dada
acima.
Os sete em João

235
BAUCKHAM, Richard. Jesus e as testemunhas oculares: Os Evangelhos como testemunhos de testemunhas oculares. São
Paulo: Paulus, 2011, p. 237-259.

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O Evangelho de João usa abundantemente o número sete, sinal de completitude e de perfeição para
assinalar aspectos importantes da pessoa e obra de Jesus.
Os sete “Eu sou” no Evangelho de João:
Estes títulos de Jesus assinalam sua divindade, seu caráter de salvador e de messias. É obvio que a frase
não somente lembra o nome de Deus no Velho Testamento, Eu Sou, mas também apresenta sete
características divinas de Jesus.
6.35, 48, 51 – Pão da vida
8.12; 9.5 – Luz do mundo
10.7, 9 – A porta das ovelhas
10.11, 14 – O bom pastor
11.25 – A ressurreição e a vida
14.6 – O caminho, a verdade e a vida
15.1,5 – A videira verdadeira
Os sete sinais ou sete milagres do Evangelho:
Eles são a prova, mais do que necessária, para crer que Jesus é o Messias (Jo 20.30-31).
1. Água em vinho (Jo 2)
2. Cura do filho do oficial (Jo 4)
3. Cura do paralítico (Jo 5)
4. Multiplicação de pães (Jo 6)
5. Andar sobre o mar (Jo 6)
6. Cura do cego de nascença (Jo 8)
7. Ressurreição de Lázaro (Jo 11)
Estes sete milagres são os necessários e os suficientes. Eles são alistados nos primeiros doze capítulos,
que são o “Livro dos Sinais”.
Há outros milagres no Evangelho, sobretudo a ressurreição de Jesus e as subsequentes aparições aos
discípulos. Elas não entram nesta “soma de sete” da parte inicial do livro.
O último milagre, narrado em João 21 não faz parte da série. O milagre da pesca maravilhosa neste último
capítulo apresenta-se como um “a mais” da narrativa de sinais que se encerraram nos primeiros doze
capítulos do Evangelho de João.
O prólogo do evangelho de João
O prólogo do Evangelho de João funciona como sumário poético da teologia e da narrativa. É uma
introdução e uma conclusão da obra, simultaneamente. Tem que ser lido antes de ler a obra, mas tem que
ser relido depois da leitura da obra, para que sua profundidade possa ser apreciada devidamente. Ele lança
luz sobre o texto subsequente e o texto subsequente também lança luz sobre ele.
Esboço do prólogo – João 1.1-18:
§ O verbo divino --------------- 1-5
§ A testemunha humana ----- 6-8
§ A ação no mundo ------------ 9-13
§ A reação da igreja --------- 14-18
Outro esboço do prólogo – João 1.1-18:
1. O verbo divino --------------- 1-5
§ Identidade – 1
§ Atuação – 2-3
§ Natureza – 4-5
2. A testemunha humana ----- 6-8
§ Contraste & missão
3. A ação no mundo ------------ 9-13
§ Iluminação - 9
§ Rejeição – 10-11
§ Aceitação – 12-13
4. A reação da igreja --------- 14-18
§ Encarnação -14
§ Testemunhos – 14-17
§ Revelação – 18

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Os sete dias de João 1.19-2.11


O Evangelho de João começa com a mesma frase que o Livro de Gênesis, que inicia a Torá: “No
princípio” (Gn 1.1 e Jo 1.1). Além disto, João também adiciona uma semana de criação que atinge seu
clímax no primeiro milagre de Jesus nas bodas de Caná da Galileia (Jo 2). Assim, discreta e
subliminarmente, João nos introduz na Nova Criação no Sétimo ou no Oitavo dia da semana, como os
cristãos primitivos começaram a chamar o Dia do Senhor, que é o Domingo (na realidade, primeiro dia da
semana).
Os possíveis dias, com significados sugeridos são:
1º - Haja ‘luz’! ...e veio João [19]
2º - Separação: o cordeiro de Deus [29]
3º - Terra e mar: dois testemunhas [35]
4º - Luzeiros: encontrou Pedro [41s]
5º - Peixes e aves: Filipe e Natanael [43]
6º - -----//-----
7º ou 8º - Ao terceiro dia: Nova criação [2.1]
O dia da festa de casamento, as bodas de Caná, ocorre no sétimo ou no oitavo dia. A ambiguidade pode
ser deliberada pois tanto o sábado adquiriu um sentido escatológico para os cristãos (Hb 4.9-10) e
também o domingo, primeiro dia da semana foi entendido como “oitavo dia” da semana, ou seja, a
superação do sétimo dia.

As bodas, sempre foram usadas por Jesus, em seu ensino parabólico e nos seus discursos no Apocalipse,
como sinal da Nova Criação. Assim, a “primeira semana” criativa em João já nos introduz nos novos
tempos do Messias.
De Caná até Caná – Jo 2.1-4.54
Os blocos de material no Evangelho de João vão se sucedendo: (i) o prólogo (Jo 1.1-18); (ii) a semana
criativa (Jo 1.19-2.11); e (iii) a “inclusão” de material entre os dois milagres que ocorrem em Caná (Jo
2.1-4.54).
O quadro abaixo mostra a inclusão e a estrutura concêntrica (quiástica) da narrativa, além de contar sete
elementos.
2.1-12 = Caná = 1º milagre
2.13-22 = Purificação do Templo [Monte Moriá]
2.23-3.21= Nicodemos
3.22-36 = Testemunho de João
4.1-30 = Samaritana
4.31-45 = Salvação dos Samaritanos [Monte Gerizim]
4.46-54 = Caná = 2º milagre
No centro de toda esta narrativa está o testemunho de João Batista, anunciando Jesus como o Cristo, o
Noivo, o Enviado [de Deus], o Filho (Jo 3.22-36).
Também neste bloco de material, a incompreensão de Nicodemos, o mestre em Israel se contrasta com o
crescimento na fé e no conhecimento de uma simples mulher pecadora de Samaria (Jo 2.23-3.21 e Jo 4.1-
30).
E enquanto, ao sopé do Monte Gerizim, ele prega salvação aos Samaritanos, em Jerusalém, ele purifica o
templo recebendo questionamento e oposição dos judeus (Jo 2.13-22 e Jo 4.31-45).
A oração sacerdotal - Jo 17
A longa oração sacerdotal que se encontra em João 17 apresenta uma sequencia de temas importantes
para a igreja de João que vive no fim do Primeiro Século da Era Cristã, com dificuldades e problemas da
época. O esboço do texto seria:
A obra do Pai [1-8]
A fé dos discípulos [9-19]
A unidade da igreja [20-26]
Sete cenas do Julgamento de Jesus - Jo 18.28-19.16
O texto do julgamento de Jesus, no Evangelho de João, é artisticamente organizado em sete cenas que
ocorrem fora do pretório (marcadas com a letra F) e dentro do pretório (marcadas com a letra D).

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1. Judeus pedem a morte (F) 18.28-32


2. Pilatos interroga Jesus (D) 18.33-38a A Realeza
3. Jesus inocente (F) 18.38b-40 Rei dos Judeus
4. Jesus ridicularizado (D) 19.1-3
5. Jesus inocente (F) 19.4-8 Homem / Filho de Deus
6. Pilatos interroga Jesus (D) 19.9-12a O Poder
7. Judeus obtém a morte (F) 19.12b-16
A estrutura centralizada no escárnio feito sobre Jesus, apresentando-o zombeteiramente como “Rei dos
Judeus” (Jo 19.3) funciona ironicamente como confissão, ainda que equivocada, de um fato verdadeiro:
Jesus é o Rei dos Judeus.
Embora Jesus seja declaro inocente nos blocos de número 3 e 5 do texto, ele será condenado, pois no
início e no fim, os judeus pedem a morte de Jesus (blocos 1 e 7).
Nos blocos 2 e 6, as questões da realeza de Jesus e do poder de Deus são apresentados, fazendo com que a
condenação dele se evidencie como injusta e blasfema.
Os dois cenários da ressurreição - Jo 20.1-31
O relato da ressurreição de Jesus é trabalhado em dois ambientes ou dois cenários: o jardim do túmulo e a
sala de reunião dos discípulos. Nestes dois lugares, um padrão similar ocorre, sempre conduzindo os
ausentes a terem fé. Assim, o final do evangelho faz o mesmo apelo para nós.
PRIMEIRO CENÁRIO – O TÚMULO [1-18]
Os discípulos creem – Maria ausente
Maria, triste, é levada a crer
SEGUNDO CENÁRIO – A SALA [19-29]
Os discípulos creem – Tomé ausente
Tomé, duvidando, é levado a crer
CONCLUSÃO: [30-31]
Todos são convidados a crer

ATOS DOS APÓSTOLOS


O livro de Atos é a “ponte” do Novo Testamento: ele faz as “ligações” entre tudo no Novo Testamento.
Ele também é o único que faz a ligação entre o evangelho e as cartas e até mesmo com o Apocalipse (que
não deixa de ser uma carta). O livro de Atos liga os ministérios dos Apóstolos Judaicos, os doze, com os
trabalhos do Apóstolo dos Gentios, Paulo. Também é pelo livro de Atos que recebemos um pano de
fundo histórico para a maior parte das cartas de Paulo e, provavelmente, para a cartas de Tiago e Pedro:
ele liga as cartas com as igrejas e sua história.
Em outros aspectos, ele também é único. É o único livro de história da igreja: para ver a igreja antiga,
temos que ler Atos. Além disto, ele é o único livro que é um “segundo volume” do Novo Testamento – no
Velho Testamento isto era comum.
O nome do livro nos antigos manuscritos é apenas “Atos dos Apóstolos”, Praxeis Apostolon, PRAXEIS
APOSTOLWN. O título atual da obra é, até certo ponto, enganoso, pois não fala de todos os apóstolos e
fala muito de alguns que não o eram.
O livro de Atos é uma continuação do livro de Lucas, e portanto deve ser datado na mesma época: entre
60-70 AD. A data mais provável deve ser, contudo, entre 62 e 64, ou no máximo 66 AD.
Vários fatores colaboram com esta data. Acompanhe abaixo as considerações que fazem a data convergir
para uma maior antiguidade da obra:
i. O livro deve ter sido escrito antes da formação do “Corpus Paulinus”, ou seja, a coleção
completa das cartas de Paulo, que se estima, circulava cerca de 90 AD!! Como não se fala das
cartas de Paulo, elas ainda não estavam colecionadas por completo.

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ii. O livro deve ter sido escrito antes de 70 AD, data da destruição de Jerusalém. Esta tragédia
seria mencionada, ou pelo menos insinuada, pois faz parte do argumento de Estevão e de
outros.
iii. O texto também parece ter sido escrito antes da igreja e da sinagoga realizarem um
rompimento completo, coisa que ocorreu entre os anos 66 a 90 AD.
iv. O livro deve ter sido escrito antes das questões do judaísmo ser assunto obsoleto para a
igreja: circuncisão, comidas sacrificadas aos ídolos, animais sufocados etc. Estes assuntos
ainda estão vivos e são assunto de interesse em Atos.
v. O livro deve ter sido escrito antes da guerra judaica contra Roma de 66-70 AD, pois a guerra
não é, sequer, mencionada.
vi. O livro deve ter sido escrito antes da morte de Pedro e Paulo em 66-68 AD, pois seria
importante mencionar isto, mesmo que o objetivo da obra não fosse narrar a vida de Pedro ou
Paulo.
vii. O livro se encaixa melhor em uma data antes das perseguições de Nero, pois isto não é
mencionado e ocorreu após o incêndio de 64 AD.
viii. Atos devem ter sido escrito antes das viagens mencionadas em 1Timóteo, Tito e 2Timóteo:
locais e roteiros não citados em Atos. Claro que o autor não fica obrigado a mencionar estas
outras viagens, mas a ausência de menção da viagem à Espanha e a Creta são sugestivos de
uma data antiga.
ix. Pode ser que o livro foi concluído antes da libertação de Paulo, pois não é mencionada.
Claro que não é necessário obrigar Lucas a narrar, nem a soltura nem a morte de Paulo, pois
até mesmo a Ilíada não narra a morte de Aquiles, seu principal personagem.
x. Atos, também pode ter sido escrito depois da libertação de Paulo. Ele ficou preso 2 anos: isto
pode indicar que os acusadores não fizeram a acusação dentro de 18 meses e ele ficou livre por
“decurso de prazo”. Eusébio também acredita que ele foi solto.
xi. Uma coisa é certa: o Livro de Atos foi Escrito depois da redação e publicação do Evangelho
de Lucas. No prólogo de Atos, temos a impressão de que o Evangelho de Lucas já era obra
publicada no passado. Isto implica que Marcos já teria escrito seu Evangelho na década de 50,
para que Lucas escrevesse o seu na década de 60 do Primeiro Século da Era Cristã.
Neste estudo, adotaremos a data de 62 AD para o livro de Atos, imaginando que o Evangelho de Lucas já
estava pronto e circulando um pouco de tempo antes disto.
O livro de Atos tem, por assim dizer, um índice ou um sumário em Atos 1.8.
Jerusalém à Judéia e Samaria à Confins da terra
1-7 8-11 12-28
Em forma de esboço, temos:
I. JERUSALÉM (1-7)
O inicio da igreja (1-2)
A oposição aos apóstolos (3-5)
A perseguição da igreja (6-7)
II. JUDÉIA E SAMARIA (8-11)
A dispersão da igreja (8.1-3)
A pregação de Filipe (8.4-40)
A conversão de Saulo (9.1-31)
As viagens de Pedro (9.32-11.18)
III. ATÉ OS CONFINS DA TERRA (11-28)
O inicio do trabalho de Antioquia (11.19-12.25)
A primeira viagem missionaria de Paulo (13-14)
A controvérsia sobre a lei (15.1-35)
A segunda viagem missionaria de Paulo (15.36-18.23)
A terceira viagem missionaria de Paulo (18.23-21.26)
A prisão de Paulo e sua viagem a Roma (21.27-28.31)

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O livro de Atos mostra a marcha do evangelho de Jerusalém, sua origem até a capital do mundo antigo:
Roma. Este trajeto prova que, se o evangelho chegou à Roma, chegou a todo o mundo.
Um outro modo de ver o livro, foca sobre os personagens e locais mais importantes:
PARTE I (1-12) PARTE II (13-28)
Centro Jerusalém Antioquia
personagem Pedro Paulo
principal
Área atingida Jerusalém Judéia e Samaria ... até os confins da terra (Roma)
Fim prisão de Pedro prisão de Paulo

Lucas é um historiador de mão cheia em sua obra. Ele usa, com precisão, os títulos dos oficiais romanos
de cada região. Esta informação mostra sua acuracidade de historiador.
13.7 – Sérgio Paulo, procônsul que a história da igreja posterior, dá evidências de conversão;
16.12,20s,35s – Ele menciona, corretamente, que havia pretores em Filipos.
18.12 - Gálio é corretamente citado (51-52 AD).
24.27 – A queda do procurador Félix é narrada com precisão.236
19.38 - A estranha menção do plural, procônsules, pode indicar um momento histórico
específico em que Éfeso teve dois simultaneamente
19.31 – A correta menção de asiarcas em Éfeso também testifica a precisão de Lucas.
O relato da viagem e naufrágio de Paulo é documento de alta precisão e uma peça preciosa de navegação
no Mediterrâneo antigo (At 27).
Os dados geográficos e culturais, mencionados por Lucas, são historicamente comprovados.
Assim, Lucas situa-se, com tranquilidade, entre os grandes historiadores do mundo antigo e entre os
historiadores-profetas do antigo Israel.
O objetivo de Lucas no livro de Atos é: (i) Continuar a instrução de Teófilo e de outros (Lc 1.1-4); (ii)
Mostrar como o evangelho chegou a todo o mundo (At 1.8); (iii) Registrar a pregação de todos os
apóstolos (Pedro e Paulo), mostrando a unidade da pregação em torno de Jesus Cristo; (iv) Defender o
cristianismo contra seus inimigos.
• Atos é um livro missionário. Explica o trabalho missionário da igreja antiga, desde Jerusalém
até chegar em Roma.
• Pode-se dizer que o nome correto do livro seria: ATOS DE JESUS POR INTERMÉDIO DO
ESPIRITO SANTO. O Espírito Santo ocupa papel relevante no livro em potencializar o
testemunho sobre Jesus. Atos é o livro do Espírito Santo. A presença do Espírito Santo no livro
de Atos mostra que sem ele a igreja não funcionaria. Há modos da atuação do Espírito que não
se repetem hoje por causa de sua necessidade ser realizado uma única vez, como por exemplo, os
apóstolos ou os atos e ministérios exclusivamente apostólicos. Mas, há coisas que o Espírito
nunca deixou de fazer desde então, como por exemplo a promessa de Atos 2.38. Sem esta
presença do Espírito Santo, a igreja fracassa em fazer a vontade de Deus.
• Atos é o livro de conversões, mostrando como pessoas de diferentes origens e crenças eram
convertidas a Cristo.
• É um livro de defesa do cristianismo contra seus caluniadores. Em todos os processos e
perseguições que os cristãos passam neste livro, sua inocência esta sempre clara. Todos os
processos nos tribunais acabam por favorecer os cristãos.
• O livro de Atos é um livro de conversões e batismos. A fé cristã é espalhada por todo o mundo
e os batismos vão se sucedendo, comunidades se formam e a vida no Espírito gera alegria por
toda parte.
• O livro de Atos é um livro de sermões. Os sermões do livro de Atos mostram que havia uma
mensagem básica centrada totalmente em Jesus: sua vida, atos , morte e ressurreição - e o

236
HALE, Broadus David, Introdução ao Estudo do Novo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2001, p. 173: Félix cai junto com seu
irmão Palas. Nero devia a Palas, o favor da adoção na família de Cláudio. A data desta queda foi confundida nas histórias de
Suetônio e Tácito, mas a data deve ser cerca de 55.

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significado destes atos para os homens. Este deve ser o exemplo para a igreja de hoje: a nossa
mensagem é uma só - Jesus Cristo.
• O livro de Atos é um livro de Jesus. O prólogo de Atos disse que o Evangelho de Lucas era o
que Jesus começou a fazer e ensinar (At 1.1-2), logo, este livro mostra a continuidade do que
Jesus faz e ensina. Jesus continua...
FÉ ARREPENDI- CONFISSÃO BATISMO VIDA
Atos MENTO CRISTÃ
2.37-47 * X X X
8.12 X * X *
8.36-39 X * [X] X X
9.9-19 * * X X
16.14-15 X * * X X
16.30-34 X X X X
18.8 X X *
(X = explicito; * = deduzido)
CONCLUSÃO
Os quatro evangelhos e o livro de Atos são o centro da história do mundo, conforme o desejo de Deus. Os
Evangelhos falam de Jesus vindo ao mundo e o Livro de Atos fala do mundo sendo levado a Jesus. Os
Evangelhos mostram a vida de Jesus, cujos atos e palavras expressavam a presença de Deus entre os
homens. No Livro de Atos, os atos e palavras do povo de Jesus mostra que eles viviam com Jesus e seu
Espírito. Os Evangelhos terminam com a cruz e com a ressurreição, mas o livro de Atos não termina. A
última palavra que ocorre no livro de Atos, no texto grego, é um advérbio de modo, a palavra akolytos,
avkwlu,twj, que significa “sem impedimento, sem obstáculo” ou, “desimpedidamente”. É assim que o
evangelho está sendo pregado e ensinado (At 28.31) – o trabalho não terminou, não tem fim e não pode
ser impedido... até a volta do Senhor!
Nosso engajamento nesta história começa como evangelho. Necessitamos viver o evangelho, passando
por todas as etapas dele em nossa própria vida.
Temos, como Jesus, que nascer um nascimento virginal, não de homem ou por homem algum, mas nascer
de Deus (Jo 1.13; 3.3, 5). Será um nascimento como o de Jesus (Mt 1.18, 20; Lc 1.35), feito pelo Espírito
Santo (At 2.38).
Como Jesus foi tentado (Mt 4 e Lc 4) nós também o seremos. Como Jesus foi contraditado e combatido
por alguns, mas também foi acolhido e apoiado por outros, assim também será nossa vida (Jo 15.20).
Como Jesus recebeu a voz celestial dizendo que ele era o Filho (Mt 3 e Lc 3), também nós recebemos este
chamado de filhos de Deus (Gl 3.26-27).
Como Jesus andou por toda parte, fazendo o bem (At 10.38), assim também nossa andança é envolvida no
mesmo trabalho.
Quando lemos que Jesus pregava, ensinava, exercia misericórdia e oferecia comunhão, isto para nós não é
somente história, mas um programa de vida (At 2.42-47).
Assim como Jesus dirigiu-se, resolutamente, para a cruz (Lc 9.51), nós também, resolutamente, nos
dirigimos para o mesmo alvo: olhamos, sem piscar, para a cruz de Cristo (Hb 12.1-2).
Assim com Jesus, venceu, por meio da morte, também nós, que já morremos com ele (Rm 6.1-14)
certamente morreremos para encontrar, na morte, a vitória com ele.
Os evangelhos não são apenas a vida de Jesus. São a nossa “biografia”, pré-escrita e pré-determinada. O
que nos resta é entender cada vez mais dos Evangelhos para que os nossos “Atos” sejam, de fato, a
continuidade a obra de Jesus por meio do Espírito Santo em nós.

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AULA 04 – AS CARTAS PAULINAS I

INTRODUÇÃO
As cartas de Paulo são uma das mais importantes heranças deixadas pela igreja primitiva para a igreja em
todos os tempos.
As cartas eram, por definição, correspondência particular, local e temporária. Sua preservação é uma
graça e um favor que as igreja antigas ofereceram para a posteridade.
E por qual razão a igreja preservou estas cartas? Os irmãos devem ter pensado que os conselhos
inspirados pelo Espírito para aquela situação, seriam úteis no futuro. Esta percepção era, absolutamente,
verdadeira.
As cartas do Novo Testamento são comunicação casual e extemporânea baseada em princípios eternos e
importantes. Por esta razão, o Novo Testamento tem elementos que nos remetem ao momento específico
da produção dos documentos e, ao mesmo tempo, tem elementos de validade para todas as gerações de
cristãos em todas as épocas e lugares. 237
O resultado é que, sem contar Jesus, Paulo é o personagem e o teólogo mais importante do Novo
Testamento238. No passado alguns o consideravam “o fundador do Cristianismo” e ainda hoje alguns o
consideram o “segundo fundador do Cristianismo”. Estes títulos, além de serem um exagero, são
contraditórios, pois Paulo prega Jesus e não prega nada que não tenha recebido de seu Senhor239 e até
mesmo das tradições anteriores.240 Depois de Jesus, Paulo é o personagem sobre o qual temos mais
informações e detalhes biográficos no Novo Testamento.
Suas cartas funcionaram como uma forma de “Educação à Distância” da Antiguidade Cristã.241 Muitas
cartas do mundo antigo tinham função instrucional, mas as Cartas de Paulo tornaram-se as mais famosas
cartas de todo o mundo.
SÍNTESE
Introdução geral à epistolografia do Novo Testamento, às cartas paulinas e introdução geral às epístolas
de Paulo aos Romanos, aos Coríntios e aos Gálatas.
DISCUSSÃO
O que são as cartas do Novo Testamento? Como compreender estes escritos sem utilizá-los
indevidamente?
A carta, no parecer dos antigos, é a metade de um diálogo242 ou a o substituto de um diálogo243. Na carta,
alguém pode falar a um amigo ausente como se ele estivesse presente.244 A carta é, de fato, um discurso
em forma de escrita.245 É esperado que a carta reflita a personalidade de seu escritor.246
É exatamente este tipo de conceito que se observa nas cartas de Paulo. A carta de Paulo é “metade do
diálogo” (1Co 7.1) e por meio da carta, se fazia presente, embora ausente (1Co 5.3). A carta era lida na
igreja como se fosse um discurso de Paulo (1Ts 5.27; Cl 4.16) e uma crítica ferina dos inimigos é que

237
Outro modo de afirmar isto está em FERGUSON, Everett. The Church of Christ. Grand Rapids: Eerdmans, 1996, p. xviii: “ ...
as correções [do NT] são elevadas fora do domínio do temporal e do temporário para o domínio do normativo e permanente. […]
Entretanto, as circunstâncias históricas do primeiro século não são normativas para os cristãos de séculos posteriores, mas o ensino
apostólico dado naquelas circunstâncias históricas é normativo.”
238
DUNN, James D. G. A teologia do apóstolo Paulo: 2a. Ed. São Paulo: Paulus, 2008, p. 25-30: para ele Paulo é o “primeiro” em
proeminência e o maior em envergadura.
239
Gl 1.11-12 – recebeu o Evangelho diretamente de Cristo, não de homens.
240
1Co 11.23; 15.3 – embora, até mesmos estes textos, de linguagem tradicional, possam indica uma “tradição recebida diretamente
de Jesus”.
241
Pensamos que Educação à Distância é um fenômeno moderno, mas o Novo Testamento não deixa de ser uma forma de
“Educação Religiosa à Distância”.
242
Demétrio, De Elocutione 223, apud MALHERBE, Abraham J. Ancient Epistolary Theorists. SBL Sources For Biblical Study
19. Atlanta: Scholars Press, 1988, p. 12.
243
Cícero, Ad Familiares 12.30.1 apud MALHERBE, 1988, p. 12.
244
Cícero Ad Familiares 2.4.1; Sêneca Epístolas Morais 75.1; Pseudo-Libânio 2.58. Julio Víctor, Ars Rhetorica 27. Todas estas
citações vem de MALHERBE, 1988 p. 12.
245
Cícero Ad Atticus 8.14.1; 9.10.1; 12.53; Sêneca Epístolas Morais 75.1. Veja MALHERBE, 1988 p. 12.
246
Cícero Ad Familiares 16.16.2; Sêneca Epistolas Morais 40; Demétrio De Elocutione 227; Filostrato. Veja MALHERBE, 1988, p.
12

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suas cartas não combinavam com sua personalidade (2Co 10.10). Quanto a esta crítica, Paulo responde
que, pessoalmente, mostrará coerência entre o discurso e a ação, calando os caluniadores (2Co 10.11).
Claro que as cartas do mundo antigo não eram apenas comunicação de informação. Muitas vezes os
escritores realizavam ações por meio de suas cartas.247
A carta mais antiga mencionada na Bíblia foi escrita por Davi para Joabe, tramando o assassinato de
Urias (2Sm 11.14, 15)248. Contudo, note que o mais normal, na época, era o uso de mensageiros (2Sm
11.18-25). Uma surpreendente antecipação da correspondência do Novo Testamento é a carta de Elias ao
rei Jeorão (2Cr 21.12-15). Contudo, o uso de cartas vai aumentando à medida que a história do Velho
Testamento vai transcorrendo.249
Embora as cartas fosse muito antiga e tradicional, o desenvolvimento de uma teoria para o uso e
entendimento destas cartas só se desenvolveu no tempo do Novo Testamento.
Os teóricos desta epistolografia antiga eram todos estudiosos da retórica. Assim a análise desta antiga
epistolografia dependia dos parâmetros da retórica.250
A retórica clássica moldou o discurso oral que, por sua vez, influenciou o discurso escrito. Assim,
cânones da retórica acabaram por abranger campos enormes e múltiplos saberes e terminou por dominar
toda a literatura. A epistolografia foi um destes gêneros que nasceram apoiados na retórica251.
Isto não quer dizer que as pessoas todas estudavam retórica – pelo contrário, o estudo da retórica antiga
era feito apenas por uma minoria, pois correspondia aos nossos estudos de Terceiro Grau. Mas, mesmo
sendo um estudo das elites, os resultados dele chegavam ao povo comum e influenciavam a forma e a
função das cartas de outros segmentos da sociedade. 252
Assim, quando estudarmos as cartas do Novo Testamento, as informações deste teóricos irá nos ajudar a
não enfrentar as cartas com pressupostos enganosos tais como: “Paulo está escrevendo para defender uma
doutrina ou atacar uma falsa doutrina”. Esta postura de imaginar as cartas paulinas como “polemistas”
não compreende bem, nem mesmo as cartas em que ele luta contra falsos ensinos.
Por exemplo, uma importante função das cartas antigas é “reprovar” ou “louvar”. Sendo aquela sociedade
regida pelo valor da “honra”,253 na maior parte das vezes, as cartas mostram o valor ou a honra daquilo
que é o evangelho e a vergonha do contrário. Assim, o mecanismo de trabalho das cartas não é o da
simples transmissão de doutrina.
Epístolas ou cartas?
No Século passado, um importante estudioso do Novo Testamento afirmou que havia um diferença entre
uma Epístola e uma Carta no mundo antigo.
Para ele “uma carta era coisa não literária, um meio de comunicação entre pessoas que estavam separadas
uma das outras”.254 Ele considerava as cartas como coisa confidencial e pessoal.255 Por outro lado, a
“epístola é uma forma de arte literária, uma espécie de literatura como um diálogo, um discurso ou um
drama. Não tem nada em comum com a carta, a não ser a forma”.256
Assim, este estudioso afirmou que todas as cartas de Paulo eram “verdadeiras cartas”.257 Por outro lado,
ele considerou Tiago, as cartas de Pedro e Judas como “epístolas”.258

247
STOWERS, Stanley K. Letter Writing in Graeco-Roman Antiquity. Philaderphia: The Westminster Press, 1986, p. 15.
248
Também o assassinato de Nabote foi urdido através da cartas de Jezabel (1Rs 21.8-9, 11).
249
(2Cr 2.1-10); 2Cr 2.11-16; 2Rs 5.6; 10.1, 2, 6, 7; 19.14; 20.12; 2Cr 30.11; 32.17; Esdras, Neemias e Ester estão repletos de cartas
e correspondências.
250
Para uma excelente análise da epistolografia envolvendo o período do Novo Testamento é a obra de TIN, Emerson (Org.). A
Arte de Escrever Cartas: Anônimo de Bolonha, Erasmo de Rotterdam, Justo Lípsio. Campinas: Editora da UNICAMP, 2005, p.
17-30. Este autor utiliza muito bem a citada antologia de MALHERBE, 1988.
251
ALEXANDRE JÚNIOR, Manuel. A Retórica: um saber interdisciplinar, p.1
252
PENNA, Romano. Le questione della ‘dispositio rhetorica’ nella lettera di Paolo ai Romani: confronto con la lettera 7 di
Platone e la lettera 95 di Seneca, in BIBLICA 84 (2003), 61-88. Romano Penna, neste artigo sobre a questão da relação entre a
retórica e epistolografia, mostrou que a disposição de cartas não será, sempre e necessariamente, a da retórica. Haverá mais
flexibilidade e até mesmo antecipações com várias teses em uma mesma carta, em suas diferentes partes.
253
STOWERS, 1986, p.16.
254
DEISSMANN, A. Light from the Ancient East. Grand Rapids: Baker, 1978, p 228. A obra original, contudo, é e 1907 com
reedições em 1909 e 1922.
255
DEISSMANN, 1978, p. 228.
256
DEISSMANN, 1978, p. 229.
257
DEISSMANN, 1978, p. 234-242: ele também considerou 2 e 3 João como cartas.
258
DEISSMANN, 1978, p. 242-245: Hebreus, 1João seriam discursos divulgados como epístolas e o Apocalipse seria uma epístola.

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Embora esta classificação tenha sido influente, hoje em dia já se provou uma falsa classificação.259
Uma das principais razões é por ser uma distinção artificial e moderna: os antigos não pensavam assim
sobre suas cartas ou epístolas. A epistolografia antiga observou e assinalou convenções literárias em toda
a correspondência do mundo antigo, de forma que mesmo as comunicações mais reservadas e pessoais,
refletiam cânones da “literatura” e a distinção entre obras literárias e não-literárias é fictícia.260
PADRÃO ESTRUTURAL DAS CARTAS ANTIGAS261
Hoje em dia, usamos cartas com formatos mais o menos convencionais:
Cartas pessoais, normalmente, começam com “Caro José” etc., e terminam com “Um grande abraço,
João.” Escreve-se a data no canto superior direito do papel. Assinamos ao fim e se lembramos de algo
depois de terminar a carta, podemos usar um P.S. A carta normalmente é posta em um envelope que tem
na frente o destinatário e atrás (ou no canto superior esquerdo) o remetente.
Memorandos no mundo dos negócios ou os modernos e-mails usam estruturas padrão:
De:/Para:/Assunto:/Data. No caso de e-mails, muitas vezes os termos ainda estão em inglês (To: / From: /
Date: / Re: ou From: / Sent: / To: / Subject:).
Muitas cartas no mundo antigo também seguiam um modelo ou um padrão. Este era diferente do que
usamos hoje em dia. As cartas de Paulo e de outros no Novo Testamento normalmente seguem os padrões
de sua época, pois era o que se esperava de uma correspondência. Apesar de variações (especialmente no
corpo e na conclusão) a estrutura pode ser esboçada como as tabelas abaixo mostram:

I) ABERTURA II) CORPO III) CONCLUSÃO


Remetente(s): De quem Exortação inicial Assuntos Práticos
Destinatário(s): Para quem Tese Saudações Individuais
Fórmula de Saudação Discussão teológica Pós-escrito pessoal
Ação de graças (ou Bênção) Exortação Ética Doxologia ou oração

Características especiais das cartas Paulinas:


Em muitas, Paulo associa seu nome a um “coautor” (ocasionalmente mais de um). Aprender a entender a
razão das coautorias e também a razão das cartas “individuais” de Paulo é importante.
Os coautores das cartas de Paulo, com o nome figurando no endereçamento da carta:
§ Sóstenes, coautor de 1Coríntios
§ Timóteo, coautor de 1&2Tessalonicenses, 2Coríntios, Filipenses, Colossenses e
Filemom.
§ Silvano (Silas) coautor de 1&2Tessalonicenses.262
§ A equipe missionária de Paulo em geral é apresentada como coautora de Gálatas.
§ Tércio, foi o escriba da carta aos Romanos, mas só se apresenta no fim da carta (Rm
16.22).

As cartas paulinas em que não temos coautoria explícita são:


§ Romanos
§ Efésios
§ 1&2Timóteo
§ Tito

Estas cartas não são endereçadas ao povo da cidade, mas somente a grupos cristãos. Observar como ele
chama ou nomeia estes grupos também oferece dados relevantes.
§ “A todos os que em Roma são amados de Deus e chamados para serem santos” (Rm
1.7);

259
STOWERS, 1986, p. 17-26.
260
Deissmann imaginava que os cristãos eram muito mais incultos do que os estudos mais recentes estão assumindo. Veja
MALHERBE, A. J. Social Aspects of Early Christianity: second edition – enlarged. Philadelphia: Fortress Press, 1983, p. 29-59.
261
Aproveito e adapto idéias do Prof. Felix Just, S.J. - Loyola Marymount University. Parte do material é uma tradução com
adaptações, enquanto outra parte é original ou vinda de outras fontes.
262
Ele também é coautor de 1Pedro – Veja 1Pe 5.12.

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§ “À igreja de Deus que está em Corinto, aos santificados em Cristo Jesus e chamados
para serem santos...” (1Co 1.2);
§ “À igreja de Deus que está em Corinto, com todos os santos de toda a Acaia.” (2Co
1.1);
§ “Às igrejas da Galácia” (Gl 1.2);
§ “Aos santos e fiéis em Cristo Jesus que estão [em Éfeso]” (Ef 1.1);
§ “A todos os santos em Cristo Jesus que estão em Filipos, com bispos e diáconos” (Fp
1.1);
§ “Aos santos e fiéis irmãos em Cristo que estão em Colossos” (Cl 1.2);
§ “À igreja dos tessalonicenses, em Deus nosso Pai e no Senhor Jesus Cristo” (1Ts 1.1);
§ “À igreja dos tessalonicenses, em Deus Pai e no Senhor Jesus Cristo” (2Ts 1.1);
§ “A Timóteo, meu verdadeiro filho na fé” (1Tm 1.2);
§ “A Timóteo, meu amado filho” (2Tm 1.2);
§ “A Tito, meu verdadeiro filho em nossa fé comum” (Tt 1.4);
§ “Ao amado Filemom, também nosso colaborador e à irmã Áfia e a Arquipo, nosso
companheiro de lutas e à igreja que está em tua casa” (Fm 1-2).
As cartas não-Paulinas, tais como Tiago, Judas, etc., geralmente são dirigidas a públicos mais amplos ou
o endereçamento não especificou os destinatários com muitos detalhes.
A saudação padrão de Paulo, chamada de sua “fórmula de saudação” é a combinação da saudação grega
usual que seria (chairein - "saudações") alterada para um vocábulo mais importante no meio cristão
(charis - "graça") e a saudação comum dos judeus (shalom - "paz"), tomada no idioma grego (eirene -
"paz").
§ A saudação usual, “graça e paz” encontra-se em: Romanos, 1e2Coríntios, Gálatas,
Efésios, Filipenses, Colossenses, 1e2Tessalonicenses, Tito e Filemom.
§ A saudação tríplice “graça, misericórdia e paz” ocorre apenas em 1 e 2 Timóteo.
Quase todas as cartas de Paulo contêm três divisões padrão [abertura, corpo e conclusão]:
Ocasionalmente uma subdivisão é omitida (por exemplo, na abertura de Gálatas falta a oração inicial e
no final de 1Tessalonicenses falta uma saudação pessoal.
Ocasionalmente a ordem de algumas subdivisões é trocada, especialmente no fim de algumas cartas.
Ocorre também que uma carta pode ter mais de uma divisão de um mesmo tipo, como as duas ações de
graças de 1 e 2 Tessalonicenses e as várias orações em Efésios.
Não é incomum ter temas teológicos, éticos e práticos misturados no corpo da carta, especialmente nas
cartas mais longas. Assim, as divisões de assuntos são genéricas e aproximadas.
O final das cartas, que chamamos de ‘conclusão’ ou ‘fecho’ merece muita atenção. Diferentemente do
que se pode pensar, os autores muitas vezes deixaram para o fim suas últimas palavras e afirmações
fundamentais. O fim das cartas é fundamental para entender onde queria chegar o autor, com sua
comunicação.
Da mesma forma, o início da carta, que envolve não somente o que chamamos de ‘abertura’ mas os
parágrafos iniciais do ‘corpo’ formam um tipo de ‘prefácio’ que antecipa os temas a serem tratados e, em
alguns casos, já sinaliza a conclusão e objetivos da carta. Uma boa compreensão do início da carta é
sempre fundamental.
Tabelas estruturais das cartas do NT:
Uma cuidadosa consideração da estrutura e das divisões de cada carta ajuda muito na interpretação. A
ausência ou deslocamento das seções também deve chamar nossa atenção.
Abreviações: CJ = "Cristo Jesus"; JC = "Jesus Cristo"; Os colchetes [ ] indicam versos que
não se enquadram na descrição típica das divisões.

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Usamos abaixo seis cartas Paulinas e Hebreus para fazer uma comparação de estrutura:
Carta: Gl 1Ts 2Ts 1Co 2Co Rm [Hb]

I) Abertura: 1.1-2a - Paulo 1.1a - Paulo, 1.1a - Paulo, 1.1 - Paulo um 1.1a - Paulo 1.1-6 - Paulo servo X
Remetente(s): apóstolo de Deus Silvano, & Silvano, & apóstolo, e nosso apóstolo de CJ & de JC, chamado
& todos os que Timóteo Timóteo irmão Sóstenes Timóteo nosso para ser apóstolo…
estão comigo irmão

Destinatários: 1.2b – para as 1.1b – para a 1.1b –para a igreja 1.2 – Igreja de Deus 1.1b – Igreja de 1.7a – para todos os X
Para... igrejas da Galácia igreja dos dos Tessalonicen- em Corinto e todos Deus em Corinto e amados de Deus em
Tessalonicen-ses ses em Deus Pai e os chamados em todos os santos na Roma, chamados
em Deus Pai e Senhor JC Jesus Acaia para ser santos
Senhor JC

Saudação 1.3-5 - Graça e 1.1c – Graça a 1.2 - Graça a vós 1.3 - Graça a vós 1.2 - Graça a vós 1.7b - Graça a vós X
(Fórmula: graça e paz) paz da parte de vós outros e paz outros e paz da outros e da parte de outros e paz da outros e paz da parte
JC, que se deu a parte de Deus Pai Deus Pai e do parte de Deus Pai de Deus Pai e do
si mesmo pelos e do Senhor JC Senhor JC e do Senhor JC Senhor JC
nossos pecados…

Ação de Graças X 1.2-10 - fé, amor 1.3-4 – fé & amor 1.4-9 - graça, 1.3-11 – Bendito 1.8-15 – fé e X
(ou Bênção) [1.6-10 – & esperança & crescendo riqueza de seja o Deus de JC, encorajamento
“Admira-me...” 2.13-16 - por & 2.13-15 – Deus sabedoria, dons Pai de espiritual
aceitarem a vos escolheu para espirituais dados misericórdia e
palavra de Deus a salvação para o vosso Deus de
fortalecimento consolação

II) Corpo da carta: [1.11—2.14 – 2.1-12 – seguir o [1.5-12] – O juízo 1.10-17 – apelo por 1.12-2.13; 7.5-16 X X
Inicio Exortação História da vida exemplo de divino na unidade, não divisão Reconcilia-ção
de Paulo Paulo; revelação de Jesus da comunidade
2.17-3.13 – 2.14-7.4 é a grande
Relação de digressão da carta.
Paulo com eles

Tese Afirmação 2.15-21 – ? ? 1.18 – a mensagem ? 1.16-17 – o 1.1-4 – Deus tem


justificação pela da cruz Talvez evangelho é o poder falado através do
fé em/de CJ Partição. Partição 2.14-17 de Deus para a Filho
3.11-13 2.1-2 salvação por fé

Discussão Teológica 3.1-5.12 – a lei e 4.13-5.11 – 2.1-12 - eventos 1.19-4.21 – DIGRESSÃO 1.18-11.36 – lei, na maior parte de
a fé; Abraão; morte, antes da volta de verdadeira [2.14-7.4 – Papel pecado dom fé; 1.5--11.40 - Jesus é
Hagar vs. Sara ressurreição & a JC sabedoria em JC; de Paulo como Adão, Abraão, superior a tudo e
volta de Jesus [5.1--15.58 também apóstolo] Jesus; batismo, todos
discute teologia] morte, vida

Admoestação Ética 5.13-6.10 – 4.1-12 – viver de 3.6-15 – cuidado 5.1-15.58 – [10.1-13.10 – 12.1-15.21 – viver 2.1-4; 3.7--4.16;
advertências; acordo com a para não ser problemas e avisos contra no corpo de Cristo; 5.11--6.12; 10.19-
levar as cargas vontade de Deus intrometido perguntas dos falsos apóstolos] amor mútuo 39; 12.1--13.19
uns dos outros coríntios

III) Conclusão da X 5.12-22, 25, 27 – 3.1-5 – pedidos de 16.1-14 – a coleta, [8.1-24; 9.1-15 – 15.22-33 – planos 13.23 - Timóteo foi
carta: respeito aos oração planos de viagem, ajudar os pobres] de viagem; libertado
Assuntos Práticos obreiros, oração, avisos 13.1-10 – Terceira 16.17-20 –
etc. visita de Paulo advertência

Saudações Individuais X 5.26 – X 16.15-18 – 13.11-12 – saudar 16.1-16, 21-23 – 13.24 – saúde todos
Saudações a recomendando uns aos outros com muitas saudações os guias e santos
todos os irmãos Estéfanas…; 19-20 ósculo santo; todos
e irmãs – saudações da Ásia os santos vos
saúdam

Pós-Escrito Pessoal 6.11-17 - mais X 3.17-18 - Paulo 16.21-24 – anátema X X [13.22 – suportem a
avisos contra assina cada carta para quem não ama [16.22- Tércio, o minha exortação]
circuncisão & a assim o Senhor escriba]
cruz

Oração ou Doxologia 6.18 – A graça do [3.11-13] [2.16-17] 16.23-24 – A graça 13.13 – A graça do [11.33-36] 13.20-21, 25 – Que
Senhor JC seja 5.23-24 – Que 3.5, 16, 18 – Que o do Senhor Jesus & Senhor JC, o amor [15.13] o Deus da paz os
com o vosso Deus os Senhor lhes dê meu amor seja com de Deus & e a 16.25-27 – A Deus, faça plenos; a graça
espírito. Amém santifique; & amor, paz & graça vocês em Cristo comunhão do ES a glória seja com todos
5.28 – A graça seja com todos vocês
deJC seja com
vocês

Carta. Gl 1Ts 2Ts 1Co 2Co Rm [Hb]

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Epístolas da Prisão e Pastorais:


Carta: Cl Ef Fp Fm 1Tm 2Tm Tt

I) Abertura: 1.1 - Paulo, 1.1a - Paulo, 1.1a - Paulo & 1a - Paulo 1.1 - Paulo, 1.1 - Paulo, 1.1-3 - Paulo,
Remetente(s): apóstolo de CJ, e apóstolo de CJ Timóteo, servos de prisioneiro de CJ & apóstolo de CJ pelo apóstolo de CJ escrevo de Deus
Timóteo, nosso pela vontade de CJ Timóteo, nosso mandato de Deus e pela vontade de & apóstolo de
irmão Deus irmão CJ Deus, para a vida JC...
em CJ

Destinatários: 1.2a – para os 1.1b – aos santos 1.1b – para todos os 1b-2 – a Filemom, 1.2a – a Timóteo, 1.2a - a Timóteo, 1.4a - a Tito, meu
Para... santos e fieis em [em Éfeso] e fiéis santos em CJ em Afia e Arquipo e a meu filhos leal na meu amado filho leal filho na fé
Cristo em em CJ Filipos, com bispos igreja na casa deles fé comum
Colossos e diáconos

Saudação 1.2b - Graça a 1.2 - Graça a 1.2 - Graça a vós 3 - Graça a vós 1.2b - Graça, 1.2b - Graça, 1.4b - Graça &
(Fórmula: graça e paz) vocês e paz de vocês e paz de outros e paz da outros e paz da misericórdia & paz misericórdia & paz de Deus Pai
Deus Pai Deus Pai e parte de Deus Pai e parte de Deus Pai e de Deus Pai & CJ paz de Deus Pai & CJ Salvador
Senhor JC do Senhor JC do Senhor JC Senhor & CJ Senhor

Ação de Graças 1.3-8 – pela fé 1.3-14 - Bendito 1.3-11 – pela 4-7 – amor, fé X 1.3-7 – pela sua X
(ou Bênção) amor e esperança; seja o Deus e Pai comunhão no comunhão, alegria fé sincera;
pelo evangelhos de Nosso Senhor evangelho, em & encorajamento reavivar o dom
que está dando JC...; justiça e amor divino
fruto & 1.15-23 – ação
de graças

II) Corpo da carta: 1.9-14 – oração [1.15-23 – em 1.12-30 – o avanço 8-10 – apelo em 1.3-20 – fique em 1.8-18 – não 1.5-16 – colocar
Inicio Exortação por conhecimento, forma de oração] do evangelho prol de Onésimo Éfeso para manter a envergonhar-se em ordem as
sabedoria e força sã doutrina do evangelho igrejas de Creta

Tese Afirmação [1.15-20 – Hino a [1.20-23 – O [2.1-2 –ser unidos [11 - trocadilho. X X X
Cristo] poder de Deus me em atitude e amor] útil/inútul]
Cristo]

Discussão Teológica 1.15--2.23 – 2.1--3.21 – vida 2.1-3.1 - unidade & 11-16 – liberdade e [2.1--6.19 – temas 2.1--3.9 – fé X
salvação em em CJ para os humildade em CJ; fraternidade teológicos evocados contra os temos
Cristo e não pela Gentios [3.2--4.1 – contra a ocasionalmente difíceis
filosofia circuncisão]

Admoestação Ética 3.1--4.6 – vida em 4.1--6.20 – 4.2-9 - Evódia & 17-21 – pagando 2.1--6.19 – regras 3.10--4.8 – Seguir 2.1--3.11 –
Cristo; regras para unidade no corpo Sintique; Alegrai- dívidas; para obreiros e ara a o exemplo de fé e ensino da sã
lares cristãos de Cristo; deveres vos sempre obediência conduta sofrimento de doutrina e boas
familiares comunitária Paulo obras

III) Conclusão da 4.7-9 – Enviada e 6.21-22 – 4.10-20 – obrigado 22 – pedido de X 4.9-18 – Venha 3.12-14 – apóie
carta: lida por Tíquico & Enviada e lida por pelos dons enviados hospedagem logo e traga… os missionários e
Assuntos Práticos Onésimo Tíquico, ministro por meio de Cuidado com os velha logo
fiel Epafrodito inimigos

Saudações Individuais 4.10-15 – de 6.23 - paz para 4.21-22 – Saudar 23 - saudações de [6.20-21a – 4.19-21 – Saúda 3.15a – todos
muitas pessoas toda a santos em CJ; todos vários admoestação final ] Prisca, Aquila, aqui saúdam
(cf. Fm 23) comunidade os santos vos (cf. Col 4.10) etc.; 4 outros você. saúde todos
saúdam, saúdam você que nos amam
especialmente os da
casa de César

Pós-Escrito Pessoal 4.18a – lembrem X X 19 – Eu, Paulo, X X X


das minhas escrevo de próprio
algemas punho. eu pagarei

Oração ou Doxologia 4.18b – A graça 6.24 - Graça a 4.20 – A Deus a 25 – A graça do 6.21b - Graça seja 4.22 - Senhor seja 3.15b - Graça
seja com vocês todos que amam glória; Senhor JC seja com com você com o seu seja com todos
nosso Senhor JC 4.23 – A graça do o vosso espírito espírito, a graça vocês
em sinceridade Senhor JC seja com seja com vocês
vosso espírito

Carta: Cl Ef Fp Fm 1Tm 2Tm Tt

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Epístolas Gerais ou Epístolas Católicas:


Carta: Tg 1Pe 2Pe 1Jo 2Jo 3Jo Jd

I) Abertura: 1.1a – Tiago servo 1.1a – Pedro, 1.1a – Simeão 1.1 - "nós" 1a – O Presbítero 1a – O Presbítero 1a - Judas, servo
Remetente(s): de Deus e de apóstolo de JC Pedro, servo & 2.1 - "eu" de JC, irmão de
Senhor JC apóstolo de JC Tiago

Destinatários: 1.1b – para as 12 1.1b-2a – para os 1.1b – aos que 1.1 - "para vócês" 1b-2 – para a 1b – ao amado 1b – aos
Para... tribos da exilados na receberam a fé 2.1 - "Meus Senhora Eleita e Gaio, a quem eu chamados e
Dispersão dispersão na Ásia para com Deus & filhinhos" seus filhos (uma amo na verdade amados de Deus
Menor Salvador JC igreja)

Saudação 1c - "Saudações" 1.2b - Graça & 1.2 - Graça & paz X 3 - Graça, X 2 - misericórdia,
(Fórmula: graça e paz) paz seja com no conhecimento misericórdia e paz paz e amor
vocês em de Deus e Jesus de Deus Pai & JC
abundancia Nosso Senhor

Ação de Graças X 1.3-12 – pelo X [1.1-4 – nós [4 – alegria de ver [2-4 – uma oraçao X
(ou Bênção) novo nascimento pregamos e vocês filhos andando na alegre por seus
para uma viva colheram verdade] filhos que andam
esperança comunhão e na verdade]
alegria]

II) Corpo da carta: 1.2-4 – considere 1.13-16 - "sejam 1.3-15 – [1.5-10 – ande na 5 – amem uns aos 5-8 – receba e 3 – apelo para
Inicio Exortação as dificuldades santos porque eu Testamento de luz, confesse os outros apoie os lutar pela fé
como alegria sou santo" Pedro pecados] missionários

Tese Afirmação [1.3 – o teste da 1.22-25 – vocês 1.16-21 – O 1.5-10 - Deus é 6 - amor é andar de X 4 – intrusos
fé produz foram purificados ensino cristão vem luz, Jesus acordo com os pervertem a graça
perseverança e e nasceram de de testemunhas purifica-nos do mandamentos de Deus e negam
maturidade novo oculares e do ES pecado Jesus

Discussão Teológica [esp. 2.14-26 - fé 1.17-4.19 – vocês 2.1-22 *** - 2.1--5.21 mistura. 7, 9 – negadores e X 5-19 ***–
sem obras é são raça eleita, punição para Deus é amor, anticristos negam julgamento dos
morta] sacerdócio real, falsos mestres; filhinhos de Deus Jesus infiéis e pecadores
nação santa, povo 3.3-18a - vs. anticristos
de Deus promessa & atraso
da vinda de Jesus

Admoestação Ética 1.5—5.12 – [esp. 2.11--3.12 - [disperso entre os 2.1--5.21 8 – estejam atentos e 11 – imitem o 20-23 –
muitos temas "tabua de deveres outros temas, esp. disperso. amor não percam o bom e não o mau edifiquem-se na fé
éticos: sobre o da família" & 2.10-22] uns aos outros galardão oração amor e
falar & sobre sofrimento] misericórdia
riquezas

III) Conclusão da carta: 5.13-20 – oração 5.1-10 – anciãos [3.15-16 – o X 10-11 – não receba 9-10 - problemas X
Assuntos Práticos & unção de devem ser entendimento falsos mestres com Diotrefes;
doentes; perdão de humildes e cuidar correto das cartas 12- recomenda
pecados do rebanho de Paulo] Demetrio

Saudações Individuais X 5.13-14a – a igreja X X 13 – a igreja irmã 15b – saúda os X


em “Babilônia” e envia saudações amigos nome por
“meu filho nome
Marcos” enviam
saudações.
Saúdem uns aos
outros

Pós-Escrito Pessoal X 5.12 – escrito pelo 3.1-2 – esta é [5.13 – Escrevo 12 – tinha mais a 13-14 - tinha mais X
irmáo Silvano minha 2ª carta para os que crêem dizer, mas espero a dizer, mas
para relembrá-los para que saibam visitá-los espero visitá-los
que têm a vida em breve
eterna]

Oração ou Doxologia X 5.11 - a Cristo 3.18b – ao Senhor [5.28 – evitem os X 15a - paz para 24-25 – a Deus,
seja o poder, e Salvador JC seja ídolos] vocês por Jesus, seja a
eternamente. a glória, agora e glória, majestade,
5.14b - paz a eternamente poder...
todos que estão
em Cristo

Carta: Tg 1Pe 2Pe 1Jo 2Jo 3Jo Jd

AS CARTAS PAULINAS
São 13 ou 14, conforme a opinião sobre a autoria da Epístola aos Hebreus. Estas Epístolas ou Cartas
também são classificadas de vários modos263.
Podemos pensar nas cartas de Paulo como sendo:
Cartas para sete igrejas (9) 1&2Co, Ef, Fp, Cl, Gl, 1&2Ts e Rm
Cartas para três amigos (4) Fm, Tt e 1&2Tm
Carta para um povo (1) [?] Hb [supondo que seja de Paulo]

263
Sigo aqui, um pouco da classificação e ordem encontrada na mais antiga lista de livros o Novo Testamento de que dispomos, o
chamado “Cânon de Muratori”. Veja BETTENSON, H. Documentos da Igreja Cristã. 3a Edição. São Paulo: ASTE/Simpósio,
1998, p.67-68 § 48.

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Veja que o agrupamento das cartas de Paulo às sete igrejas sem dúvida assentaria o fato destas
representarem toda a cristandade, como as sete igrejas da Ásia também representavam no livro de
Apocalipse.264
Lembre-se que a atual ordem das cartas nos nossos Novos Testamentos segue dois critérios: (i) primeiro
as cartas para igrejas, depois as cartas para pessoas; (ii) depois, dentro de cada uma destes séries, a ordem
das cartas começa com as maiores até as menores. 265
A classificação cronológica das cartas de Paulo é apresentada abaixo, mas pode ser mudada se outra data
for escolhida para a Epístola aos Gálatas.
A maioria das cartas tem seu contexto histórico relacionado com as viagens de Paulo relatadas em Atos.
Somente as chamadas “Epístolas Pastorais” foram escritas em época posterior aos eventos de Atos.
Epístola da primeira viagem missionária (At 13-15) Gl
Epístolas da segunda viagem missionária (At 15-18) 1&2Ts
Epístolas da terceira viagem missionária (At 19-21) 1&2Co e Rm
“Epístolas da Prisão” (At 28) Fp, Ef, Cl e Fm
“Epístolas Pastorais” (depois de At 28) 1Tm, Tt, 2Tm

Estes agrupamentos das cartas de Paulo não somente oferecem uma sequencia histórica, mas também
agrupam as cartas por características contextuais, doutrinárias e até vocabulares.
NA tentativa de ver uma “evolução” no pensamento paulino, muitos querem que a Epístola aos Gálatas
seja fruto da Terceira Viagem Missionária narrada no Livro dos Atos dos Apóstolos. Imaginam que,
depois de atingir a maturidade missionária, ele poderia escrever Romanos e Gálatas como “quintessência”
de sua teologia.
Contudo, tal “evolução” não é necessária nem adequada. No ano 49, quando estamos supondo que ele
escreveu a Epístola aos Gálatas, Paulo já era um missionário experiente que havia pregado em
Damasco266, na Arábia267 (talvez entre os Nabateus), em Jerusalém268, em Tarso269, em Antioquia270, em
Chipre271 e na Galácia do Sul, ou seja, Pisídia, Licaônia e adjacências272. A teologia que ele prega no livro
de Gálatas é fundamental demais para se desenvolver apenas na Terceira Viagem Missionária.
Assim, Gálatas teria sido escrita depois da Primeira Viagem Missionária de Paulo, relatada em Atos 13-
14. As cartas aos Tessalonicenses teriam sido escritas durante a Segunda Viagem Missionária (At 15-18)
e as grandes epístolas aos Coríntios e aos Romanos seriam do tempo da Terceira Viagem (Atos 19-21).
As chamadas “Epístolas da Prisão” foram escritas de Roma, no aprisionamento doméstico, narrado em
Atos 28. Elas têm certos temas comuns que se repetem, sobretudo quando comparamos Efésios e
Colossenses.
As “Epístolas Pastorais”, escritas depois da libertação da prisão romana narrada em Atos 28, refletem
uma época e um vocabulário próprio. Este vocabulário era apropriado e adaptado ao assunto das cartas,
além de poder refletir um desenvolvimento vocabular de Paulo, talvez, devido à sua possível viagem
missionária à Espanha.273
Assim, estes agrupamentos nos fazem ver como aqueles documentos atingiam objetivos específicos de
auxílio ao desenvolvimento espiritual das igrejas.
A Epístola aos Hebreus é um dos mistérios do Novo Testamento. Como veremos, começa como tratado,
discorre como sermão e termina como epístola.274 Sua forma é um enigma, mas a função de “palavra de

264
FERGUSON, Everett. Early Christians Speak: Volume 2. Abilene: ACU Press, 2002, p. 66. Também foi sugestivo que as
“Epístolas Gerais” ou “Epístolas Católicas” (no sentido de terem sido enviadas a “todas” as igrejas) também somem sete: Tg,
1&2Pe, 1,2&3Jo e Jd – duas escritas por apóstolos e duas escritas por irmãos de Jesus, filhos de José e Maria.
265
Para ser mais exato, a ordem de tamanho e importância é obedecida em duas séries: (1) Rm-2Ts e (2) 1Tm-Fm. A primeira série
é de cartas para igrejas e a segunda para indivíduos.
266
Atos 9.19b-25;
267
Gálatas 1.17; 2Coríntios 11.32-33: o rei Aretas, que perseguiu Paulo, era um rei dos Nababeus, um reino vizinho ao Império
Romano no território que seria parte da atual Jordânia e parte da Península do Sinai.
268
Atos 9.26-30.
269
Atos 9.30; 11.25.
270
Atos 11.25—13.3; 14.26-28.
271
Atos 13.4-12.
272
Atos 13.13—14.25.
273
Romanos 15.24, 28; Cânon Muratoriano; 1Clemente aos Coríntios 5.8.
274
LIGHTFOOT, Neil R. Hebreus. São Paulo: Ed. Vida Cristã, 1981, p. 46.

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exortação” (Hb 13.22) consegue se estabelecer. Se é de Paulo, não temos muita informação sobre a época
em que foi escrita. Depois, discutiremos mais sobre esta carta.
Ofereço abaixo uma tabela275 de datas, eventos, descrições bíblicas destes eventos e cartas de Paulo. Na
tabela abaixo temos datas (1) para os eventos na vida de Paulo e depois as datas (2) para as suas cartas.
As datas são aproximadas e há algumas cartas cuja data e origem são mais discutidas. O esquema abaixo,
contudo, é uma possibilidade.
DATA EVENTO DESCRIÇÃO DATA CARTAS
(2)
(1)
cerca do ano 0 nascimento em Tarso At 22.3
cerca de 32 conversão em Damasco At 22.5-16
35 primeira visita a Jerusalém Gl 1.18
45-48 1ª viagem missionária At 13-14 49 Gálatas(?)
48 Reunião em Jerusalém At 15 49

49-51 2ª viagem missionária At 15-18


50
fim de 49 chegada a Corinto At 18.1-18 51 1 Tessalononicenses
outono de 51 retorno a Antioquia At 18.18-22 2 Tessalononicenses
52-55 3ª viagem missionária At 18-19
53-54
verão de 52 chegada a Éfeso At 19.8-9 54 Gálatas(?)
verão de 54 visita a Corinto 2 Co 2.1 1 Coríntios
54
outono de 54 partida de Éfeso At 20.1 55
fim 54/inicio55 Macedônia At 20.2 2 Coríntios
Páscoa/55 Grécia, Filipos, Trôade Atos 20.1-6 Romanos
Pentecostes/55 chegada a Jerusalém Atos 21.17
55-60 Prisão e envio a Roma At 21-28
55 Aprisonamento em Jerusalém At 21-22
55-57 Preso em Cesaréia At 23-26
58-60
57-58 Viagem para Roma At 27
58-60 Preso em Roma At 28 Fp, Cl, Fm, Ef, [Hb?]
Depois de 60 Viagem para a Espanha (?) Rm 15.24(?)
62-64
Viagens na Grécia e Ásia 1 Tm 1.3; Tt 1.5 64-65 1 Timóteo e Tito
Prisão 2 Tm 4.13 2 Timóteo
cerca de 65 Morte em Roma

As datas desta tabela são construídas à partir de alguns pontos fixos da cronologia bíblica que podem ser
datados por meio de eventos seculares cuja data é historicamente conhecida.
Assim, tanto o decreto de Cláudio (At 18.2) como a estada de Gálio em Corinto (At 18.12) são úteis para
fixar datas da narrativa.276 Para o Decreto de Cláudio temos: 25/01/49AD – 24/01/50AD277. Priscila e
Áquila saem de Roma e vão a Corinto por causa deste decreto. Para a estada de Gálio em Corinto, o
achado arqueológico chamado a “Inscrição de Gálio” fixa esta data entre 01/06/51 ou 52AD. Paulo
encontra Gálio em Corinto nesta época. Este é um dos melhores “pontos de apoio” do estudo da
cronologia do Novo Testamento, pois o encontro Paulo-Gálio pode ser datado com pequena margem de
erro.
No final desta aula, no anexo 1, há uma cronologia maior para todo o Novo Testamento.

ROMANOS
A carta aos Romanos, depois dos Evangelhos, é o documento mais influente do Novo Testamento. Foi
um livro importantíssimo na mente de todos os grandes teólogos cristãos, desde Agostinho, passando por
Lutero, Calvino, Wesley, Barth e chegando até os modernos estudiosos do Novo Testamento.278

275
Tabela adaptada de HÖRSTER, Gerhard. Introdução e Síntese do Novo Testamento. Curitiba: Esperança, 1996, p.84-5
276
JEWETT, Robert. Romans (Hermeneia). Minneapolis: Fortress, 2007, p. 18-19.
277
Citado por Suetônio, Vida de Cláudio 25.
278
É interessante notar como um dos maiores eruditos em teologia paulina na atualidade escolheu “tomar Romanos como uma
espécie de gabarito” para escrever uma teologia de Paulo: DUNN, James D. G. A teologia do apóstolo Paulo: 2a. Ed. São Paulo:
Paulus, 2008, p. 6. HÖRSTER,1993, p. 86. BRUCE, F .F. Romanos: Introdução e Comentário. São Paulo: Ed. Vida Nova, 1979, p.
50-52.

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Romanos tem sido avaliada como a melhor e maior obra de Paulo. De fato, o livro demonstra sua
grandeza, até mesmo por ter sido escolhido para iniciar a coleção de cartas de Paulo no Novo Testamento,
embora não tenha sido a primeira a ser escrita. O livro tem sido chamado de “O Evangelho segundo
Paulo”.
Paulo escreveu Romanos quando estava em Corinto (Rm 16.1-2, 23). A data proposta é um inverno entre
os anos 56 e 57 d.C.279 A Bíblia NVI de estudo, sugere a primavera de 57. No livro de Atos, o momento
da redação e envio seria a estada de Paulo em Corinto narrada em At 20.2-3. Anteriormente, depois de
terminar sua obra em Éfeso, tinha decidido ir até Roma (At 19.21-22).
O ano anterior e o local de origem influênciaram a carta aos Romanos.280 Naquele ano, Paulo tinha
travado longas lutas por meio de cartas e de uma visita à igreja de Corinto. Estava em jogo a aceitação de
seu apostolado. Paulo, contudo, saiu vitorioso, conseguindo todo o apoio da irmandade coríntia e de toda
a Acaia. Assim, neste momento, em unidade com toda a igreja de Corinto (Rm 16.23) e com o apoio e
presença de todos os delegados das igrejas dos Gentios que iam levar ofertas para as igrejas da Judéia (At
20.3-4; Rm 15.23-32) ele pensa em “virar uma página” de seu ministério. Pensa em evangeliza a Espanha
(Rm 15.24, 28-29)
A carta aos Romanos é a “precursora do apóstolo” entre as comunidades cristãs romanas. Febe, uma irmã
da igreja em Cencréia, um dos portos de Corinto, foi a portadora da carta. Ela devia estar patrocinando o
trabalho de Paulo. Uma das formas de patrocínio poderia ter sido o sustento de Tércio, o escriba e melhor
candidato a leitor da carta. Ele deve ter ido com Febe para Roma e lido a carta publicamente. A leitura
desta carta careceria de um conhecimento bem cuidadoso do texto, para não perder toda a arte com a qual
o texto foi construído.281
Entender bem o motivo da redação de Romanos impede erros na interpretação da carta. Muitos,
acostumados com cartas polêmicas de Paulo, tais como Gálatas e Colossenses, querem encontrar alguma
polêmica a ser combatida na Epístola aos Romanos. Este preconceito não se justifica na leitura da carta e
nem nos seus objetivos.
Oposição a Paulo não existe em Roma, embora exista em outros lugares (At 21.20-22; etc.). Ele logo
afirma seu apostolado (Rm 1.8-15 e 15.14-33) numa inclusão que revela as intenções da carta. Romanos é
uma “Carta Apostólica”.
O aviso contra os que causam divisões, depois das saudações (Rm 16.17-20) mostra que ele só as inclui
esta advertência de modo positivo e preventivo. Ele escreve estas palavras de uma perspectiva vitoriosa e
não de um ponto de vista preocupado ou em que ele estaria em cheque.282
Paulo não se preocupa (como hoje) sobre quem é a maioria da comunidade: judeus ou gentios. Mas
afirma que eles precisam aceitar uns aos outros.283 Ele tenta, nos capítulos finais, ensinar a aceitação
mútua – no transcorrer da carta, já mostrou o valor dos judeus e do povo de Israel, mas também mostrou a
necessidade de todos seguirem Jesus. Ele, Paulo, é a razão de escrever a carta e não qualquer falha em
Roma (Rm 1.11; 6.17; 15.14, 15, 32).284 Seu objetivo é o apostolado no Ocidente, ou seja, na Espanha.
Romanos é uma das únicas cartas enviadas a igrejas que ele não fundou. A outra igreja que recebe uma
carta dele sem ter sido começada por ele é Colossos, mas, neste caso o início da igreja de Colossos estava
ligado ao ministério de Paulo em Éfeso (At 19), quando “toda a Ásia ouviu o evangelho”.
Assim, a carta aos Romanos não trata de polêmica nem de resposta a pedidos dos Romanos. A audiência
não é crítica mas também não é conhecida ou amiga. A carta não é específica, mas geral.285 Tanto a
argumentação doutrinária é geral como também a parte parenética, à partir do capítulo 12 (parakalein).
Apesar de ausência de polêmica, a carta tem objetivos óbvios: pedir apoio para a missão na Espanha.
Uma tarefa inicial, para conseguir este apoio, seria a unificação dos esforços e das igrejas em Roma.
As igrejas em Roma eram várias e diversas, conforme lemos em Romanos 16. Havia igrejas em grandes
casas como também nos cortiços romanos.286 Algumas pareciam ter mais influência judaica e outras, mais
tradição grega. Assim, a carta aos Romanos lida com a diversidade e a unidade da igreja antiga.

279
BRUCE, F .F. Romanos: Introdução e Comentário. São Paulo: Ed. Vida Nova, 1979, p. 13.
280
SCHLATTER, Adolf. Romans: The Righteousness of God. Peabody: Hendrickson, 1995, p. 1.
281
JEWETT, Robert. Romans, A Commentary: Hermeneia – A Critical and Historical Commentary to The Bible. Minneapolis:
Fortress Press, 2007, p. 22-23.
282
SCHLATTER, 1995, p. 4-5.
283
SCHLATTER, 1995, p. 6
284
SCHLATTER, 1995, p. 6
285
AUNE, David E. The New Testament in Its Literary Environment. Philadelphia: The Westminster Press, 1987, p. 220

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O evangelho deve ter chegado em Roma desde tempos muito antigos. Havia judeus romanos no dia de
Pentecostes (At 2.10). Se alguns destes foram convertidos, levaram a semente do Evangelho para Roma.
Nos tempo de Cláudio, as discussões sobre Cresto287, na verdade, Cristo, dentro da comunidade judaica
mostra que a atividade evangelística da igreja estava causando polêmicas com os judeus de Roma. Como,
nesta ocasião, todos os judeus, cristãos ou não, foram expulsos (At 18.1-2), a comunidade cristã
remanescente ficou composta apenas por cristãos gentios.
Podemos imaginar que, mais tarde, quando o Decreto de Cláudio caducou, e quando os cristãos judeus
voltaram para a cidade, encontraram igrejas com maneirismos e costumes predominantemente gentios.
Isto pode ter gerado as tensões entre judeus e gentios que vemos Paulo tentar resolver com a carta toda.288
Além das tensões entre judeus e gentios, a carta aos Romanos lida com o fato da igreja estar bem
espalhada em uma cidade muito grande para os padrões do mundo antigo e até para os nossos.
Uma grande lista de nomes ocorre em Romanos 16. Esta lista é testemunha da grande mobilidade social
no Primeiro Século: Paulo conheceu muitas das pessoas citadas no Oriente, e agora elas moravam em
Roma. Viajar no Mundo Romano era mais fácil e comum do que imaginamos.
Por meio dessa lista, percebemos que há pelo menos cinco grupos ou locais de reunião:
§ A casa de Priscila e Áquila (Rm 16.3-5);
§ A casa de Aristóbulo (Rm 16.10);
§ A casa de Narciso (Rm 16.11);
§ Os irmãos que se reúnem com Asíncrito, Flegonte, Hermes e Pátrobas (Rm 16.14);
§ Os irmão que se reúnem com Filólogo, Júlia, Nereu e sua irmã e Olimpas (Rm 16.15).
Contudo, um outro modo de avaliar esta lista, pensa que cada um dos outros nomes mencionados, poderia
representar obreiros que Paulo conhece e que podem representar outros grupos ou comunidades.
Se cada grupo contasse com apenas 50 irmãos, já haveria uns 250 irmãos em Roma nesta época. Se
houvessem mais comunidades, certamente o número cresceria de modo proporcional.
Os três primeiros grupos usam uma casa para reunião, mas parece que os dois últimos são de escravos.
Como não é mencionada uma casa onde eles se reúnem, o local de reunião pode ter sido as insulas ou
cortiços romanos.
As igrejas nas casas criaram em Roma um dos ambientes mais importantes da cristandade primitiva. O
ambiente de igualdade e igualitarismo.
Pela história posterior, a igreja de Roma foi uma das últimas a aceitar a hierarquização do ministério
cristão. Ela foi uma das últimas igrejas a aceitar a inovação asiática que consistia em ter um bispo acima
dos outros, o chamado “monoepiscopado”.289
Esta prática do Segundo Século, disseminada por Inácio de Antioquia demorou para ser aceita em Roma
pois a igreja era grande e eles entendiam que não deviam submeter-se a um ou outro homem.
Todo o esforço teológico de Paulo, na Epístola aos Romanos, converge para o fato que os Judeus e os
Gentios são igualmente pecadores e igualmente aceitáveis a Deus, por meio de Jesus Cristo. Sendo assim,
devem aceitar uns aos outros.
Toda esta teologia para ensinar que somos iguais e irmãos! Contudo, sem esta fraternidade, a missão na
Espanha seria impossível.
O alvo do livro é trazer de novo à memória os fatos fundamentais do evangelho (Rm 15.15).
Esta carta era a “carta de referência” de Paulo à igreja em Roma em função de seus alvos de visitá-los e
receber apoio deles para ir para a Espanha (Rm 1.13; 15.22-23). Este projeto de trabalhar na Espanha era
uma grande novidade na carreira de Paulo e ele sabia que só com o apoio completo da comunidade em
Roma ele obteria este alvo ministerial.
Romanos não é polemico como Gálatas nem trata de assuntos tão específicos como 1Coríntos. Fica mais
no estilo de um tratado do que de uma carta. Alguns, contudo, tem observado que se trata de uma “Carta

286
JEWETT, 2007, p. 53-63.
287
Suetonio, Vida de Cláudio 25.
288
BRUCE, 1979, p. 14-18.
289
JEWETT, 2007, p. 62. Sobre a prática original e a futura hierarquização veja FERGUSON, E. Early Christians Speak: 3rd
Edition. Abilene: ACU Press, 1984, p. 163-175.

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Diplomática” de Paulo, embaixador de Cristo, preparando a unidade da igreja em Roma para a missão na
Espanha.
Neste aspecto, Romanos é um livro “subversivo” pois milita contra o poder do Império. Naquela época, o
culto ao Imperador era a religião mais crescente e de mais sucesso dentro do Mediterrâneo.
Mas Paulo, no prefácio e no fecho de sua carta, dá claras indicações de estar contra este sistema de
conquista de opressão e de exclusão do bárbaro ou do pobre.
No início da carta, ele se apresenta como embaixador de outro rei (Rm 1.3 – Davi) e a mensagem desse
rei é um “evangelho”, que era um termo usado na propaganda imperial romana para eventos ligados ao
Imperador.290
A “obediência de fé” (Rm 1.5) que ele quer dos povos era justamente a terminologia que os romanos
usavam no relacionamento com os reis e os estados clientes subjugados: Roma queria “obediência e
fidelidade”. Mas, Paulo, subversivo, quer oferecer “obediência fiel somente para Jesus e seu Pai.
Em Romanos Jesus é chamado de Rei (1.3), Deus (1.4) e Senhor (1.4). Estes três títulos eram atribuídos
aos imperadores. E o evangelho de Jesus revelava a “Justiça de Deus”, ora, na época, a Iustitia é a palavra
e prerrogativa dos romanos.
Tudo isto, hoje em dia nos parece muito inocente, mas na época, era o desenvolvimento de um verdadeiro
processo de erosão nas estruturas hierárquicas que negavam a imagem de Deus em todos os homens e que
tentava imaginar homens como deuses, na hierarquia dominate.
No fim da carta, Paulo volta à carga contra o Império. Jesus é anunciado como o rei universal que trouxe
a verdadeira paz (Rm 15.7-13 citando Sl 117.1; Is 11.10). A Pax Romana não era a verdadeira paz, mas
sim a Paz de Cristo. Somente a “Raiz de Jessé”, ou seja, o Rei dos Judeus é que daria paz ao mundo.
Assim, não devemos nos enganar pensando que Paulo cultua o poder do Império, por visitar a capital.
Não! Ele vai ao coração do Império para catalisar e agilizar o processo de evangelização que é
profundamente nocivo aos que gostam de oprimir e explorar. Davi vai ao encontro de Golias com uma
pedra girando na funda...
O livro tem estilo vivo e dinâmico. É necessário notar que de vez em quando, Paulo se dirige a diferentes
pessoas: ao gentio, ao judeu, a cristãos, etc. O texto indica a mudança de “ouvinte” do debate de Paulo.
Um esboço simples do livro pode ser notado abaixo:
I. INTRODUÇÃO (1.1-17)
II. CONDENAÇÃO (1.18-3.20)
III. JUSTIFICAÇÃO (3.21-5.21)
IV. SANTIFICAÇÃO (6.1-8.39)
V. ELEIÇÃO (9.1-11.36)
VI. ADORAÇÃO (12.1-15.13)
VII. CONCLUSÃO (15.14-16.27)

Não há contestação de que este é o grande assunto de Romanos. Paulo se esforça por provar que todos os
homens gentios (1.18-32), moralistas (2.1-16) e até mesmo os judeus (3.17-29), sim todos (3.9-20) estão
condenados por seus pecados. Logo ele declara o ponto central do evangelho: existe justificação através
da fé em Cristo Jesus que ofereceu-se como sacrifício pacificador e restaurador da comunhão do homem
com Deus (3.21-26). Ele prova a doutrina da justificação pela fé mostrando que o grande caso de salvação
no Velho Testamento, a salvação de Abraão, foi um caso de justificação por fé (4.1-22). E isto se aplica a
nos (4.23-25). O resultado desta justificação é a completa vitória que Jesus trouxe sobre o pecado e todo o
mal que entrou no mundo pelo pecado de Adão (5.1-21). Não somos mais escravos do pecado, mas
morremos aos pecados e vivemos para Deus (6). Assim, a luta contra o pecado em nos já foi vencida por
Jesus (7) e agora com o Espírito Santo habitando em nós, temos condições de vencer o pecado (8). O fato
dos judeus como nação e como maioria não terem se convertido a Cristo não pode ser usado para falar
que a palavra de Deus ou o poder do evangelho falharam (9.6). De fato o verdadeiro Israel foi e será
salvo. O plano de Deus é salvar todos os verdadeiros israelitas e isto ele fará por meio do evangelho (9-
11). Portanto, devemos viver como adoradores de Deus em todo o cotidiano (12.1-13.14). Na igreja
devemos procurar não causar problemas de opinião, mas agir como Jesus (14.1-15.13). Assim a igreja
estará pronta para a missão na Espanha (15-16).

290
A palavra ‘evangelho’ era usada na documentação e na epigrafia romana, para descrever a ascenção, aniversário, ou a vinda de
um imperador.

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Um esboço que apresenta uma ordem retórica do raciocínio de Paulo pode ser apreciado abaixo:
O exordium (exórdio) procura ganhar a boa vontade do público; o narratio (narração) explica o momento
da correspondência; propositio é a tese, o assunto da não distinção dos homens diante do evangelho.
O probatio (provas) se divide em duas partes: a confirmação da tese, confirmatio e a resposta às objeções
contra a tese, a refutatio.
Peroratio é representa a peroração, ou seja, o fechamento do discurso e a conclusio, o seu efetivo fecho,
conclusão.
Arranjo retórico Argumentação Temas epistolares textos
Exordium Introdução [pré-escrito epistolar] Prefácio e Saudação [1-7] 1.1-12
Oração [8-12]

Narratio Narração 1.13-15

Propositio Proposição A tese Tema 1.16-17

Confirmatio Provas 1.18-11.36


[Probatio]
Oposto A antítese O pecado 1.18-3.20

Reafirmação A tese reafirmada A salvação 3.21-31


Exemplo A tese apresentada por um O caso de Abraão 4.1-25
exemplo
Resultados A tese afirmada por seus Reconciliação 5.1-11
resultados
Analogia A tese exposta por analogia e Salvação pelo Novo Adão 5.12-21
contraste

Refutatio Refutação Resposta às objeções à tese


[3.1-8]
3.8; 6.1, 15 Acusações de “libertinagem” Nova vida 6.1-7.6
no,moj x fu,sij Acusações de macular a lei O problema do pecado no homem 7.7-25
3.31; 5.13;
7.6, 24 Acusações de inefetividade Transformação agora e depois 8.1-39
2.9; 3.22, 29 Acusação pela incredulidade de O problema da rejeição de Israel 9-11
E o sofrimento? Israel
E Israel?

Peroratio Peroração A nova vida em comunidade Adoração 12.1-15.13


(parênese) Dons
Amor fraternal
Autoridades
Amor em geral
Vinda de Jesus
Opiniões
(clímax) A visita de Paulo A viagem para a Espanha 15.14-33

Conclusio Conclusão 16.1-27 A apresentação de Febe 16.1-2


(epílogo) Saudações 16.3-16
[pós-escrito epistolar] Conselhos 16.17-20
Saudações 16.21-24
Doxologia 16.25-27

O texto da carta aos Romanos tem alguns problemas interessantes, mas que não poderemos tratar aqui por
conta da economia de espaço. Vale a pena mencionar apenas que as variações no fim de Romanos se
explicam pelo uso de “edições” resumidas, que retiravam a imensa lista de nomes do capítulo 16, antes de
circular a carta. Claro que o problema é mais complexo, mas esta explicação simples dá conta dos
aspectos mais gerais do problema.

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1CORÍNTOS291
O local e data nos quais Paulo escreveu 1Coríntos são claramente indicados em 1Coríntios 16.8. Paulo
estava em Éfeso (Atos 19), cerca do ano de 56 d.C. Escreveu esta carta um pouco antes de antes de
escrever a epístola aos Romanos. Paulo é o autor e Sóstenes292 (1Co 1.1) deve ser o escriba de Paulo.
Como era a praxe antiga, o autor da carta escreve algumas linhas no final com sua própria letra. Paulo faz
isto em 1Coríntios 16.21-24.293
A história do relacionamento de Paulo com a igreja de Corinto foi longo e conturbado. Observaremos esta
história no estudo das duas cartas aos coríntios.
O início da igreja ocorreu na Segunda Viagem Missionária do Livro de Atos (At 18.1-18). Paulo ficou
cerca de uma ano e meio na cidade.
A estada de Paulo em Corinto tem o privilégio de ter a data atestada com precisão pela historiografia
pagã. Gálio assumiu como procônsul da Acaia no início do verão de 51 a.C. e isto foi quase no fim da
estada de Paulo ali (At 18.18). Assim, temos em Atos 18 uma data precisa para ajudar-nos nos estudos de
Cronologia do Novo Testamento.
Depois que ele saiu de Corinto, passou por Éfeso, foi para Jerusalém, Antioquia e, mais tarde, voltou para
Éfeso onde permaneceu quase 3 anos.
De Éfeso, ele deve ter mantido contato com os irmãos de Corinto. Pela leitura de 1Coríntios, somos
informados que Paulo havia escrito uma “carta anterior” (1Co 5.9), que tinha sido mal compreendida.
Esta carta perdeu-se e não foi preservada no Novo Testamento.
Paulo, depois disto, recebe notícias e visitas de Corinto (1Co 1.11; 16.15-18), talvez trazendo uma carta
da igreja a Paulo (1Co 7.1). Isto foi, então suficiente para que ele escrevesse esta carta, 1Coríntios. A
continuação das relações de Paulo com os Coríntios será alvo de atenção quando estudarmos 2Coríntios.
Por enquanto, estes dados ajudam a compreender o pano de fundo da epístola.
Os problemas da igreja de Corinto eram vários e complexos. Estavam profundamente arraigados na
cultura daquela cidade grega que agora era uma colônia romana.
Havia uma tendência forte ao partidarismo e a valorização da retórica humana. Disputas de honra e
partidarismo eram o “esporte predileto” daquela sociedade.294 Além disto, duas outras tendências
pareciam lutar dentro da igreja: uma tendência ao libertinismo e ao excesso e outra tendência ao
ascetismo e ao rigorismo ético. Vários pecados contra a fraternidade tinham como base as diferenças
sociais, culturais e econômicas. Até mesmo os dons espirituais estavam sendo usados de modo
competitivo. A mentalidade grega era tão influente que alguns negavam a ressurreição.
Assim, Paulo escreve uma carta plena de ensinos para corrigir desvios na igreja. Alguns destes desvios
foram informados para Paulo. Outros assuntos foram levantados pelos próprios coríntios em carta.
Para entender os problemas da igreja é necessário levar em conta: 1) Os elementos sociais e culturais da
colônia romana chamada Corinto, com suas disputas sociais, seus exageros de liberdade, etc.; 2) Outro
elemento importante é o geográfico: Corinto ficava entre dois portos e tinha fama de imoral; 3) A cidade
era importante para a disseminação do evangelho.
O alvo imediato da carta é resolver problemas da igreja de Corinto. Paulo não queria sair de Éfeso onde
havia uma grande oportunidade de evangelizar. Paulo, contudo, ainda pretendia ir a Corinto (16.8-9; 4.18-
21; 11.34; 16.2-3).
1Coríntios aproveita para corrigir os mal-entendidos de uma carta anterior (1Co 5.9-11) e prepara a igreja
para a visita de Timóteo (1Co 4.17; 16.10-11). Além disto, a carta já faz parte dos preparativos da grande
coleta para a Judéia (1Co 16.1-4), que marcava o fim do ministério paulino naquelas regiões.
Um esboço e análise do livro são dados abaixo:

291
Para um estudo das Cartas que enfoca as perspectivas dos dois lados veja PESTANA, Álvaro César. Ditados Coríntios e
Ditados Paulinos: um estudo das cartas de Paulo aos Coríntios por meio da Análise Literária, Epistolar, Retórica e da Paremiologia.
4ª edição. Campo Grande: Alvaro Cesar Pestana – Editor, 2010.
292
Pouco sabemos sobre este Sóstenes. Se ele for o mesmo mencionado em Atos 18.17, ele teria sido um dos chefes da sinagoga
judaica. Se já era cristão ou não, quando apanhou em Atos 18.17, não sabemos, mas é possível entender que quem bateu em
Sóstenes não eram os judeus, mas os gregos da cidade que viram que Gálio não estava atendendo aos judeus.
293
Veja o mesmo costume em: Gl 6.11-18 e Cl 4.18.
294
Os greco-romanos de Corinto são descritos como uma Cultura Agonística, ou seja, uma cultura da disputa. Vemos isto hoje em
dia em culturas capitalistas ocidentais onde o “pior palavrão” é chamar alguém de “perdedor”.

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INTRODUÇÃO (1.1-9)
O PROBLEMA DA DIVISÃO (1.10-4.21) Parece que vários homens estavam atraindo a atenção
dos cristãos gerando divisões dentro da igreja. Tal partidarismo é combatido por uma exposição
da natureza do evangelho como pregação de uma "loucura" que nega os critérios humanos de
exaltação do homem e da eloquência humana. Deus é que faz o trabalho - os homens são
instrumentos.
O PROBLEMA DE UM CASO DE IMORALIDADE (5) Um homem resolveu casar com a
mulher de seu pai (madrasta?) e a igreja precisava afastar tal pessoa do convívio.
O PROBLEMA DE BRIGAS JUDICIAIS ENTRE IRMÃOS (6.1-11) Irmão não deveria
processar irmão em tribunal publico. Tudo devia ser resolvido na igreja e perdoado. Disputas
entre as “grandes” famílias da igreja era a questão.
O PROBLEMA DE PRATICAS IMORAIS (6.12-20) Alguns estavam afirmando que o que se
faz com o corpo não polui a alma! Paulo mostra que o corpo é do Senhor e templo do Espírito
Santo.
RESPOSTA A DÚVIDAS SOBRE O CASAMENTO (7) Paulo fala sobre ficar solteiro ou casar-
se como dons de Deus. Mostra que casamento é indissolúvel e que devido às dificuldades de sua
época, para quem pudesse, era melhor ficar solteiro.
RESPOSTA A DÚVIDAS SOBRE AS COMIDAS SACRIFICADAS A ÍDOLOS (8.1-11.1)
Paulo mostra como o cristão poderia viver num ambiente cheio de rituais pagãos sem ser pagão
também e sem chocar seus irmãos com sua liberdade.
DISCUSSÃO SOBRE O USO DO VÉU PELAS MULHERES (11.2-16) As irmãs de Corinto
queriam tirar o véu nas reuniões da igreja, e Paulo diz que tal prática ia contra a posição de
submissão que o véu apoiava.
DISCUSSÃO SOBRE A REALIZAÇÃO DA CEIA DO SENHOR (11.17-34) Os coríntios
realizavam a ceia junto com uma comida comunitária, mas alguns escândalos e arbitrariedades
estavam sendo praticados. Paulo mostra o verdadeiro sentido da ceia do Senhor.
RESPOSTA A DÚVIDAS SOBRE OS DONS ESPIRITUAIS (12-14) Os coríntios receberam
instruções sobre como usar os dons espirituais nas reuniões de culto da igreja.
DISCUSSÃO SOBRE A RESSURREIÇÃO (15) Alguns, influenciados pela mentalidade grega,
negavam a ressurreição. Paulo reafirma a doutrina e explica como ocorrerá.
CONCLUSÃO (16): instruções sobre a oferta; planos de Paulo e companheiros; saudações, etc.
A Primeira Epístola de Paulo aos Coríntios pode ser usada como um “Manual para Resolver Problemas
na Igreja”. Embora fosse uma igreja na casa de Gaio (Rm 16.23), tinha muitas dificuldades. Mesmo
assim, Paulo fala deles como uma igreja santificada em Cristo Jesus (1Co 1.2).
De fato, na igreja, veremos “barbaridades” e pecados como vemos no mundo. A diferença é que, no
Evangelho, temos a força santificador do Espírito e o ensino de Jesus para mudar de vida. O que não pode
ocorrer, contudo, é imaginar que a igreja tem que ser “perfeita” para ser de Jesus.
Uma igreja tão complicada como a de Corinto, ainda era de Jesus. Claro que a carta de Paulo tenta
corrigir os erros para que a situação não chegue a ser a da negação da fé. Contudo, quando trabalhamos
com o evangelho, lembremos que os pecados nossos e da igreja não são evidência de que temos que
desistir, mas sim, sinal de que temos que confiar mais e mais no evangelho da cruz.
A mensagem da carta aos Coríntios, nos capítulos 1 a 4, acaba com a glória humana. Os coríntios
gostavam de competições e de se avantajar sobre os outros, mas a mensagem do evangelho é uma
mensagem humilde. Deus salvou os homens, não por mostrar sua força ou sabedoria, mas por ser fraco e
tolo: morrendo numa cruz romana. Assim, hoje em dia valoriza-se dinheiro, cultura, poder, beleza, boa
fama... Nada disto cabe na cruz! Os homens correm atrás de nada...
O evangelho da cruz de Cristo mostra que o que vale é o que vale para Deus. E o que vale para Deus? A
simples aceitação de que ele nos aceita e salva, sem nenhum mérito nosso.
Não há razão para alguém achar-se melhor que outro. Com que critério? Não há razão para um homem
querer ser líder de outro e mandar em outro. Como ele poderia exaltar-se sobre seus irmãos. Com que
valor?

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A cruz destruiu todos os símbolos de status superior, de valor, de poder, de honra, de glória. Também
destruiu a justificativa para a violência, a vingança, a revanche, o ressentimento, a indiferença e o
abandono do malvado e do que faz o mal.
A cruz destruiu tudo... para oferecer a graça de Deus, que valoriza o homem porque é criatura de Deus e
irmão de Jesus.

2CORÍNTOS
Esta epístola não foi escrita muito depois de 1Coríntos: ao redor do ano 56 d.C. Contudo a história da sua
redação não é tão simples como pode parecer.
Os estudos recentes de 2Coríntios têm a tendência de fragmentar a carta como se fosse uma "colcha de
retalhos" formada de várias cartas de Paulo. Não há fundamento concreto para tais teorias.
As teorias mais gentis, como encontramos em Colin Kruse, divide 2Coríntios em apenas duas cartas.295
As teorias mais radicais imaginam 2Coríntios é a junção de cinco ou seis cartas diferentes.
De fato, a correspondência entre Paulo e os coríntios é rica:
§ Temos uma primeira carta de Paulo aos coríntios que se perdeu (1Co 5.9). Vamos chamá-la de
“Carta perdida”;
§ Temos, depois a nossa carta canônica, 1Coríntios;
§ Depois disto, há uma outra carta mencionada, que também se perdeu. Ele é citada pelo próprio
Paulo como uma “Carta Severa” (2Co 2.3-4; 7.5, 12);
§ Por fim, temos a outra carta canônica, 2Corintios.
Contudo, tal análise não é acompanhada por todos. Alguns querem supor que 2Corintios é a soma de
várias destas cartas acima.
Para explicar a teoria, vamos usar as letras de A até G para distinguir todas as cartas reais e imaginárias,
envolvidas na questão.
Cor A = uma primeira carta, agora chamada de “carta perdida”, citada em 1Co 5.9.
Alguns dizem que 2Co 6.14-7.1 seja um fragmento desta carta severa.
Cor B = a maior parte de 1Coríntios na qual Paulo responde às notícias recebidas e
questões dos coríntios (1Co 1.11; 7.1; 16.17).
Cor C = Uma defesa do apostolado de Paulo contra seus oponentes anônimos = 2Co
2.14-6.13; 7.2-4.
Cor D = A chamada “carta severa” = 2Co 10.1-13.10 [mencionada em 2Co 2.3-4; 7.5,
12]
Cor E = Uma suposta “carta de reconciliação” = 2Co 1.1-2.13; 7.5-16; 13.11-13.
Cor F = Uma carta administrativa sobre a oferta para os pobres de Jerusalém = 2Co 8.
Cor G = Outra carta administrativa sobre a mesma oferta = 2 Cor 9.
Assim, conforme esta teoria, 2Coríntios seria:
2Co = Cor E + Cor C + um pedaço de Cor A + Cor F + Cor G + Cor D.
Na verdade, a soma é bem mais complicada, pois como você pode notar, a teoria faz com que certas
cartas sejam agrupadas com outras “em os pedaços”.
Colocando os pedaços na ordem que vão
Cor E1 = 2Co 1.1-2.13
Cor C1 = 2Co 2.14-6.13
Cor A = 2Co 6.14-7.1
Cor C2 = 2Co 7.2-4
Cor E2 = 2Co 7.5-16

295
CRUSE, Colin. II Coríntios: Introdução e Comentário. São Paulo: Ed. Vida Nova, 1984.

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Cor F = 2Co 8.
Cor G = 2 Cor 9.
Cor D = 2Co 10.1-13.10
Cor E3 = 2Co 13.11-13.
Assim, as cartas são “picadas e misturadas”! O quadro abaixo mostra a distribuição das cartas ou
fragmentos de cartas.
2Co=Cor E1 + Cor C1 + Cor A + Cor C2 + Cor E2 + Cor F + Cor G + Cor D + Cor E3
A alegada justificativa para esta fragmentação de 2Coríntios é a dificuldade de seguir o raciocínio de
Paulo no texto atual e normal da carta. Assim, os estudiosos “rearranjam” o texto até que o resultado seja,
na opinião deles, mais fácil de entender.
A crítica a esta postura296 já foi feita por muitos, mas o que se pode dizer de definitivo é que é pura ficção.
Não há nenhuma evidência manuscrita de que alguma destas cinco cartas (Cor C, D, F, G) existiram e
nem evidência de que um pequeno texto da Epístola Perdida (Cor A) teria sido incorporado em
2Coríntios. Não sobrou nenhuma evidência concreta de endereçamentos, saudações, prólogos, orações,
partições, despedidas destas cartas.297
As teorias de fragmentação justificam-se, sobretudo, na dificuldade de harmonizar a segunda parte da
carta (2Co 10-13) com a primeira (2Co 1-9). Ao ler a primeira parte, parece que o problema já estava
solucionada, mas a segunda parte parece levantar o problema de novo. Assim, a solução encontrada é
colocar os capítulos finais primeiro (2Co 10-13) e depois a solução, que vem nos capítulos iniciais (2Co
1-9).
Contudo, tal violência contra o texto não é necessária se entendermos a metodologia de Paulo, ao escrever
cartas. No caso de 2Coríntios ele está fazendo coisas que já fez anteriormente, quando escreveu
1Tessalonicenses.
Em 1Tessalonicenses, os capítulos 1 a 3 são introdutórios e tratam de sua “postura ministerial”. Depois os
capítulos 4 e 5 tratam das questões mais urgentes a serem resolvidas por carta.
Assim também ocorre em 2Coríntios. Na parte inicial (2Co 1-9), ele trata de sua postura apostólica.
Depois, ele defende esta postura apostólica contra os críticos (2Co 10-13).
Se ele escrevesse uma carta apenas com o conteúdo de 2Coríntios 1-7 ou 1-9, esta carta seria uma carta
“incompleta” pois não teria um real motivo de ser escrita. Se a igreja já estava bem, para que escrever? Se
já tinha aceitado o apostolado dele, por que razão tocar de novo no assunto à distância?
Mas, se o assunto estava em vias de solução, era necessário esclarecer o apostolado paulino (2Co 1-9) e
depois acabar de vez com a oposição remanescente (2Co 10-13).
Enfim, acatamos a carta como unidade, pois não acreditamos que o jeito de entender um texto bíblico
difícil seja alterá-lo e mexer com ele até que fique mais fácil. Isto parece com o pintor que, desejoso de
pintar uma flor, foi arrancando suas pétalas e folhas para que ficasse mais fácil reproduzir a figura da
flor!!
Na verdade, 2Coríntios é uma carta com retórica complexa, pois tem elementos da retórica linear grega e
da retórica concêntrica dos semitas. A carta tem três partes, bem fáceis de discernir:
1-7 = parte 1 – O APOSTOLADO DE PAULO AFIRMADO ------------- A
8-9 = parte 2 – A COMUNHÃO APOSTÓLICA INCENTIVADA ---- B
10-13 = parte 3 – O APOSTOLADO DE PAULO DEFENDIDO -------- A’

296
Faço uma defesa da unidade de 2Coríntios em PESTANA, Álvaro César. Dores do Crescimento: Um Estudo Devocional de 2
Coríntios 2.14-7.4, Segunda Edição. Campo Grande: SerCris, 2005, p. 63-67.
297
Contra as hipóteses de várias cartas: (1) Nenhum manuscrito do Novo Testamento tem qualquer sinal de que outras cartas
pudessem estar assimiladas aqui; (2) Onde está o pós-escrito das cartas? Onde está o pré-escrito e oração das cartas? (3) A ordem
proposta para as cartas não combina com o conteúdo que sabemos estar presente nelas. Por exemplo: 2Co 10-13 não trata do irmão
ofensor; 2Co 6.14-7.2 não fala de pecados de irmãos; etc. (4) A separação em pequenas unidades tira a sequência e o poder de
2Coríntios. Contra a interpolação de 2.14-7.4: (1) Não há sinais de que o texto não tenha sido inserido propositadamente ali por
Paulo. 2.13 e 7.5 mostram sinais de edição necessários para acomodar o texto inserido; (2) Se foi uma interpolação de um editor
posterior, porque ela fica tão mal arrumada? Porque não interpolou em bom lugar? Como é que este “editor” fez o serviço de modo
tão horroroso? Contra a ideia de digressão: (1) A digressão é maior que o assunto? Será que este não é “o assunto” da carta? (2) As
digressões de Paulo sempre tem a ver com o contexto e, portanto, esta também tem algo com o contexto, se for tomada como uma
imensa digressão.

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Esta organização é “concêntrica” (ABA’), pois, as partes 1 e 3 tratam do mesmo tema, o apostolado de
Paulo, de forma diferenciada. Na parte 1 o apostolado de Paulo é defendido diante da igreja e na parte 3
diante dos seus detratores. No centro, a parte 2 fala do ministério apostólico das ofertas gentílicas para as
igrejas da Judéia. Estas ofertas são chamadas de “ministério apostólico” por serem uma prova concreta de
que Paulo era, de fato, o apóstolo de todas estas igrejas gentílicas.
Também a parte 1 tem uma complexa estrutura concêntrica:
1.1-2.13 – a agonia e consolação de Paulo ------------- A
2.14-7.4 – o ministério apostólico da reconciliação -------- B
7.5-16 – a agonia e consolação de Paulo --------------- A’

O texto de 2.14-7.4 deliberadamente interrompe o fluxo da narração das preocupações de Paulo, situando
sua descrição do ministério cristão no meio de um momento de altíssima tensão emocional na carta. O
tema das preocupações com Corinto enquanto Paulo esperava Tito é deixado não resolvido nos versos
2.12-13 para serem resolvidos somente em 7.5ss. Tal raciocínio não linear, mas concêntrico enfatizou o
ambiente emocional do ministério apostólico descrito no centro deste texto.298
O pequeno texto de 6.14-7.1 também interrompe o fluxo normal do apelo de 6.11-13 e 7.2-4, fazendo
uma outra estrutura concêntrica:
6.11-13 = Apelo de amor = tom amoroso ------ a
6.14-7.1 = Apelo profético = tom rigoroso ------- b
7.2-4 = Apelo de amor = tom amoroso --------- a’
Também o texto central, capítulos 8 e 9, têm uma certa redundância de temas e de assuntos. Isto lembra
as construções semitas que primam pelo paralelismo.
Ignorar ou não considerar estas formas de raciocínio fazem com que alguns queiram destruir ou quebrar a
carta em várias unidades. Tal procedimento não se justifica.
O texto de 2Coríntios 10-13 apresenta, sem dúvida, uma grande mudança de tonalidade e de assunto.
Paulo vinha falando normalmente, e de modo suave e, repentinamente, fica austero e severo. Isto é do
estilo de Paulo e ocorre em cartas como Filipenses e 2Tessalonicenses.
Em Filipenses, o discurso é paciente (mesmo com os invejosos de Fp 1.15) e pacífico (para incentivar a
paz na igreja: Fp 2.1-4). De repente, ele fala com força e quase brutalidade (Fp 3.2; 4.18-19)299. Em
2Tessalonicenses o ritmo da carta é tranquilo e calmo até chegar no fim, num problema a ser resolvido:
neste momento o tom do discurso muda (2Ts 3.6-15).
Isto quer dizer que, o que temos em 2Coríntios não é um fenômeno que exigiria a “destruição” e
“remontagem” da carta. É o estilo de Paulo.
Apresentamos a seguir uma possível ordem dos contatos de Paulo com Corinto, desde o começo.
a) Início da obra em Corinto (Atos 18.1-8);
b) Paulo escreve a “carta perdida”, provavelmente, de Éfeso (1Co 5.9) – esta carta não
foi preservada;
c) Visitantes de Corinto encontram Paulo em Éfeso (1Co 1.11; etc.);
d) Uma carta dos coríntios é trazida até Paulo (1Co 7.1);
e) Redação e envio de 1Coríntos; e) Envio de Timóteo a Corinto, provavelmente
levando 1Coríntios (1Co 4.17; 16.10-11);
f) Timóteo ou outros retornam de Corinto com más notícias sobre a igreja.
g) Segunda visita de Paulo, chamada de “visita triste”, pois, os problemas aumentam
(2Co 1.15-16;2.1-2) esta visita não é citada pelo livro de Atos;
h) Paulo, de volta a Éfeso, escreve a “carta severa” (2Co 7.8,12; 2.3-4);
i) Envio Tito a Corinto, portando a carta severa;
j) Paulo vai a Macedônia, via Trôade, para esperar Tito, mas acaba indo para a
Macedônia (2Co 2.12-13; 7.5-6);

298
PESTANA, 2005, p. 6-10.
299
O discurso também tem uma certa forma concêntrica, pois está incluído entre duas exortações à alegria, Fp 3.1 e Fp 4.1. No
segundo e quase no penúltimo bloco, tem advertências contra os falsos mestres e falsos irmãos, Fp 3.2 e Fp 3.18-19. No centro, duas
exortações para que imitem Paulo: Fp3.3-11 e Fp 3.1-17. É uma retórica concêntrica ou quiástica, uma das formas prediletas do
discurso oriental.

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k) Paulo encontra Tito na Macedônia – os problemas estavam resolvidos: escreve e


envia 2Coríntos.
2Coríntios é uma carta cheia de referencias pessoais. Paulo estava falando de fatos a respeito de seu
relacionamento com a igreja. É necessário ler nas entrelinhas para entender o que se passava. Trata-se de
uma carta sobre o ministério cristão. É um dos livros mais ricos para o obreiro entender como vencer
apesar das dificuldades inerentes à obra de pregação. Trata-se, também, de uma carta cheia de emoções:
primeiro pesar e preocupação, depois esperança, vitória, alegria, expectativa e, finalmente, também há
severidade e vigor para enfrentar uma minoria que ainda desafiava Paulo.
Por que Paulo escreveu 2Coríntios?
1- Consolar os coríntios depois da crise e do sofrimento que tiveram que passar até
tomarem a correta postura diante do evangelho e de Paulo, seu mensageiro (2Co 1.3-
11).
2- Explicar as mudanças de planos de Paulo. Ele não estava agindo humanamente
apenas, mas cuidando do bem estar espiritual da igreja (2Co 1.12-2.4).
3- Explicar o ministério cristão aos coríntios, para que eles pudessem entender no que
consiste um bom obreiro do evangelho. Sucesso não é ausência de oposição, mas sim
sofrer por fidelidade a Cristo e ao trabalho (2Co 2.14-7.16).
4- Dar mais instrução sobre as ofertas para as igrejas da Judéia (2Co 8-9).
5- Reprimir um novo assalto à autoridade apostólica de Paulo, levada a efeito por uma
minoria ou por alguns de fora que estavam se infiltrando em Corinto (2Co 10-13).
Para mim, uma das lições mais importantes de 2Coríntios, vem, justamente, da “ausência de ordem” da
epístola. Esta aparente “bagunça” na ordem dos acontecimentos é o jeito de Paulo explicar que
tribulações e dificuldades são o “clima” normal no autêntico ministério cristão.
Ler 2Coríntos é uma tarefa difícil. Paulo, de vez em quando, muda bruscamente de assunto. Se estivermos
lendo 2.12-13 e pularmos a leitura para 7.5-16 (o assunto sobre Tito), a leitura da carta fica fácil e natural.
O texto de 2.14-7.4 parece uma intromissão no meio do assunto.
Qual a razão pela qual Paulo inseriu o texto sobre o ministério cristão nomeio de uma narrativa onde ele
estava preocupado e inquieto? Não seria mais natural contar, do começo ao fim, a história de Tito indo, de
suas preocupações e, finalmente de seu alívio com o retorno de Tito? Depois ele poderia falar sobre o
ministério cristão.
Não, Paulo não fez assim...
Numa leitura linear da carta, ele vai narrando seu estado de espírito absolutamente angustiado e
preocupado (2Co 2.12-13). Neste ponto, deixando este “ambiente emocional” carregado no ar, ele fala
com fé e alegria sobre o ministério cristão (2Co 2.14-7.4). Depois disto, ele retoma o ambiente pesado em
que se encontrava, e mostra o alívio final com as boas notícias de Tito (2Co 7.5-16).
O esquema é o seguinte:
Preocupação e luta (2.12-13)
MINISTÉRIO CRISTÃO
(2.14—7.4)
Preocupação e luta (7.5)

O contexto emocional do trabalho por Cristo é de tribulação e problemas, mas o obreiro mantém sua fé e
confiança em Deus conforme demonstrado no texto de 2.14-7.4.
Em resumo, todos que querem trabalhar na obra de Cristo vão viver neste clima, de “antes da chegada de
boas notícias”, mas vão viver neste clima com fé.

GÁLATAS
Gálatas pode ser a primeira carta de Paulo. Há muita discussão sobre a data desta carta. As propostas
variam de 48 a 58 d.C.

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Discute-se também se o destino era a Galácia geográfica (Galácia do Norte)300 ou provincial (Galácia do
Sul)301.
A data que adotaremos neste estudo, coloca a carta antes da reunião da igreja de Jerusalém narrada em
Atos 15, e portanto seria ao redor de 48/49 d.C. Os destinatários seriam os irmãos da Galácia Provincial,
Galácia do Sul, evangelizados conforme a narrativa de Atos 13-14.
A razão mais forte para aceitarmos a teoria da Galácia do Sul, ou seja, que a carta foi escrita para as
igrejas de Antioquia da Pisídia, Icônio, Listra e Derbe, baseia-se no fato que Paulo fala nesta epístola que
tinha tido pouco contado com a igreja de Jerusalém (Gl 1.12).
Ele fala que depois de sua conversão e visita rápida a Jerusalém (Gl 1.18-21; Atos 9.26-30), passaram-se
mais 14 anos até sua ida a Jerusalém (Gl 2.1-2): esta segunda visita tem que ser aquela narrada em Atos
11.25-30. E ele não fala de mais visitas a Jerusalém antes de tornar-se um missionário que pregou o
evangelho para os Gálatas.
Logo, a carta tem que ser escrita antes da reunião de Atos 15, que seria a terceira visita de Paulo a
Jerusalém, depois de convertido. Se ele omitisse a segunda visita de Atos 11.25-30, seu argumento de que
seu evangelho não havia sido recebido de homem algum mostrar-se-ia fraco ou até mentiroso.
Contudo, como Paulo diz que só tinha ido duas vezes a Jerusalém depois da conversão, estas viagens são
narradas em Atos 9 e Atos 11. A reunião de Atos 15 ainda não ocorreu.
De fato, se ela tivesse ocorrido, Paulo teria mencionado as decisões ali tomadas, pois corroboravam com
seu ensino de que os gentios não tinham que seguir a lei de Moisés.
Embora a Teoria da Galácia do Norte ofereça mais tempo para os eventos ocorrerem e faz com que a
carta de Gálatas possa ser redigida na época que Paulo escreve Romanos, ela gera sérias dificuldades.
O problema da omissão da visita de Atos 11.30 e também da completa omissão das decisões da Reunião
de Atos 15. A reunião de Atos 15 não se parece nada com a reunião narrada em Gálatas 2.
Logo, não há muita razão para a teoria de que esta carta seja da época da Terceira Viagem Missionária. É
melhor pensar nela como a primeira carta de Paulo.
A visita de Pedro a Antioquia (Gl 2.11-21) não teria sido mencionada em Atos, mas não seria impossível
que ela tivesse ocorrido antes da reunião de Atos 15. Assim sendo, uma possível cronologia para esta
época seria:
EVENTO TEXTO DADO CRONOLÓGICO DATAÇÃO (d.C.)
Conversão Atos 9 32 (?)
Primeira visita Atos 9 3 anos de conversão 35
Segunda visita Atos 11 14 anos de conversão 46 (fome em 45 ou 46)
Agripa morre = 44
Missão na Galácia Atos 13-14 47-48
Pedro em Antioquia Atos 14.27-28 Antes de Atos 15
Carta aos Gálatas
Reunião em Jerusalém Atos 15 Não citado em Gálatas 49

300
Em favor da GALÁCIA DO NORTE, temos: 1. Teoria mais antiga, apoiada pelos exegetas mais velhos; 2. Galácia seria a região
dos Gauleses instalados na Anatólia; 3. Pisídia, Licaônia são os termos para descrever as cidades da primeira viagem e não Galácia;
4. Região Frígio-Gálata seria Frígia geográfica e Galácia Geográfica e não imperial em ordem inversa (mas são tratadas como uma
unidade); 5. Paulo não poderia dizer “gálatas insensatos” em 3.1 (mas o que diria?); 6. O caráter volúvel dos gauleses explica sua
dissidência do evangelho (isto não seria exclusivo deles, pois veja os coríntios); 7. Não há indicação na carta da oposição que Paulo
enfrentou quando pregou lá (mas não necessitava mencionar). Também não se fala que Paulo ficou doente na primeira viagem
missionária; 8. Se fossem ex-judeus ou prosélitos não seriam tão vulneráveis aos ataques dos judaizantes.
301
Em favor da GALÁCIA DO SUL, temos: 1. Paulo trabalhou no sul na primeira viagem. No norte só temos possibilidades em At
16.6 e 18.23; 2. A “Região Frígio-Gálata” é a mais indicada para ser a área depois de Listra e Icônio (At 16.2); 3. Paulo
normalmente emprega nomes imperiais romanos e não nomes étnicos ou locais. (pode haver exceção); 4. Gálatas era a única palavra
para incluir todas as cidades e etnias da região, sem fixar-se em uma única etnia. (embora se fosse usar para o norte, seria o termo
certo); 5. As “igrejas da Galácia” (1Co 16.1) poderiam estar representados em Atos 20.4 por Gaio de Derbe e Timóteo de Listra.
(mas representantes de Corinto não são mencionados); 6. A região norte não era tão acessível quanto a sul. A doença não
contribuiria para sua permanência nesta região montanhosa (Gl 4.13); 7. Seria improvável que os judeus fanáticos fossem tão longe
atrás de prejudicar Paulo (Será?). Na primeira viagem, os convertidos vieram do judaísmo e o apelo judaizante faria mais sentido
para eles do que para gálatas étnicos. 8. Como anjo seria Atos 14.12, (mas ele foi apedrejado lá!? E se ele estava doente?); 9. As
grandes rotas de comunicação do império passavam pelo sul e não pelo norte; 10. Barnabé é conhecido no sul, mas não no norte
(mas veja 1Co 9.6; também Pedro é mencionado sem ter estado lá).

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Desta forma, Gálatas assume o lugar de primeira carta de Paulo preservada no Novo Testamento.302 Se
acreditarmos que Tiago escreveu sua carta logo depois da morte de Estevão em Atos 7, Gálatas, ainda
assim, é a segunda carta a ser escrita no Novo Testamento.
É uma obra cheia de polêmica e argumentação brilhante de Paulo em defesa do evangelho de Cristo.
A tentativa de misturar o judaísmo com o cristianismo foi o principal problema da igreja no seu início.
Neste livro, tal problema recebe um tratamento especial e importante.
Talvez o desejo de “proteger-se legalmente” (uma tradução possível de “ostentar-se” em Gl 6.12) seja o
grande argumento para que os gálatas aceitassem a circuncisão. Se eles fossem circuncidados, seriam
considerados judeus pelos romanos e, assim, estariam isentos do culto ao imperador – não seriam
perseguidos por causa da cruz de Cristo (veja Gl 6.12). O culto ao Imperador era a religião que mais
crescia naquele tempo.
De qualquer forma, a circuncisão e a guarda da lei pelos gentios anulava o evangelho que salva judeus
enquanto judeus e gentios enquanto gentios.
Se o gentio tivesse que “judaizar” para ser aceito, a graça de Deus já não valia. A prova de que a salvação
era pela graça repousava no fato que os gentios eram salvos sem observar a lei, logo, os judeus também
tinham que entender que eram salvos pela graça, e não pela observância da lei.
Mas como a graça salva? Por meio de Jesus. Seu sacrifício livrou os homens da condenação da lei e estes,
por fé nele, são nele incorporados e feitos filhos de Deus.
Um esboço analítico de Gálatas pode ser visto abaixo:
Introdução: (1.1-9)
I. O ARGUMENTO BIOGRÁFICO: 1.10-2.21
= O Evangelho de Paulo é autentico.
II. O ARGUMENTO DOUTRINÁRIO: 3.1-4.31
= O Evangelho é maior/melhor que a Lei.
III. O ARGUMENTO PRATICO: 5.1-6.10
= O Evangelho traz crescimento espiritual.
Conclusão: (6.11-18)

A carta aos Gálatas não é fruto do momento da conversão de Paulo, mas, por seu caráter autobiográfico, a
carta mostra que os efeitos desta conversão ainda produziam grande convicção em sua vida.
A fé em Cristo Jesus é o caminho para a verdadeira comunhão com Deus. A justificação de Abraão é o
caso padrão de justificação pela fé (Gl 3.6-14). Ele não foi justificado pelo que fazia, mas pela fé
demonstrada na graça de Deus. A salvação proposta pelos judaizantes fica bem sumarizada em Atos 15.1
e 5: “Se não vos circuncidardes segundo o costume de Moisés, não podeis ser salvos... É necessário
circuncidá-los e determinar-lhes que observem a lei de Moisés”.
Paulo, por toda sua vida, tinha experimentado o princípio: fazer-tudo-para-ser-salvo. Provavelmente,
como judeu, ele já sabia que a lei aponta o pecado do homem. Contudo, tentar viver pelo princípio de
obediência à lei traria maldição, pois ninguém consegue seguir toda a lei. E era exatamente este
retrocesso que pretendiam os falsos mestres.
O argumento de Paulo, contudo, é que Jesus se fez maldição em nosso lugar para que vivêssemos, agora,
confiando nele, ou seja, com nossa fé dirigida para ele. Agora, a conduta cristã deixa de ser regulada pela
lei para ser experimentada pelo Espírito Santo.
O argumento completo de Paulo nesta carta pode ser apreciado na análise retórica da carta, apresentada
abaixo.
O pré-escrito epistolar é necessário para que a carta tenha seu formato padrão, mas Paulo passa logo ao
exordium, de modo abrupto, nem adicionando a costumeira oração no inicio da carta. Isto é deliberado,
pois a questão é urgente.
Logo, ele adiciona uma longa narração, narratio, na qual prova que o evangelho que ele pregava não era
dependente de homens, mas era revelação de Jesus. Sua tese (propositio), então é formulado no fim desta
narrativa: a justificação é pela fé em Cristo303 e não pelas obras da lei304.

302
Assim, a observação de Paulo em 2Tessalonicenses 3.17, “Este é o sinal em cada epístola; assim é que escrevo”, faz mais
sentido. Teríamos este costume em Gálatas e 1Tessalonicenses.

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Em seguida ele apresenta um conjunto irrefutável de provas (probatio) e exorta os cristãos a superarem a
lei pela vida no Espírito (exortatio). A peroração (peroratio) apresenta as disposições finais e o pós-
escrito epistolar fecha o documento.
1.1-5 Pré-escrito epistolar
A. Autor, qualificações, colegas e destinatários
B. Saudação, confissão e doxologia
1.6-9 I. EXORDIUM
6-7 A. Indignação (falta a oração) [principium]
8-9 B. Advertência (duplicada) [ênfase]
1.10-2.14 II. NARRATIO [a questão do evangelho na história de Paulo]
1.10 A. Questão inicial: “a quem quero agradar?”
1.11-12 B. Afirmação inicial: “evangelho recebido por revelação”
1.13-2.14 C. História
1.13-14 1. o passado = a carreira destacada
1.15-17 2. a conversão = o chamado soberano
1.18-20 3. os relacionamentos = contatos rápidos
1.21-24 4. os trabalhos = ministérios extensos
2.1-10 5. o acordo = contatos com Jerusalém
2.11-14 6. o conflito= contatos em Antioquia
2.15-21 III. PROPOSITIO [TESE]
15-16 A. Declaração da tese como a fé dos judeus convertidos
17-18 B. Declaração da tese pelos efeitos de sua negação (I)
19-20 C. Declaração da tese pelos efeitos da conversão
21 D. Declaração da tese pelos efeitos de sua negação (II)
3.1-4.31 IV. PROBATIO
3.1-5 A. Argumento da experiência (conversão)
3.6-9 B. Argumento da Escritura (I): bênção
3.10-14 C. Argumento da Escritura (II): maldição
3.15-18 D. Argumento da legalidade: o que vem primeiro vale mais
3.19-22 E. Refutatio: Qual a razão da lei?
3.23-4.7 F. Argumento da analogia familiar: o que vem depois é maior
4.8-11 G. Argumento do progresso: não retrocedam
4.12-20 H. Argumento pessoal: o próprio Paulo [pathos kai ethos]
4.21-31 I. Argumento alegórico (ad hominem): as duas realidades
5.1-26 V. EXORTATIO
1 A. Tese = liberdade; exortação = não voltar à escravidão
2-6 B. Exortação para fugir da maldição da lei
7-12 C. Exortação para fugir das más influências
13-15 D. Exortação ao amor
16-26 E. Exortação para viver no Espírito e não na carne
16-18 1. Conflito: Espírito X carne
19-21 2. Obras da carne
22-24 3. Fruto do Espírito
25-26 4. Conflito: Espírito X (carne)
6.1-10 IV. PERORATIO
1-5 A. Apoiar os irmãos
6-10 B. Apoiar os obreiros
6.11-18 Pós-escrito epistolar [EPÍLOGO]
11 A. Nota pessoal – autógrafo
12-13 B. Os verdadeiros motivos dos falsos mestres: escapar da perseguição
14-16 C. A verdadeira (re-)definição de Honra: a cruz
17 D. Nota pessoal – as marcas de Jesus [pathos kai ethos]
18 E. Bênção final

CONCLUSÃO
As Epístolas Paulinas nos colocam num mundo de diversidade cristã e de pregação do evangelho em
diferentes culturas e ambientes. A riqueza de aprendizado que obtemos ao ler estas cartas é difícil de
aquilatar. Foi uma grande graça divina que pudéssemos, depois de séculos, ainda aprender com os antigos
apóstolos e cristãos antigos sobre como iniciar e desenvolver comunidades de seguidores de Jesus com
dificuldades reais em situações diversas. Estas quatro grandes epístolas que foram alvo dessa nossa
primeira lição sobre as cartas já nos preparam para as riquezas que ainda iremos desfrutar na leitura das
próximas. Bons estudos!

303
Não nos convence, em lugar algum, a tentativa de traduzir a frase como “fé de Cristo” ou “fidelidade de Cristo”.
304
A tentativa de restringir o sentido de “obras da lei” a apenas os sinais do judaísmo sem implicação de legalismo ainda precisa de
provas mais sólidas. Certamente, obras da lei envolve comida, bebida, dias de festa, luas novas, sábados, circuncisão etc. Pode ser
que, em alguns casos envolva legalismo também.

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AULA 05 – AS CARTAS PAULINAS II

INTRODUÇÃO
Continuamos aqui, nosso estudo das Epístolas Paulinas, à partir da Epístola aos Gálatas até a Epístola aos
Hebreus, que não se pode afirmar com certeza que é de Paulo, mas que é estudada sempre em conjunto
com as cartas de Paulo.
As epístolas de Paulo foram colocadas no cânon do Novo Testamento numa ordem que leva em conta
dois fatores: (i) primeiro as cartas para igrejas e depois as cartas para pessoas; (ii) depois, a ordem
adotada foi o tamanho de cada carta.
Assim, as maiores epístolas, Romanos, 1e2Coríntios e Gálatas já foram estudadas e eram as primeiras.
Depois, as cartas para as igrejas de Éfeso, Filipos, Colossos e Tessalônica são seguidas das cartas para
pessoas: Timóteo, Tito e Filemon. A carta aos Hebreus, que não sabemos se é paulina ou não fecha a
coleção e prepara o leitor para as cartas gerais, que se seguem no Novo Testamento. São estas que iremos
estudar aqui.
SÍNTESE
Introdução geral às epístolas de Paulo, aos Efésios, aos Filipenses, aos Colossenses, aos Tessalonicenses,
a Timóteo, Tito e Filemom, mais a Epístola aos Hebreus.
DISCUSSÃO

EFÉSIOS
305
A epístola aos Efésios foi escrita por Paulo (1.1; 3.1) durante seu encarceramento em Roma (3.1; 4.12;
6.20; At 28.30-31). Assim, Efésios é uma das “Epístolas da Prisão”.
Não somos informados sobre quem foi o secretário Paulo na redação desta carta, mas quase certamente
ele se serviu de alguém como Timóteo, Silas ou outro obreiro para escrever o que ele ditava. Tíquico foi o
portador e leitor da carta (6.21-22). Tíquico também levou, nesta mesma ocasião, a carta aos Colossenses
(Cl 4.7-8) juntamente com Onésimo que o acompanhava e levava a carta a Filemom (Fm 10). A carta
deve ter sido escrita ao redor do ano 62 AD.
Autoria
As críticas contra a autoria paulina desta carta são antigas e são agrupada nas seguintes categorias de
argumentos: (1) Linguístico; (2) Literário; (3) Doutrinário; (4) Histórico.
(1) Argumento Linguístico: afirmam que as palavras que não são de Paulo.
(2) Argumento Literário: afirma que Efésios parece dependente de outras cartas de Paulo e até de
outros documentos não paulinos.
(3) Argumento Doutrinário: afirma que a eclesiologia, a cristologia e a ética da epístola são de
período posterior ao Primeiro Século.
(4) Argumento Histórico: afirma que a falta de polêmica com os judeus aponta para uma data
recente e que a carta é pseudo-epigráfica, ou seja, escrita em nome de Paulo, mas não por ele.
Toda esta argumentação é um tanto fraca e pode ser refutada com facilidade pela consulta de obras
compostas por eruditos que respeita as afirmações claras do texto do Novo Testamento.306

305
Apontam para a autoria de Paulo as afirmações da carta (1.1; 3.1) e notas pessoais incluídas (1.6, 15; 3.1; 4.1; 6.19-20). Além
disto, a carta tinha aceitação e circulação na antiguidade como incontestavelmente paulina (até mesmo Marcião). O Canôn
Muratoriano e todos os autores antigos a consideram paulina sem exceção. Há possíveis citações e alusões em Clemente de Roma,
Inácio, Policarpo, Hermas e Didaquê. Marcião usa a carta com o nome “Aos Laodicences”. Testamunham sua antiguidade e a
autoria paulina: Irineu, Clemente de Alexandria; a Versão Latina Antiga e Siríaca. A carta era usada pelos Ofitas, Valentinianos,
Basilianos, etc. Ela é mais bem atestada que Colossenses!
306
CARSON, D. A.; MOO, D. J.; MORRIS, L. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Ed. Vida Nova, 1992, p. 335-340;
HALE, Broadus David. Introdução ao Estudo do Novo Testamento: edição revista e ampliada. São Paulo: Hagnos, 2001, p. 272-
278; HÖRSTER, Gerhard Introdução e Síntese do Novo Testamento, Curitiba: Esperança, 1996, p. 115-117; GUTHRIE, Donald.
New Testament Introduction. Third Edition. Downers Grove: Inter-Varsity Press, 1970, p. 479-508.

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Assim mesmo, vale fazer uma rápida refutação dos argumentos.


(1) Contra o argumento linguístico, podemos dizer que o uso de palavras novas em novos assuntos não é
incomum em Paulo: não é possível limitar o vocabulário de um homem ativo. Se Paulo não usou uma
palavra antes, deve-se provar que ele nunca usaria certa palavra ou expressão. Além disto, a amostragem
estatística que temos de escritos de Paulo, é pequena para estudos desta natureza. Mesmo levando em
conta todas as cartas paulinas (13 ou 14) não há material suficiente para ter certeza de captar todos os
maneirismos, estilo e vocabulário de Paulo. Uma coisa que poucos sabem é que para formar o
“vocabulário básico de Paulo” estes crítico rejeitam muitas das cartas de Paulo – assim o resultado fica
mais distorcido.307
(2) Contra o chamado argumento literário podemos dizer o seguinte. Ele é a prova da má vontade dos
críticos contra Paulo. Se Paulo usa uma “palavra nova” eles dizem: “Veja! Não é de Paulo.” Mas, se um
texto de Efésios parece com outro texto de outra carta de Paulo eles dizem: “Tá muito igual! Deve ser
cópia ou plágio!” Assim, Paulo não tem chance: se escrever algo novo, não é dele, e se escrever algo
parecido com o que já escreveu, deve ser alguém copiando Paulo. O fato é que as similaridades provam
que Paulo é o autor e que adaptava lições ao público.
(3) Contra o argumento doutrinário, que é o muito fraco, devemos dizer que todas as doutrinas da carta
aos Efésios são perfeitamente cabíveis no Primeiro Século. Seria preconceito dizer que a doutrina da
igreja só pode ser desenvolvida no fim do Primeiro Século. Qual a prova? A cristologia e a ética desta
carta são perfeitamente compatíveis com outras cartas paulinas.
(4) O argumento histórico, na verdade é o mais fantasioso. Acredita na fantasia de que a igreja do
Primeiro Século aceitava a pseudoepigrafia, ou seja, que a igreja aceitava escritos falsamente atribuídos a
grandes vultos do passado. Também a polêmica com o judaísmo não precisa e nem é mencionado sempre
por Paulo – ele não é um homem de um assunto só!
Assim, a autoria Paulina pode ser assumida com tranquilidade, sabendo que temos uma carta especial de
Paulo, onde ele desenvolve novas ideias e novas formas de expressão destas ideias para o benefício dos
cristãos.
Destinatários
A carta é tradicionalmente atribuída aos Efésios: todos os manuscritos antigos apresentam-na com o título
“Aos Efésios”. Mas, no texto do endereçamento de Efésios 1.1, faltam as palavras “em Éfeso” (Ef 1.1)
nos mais antigos manuscritos.308
Por causa desta ausência de nome em alguns manuscritos, várias possibilidades diferentes para a “carta
aos Efésios”. Pode-se imaginar que a carta seja destinada a uma das sete possibilidades abaixo.
1. Carta seria para a igreja na cidade de Éfeso: esta é a postura normal e tradicional. A retirada do
nome deve ter sido para fazer a carta circular, como ocorreu com a retirada de “em Roma” de alguns
manuscritos de Romanos.
2. Carta poderia ser uma “encíclica” ou seja, uma carta circular para Ásia, onde o espaço para o nome
da cidade foi deixado “em branco”. O obstáculo a esta teoria é a falta evidência deste tipo de prática
de deixar “em branco”. Temos cartas circulares no Novo Testamento tai como Tiago e 1Pedro e o
endereçamento seria feito de outro jeito
3. Alguns acreditam que ela podia ser a carta para a igreja em Laodicéia.309O obstáculo a esta
explicação é a completa ausência de evidência manuscrita. Marcião estava de briga com Éfeso e por
isto talvez mudou o título para “Aos Laodicenses”. Na verdade, pouco sabemos sobre o que seria a
carta que Paulo falou que estava entre os Laodicenses.310

307
Eles eliminam da “contagem” qualquer livro que apresente variação em relação a um padrão arbitrariamente aceito. O padrão
geralmente inclui Rm, 1e2Co, Gl, 1Ts, Fm. Outros livros podem ser incluídos ou não, mas o fato é que a “seleção”, ajudaria a ver
que uma variação de estilo e vocabulário, é rejeitado em favor do modelo que se estabeleceu apriori.
308
“As palavras evn vEfe,sw| estão ausentes de várias testemunhas importantes (p46, Aleph*, B*, 424c, 1739) bem como dos
manuscritos mencionados por Basilio e do texto usado por Orígenes. Certas características internas da carta bem como a designação
de Marcião como a epístola “Aos Laodicenses” e a ausência de uma citação explícita em Tertuliano e Efraem das palavras evn vEfe,sw|
tem levado muitos a concluir que a carta intentava ser como uma encíclica, com cópias feitas e enviadas a várias igrejas, das quais
Éfeso foi a principal. Desde que a carta tornou-se tradicionalmente conhecida como “Aos Efésios” e desde que todas as
testemunhas, exceto as mencionadas acima incluem as palavras evn vEfe,sw| o Comitê (da UBS) decidiu retê-las, mas com colchetes”:
METZGER, B. M. A Textual Commentary on the Greek New Testament. 3a ed. Stuttgart: UBS, 1975, pág. 601.
309
Proposta do herege Marcião – Apoiada pela possibilidade de Cl 4.16.
310
Colossenses 4.16 não diz a carta pro, j Laodicéia mas ev k Laodiéia – ou seja, não fala de uma carta necessariamente dirigida a
eles, mas de uma carta que eles tinham em mãos, que podia ser de outra igreja ou grupo. Podia ser Efésios, Filemom ou outra...

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Muitas outras teorias poderiam ser apresentadas.311 O ponto é que nenhuma consegue se impor. Para nós,
entenderemos que a carta era para a igreja de Éfeso, mas que circulou sem o nome da cidade, causando
este tipo de constrangimento atual.
O texto bíblico diz (At 20.31) que Paulo pregou em Éfeso por 3 anos, "dando ensejo a que todos os
habitantes da Ásia ouvissem palavra do Senhor, tanto judeus como gregos" (At 19.10).
Esta irradiação do evangelho de Éfeso para a Ásia pode ter sido acompanhada de uma semelhante
circulação da carta para a mesma região. Talvez a intenção de Paulo, ao escrever, já previa a circulação.
Com esta suposição explica-se o caráter genérico e sem quaisquer referências pessoais que temos nesta
carta. Se fosse dirigida apenas à igreja de Éfeso apenas, uma velha conhecida de Paulo, nós esperaríamos
mais referências pessoais.
Por outro lado, ausência de detalhes concretos em uma carta a uma comunidade onde ele trabalhou tanto
tempo é coerente com o costume de Paulo.
Na carta aos Romanos, onde ele nunca foi, há muitas referências pessoais. Ele não tinha obrigação de
citar ninguém, mas ao citar alguns, ganha a boa vontade de todos.
Mas quando escreve para comunidades que ele conheceu pessoalmente, não cita o nome de quase
ninguém. Pois, há o risco de esquecer alguém.
No mundo antigo, uma das funções do leitor da carta para as igrejas, no caso Tíquico, era dar informações
pessoais sobre Paulo e seus companheiros à medida que encontrasse igrejas e pessoas que o conheciam
(Ef 6.21-22; Cl 4.7-8).
Propósito
O motivo da redação da epístola não é claro. Pode ser que fosse uma epístola para prevenir ou imunizar as
igrejas contra as heresias que já estavam atacando a região de Colossos. Não é, contudo, uma epístola de
refutação de erros doutrinários e nem de combate a falsos mestres específicos. Trata-se de uma verdadeira
epístola didática e irênica.
Tema
O tema principal da carta tem sido compreendido de diversas formas. Há quem entenda que é uma carta
sobre a igreja, outros sublinham o eterno propósito de Deus, outros ainda pensam em batalha espiritual
contra as forças do mal.
Embora todos estes pontos de vista sejam verdadeiros, parece que uma visão mais abrangente seria
considerar a carta uma exposição do Mistério de Deus revelado em Cristo: tratar-se-ia de uma epístola
instrutiva e preventiva. A análise retórica irá mostrar que no centro do argumento da carta há a narração
da salvação obtida por Cristo para nós.
Estrutura
A carta é tradicionalmente dividida em duas partes: ensino doutrinário (1-3) e recomendações práticas (4-
6). Tal divisão, apesar de grosseira, apresenta de modo rápido o progresso do documento.
A carta inicia-se com duas longas orações (1.3-14 e 1.15-22) nas quais Deus é louvado por seu plano
magnífico e também os irmãos são incentivados a crescer no entendimento dele. A partir destas duas
orações, Paulo narra o itinerário de todos os homens, desde o pecado em que se encontravam até a
reconciliação com Deus e com os outros homens (2.1-22). Numa deliberada digressão (3.1-21) apresenta
seu apostolado e alvo ministerial visando o progresso dos irmãos na fé e logo em seguida apresenta os
resultados espirituais da obra de Cristo, que é a unidade da igreja (4.1-16) e a santidade de vida (4.17-
6.9).
A carta finda com uma descrição simbólica da armadura espiritual para lutar contra o mal e com notas
pessoais (6.10-24).
Efésios guarda importantes semelhanças com dois livros do Novo Testamento:

311
Outras teorias: (4) A Carta seria um “testamento literário de Paulo para a igreja universal”. Obstáculo: não se destina à igreja em
geral mas a uma região; (5) A carta seria um texto “feito” para servir de introdução ao corpo paulino; (6) A carta seria a formulação
da filosofia da religião para todo o mundo cristão; (7) A carta seria uma epístola geral para salvaguardar a igreja da heresia que
iniciou-se em Colossos. [uma carta profilática!!].

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Colossenses: Uma sinopse de Efésios e Colossenses mostra, sem sobra de dúvida, as


semelhanças e a proximidade entre as epístolas. As maiores semelhanças, contudo, encontram-se
na parte parenética (parte dos conselhos práticos) das duas cartas.
1Pedro: A semelhança a nível de vocabulário e de estilo em certas orações e expressões.
Também uma longa “tabela de deveres domésticos” aproxima as cartas, embora não exista tanta
proximidade como a que notamos entre Efésios e Colossenses. Assim como 1Pedro tem sido
entendida como uma carta associada à liturgia do batismo, Efésios também tem muita linguagem
relativa ao batismo em sua discussão.
A grande ênfase na obra de Cristo como redentora e restauradora da unidade dos homens com Deus e
entre si mesmos é uma grande necessidade do mundo pós-moderno.
Também o ensino sobre a igreja é fundamental. Conforme bem notou R. Brown, o antigo escândalo do
cristianismo era o Deus-homem morto na cruz para salvar, ressurreto e reinando. Isto era difícil de aceitar
no mundo antigo. Hoje, o escândalo da cruz tem mais uma variação: como que esta união Cristo-igreja,
que é o corpo e a esposa pura de Cristo pode ser ao mesmo tempo pura e pecadora, humana, cheia de
limitações e ao mesmo tempo divina e eterna? Como a igreja faz parte do plano redentor de Deus? Este é
uma nova variação do escândalo do evangelho com o qual temos que lidar e sobre o qual a epístola aos
Efésios faz grandes contribuições.312
Um esboço simples de Efésios poderia ser:
Introdução - 1.1-2
I. PARTE DOUTRINARIA: 1.3-3.21 - Cristo e a igreja
As grandes bênçãos de Deus (1.3-23)
O processo de salvação (2.1-22)
O ministério de Paulo (3.1-21)
II. PARTE PRÁTICA: 4.1-6.20 - A nova vida em Cristo
A vida comunitária (4.1-16)
A vida individual (4.17-21)
A vida familiar (5.22-6.9)
A vida espiritual (6.10-20)
Conclusão - 6.21-24

Um esboço feito através da análise retórica da carta é apresentado abaixo.


No exordium Paulo procura ganhar o favor da audiência: as duas orações magníficas cumprem bem este
alvo. O narratio funciona assentando uma base de circunstâncias e explicações sobre as quais as ações e a
perspectiva do escritor busca se projetar. Neste caso, Paulo fala da salvação de todos os homens e, depois,
da salvação dos gentios por meio do seu ministério.
Falta em Efésios, o que chamaríamos de probatio ou argumentatio, pois Paulo passa diretamente para o
exortatio. Isto ocorre pelo fato de Paulo não estar “combatendo” ou “discutindo” nada. A carta apenas
louva e exalta o evangelho sobre o qual todos depositaram sua fé.
O exortatio é o momento em que o escritor ou orador procura incentivar seus leitores ou ouvintes a uma
ação: Paulo aproveita para deixar uma série de recomendações. O peroratio fornece um apelo final aos
leitores.
ANÁLISE RETÓRICA DE EFÉSIOS313
1.1-23 I. EXORDIUM
1-2 A. Pré-escrito: autor, destinatários, saudação
3-14 B. Eulogia: [louvor a Deus]
15-23 C. Ação de graças e oração [agradecimento, pedidos e amplificação]
2.1-3.21 II. NARRATIO [motivos para as ações de graça]
2.1-10 A. Rememoração da salvação em Cristo
2.11-22 B. Rememoração dos privilégios da salvação em Cristo
[os gentios participam da nova criação e do novo templo]
3.(1)2-13 C. Digressio: Rememoração do débito dos leitores a Paulo e seu ministério

312
BROWN Raymond. As Igrejas dos Apóstolos. São Paulo: Paulinas [Paulus], 1986, p. 68-71.
313
Esboço adaptado de LINCOLN, Andrew T. Ephesians: Word Biblical Commentary. Dallas: Word Book, 1990, p. xxxv-xlvii.

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3.1,14-21 D. Transitus: Oração intercessória e doxologia


4.1-6.9 III. EXORTATIO
4.1-16 A. Exortação para a manutenção da unidade da igreja
4.17-24 B. Exortação para viver como a nova humanidade
4.25-5.2 C. Sete exortações específicas sobre a velha e a nova vida
5.3-14 D. Exortação sobre o falar, moral sexual e o viver como filhos da luz
5.15-6.9 E. Exortação sobre o viver sábio, cheio do Espírito e na vida doméstica
6.10-24 IV. PERORATIO
6.10-20 A. Exortação final a ficar firme na batalha espiritual
6.21-24 B. Pós-escrito

FILIPENSES

Como uma das "Epístolas da Prisão", Filipenses deve ter sido escrita ao redor do ano 62 d.C. Paulo
refere-se a seu aprisionamento várias vezes nesta carta (Fp 1.13-14, 17). Filipenses foi escrita em ocasião
diferente das outras, pois o tom é mais sombrio. Paulo supõe que pode ser condenado à morte (Fp 1.20),
enquanto que nas outras cartas, sobretudo em Filemom, tem esperança de libertação (Fm 22).
Vários locais têm sido sugeridos para redação desta carta e de outras das Epístolas da Prisão: Cesareia (At
23.23—27.1), Éfeso314 e Roma (At 28). A melhor proposta é supor que escreveu de Roma por causa da
menção da guarda pretoriana e da casa de César (Fp 1.13; 4.22).
Timóteo deve ter sido o escriba da carta e Epafrodito, o portador e leitor da carta (Fp 2.25-30).
A igreja de Filipos começou com a pregação de Paulo (Atos 16). Eles ajudaram Paulo em seu trabalho
missionário várias vezes (At 18.5 e Fp 4.15-16). Agora que Paulo estava preso, enviaram dinheiro (Fp
4.18) e Epafrodito, para servir Paulo neste período (Fp 2.25-30). Epafrodito ficou doente e quando
melhorou, Paulo resolveu mandá-lo de volta a Filipos. Paulo pretendia enviar Timóteo à igreja, e talvez
também ir, assim que liberto (Fp 2.19-24).
O objetivo maior da carta pode ser visto no fim da mesma. Paulo agradece os donativos e afirma que não
precisa de mais nada (Fp 4.10-20). Deixar este assunto para o fim da carta, mostra que ele era um assunto
delicado e que ele não queria ofender a igreja com sua recusa de receber mais ajuda. Por isso, sua
abordagem é indireta, tratando primeiro de outros assuntos, construindo um bom relacionamento por meio
do discurso a carta e finalmente agradecendo os recursos. Assim, sua estratégia retórica procurava não
ofender a igreja.
Um outro objetivo mais extensamente tratado na carta era s disputa de duas grandes casas da igreja. Duas
senhoras, Evódia e Síntique (Fp 4.2) disputavam alguma coisa.
Estas disputas de honra eram muito comuns nas sociedades abastadas antigas: o “esporte” predileto era
obter vantagens, provocar prejuízos e obter honra à custa de vencer ou vexar outros. 315
Embora isto fosse um comportamento normal na cidadania romana em uma Colônia Romana, como
Filipos, não deveria ser assim na “assembleia” cristã. Assim, a carta toda mostra que Paulo não reage às
provocações dos invejosos que querem disputar poder (Fp 1.15), pelo contrário, sugere a conduta de
Jesus, que humilhou-se ao máximo (Fp 2.1-11).
Mostrando o mesmo exemplo de novo, ele fala que não ficou disputando “honras religiosas” com os
outros judeus, embora ele tivesse um currículo maravilhoso (Fp 3.3-6).
Paulo recusa as honras deste mundo por buscar a honra de Jesus (Fp 3.7-17). Claro que ele reconhece que
no meio da igreja existem aqueles que são, na verdade, inimigos da cruz de Cristo (Fp 3.18-19), contudo,
isto não é suficiente para tirá-lo do proceder correto de cidadão dos céus e não de Roma (Fp 3.20-21).
Assim, a carta é um convite para a “recusa do poder” e a para a “recusa da honra” e para a “recusa da
disputa”.

314
Este aprisionamento em Éfeso é muito discutido, pois o Novo Testamento não o menciona.
315
WINTER, Bruce W. Seek de Welfare of the City: Christians as benefactors and citizens: First-Century Christians in the
Graeco-Roman World. Grand Rapids: Eerdmanns, 1994.

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É muito instrutivo o modo como Paulo procura resolver as disputas entre estas duas grandes casas. Pelo
que notamos no primeiro verso da carta, esta igreja tinha bispos e diáconos (Fp 1.1). Por que razão Paulo
não disse para eles resolverem o problema?
Bem, se fosse hoje em dia, a solução seria esta. Os presbíteros (ou a liderança) da igreja chamaria estas
mulheres e, por força da hierarquia, do comando, da conveniência ou por qualquer outra força,
encerrariam a questão.
Contudo, este modelo anglo-saxão de bispos que recebemos em nosso país de oligarquias está anos-luz
distante do jeito de Paulo, ou melhor, de Jesus.
Paulo não escreveu para os bispos resolverem a questão. Ele escreveu para a igreja resolver a questão.
Esta mania de liderança é justamente o que criava problemas em Filipos. Uma família queria ter mais
honra e poder do que outra.
Se hoje em dia, dermos poder aos pastores, bispos ou presbíteros, estaremos alimentando a fonte de
disputa pelo poder dentro da igreja. O resultado é o que se vê: líderes autoritários e igrejas desanimadas.
Ou líderes desanimados e igrejas autoritárias.
A solução de Paulo é a de Jesus: recuse o poder. Só nos interessa o serviço. O poder é coisa dos exércitos
romanos e da!"#$%&'()#*+,)#-.#/.#)0+1####################################2334##########################################5'6)7+#89:)7#;-:*)0)#
cidadania que mantinha na cadeia, o embaixador de Cristo.
Filipenses é a única epístola que Paulo escreveu para igrejas que menciona os bispos ou presbíteros da
local.316 E justamente nesta carta, onde havia uma disputa de poder, estes homens não são
igreja "=>"#?<#>@ABCD#E@>@;FGHFH#
#
convocados para fazer nada.
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@L!
Esta recusa CH#$CGH#FMFN;>CH#G"#A@K"#KF#C=OBCH#HFBACH#KF#KF=HD#
do poder fica graficamente afirmada na passagem de Filipenses 2.5-11, um dos hinos
"L! C#-P-.Q'+#,-#87(:*+#R#2LSRTT#
cristológicos mais
$L! belos e surpreendentes.
C#-P-.Q'+#,-#O(.U*-+#R#2LT<R2V#
8L! C#-P-.Q'+#,-#FQ)W7+,(*+#R#2L2SR?3#
Contudo, a doutrina
KL! mais difícil de aprender desta poesia não é a divindade e humanidade de Jesus, mas
C#-P-.Q'+#,-#;)/'+#R#?LTRVL<#
sim a recusa
# ao poder e à força.
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Filipenses é um livro que nos ensina a não aspirar pelo poder, comando, honra ou controle, mas apenas
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deixar com Deus os resultados. ?LT2RTa#R#C#,-6-7#,-#Q7+\7-,(7#0)#6(,)#_7(:*)L#
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escrita por “escravos” de Cristo317 (Fp VLVR<#R#Am7(+:#_+0:-'e+:L#
Foi uma carta!;)7)#.(.#+#6(6-7#9#87(:*+c#-#+#.+77-7#9#'/_7+1L# 1.1) para os “santos”. Junto com eles e não sobre
2LTRV#R#8+.+#6(6-7#&-.#-.#^/)'^/-7#7-')_(+0).-0*+#:+_()'L# V#R#"'-\7()#0+#H-0e+7f#
eles, estão os bispos e diáconos. O chão ao pé
2LSRTT#R#K(6(0,),-#-#e/.)0(,),-f#e/.('e)]b+#-#-P)'*)]b+L# da cruz é plano... todos são iguais e não há hierarquia.
S#R#N+,-7)]b+f#
gh-:/:#_+.+#-P-.Q'+#,-#)'\/9.#^/-#&/:_+/#+#&-.# a#R#C7)7#-0*7-\)0,+#):#Q7-+_/Q)]n-:#)#K-/:f#
Um esboço retórico simples pode ser:
,+:#+/*7+:iL# j#R#B-_-&-7#)#Q)o#,-#K-/:f#
2LT2RT?#R#C#,-:-06+'6(.-0*+#,)#:)'6)]b+L# 4#R#C_/Q)7#)#.-0*-#_+.#+#^/-#9#&+.f#
?Lj#R#k/)0,+#+#'/_7+#9#_+0:(,-7),+#Q-7,)L# <#R#;7)*(_)7#+:#&+0:#-P-.Q'+:L#
gVRa#l#+#_/77%_/'+#,-#;)/'+i# VLTT#R#H/W(_(p0_()#
316
É claro que havia bispos em Éfeso, mas eles não são citados. A referencia
g4RTT#l#+#^/-#7-)'.-0*-#6)'-#)#Q-0)i# de Ef 4.11 é geral. As Epístolas Pastorais estão fora
VLT?#R#;+,-7#
desta afirmação, pois escritas para colegas de Paulo.
317
Paulo e Timóteo, escravos de Cristo Jesus. Dois nomes fortalecem o testemunho e o companheirismo, formam uma comunidade.
E não são os famosos e temidos servos do Imperador, Cesariani mas, os simples e despretensiosos escravos de Cristo, os Christiani.

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1.1-11 I. EXORDIUM: ação de graças por tudo


1.12-26 II. NARRATIO: um modelo diante da inveja
1.27-30 III. PROPOSITIO: tese = viver a cidadania cristã
2.1-30 IV. PROBATIO: o modelo de Cristo e seus servos
3.1-4.1 IV. REFUTATIO: a rejeição dos valores sociais
4.2-9 V. EXORTATIO: uma vida em harmonia
4.10-23 VI. PERORATIO: agradecimento por tudo

Repare que, mesmo nesta análise retórica grega (linear) a estrutura marca o ponto mais importante
deixando-o no centro, que é característica da retórica semítica e oriental.
Um esboço retórico mais detalhado seria:
1.1-11 I. EXORDIUM
1.1-2 A. Autoria, destinatários e saudação [pré-escrito epistolar]
1.3-11 B. Ação de graças, declaração de afeição e oração
1.12-26 II. NARRATIO [modelo: esvaziamento]
1.12-14 A. Encarando tudo como progresso
1.15-18aB. Reconhecendo os motivos malignos
1.18b-26 C. Esperando sempre engrandecer a Cristo
1.27-30 III. PROPOSITIO
[tese] Viver a cidadania de modo digno do evangelho
Mo,non avxi,wj tou/ euvaggeli,ou tou/ Cristou/ politeu,esqe
2.1-30 IV. PROBATIO
2.1-11 A. O esvaziamento (kenosis) de Jesus
2.12-18 B. Sendo luz do mundo
2.19-24 C. O enviado exemplar – Timóteo
2.25-30 D. O enviado exemplar – Epafrodito
3.1-4.1 IV. REFUTATIO [estrutura concêntrica]
3.1 A. Alegria
3.2-4a B. Os falsos mestres
3.4b-14 C. O esvaziamento do apóstolo
3.15-16 C’. Maturidade: esvaziamento da igreja
3.17-21 B’. Bom exemplo e maus exemplos
4.1 A’. Alegria
4.2-9 V. EXORTATIO
4.2-3 A. Evódia e Síntique
4.4-7 B. Parênese I
4.8-9 C. Parênese II
4.10-23 VI. PERORATIO [pós-escrito epistolar]
4.10-20 A. Agradecimento
4.21-22 B. Saudações pessoais
4.23 C. Saudação final

COLOSSENSES
A epístola aos Colossenses foi escrita por Paulo318 (Cl 1.1,23; 4.18) durante seu encarceramento em
Roma (Cl 1.24; 4.3,18: At 28.30-31). Timóteo (Cl 1.1) deve ter ajudado na redação da carta, já que Paulo
pega na pena apenas no fim da carta (Cl 4.18). Tíquico foi o portador da carta, juntamente com Onésimo

318
Contra a autoria paulina tem sido apresentados os seguintes argumentos: 1-Linguagem e estilo; 2-Teologia da carta; 3-Relações
com Efésios. Como sempre, estes argumentos são sem fundamento. O documento é muito pequeno para se fazer análise estatística
de palavras: HARRISON, E. Introduccion al Nuevo Testamento. Grand Rapids: SLC, 1980, p. 357 - o que vale para as Pastorais,
vale muito mais aqui. A teologia da carta é absolutamente paulina, lutando com uma heresia diferente das outra, daí a mudança de
temas e ênfases. A ideia que o gnosticismo só surgiu na igreja no Segundo Século é resultado da recusa de ver o fenômeno aqui, nas
Pastorais e nas cartas aos Coríntios. As relações com Efésios podem ser usadas a favor da autoria Paulina, e não contra.

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(Cl 4.7-9). Nesta mesma ocasião, Tíquico entregou a carta aos Efésios (Ef 6.21) e Onésimo levou a carta
a Filemom (Fm 10-12).319
A carta deve ter sido escrita ao redor do ano 62 AD. Paulo não conhecia pessoalmente as igrejas em
Colossos, Hierápolis e Laodicéia (Cl 2.1-2), mas somente pelos relatos de Epafras (Cl 1.7; 4.12-13).
Conhecia, contudo, alguns indivíduos: Filemom e família e talvez Ninfa (Cl 4.15). Onésimo, escravo
fugitivo, converteu-se a Cristo pela pregação de Paulo e agora retornava ao seu dono, Onésimo.
As igrejas de Colossos, Hierápolis e Laodicéia devem ter sido iniciadas por Epafras durante os três anos
(At 20.31) que Paulo pregou em Éfeso, "dando ensejo a que todos os habitantes da Ásia ouvissem palavra
do Senhor, tanto judeus como gregos" (At 19.10).
Duas casas são utilizadas como locais de reunião da igreja (4.15,17; Fm 2). Se a casa de Ninfa e a de
Filemom estivessem na mesma cidade, então poderíamos dizer que a igreja de Colossos tinha um bom
tamanho.
A maioria da igreja (ou talvez sua totalidade), era composta de gentios convertidos (1.21,27; 2.13). Não
há na carta nenhuma citação direta de textos do Velho Testamento, talvez como forma de combate à
heresia, ou devido a um ambiente sem muito interesse no Velho Testamento.
O motivo que levou Paulo a escrever a carta era a ameaça de uma falsa doutrina que negava a suficiência
de Cristo como redentor e aperfeiçoador dos Cristãos. Há referências a esta falsa doutrina em Colossenses
1.4; 2.8,16,18,21-23.
A heresia que atacava as igrejas do vale do rio Lico era um curioso sincretismo de ideias judaicas e
gregas.320
Os falsos mestres exigiam a observância de comemorações judaicas (festas anuais, mensais e semanais,
2.16), prescrições alimentares (2.16,21), ascetismo para mortificar o corpo, baseado em regrinhas várias
(2.20-23). Todos estes elementos podem ter origem no judaísmo. Já as referências a culto de anjos (2.18),
respeito aos espíritos elementares (=rudimentos, 2.8,20), filosofia (2.8; 2.4,23) e mesmo o ascetismo já
mencionado, tem sua origem nas religiões helenistas. O ascetismo, o culto da "humildade" e busca de
sabedoria são todos elementos que preparavam o adorador para o contato direto com seres angélicos,
mediante visões (2.18).
Paulo afirma que aquilo que os falsos mestres julgavam essencial não passava de coisas provisórias da
Velha Aliança e que não são importantes hoje (2.17). A supremacia da obra de Cristo é demonstrada por:
o batismo ser uma circuncisão maior e melhor (2.11-12); a lei ter sido cancelada junto com nossos
pecados (2.13-14); as distinções raciais, religiosas e culturais terem sido derrubadas (3.11).
As doutrinas e práticas helenísticas que os falsos mestres promoviam são descartadas por serem fruto de
sua mente carnal e de seu orgulho (2.18). Tratava-se de uma sabedoria de aparência (2.23); era apenas
ensino humano (2.22; 2.8) que rejeitava Jesus (2.19). O culto de anjos (2.18) bem poderia ser originado
dos cultos mistéricos tão difundidos no primeiro século, e associados com as especulações judaicas sobre
os anjos. Paulo faz questão de ressaltar a supremacia de Jesus sobre as entidades espirituais (1.16;
2.10,15), enfatizando sua completa divindade (2.8; 1.15-20). Só Cristo pode dar a verdadeira sabedoria
(2.3) e aperfeiçoamento espiritual (1.26-29; 2.10; 3.1-4; 2.6-7).
Os hereges desmereciam a Cristo exaltando a si mesmos e a seres espirituais, tais como anjos. Parece que
a doutrina da redenção proposta por eles estava errada em vários aspectos, e Paulo ressalta o papel de
Jesus como redentor (1.13-14), Deus (1.15; 2.8), criador e senhor do universo (1.15-17), que está acima
de tudo (1.18), possuidor da plenitude divina (1.18), operador da reconciliação do universo com Deus
(1.20), e inclusive reconcilador deles com Deus, através do evangelho, pelo seu sacrifício em carne (1.21-
23; 2.13-14).
O grande e verdadeiro mistério de Deus era Cristo e o evangelho, e não as doutrinas dos sincretistas de
colossos (1.26-27; 2.2). Este mistério estava agora disponível a todos os homens pela fé no evangelho
(1.28; 1.23; 1.5-6; 4.3).

319
Poucos questionam a autoria de Filemom. A aceitação desta torna praticamente forçosa a aceitação de Colossenses, devido a
estreita relação das duas cartas. Há evidência externa suficiente para apoiar a autoria paulina de Colossenses, desde a alusão a ela
feita por Justino (Dial 85.2; 138.2) e sua inclusão no cânone de Marcião por ser considerada paulina. Também o cânon de Muratori
a inclui, bem como Irineu e Clemente de Alexandria que atribuíram-na especificamente a Paulo. Outros escritores mais antigos
citam-na sem identificar o autor.
320
Havia judeus na Frígia desde os dias de Antioco III, e afirma-se que estes eram um pouco desviados do judaísmo ortodoxo, por
seu hábito mais sincrético. Talvez isto forneça um pouco da origem dos elementos judaizantes da heresia colossense.

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A exata natureza da heresia colossense não é facilmente percebida pelos dados que temos dela na carta
aos Colossenses. Algumas propostas de identificá-las são: essenismo; judaísmo; gnosticismo; gnosticismo
incipiente. Pessoalmente creio que tratava-se de uma mistura de gnosticismo nascente com judaísmo, num
sincretismo mal definido.321
Por sua atitude de juízes dos outros, nota-se que estes hereges queriam ser "cristãos mais cristãos" que os
outros (2.16,18).
O uso de termos tais como "plenitude", "mistério", "sabedoria" e outros era uma forma de Paulo combater
os hereges usando seus termos técnicos, e aplicando-os a Cristo e ao evangelho, tirando-lhes qualquer
possibilidade de usar estes termos para seus propósitos de desmerecer a Cristo. Outros termos que podem
vir do vocabulário dos hereges são: "elementos", "ordem e firmeza" (2.5).
O assunto principal da carta é “a suficiência de Cristo”. O versículo chave que declara esta suficiência é
Colossenses 2.9: "... porquanto nele (Jesus) habita corporalmente toda a plenitude da Divindade".
Este é o “conteúdo” ou a “doutrina” com a qual Paulo combate o erro. O seu “método”, contudo é
interessante.
Ao invés de combater as “novidades” dos hereges com suas revelações pessoais e com o evangelho que
havia sido revelado a ele sem auxílio de homem algum (Gl 1.11-12), ele passa a citar as tradições antigas
da igreja, coisas já conhecidas pelos irmãos,322 para mostrar aos irmãos que o que eles já tinham recebido
é o suficiente.
Paulo não “humilhou” os hereges com seu “saber elevado” pois, fazendo isto, seria apenas mais um
“herege com a doutrina certa”. Pelo contrário, Paulo se esvazia de sua riqueza de conhecimentos próprios
e usa os conhecimentos comuns, para que todos os irmãos se sintam prontos para enfrentar os hereges,
não com o apóstolo Paulo, mas com o que eles já sabem.
Por esta causa, Colossenses é cheia de citações de tradições da igreja antiga. No gráfico abaixo, pode-se
apreciar o volume de material tradicional, ou seja, coisas que a igreja usava, que Paulo incluiu em sua
carta.
MATERIAL NÃO TRADICIONAL MATERIAL TRADICIONAL
1.1-11
1.12-23
1.24-2.5
2.6-7 – Tese
2.8
2.9-15
2.16-3.4
3.5-4.6
4.7-18

A consequência prática disto é que os Colossenses não precisavam de mais nada para aperfeiçoar-se na fé,
mas apenas continuar firmes em Cristo, pois tudo que eles precisavam estava nele: "... em quem (Cristo)
todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento estão ocultos" (2.3).
Para evitar os falsos ensinos que estava sendo apresentados, Paulo lhes dá o seguinte conselho: "Ora,
como recebestes a Cristo Jesus, o Senhor, assim andai nele, nele radicados e edificados, e confirmados na
fé, tal como fostes instruídos, crescendo em ações de graça" (2.6-7).
Assim, pelo fato de Paulo resolver combater a “novidade” com a “tradição”, a carta aos Colossenses é
uma verdadeira antologia de vários gêneros literários mesclados.323
Tipo Texto
Frase de cerimônias de batismo324 1.12-13

321
LOHSE, 1985, p. 88-89: resume a heresia em dois pontos principais: 1.Especulações sobre os "espíritos elementares",
imaginados como anjos; 2.Serviço tributado a estes seres, em regrinhas legalistas e cerimônias cultuais. Tal resumo é útil
322
Um argumento que pode e deve ser usado a favor da autoria paulina é o fato da carta, deliberadamente, citar muito material
tradicional. Tal citação de material tradicional foi assumida como estratégia contra os gnósticos inovadores. Paulo cita amplos
trechos de hinos, confissões de fé e materiais parenéticos para deixar claro que o que eles já tinham aprendido e recebido bastava.
Tal estratégia fortalece o ensino local e os obreiros locais, tais como Epafras. A carta de Paulo evita, deliberadamente, as
“novidades”, mostrando que o que eles já tinham recebido era tudo o que era necessário. O que passasse deste ensino tradicional,
viria do maligno. Por causa deste uso de materiais tradicionais, o vocabulário da carta é levemente diferente do paulino. Esta tese e
defendida por CANNON, George E. The Use of Tradicional Materials in Colossians. Macon: Mercer University Press, 1983.
323
Uso abundantemente as ideias de CANNON, 1983, p.12-131.

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Hino cristológico 1.14-20


Hino cristológico 2.9-15
Catálogo de vícios 3.5-6
Modelo: antes/depois & catálogo de vícios 3.7-11
Catálogo de virtudes 3.12
Parênese cristã padrão 3.13-15
Lugar comum cristão: apropriando-se da palavra 3.16-17
Tábua de deveres domésticos 3.18-4.5
Lugar comum cristão: pregando a palavra 4.2-6

O uso de tantos materiais tradicionais é um dos motivos que levam alguns a negar a autoria paulina a este
documento. Contudo, Paulo é inteligente e sensível em oferecer para os irmãos, a segurança de que eles já
tinham o que precisavam para viver a vida cristã.
A ausência de citações do Velho Testamento é relevante. Qual a razão de não citar o Velho Testamento?
Se os hereges estivessem fazendo uso do Velho Testamento, seria de esperar que Paulo fizesse refutações
usando o Velho Testamento. Como ele não usou, tal recurso devia ser desnecessário.325
O estilo epistolar é facilmente identificado pelo prefácio e saudação (1.1-2), pela menção inicial de
orações (1.3-8,9-11, etc.), pelas notícias e pedidos de oração (4.2-4), pelas recomendações dos portadores
(4.7-8), pelas saudações dos companheiros de Paulo (4.10-14), pelas saudações a grupos e indivíduos
(4.15-17), e pelo modo como a carta é finalizada (4.18).
A menção de tantos nomes de pessoas dentre os destinatários que ocorre em Colossenses 4.15-17 faz
parte do estilo de Paulo. Quando ele conhecia uma comunidade, como a de Éfeso ou de Corinto, ele não
poderia fazer uma extensa menção de nomes, pelo tamanho da mesma e pelo risco de ofender alguém
pela omissão. Mas no caso de comunidades que ele não conhecia, como Roma (Rm 1.11-13) e Colossos,
ele procura mencionar todos os nomes que ele conhece, aparentemente para fortalecer os laços que tinha
com aquela comunidade.
Esta é a explicação da lista de nomes que temos em Colossenses 4.15-17 (e também de Rm 16.3-16): faz
parte da política de boas relações públicas de Paulo ao escrever a uma igreja que ele não conhecia. Os
nomes são os de Ninfa (4.15) e Arquipo, provavelmente filho de Filemom e Áfia e obreiro da igreja (4.17;
Fm 2). Os grupos mencionados são: os irmãos de Laodicéia (4.15) e a igreja que se reúne na casa de
Ninfa (4.15). Se Ninfa era homem ou mulher, há grande dificuldade de decisão baseada em incerteza dos
manuscritos antigos.
Vários companheiros de Paulo são citados em Colossenses. A extensa lista é dividida entre judeus e
gentios. É possível que tal indicação de que havia os dois tipos de obreiros trabalhando com Paulo fosse
importante para vencer qualquer tipo de barreira levantada pelos hereges em Colossos. Com esta lista eles
não poderiam acusar Paulo de preconceito contra nenhum povo. Os nomes são: Aristarco (At 19.29; 20.4;
27.2; Cl 4.10; Fm 24), Marcos designado primo de Barnabé (At 12.12,25; 15.37,39; Cl 4.10; Fm 24; 2 Tm
4.11; 1 Pe 5.13), Jesus chamado Justo (4.11), Epafras (já citado), Lucas (4.12; Fm 24; 2 Tm 4.11; talvez
em Rm 16.21), Demas (4.12; Fm 24; 2 Tm 4.10).
O argumento da carta é dividido em duas partes. Na primeira, Paulo faz uma exposição da superioridade e
Divindade de Jesus, negando os falsos conceitos disseminados pelos hereges (capítulos 1-2). Na segunda
parte, ele enfatiza o senhorio de Cristo, mostrando que os discípulos devem viver em obediência a Jesus
como Senhor (capítulos 3-4).
O alvo de Paulo é o de ensinar aos Colossenses que Cristo é suficiente, e que eles não precisam recorrer a
filosofias, anjos, seres espirituais e a qualquer outra coisa para serem cristãos amadurecidos. Cristo é
suficiente!
Um esboço simples que leva em conta o tipo de material em cada parte da carta seria o seguinte:
I. Material introdutório (1.1-13)
II. Material doutrinário (1.13-2.3)
III. Material polêmico (2.4-3.4)
IV. Material parenético (3.5-4.6)
V. Material pessoal (4.7-18)

324
Tecnicamente: liturgia batismal.
325
Esta não é a única epístola de Paulo com poucas citações do Velho Testamento.

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Um esboço que leva em conta a análise retórica da carta:


1.1-11 I. EXORDIUM
1-2 A. Autoria, destinatários e saudação [Pré-escrito epistolar]
3-8 B. Ação de graças [poesia]
9-11 C. Intercessão [poesia]
1.12-23 II. NARRATIO [motivos para as ações de graça]
12-20 A. A lembrança do batismo
12-14 1. Nós: o que nos tornamos. [citação de poesia]
15-20 2. Ele: o que ele é. [citação de poesia]
21-23 B. A lembrança da mudança. [uso/citação do modelo “antes/agora”]
1.24-2.7 III. PROPOSITIO [tese]
1.24-2.3 A. A tese em forma de narrativa (narratio): o ministério de Paulo e a vida deles.
1.24-29 1. O ministério de Paulo para com todos
2.1-3 2. O ministério de Paulo para com eles
2.4-5 B. A tese em forma de negação: não ser enganado.
2.6-7 C. A tese em forma de afirmação: valorização do ensino tradicional sobre Jesus.
2.8-3.4 IV. PROBATIO et REFUTATIO [as provas e a polêmica contra heresia]
2.8 A. Reafirmação da tese
2.9-15 B. Provas = a suficiência de Cristo e sua obra [citação de poesia]
2.9-10 1. A plenitude de Cristo
2.11-13 2. O nosso batismo nele
2.14-15 3. A vitória sobre dogmas e demônios
2.16-3.4 C. Refutação: “ contra ‘espíritos e leis’ ”
2.16-17 4. As sombras contra “o corpo de Cristo” [contra leis]
2.18-19 5. Os anjos contra “o Cabeça do Corpo” [contra espíritos]
2.20-23 6. Argumento da morte [batismo]
3.1-4 7. Argumento da ressurreição [batismo]
3.5-4.1 V. EXORTATIO
3.5-11 A. O abandono do pecado
3.5-6 1. Catálogo de vícios
3.7-11 2. Mudança [modelo “antes/agora” & catálogo de vícios]
3.12-4.6 B. O revestimento da virtude
3.12 3. Catálogo de virtudes
3.13-15 4. Parênese cristã [lista de conselhos]
3.16-17 5. Lugar comum cristão: A apropriação da Palavra de Deus
3.18-4.1 6. “Tábua de deveres domésticos” [Haustafel]
4.2-6 7. Lugar comum cristão: A pregação da Palavra de Deus
4.7-18 VI. PERORATIO [pós-escrito epistolar]
7-9 A. Portadores [dão mais informação – interpretam a carta]
10-17 B. Saudações pessoais
10-14 1. Saudações dos obreiros [reforçam a tese e o e;qoj de Epafras]
15-17 2. Saudações para as igrejas [reforçam a tese e o e;qoj de Arquipo]
18 C. Saudação final
EXPLICAÇÃO: O exordium procura ganhar o favor da audiência. O narratio funciona assentando uma
base de circunstâncias e explicações sobre as quais as ações e a perspectiva do escritor busca se projetar.
O propositio é a exposição da tese ou da intenção principal do autor. O probatio ou argumentatio trata da
doutrina e da refutação do erro. O exortatio convida para a vida cristã conseqüente. O peroratio fornece
um apelo final aos leitores.

1TESSALONICENSES
1Tessalonicenses foi escrita entre 51-52 d.C. Paulo estava em Corinto (Atos 17.14-16; 18.1-5; 1Ts 3.1).
Trata-se de um dos primeiros escritos de Paulo, talvez posterior apenas a Gálatas. A estada de Paulo em
Corinto é datada pela presença de Gálio, cerca do ano 51 AD (At 18.12).
Paulo iniciou a igreja em Tessalônica em Atos 17.1-9, e saiu da cidade em época de grande oposição.
Trabalhou lá ajudado por sustento financeiro dos filipenses (Fp 4.16).
Uma leitura cuidadosa de Atos 17-18 e de 1Tessalonicenses mostra todos os movimentos de Paulo, Silas,
Lucas e Timóteo. O livro de Atos resume e omite alguns detalhes.

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TEXTOS EVENTOS LOCAIS


Atos 16.19-24 // Paulo preso em Filipos onde sofreu perseguição. FILIPOS
1Ts 2.1-2
Atos 17.1-3 Paulo em Tessalônica. Pregou na sinagoga para judeus, TESSALÔNICA
Atos 17.4 tementes a Deus e mulheres. Foram acusados de ter “outro
Atos 17.7 rei” e perseguidos.
SILAS/SILVANO E TIMÓTEO FICAM EM
TESSALÔNICA
Atos 17.10 Paulo vai para Beréia. Nova perseguição dos judeus de BERÉIA
Atos 17.13 Tessalônica.
1Ts 3.1-6 TIMÓTEO CHEGA E É ENVIADO DE NOVO PARA
TESSALÔNICA
Atos 17.14-15 Paulo vai para Atenas e manda chamar os obreiros que estão ATENAS
na Macedônia.
Atos 18.1-4,11 Paulo chega em Corinto. Os obreiros chegam com dinheiro de CORINTO
Tessalônica e da Macedônia?
PAULO ESCREVE AS DUAS CARTAS

A conversão dos tessalonicenses teve boa divulgação e serviu como modelo de conversão para outros
(1.8). A igreja em Tessalônica receberia pressões do ambiente pagão em dois setores interligados. (i)
Primeiro, eles seriam sempre constrangidos a participar do culto ao Imperador, que era a religião que
mais crescia no Império. (ii) Em segundo lugar, todos esperavam que eles participassem das adulações e
bajulações dos ricos patronos, no propósito de obter ajuda e sustento sem trabalhar muito.
O objetivo de 1Tessalonicenses era incentivar os cristãos de Tessalônica a ficarem firmes na fé apesar das
perseguições causadas pelo culto ao imperador. Também visava corrigir erros dos irmãos sobre a questão
da volta de Cristo. E ainda corrigir o comportamento clientelista dos novos convertidos. Ao invés de ficar
cuidando da vida e dos negócios dos patronos, eles deviam cuidar da própria vida. Não deviam viver sem
trabalhar, às custas dos patronos. Os cristãos são incentivados a trabalhar para si e para ajudar os outros e
não ficarem cuidando dos negócios dos outros, mesmo que fossem seus antigos ou atuais patronos.
A segunda carta para esta igreja voltará a tratar tanto da questão da volta de Jesus como da questão da
acomodação no clientelismo.
Trata-se de uma carta cheia de esperança e incentivo à fidelidade em meio à oposição. As cartas aos
Tessalonicenses são as cartas que, proporcionalmente, mais falam da volta de Cristo. Demonstram a
procuração espiritual de Paulo com as igrejas recém estabelecidas e com o crescimento espiritual de cada
cristão. Estas cartas são dirigidas a uma comunidade nova na fé. Para animar e confortar a igreja, Paulo
usa a linguagem de ensino e consolação da época, divulgada pelos filósofos populares. Contudo, sua
pregação e conduta é diferente da daqueles. Paulo não prega por dinheiro ou vantagens, mas por amor.
No passado, alguns eruditos pensavam que as cartas eram para igrejas diferentes, talvez uma gentílica
(1Ts) e outro judaica (2Ts). Contra ambas as teorias está a abertura da carta que trata a igreja como um
grupo só.
Outra questão levantada por alguns é que 2Tessalonicenses podia ser a primeira carta enviada, mas por
ser menor, foi colocada depois e acabou “virando” a segunda carta. Em resposta a isto é necessário
lembrar que a segunda epístola parece estar fazendo referencia à primeira (2Ts 2.15; 3,17). Também note
que 1Tessalonicenses faz menção das primeiras notícias recebidas da igreja, e por isto, esta carta e deve
ser a primeira (1Ts 2.17-3.10).
Logo, a ordem canônica das epístolas não tem que ser desafiada.
O modo como Paulo trabalhou com os tessalonicenses é um exemplo de dedicação e cuidado pastoral. A
primeira carta que ele escreveu mostra que em seu ministério, tomou todos os cuidados para preservar a
saúde espiritual da igreja e dos novos convertidos. Seus sofrimentos pelo evangelho tornam-se um
modelo para o sofrimento que a igreja terá de enfrentar (2.1-2; 3.3-4). O fato de não exigir sustento da
igreja, mas de trabalhar por conta própria e ainda assim pregar o evangelho será corretivo para aqueles
que queriam ser sustentados pela igreja e viver sem trabalhar (2.5-9; 4.11-12). O fato de preocupar-se
com a fé dos irmãos levou-o a enviar vários obreiros para aquele local e manter-se em oração em favor
deles (2.17-3.10). A leitura destes fatos mostra como devemos agir dentro da igreja de Deus, no cuidado
com os novos convertidos.

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Os conselhos de Paulo a esta igreja exemplar (1.7) mostram como deve viver a igreja de Deus em todos
os tempos.
1. Os cristãos devem manifestar santidade na vida sexual, reservando o exercício da mesma para o
casamento. Deus é o juiz nesta questão (4.1-8).
2. Os cristãos devem viver em amor fraternal, mas não devem abusar ou ser abusados nesta questão.
Amor fraternal não nos permite viver como desocupados à custa da irmandade (4.9-12). Naquele tempo, o
clientelismo era uma forma de vida: ficar vivendo às custas de um patrono rico que manipulava os pobres
dando-lhes o suficiente para viver mas não o bastante para se tornarem independentes.
3. Os cristãos, crendo na ressurreição final com Cristo, vivem consolados e animados pela segunda vinda
de Jesus. Tal fato nos dá forca para viver de modo disciplinado no presente sem ter que ceder aos poderes
opressores sejam eles ligados ao culto ao Imperador ou não (4.13-5.11).
4. Uma forma de manter a fidelidade é a vida em comunidade (5.12-22).
Um esboço simples de 1Tessalonicenses seria:
1-3 – I. O ministério de cuidado apostólico no passado
4-5 – II. A prática do cuidado apostólico no presente

Um esboço de 1Tessalonicenses por meio da análise retórica seria:


1.1-20 I. EXORDIUM
1 A. Autoria, destinatários e saudação
[Pré-escrito epistolar]
2-10 B. Ação de graças
2.1-3.10 II. NARRATIO [mais ações de graça]
2.1-12 1. O cuidado pastoral de Paulo
2.13-16 2. A acolhida dos Tessalonicenses
2.17-3.10 3. A continuidade do cuidado pastoral de Paulo
3.11-13 III. PARTITIO [divisão de assuntos a serem tratados]
1. Amor fraternal
2. Firmeza na fé
3. Volta de Jesus
4.1-5.22 IV. PROBATIO et REFUTATIO [as provas, ensino e polêmica]
4.1-8 A. Sexualidade
4.9-12 B. Fraternidade, benevolência e clientelismo
4.13-5.11 C. A volta de Jesus
5.12-22 D. Conselhos gerais para a comunidade
5.23-27 V. PERORATIO
[ com pós-escrito epistolar]
23-24 A. Oração
25-27 B. Pedidos finais
28 C. Bênção final

2TESSALONICENSES
Esta segunda carta aos Tessalonicenses deve ter sido escrita logo após o envio da primeira. Paulo ainda
deveria estar em Corinto com seus companheiros (1.1). A data seria ao redor de 52 d.C. Há quem postule
que 2Tessalonicenses fosse anterior a 1Tessalonicenses, mas tal teoria tem pouca aceitação. Também
existem aqueles que imaginam que são cartas para diferentes igrejas, uma judaica (2Ts) e uma grega
(1Ts). Nenhuma destas teorias vai muito longe quando lemos as cartas.
A situação desde a redação da primeira carta não mudou muito. Os cristãos continuavam a ser
perseguidos (1.4-7). Havia novas dificuldades em entender a volta de Cristo (2). Eles achavam que suas
perseguições eram sinal evidente de que o fim estava próximo.

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Paulo irá mostrar que “coisas maiores” ainda estavam para ocorrer e que os problemas deles com os
perseguidores ainda não tinha atingido a grande apostasia e nem havia aparecido o grande inimigo do
povo de Deus – os Imperadores que exigiam adoração ostensiva, como Domiciano.
Também havia irmãos que não obedeceram o recado de Paulo em 1 Tessalonicenses 4.10-12, mas
estavam vivendo às custas dos patronos, abusando do costume do clientelismo antigo e deixando de ser
uma fonte de bem para tornar-se, apenas, alguém que quer receber o bem.
O texto de 2 Ts 2.2 juntamente com 3.17 tem dado a entender que a igreja teria recebido cartas falsas,
como se escritas por Paulo. Isto não é conclusivo. O certo é que havia falso ensino (2.2) que seria
corrigido.
2Tessalonicenses é uma das cartas mais simples de Paulo, contudo, com temas e assuntos que se tornaram
grandes mistérios na história da interpretação bíblica.
A carta continua como alvo da primeira carta: animar os irmãos em meio aos problemas e tribulações que
enfrentavam por causa da fé em Jesus. O culto ao Imperador era a religião mais crescente da época e os
cristãos já passavam por problemas com ela.
O texto de 2Tessalonicenses 2.1-12 é um dos mais difíceis da Bíblia. A interpretação dele e dos
personagens e eventos envolvidos é extremamente debatida.
Apesar deste fato o sentido geral da carta não fica prejudicado. O que Paulo tenta mostrar ao dizer que
ainda viriam “o iníquo”, “a apostasia” é que as coisas ainda iam piorar! Os problemas locais não eram
indicação certa de um evento universal.
É um costume humano universalizar nossa experiência e dificuldade pessoal. Isto, contudo, não era
verdade. Os tessalonicenses (e nós) deviam esperam que coisas maiores ocorressem no futuro.
O objetivo da carta era o de corrigir (i) erros com respeito à volta de Jesus e também (ii) erros de
comportamento de alguns irmãos em Cristo.
(i) Eles precisavam encarar o fato que suas dificuldades e percepções sobre o crescimento do mal no seu
ambiente social não determinavam a volta de Jesus. A situação deles não era a que determinava tudo no
plano de Deus e que outras coisas ainda iriam ocorrer antes do fim.
(ii) A primeira carta tinha sido mal compreendida ou a situação não foi resolvida com delicadeza e agora
Paulo teria que falar de modo mais claro.
Um esboço simples desta carta seria:
I. Agradecimentos e exortação: a vinda do Senhor (1.1-2.12)
II. Agradecimento e exortação: a vida em santidade (2.13-3.5)
III. Os mandamentos e conclusão: a vida sem clientelismo (3.6-18)

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UMA OPÇÃO ALÉM DA INTERPRETAÇÃO “TRADICIONAL” DE


1&2TESSALONICENSES326

INTERPRETAÇÃO TRADICIONAL E INTERPRETAÇÃO PELA CULTURA ANTIGA


MODERNA
Imagina coisas conforme a possibilidade da Leva em conta o sistema social e cultural do Mundo
ocorrência nas igrejas e comunidades de hoje. Mediterâneo Antigo
O raciocínio seria o seguinte: Contrariamente ao pensamento anterior, Paulo estaria
tratando de outro assunto:
1. “CRISTO VOLTARÁ” – a suposição é que 1. O SISTEMA DO PATRONADO ANTIGO:
esta crença era central e estava causando um PATRÃO/CLIENTE – não há nada no texto que ligue
distúrbio na igreja, por parte de alguns. a questão do “andar desordenadamente” com os
ensinos sobre a segunda vinda de Jesus. Esta ligação é
feita modernamente, usando isto como explicação para
os que “pararam de trabalhar”. Contudo, o texto não
faz tal ligação. O que havia era o sistema de Patronos
(ricos) que ajudavam e até certo ponto sustentavam
seus “clientes”.
2. DIFICULDADES – a ardente expectativa era 2. DIFICULDADES – ficar ligado a um patrão não
que Cristo voltaria imediatamente e que logo cristão poderia acarretar problemas éticos e religiosos.
tudo estaria acabado neste mundo Um cristão não deveria adorar o Imperador, mesmo
que seu Patrono o fizesse. Também alguns negócios e
ações do patronos talvez não fossem aprovadas para
cristãos, logo o problema era o relacionamento com os
patronos como forma de dependência.
3. PARARAM DE TRABALHAR – a 3. VOLTARAM AO CLIENTELISMO – os que
suposição é que os que “andam “pararam de trabalhar”, na verdade, estavam voltando
desordenadamente” são pessoas que levaram para o clientelismo, ou seja, para o “mendigar diário”
tão a sério o fato da volta de Jesus que na casa do patrono. Se os patronos fossem cristãos, o
decidiram parar de trabalhar: acabaram sendo inconveniente seria o mesmo.
um peso para a igreja e para os outros.
4. INTROMETIDOS – esta acusação decorreria 4. FICARAM “CUIDANDO” DAS COISAS DO
do fato que eles não trabalham, vivem da ajuda PATRÃO – ou seja, o que esperava de um cliente é
dos irmãos e da igreja e, logo, tem tempo de que visitasse o patrão/patrono todos os dias pela
sobra para ficar se intrometendo na vida dos manhã e ficasse a disposição dele para acompanhá-lo
outros. ao Fórum ou a qualquer evento que fosse necessário
ostentar o poder do patrono. Estes cristãos tornaram-se
inúteis pois só cuidavam da vida dos outros, ou seja,
do patrão.
5. CONSELHO DE PAULO: TRABALHAR 5. CONSELHO DE PAULO: TRABALHAR PARA
PARA SI MESMO – ou seja, “se não trabalha, AJUDAR OUTROS – isto seria revolucionário! No
não deve comer”, ou em linguagem mais mundo antigo os ricos são os “benfeitores” (Lc 22.25)
moderna, “a benevolência da igreja não deve e os pobres não poderiam ter tal função, mas apenas
ser usada para irmãos aproveitadores que não esperar o favor daqueles. O conselho de Paulo é que
querem trabalhar”. cada um tenha recursos para si e para ajudar os outros.
Desta forma, o patronato e clientelismo, que
estimulavam uma forma de relacionamento desigual,
opressor e, também, interesseiro, seria substituído pelo
serviço mútuo e feito por todos, na medida da
possibilidade de cada um.
Resumo: a interpretação tradicional das cartas Resumo: esta interpretação que leva em conta os
cria uma situação de expectativa sobre a volta costumes da cultura, mostra que “deixar de trabalhar”
de Jesus como raiz do problema da vadiagem e era um costume aceito dentro do sistema de Patronato
ociosidade. e Clientelismo vigente e aceito por todos. Os cristãos,
Toda esta reconstrução é altamente hipotética. contudo, são convidados a viver num nível superior de
serviço a demonstração de amor.

326
Uso abundantemente as idéias de Bruce W. Winter, Seek de Welfare of the City: Christians as benefactors and citizens,
(First-Century Christians in the Graeco-Roman World). Grand Rapids: W. B. Eerdmanns, 1994, pág. 41-60 [este capítulo está
resumido adiante, nesta apostila].

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PATRONATO E CLIENTELISMO NO MUNDO DO NOVO TESTAMENTO327

O patrão ou patrono é rico e ajuda seus clientes. Ele não ajuda muito, pois se eles ficarem
independentes, ele perderia o controle sobre eles. Ele dá uma “migalha” por dia, ou de tempos em tempos.
Assim, ele mantem todos na “rédea curta”. Ele oferece ajuda, comida, dinherio e até apoio para seus
clientes. A doação diária de alimento ou dinheiro era denominadada de sportula e a visita diária chamava-
se obsequium. Estes por sua vez precisam ser gratos e fiéis, dando honra para seu patrão/patrono. Embora
o patrono controle um pouco a vida de seus clientes, eles recebem ajuda dele, pois sem esta ajuda
estariam desprotegidos diante de outros poderosos. Os clientes podem ser oriundos de várias situações.
Um tipo muito comum de cliente são os libertos, ou seja, escravos que, na idade madura ou mais
avançada foram “libertados” por seu senhor, mas ainda deviam muito a ele, e, por esta causa, continuvam
dependentes dele e da casa (família) dele. Eles ainda eram obrigados a prestar serviços gratuitos (operae)
para seus antigos mestres. Também os filósofos, professores e artistas em geral poderiam ser clientes dos
ricos – estes seriam como que “mecenas” deles, patrocinando seu ofício e desfrutando dele. Também
muitos outros associavam-se a um senhor, por meio de outros ou por iniciativa própria, conseguindo
assim, desfrutar dos benefícios da proteção do senhor, e oferecendo “fidelidade” (fides) e “gratidão”, para
ampliar a honra de seus senhores. A falta de gratidão ou de fidelidade para com o patrão/patrono é uma
falta gravíssima.
Assim, a discussão nas Epístolas aos Tessalonicenses diz mais respeito ao abuso e mau uso do
clientelismo do que qualquer ideia de uma excitação pela volta de Jesus que impelisse pessoas à
vagabundagem.

327
Um bom resumo está em LAMPE, Peter. Paulo, os patronos e os clientes in SAMPLEY, J. Paul (org.). Paulo no Mundo Greco-
Romano: um compêndio. São Paulo: Paulus, 2008, p. 429-457. Em um ponto ou outro, Lampe faz afirmações que aparentam
pouco apoio do NT, como por exemplo, a ideia que as ofertas que ele levou a Jerusalém teriam sido rejeitadas pela igreja. Apesar de
pequenos pontos como este, o capítulo é utilíssimo.

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LIÇÕES PARA NOSSOS TEMPOS


Esta leitura de 1&2Tessalonicenses no contexto cultural e social do patronato e clientelismo do mundo
antigo nos ajudam a avaliar também a nossa época e usar o texto de Paulo, não apenas para “corrigir
irmãos que querem abusar da benevolência da igreja”, mas sobretudo, para mudar nosso ponto de vista
sobre como deve ser a igreja de Deus e qual o papel de cada cristão no uso de seus recursos e de sua
atividade econômica.
O primeiro quadro abaixo mostra como Paulo corrigiu sua cultura antiga na questão do patronato e
clientelismo e o segundo quadro mostra como podemos usar os mesmos princípios para corrigir nosso
mundo e cultura na questão do trabalho e dos bens.

O MUNDO GRECO-ROMANO A PROPOSTA DO EVANGELHO


Patronato-clientelismo = um relacionamento de Irmandade = um relacionamento que buscava a
desigualdade e desnível social comunhão e a diminuição dos desníveis sociais
Só os ricos podem ajudar os pobres Todos podem ajudar todos
Só os ricos são benfeitores Todos podem ser benfeitores
Os ricos ajudam para receber honra e serviços em Os cristãos ajudam por amor fraternal, conforme o
troca mandamento de Jesus
Os pobres tentam aproveitar o que os ricos dão Os cristãos, até mesmo os pobres, tentam não
depender de ninguém e, sempre que possível,
ajudar os outros
O valor supremo almejado pelos ricos é Honra O valor supremo praticado por todos é o Amor

Entendendo que esta foi a crítica que Paulo fez ao sistema de patronato e clientelismo nestes textos,
podemos também fazer uma análise da questão da riqueza e da posse do capital, dos bens de produção e
das propriedades em nosso mundo e também fazer, como Paulo, uma crítica libertadora por meio do
evangelho.

O MUNDO MODERNO E MUNDANO A PROPOSTA DO EVANGELHO


FICAR RICO é um dos sonhos mais acalentados TRABALHAR E AJUDAR é o alvo do esforço de
pelo mundo moderno. Nossas mitologias e nossos todos os cristãos. Talvez alguns fiquem ricos, mas
contos épicos versam sobre o rapaz pobre que se a maioria sempre vai trabalhar. Logo, nosso alvo
esforçou e tornou-se um grande empresário. [Este não depende de atingir o fim de uma jornada (a
alvo impede muita generosidade e beneficência, riqueza), mas de agir bem durante a jornada
pois o acúmulo dos bens é necessário para a (ajudando agora). O cristão não trabalha para ficar
consecução do alvo]. rico e nem fica rico para ajudar. Ele trabalha para
ajudar – se vai ficar rico ou não, isto não parece
importante. [Não se trata de uma re-edição da
“ética protestante” que subjaz o espírito do
capitalismo analisado por Max Weber, pois o que
se propõe não uma justificativa para o
enriquecimento, mas uma preocupação imediata
com a ajuda ao próximo].
SER PRÓSPERO é o alvo de toda a riqueza. Esta SER BENFEITOR é o alvo do cristão. O
prosperidade será manifesta pelo lazer, pelo acesso igualitarismo, a comunhão dos bens, a reversão das
à cultura, à saúde, à longevidade etc. Prosperidade injustiças econômicas, educacionais, sociais etc são
é um “estilo de vida” onde não basta ter o dinheiro o alvo da atividade econônica, fabril, comercial e
e poder desfrutar dele, mas, sobretudo, mostrar a cultural dos cristãos. Nosso alvo não é o desfrutar
todos o bem estar atingido por meio de símbolos de egoísta dos bens obtidos, mas o amor que
status, tais como automóveis, aparelhos, viagens compartilha com outros o que se obteve.
realizadas, roupas etc.
ESTAR BEM é o alvo final. FAZER O BEM é o alvo final

Assim, passamos de “clientes” a “benfeitores”. Aprendemos a não depender de outros, mas sim
aprendemos a revolucionar os padrões sociais opressores e interesseiros e, sobretudo, aprendemos a
resistir ao mundo.

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1TIMÓTEO
Esta carta deve ter sido escrita depois da libertação de Paulo da prisão mencionada em Atos 28 30-31. Os
dois anos mencionados foi o prazo que Paulo teve que aguardar para ser julgado. Como tal julgamento
não ocorreu, ele foi libertado por “decurso de prazo”, ou seja, o processo contra ele caducou.
Parece que Paulo retomou as atividades missionárias. Poderia ter ido à Espanha, mas não temos notícias
disto. Pelas Epístolas Pastorais, Paulo, agora, trabalhava de novo em Creta, Ásia e Macedônia.
Portanto, a data para a redação deve ser entre sua libertação de Roma e sua nova prisão. A data deve ficar
entre 63-64 d.C.
Paulo continuava a fazer trabalhos missionários, e deixou Timóteo em Éfeso quando ia para a Macedônia.
Percebe-se que há mais dificuldades com falsos mestres nas igrejas e a necessidade de bons presbitérios é
uma preocupação de Paulo. É possível que esta nova concentração de atividades de Paulo na Ásia tenha
ocorrido depois de sua estada na Espanha.
As cartas a Timóteo e Tito são chamadas de "Epístolas Pastorais" devido a sua preocupação com a vida
da igreja e o cuidado do rebanho. Também por serem cartas dirigidas a obreiros que realizariam trabalhos
pastorais. Contudo, é importante lembrar que Timóteo e Tito não eram bispos ou pastores, mas apenas
emissários apostólicos com missão definida e especifica. Logo eles deixariam o trabalho naquele local e
iriam para outro.
O livro tem vocabulário e estilo um pouco diferentes do resto dos escritos de Paulo. Isto se explica pela
diferença de público e assunto destas cartas. Também é possível imaginar que a curta estada de Paulo na
Espanha tivesse feito uma marca em seu vocabulário.
A carta é cheia de citações de hinos. confissões de fé da igreja e uso de fórmulas litúrgicas.
Um dos alvos do livro é citado em 1Timóteo 3.14-16: para ensinar como se deve agir na igreja de Deus,
como obreiro de Cristo. A carta seria um reforço ao ethos, o caráter, de Timóteo perante a igreja. O
ensino não seria novidade para Timóteo, mas afirmado por Paulo em carta a Timóteo e lida diante da
igreja, fortaleceria a atuação de Timóteo naqueles assuntos. A carta também é de incentivo e motivação a
Timóteo, em face dos problemas que ele iria enfrentar.
Um esboço da carta, pode ser:
I. O DEVER (1) Paulo lembra Timóteo das razões de sua estada em Éfeso e do modo
como atuar
II. O CULTO (2) Este capitulo fala sobre como dirigir o culto. Orações em favor de todos
feitas por todos os homens. Mulheres não dirigem os cultos.
III. OS OBREIROS (3) Os requisitos para ser bispos ou diáconos são dadas aqui
IV. A OBRA (4) Como fazer o trabalho espiritual e ajudar a igreja a ficar na verdade.
V. OS CONSELHOS (5-6) Como lidar com várias classes de pessoas na igreja, como tratar
com as viúvas, com os bispos, com os escravos e senhores e com os falsos mestres.
Também Timóteo e os ricos são ensinados.

As cartas de Paulo a Timóteo estão repletas de recomendações para assegurar a doutrina sadia (1.10; 6.3)
contra a doutrina doentia (6.4). A missão especifica de Timóteo era impedir a promoção de "outra
doutrina" (1.3). As profecias sobre falsos ensinos já estava se cumprindo (4.1-5), e era necessário ficar
pregando a verdade para salvar a si mesmo e aos ouvintes (4.16). Um cuidado a ser tomado nesta ocasião
era: cuidado com quem vai ser ordenado para o ministério (5.22-25). Os que queriam ganhar dinheiro
com a religião eram os mais propensos à falsa doutrina (6.3-10). Timóteo deveria cuidar de manter a
confissão de fé que fez (6.11-14), e não se envolver com o falso debate dos professores do erro (6.20-21).

2TIMÓTEO
Esta é a última carta de Paulo, escrita pouco antes de sua morte. Entre a redação de 1Timóteo e esta carta
passou-se pouco tempo. Apesar das cartas a Tito e a Filemom serem colocadas depois de 2Timóteo, elas
são anteriores.
A data de sua redação deve ser ao redor do ano 65 d.C. O martírio de Paulo é datado entre 64-67 d.C.

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Timóteo ainda estava em Éfeso. Paulo teria ido para a Macedônia (1Tm 1.3). Ele devia ter passado
anteriormente por Creta e deixado Tito lá (Tt 1.5). Passou por Éfeso e deixou Timóteo lá (1Tm 3.14).
Tinha passado por Mileto, ao sul de Éfeso (2Tm 4.20) e Trôade, ao norte de Éfeso (2Tm 4.13). Seu alvo
seria ir a Nicópolis (Tt 3.12). Se ele chegou até lá não sabemos, pois foi preso e levado a Roma (2Tm
1.17). A ordem exata da viagem é um pouco duvidosa, mas os pontos citados acima fazem parte do
roteiro.
Paulo sabe que não irá escapar desta prisão (2Tm 4.6-8). Apesar da morte iminente, há intenso
movimento de obreiros no fim do capitulo 4. Paulo continua um ministério muito vigoroso. Apesar disto,
muitos colegas de Paulo o haviam abandonado. No fim da vida, Paulo não teve todo o apoio que merecia
receber.
Este livro é uma espécie de “Testamento de Paulo”. Trata-se de seu "discurso de despedida”. Como uma
das “Epístolas Pastorais”, está repleta de citações de cânticos, confissões de fé, resumos de pregação, etc.
Uma frase que ocorre muitas vezes é “tu, porém...” , contrastando o comportamento de Timóteo com o
dos falsos mestres daquele tempo.
Um dos objetivos do livro é incentivar a vinda de Timóteo a Roma para encontra-se com Paulo (4.9).
Outro objetivo de mais longo alcance é o fortalecimento de Timóteo no ministério de pregação (1.6-7;
3.10-11; 4.5). Podemos imaginar que Timóteo estava um pouco abalado em sua disposição de trabalho,
ou que a prisão de Paulo desanimou-o. A carta procura fortalecer este obreiro.
O seguinte esboço fácil pode ser até guardado na memória:
I. GUARDE ISTO: O DEPOSITO. (1)
II. ENSINE ISTO: A VERDADE. (2)
III. RESISTA A ISTO: O ERRO. (3)
IV. PREGUE ISTO: A VERDADE. (4)

Duas listas de nomes acabam surgindo nesta carta. Os que não valem nada e os que valem o esforço de
Deus e dos obreiros. É bom notar que a lista fala de mais gente boa do que das pessoas más.
A LISTA DE DESONRA A LISTA DE HONRA
a. Figelo e Hermógenes 1.15 a. Lóide e Eunice 1.5
(Fugiram na hora dos problemas) (Mulheres que usaram seus lares para glorificar a
Cristo)
b. Himeneu e Fileto 1.17 b. Onesíforo 1.16-18
(Pregadores de falsas doutrina para agradar o (Amigo e irmão fiel até a morte)
publico)
c. Janes e Jambres 3.8-9 c. Lucas 4.11
(Mistificadores que tentam se opor à obra de Deus) (O amigo fiel e presente até o fim)
d. Demas 4.10 (Aquele que amou o mundo) d. Crescente, Tito e Tíquico 4.10,12
(Trabalhadores incansáveis)
e. Alexandre, o latoeiro 4.14 (Coração duro e e. Marcos 4.11(Um homem reabilitado e útil)
traiçoeiro)
f. Carpo 4.13
(Um cristão que promovia o trabalho missionário)
g. Grupo final 4.19-21
- Prisca e Áqüila = casal exemplar
- Casa de Onesíforo = lar de mártir
- Erasto = importante mas cristão
- Trófimo = obreiro acamado
- Êubulo, Prudente, Lino e Cláudia = cristãos
firmes de Roma

TITO
Esta carta foi escrita entre a redação das cartas a Timóteo. A data é similar a que foi proposta para 1
Timóteo: ao redor de 64 d.C. O local de redação da carta talvez seja a Ásia (2Tm 4.12-14).

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Tito é um cristão gentio, colega de Paulo, não mencionado em Atos, mas presente em quase toda a
carreira missionária de Paulo (Gl 2.1-3; 2Co 2.13; etc.). Uma teoria diz que ele era irmão de Lucas, e por
esta causa, seu nome não aparece no livro de Atos, embora ele esteja com Paulo muitas vezes.
Paulo havia deixado Timóteo na Macedônia (1Tm 1.3) e Tito na ilha de Creta (1.5). Ele continuou
fazendo várias viagens e pretendia encontrar Tito em Nicópolis (Tt 3.12). Se tal encontro aconteceu ou se
Paulo foi preso antes não sabemos. Mais tarde Tito será enviado para a Dalmácia (2Tm 4.10).
Esta menção de igrejas em Creta não aparece no livro de Atos, mostrando que o encarceramento de Paulo
no fim do livro resultou em sua libertação e em mais trabalhos posteriores como estes que aqui são
descritos.
Sua semelhança com 1Timóteo tanto em conteúdo como em objetivo são notáveis. É possível fazer uma
sinopse comparativa entre 1Timóteo e Tito. Os textos paralelos mais notórios são os que falam sobre as
qualificações dos presbíteros.
Como uma das "Epístolas Pastorais", o texto continua a citar doxologias, poesias, confissões de fé e
outros fragmentos da atividade espiritual da igreja antiga. A fórmula "Fiel é a Palavra" ocorre também
aqui (1Tm 1.5; 3.1; 4.9; 2Tm 2.11; Tt 3.8). Nesta carta ocorre uma surpreendente citação de Epimênides,
um poeta e sábio grego, chamando-o de profeta cretense (2.12).
A carta era um documento de apoio a Tito em seu trabalho num ambiente difícil como a ilha de Creta.
Tito devia promover a escolha de bispos nas igrejas da ilha, instruir sobre alguns pontos importantes da
doutrina e prática cristãs e depois ir ao encontro de Paulo em Nicópolis, sendo substituído em seu
trabalho por outros obreiros que Paulo enviaria para Creta.
A carta incentiva Tito a fazer tudo isto, ao mesmo tempo em que reforçava o apoio a Tito pela leitura
pública da carta de Paulo.
Um esboço de Tito:
I. Os obreiros (1)
II. A ação (2.1—3.11)
III. Os contatos (3.12-15)
Os cretenses tinham fama de ser terríveis. O verbo grego KRETIZEIN, formado do nome da ilha de Creta
(no grego, KRETE), significava “mentir e enganar” – tal era a má fama do povo da ilha. A carta de Paulo
a Tito, apesar de reconhecer a situação, apresenta como solução a este povo o programa de educação da
graça de Deus (2.11-3.8). A transformação esperada é tal que a transformação da sociedade seria algo
surpreendente. A carta é, portanto, um modelo de transformação social. Uma sociedade degenerada e
perdida pode modificar-se e ser restaurada pelo evangelho e pela graça salvadora. Os homens não podem
resolver seus problemas. Deus e sua graça sim, podem nos ajudar.
Nas Epistolas Pastorais, mas especialmente em Tito, os títulos que descrevem Deus Pai e Jesus Cristo são
misturados a ponto de um ser confundido com o outro. Tal procedimento é deliberado. Paulo tenta
mostrar a divindade de Jesus, atribuindo ao Pai e ao Filho os mesmos nomes:
Deus Pai é ...nosso Salvador [1.3; 2.10; 3.4].
Jesus Cristo também é ...nosso Salvador [1.4; 2.13; 3.6].
Tito 2.13 tem uma daquelas frases em que a divindade de Jesus fica claramente afirmada, pois Jesus é
chamado de “nosso grande Deus e Salvador Cristo Jesus”. Nesta frase, Paulo não está falando do Pai e do
Filho, mas apenas do Filho, ou seja, de Jesus e assim afirma a divindade plena de Jesus Cristo, pois ele
recebe o título de "grande Deus".

FILEMOM
Como "Epístolas da Prisão", Colossenses e Filemom devem ser datadas perto do ano 62, como as outras.
(Cl 4.3; Fm 1, 9, 10, 22, 23). Tíquico e Onésino viajaram juntos para a região de Colossos levando as
cartas e, talvez, também a carta aos Efésios (Cl 4.7-9; Fm 10-12; Ef 6.21-22).

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Paulo não conhecia pessoalmente as igrejas em Colossos, Hierápolis e Laodicéia (Cl 2.1-2), mas somente
por meio de Epafras (Cl 1.7; 4.12-13). Conhecia, contudo, alguns indivíduos: Filemom e família e talvez
Ninfa (Cl 4.15). Onésimo, escravo fugitivo, converteu-se a Cristo pela pregação de Paulo e agora
retornava ao seu dono, Onésimo.
As igrejas nesta região devem ter se originado durante a pregação de Paulo em Éfeso (Atos 19). Laodicéia
será citada no Apocalipse.
A carta a Filemom é quase uma carta pessoal, mas também inclui a igreja como destinatária (Fm 2).
Portanto, era uma carta pessoal com utilidade comunitária. Isto ensina sobre a dinâmica da vida cristã nas
igrejas nas casas. É impossível separar a vida pessoal da vida da igreja, já que se vive com integridade, ou
seja, a vida é uma só e toda ela dedicada a Jesus.
Filemom é uma carta de “reapresentação” de Onésimo. Ele saiu dali como escravo fugitivo que merecia a
morte e voltava agora como cristão, como irmão em Cristo de Filemom, seu dono. Paulo pede que haja o
tratamento adequado a Onésimo.
Um esboço simples da carta poderia ser:
I. Prefácio e saudação - 1-3
II. Ações de graça - 4-7
III. A defesa de Onésimo - 8-22
IV. Conclusão - 23-24

A carta de Paulo a Filemom é uma preciosidade da igreja antiga. Nesta carta, podemos ver os verdadeiros
bastidores da igreja de Deus.
Paulo escreve com toda a gentileza. Não se apresenta como apóstolo, mas como preso (Fm 1). Ele se
nivela com todos os citados no início da carta: Paulo, Timóteo, Filemom, Áfia, Arquipo e a igreja toda
(Fm 1-2). Não há hierarquia, não há superior ou inferior. Não há líder nem membro – só há irmãos. No
fim da carta, o mesmo uso de termos niveladores e de igualitarismo aparecem (Fm 23-24).
Mas Paulo queria pedir um favor a Filemom. Queria que ele perdoasse e aceitasse Onésimo, o escravo
fugitivo, de volta em casa, como irmão em Cristo.
Paulo faz isto, não pelo uso do poder, mas por um pedido de amor. Paulo está consciente que a sociedade
da época lhe dava certo poder sobre Filemom (Fm 8) mas escolhe pedir como amigo (Fm 9). Paulo
recusou usar a força da necessidade e preferiu pedir a boa vontade de Filemom (Fm 14). Paulo recusou o
domínio e o direito (Fm 19) confiando que a consagração é maior do que a obrigação (Fm 21).
Ou seja, este é um exemplo de como a igreja antiga escapou do uso do poder. O poder foi
“comungado”328. Os irmãos “davam o poder para os outros” e estes usavam para o bem e logo o
devolviam para os outros.
Paulo recusa usar poder sobre Filemom e o resultado é a igualdade, a fraternidade e, finalmente, a
liberdade. A carta a Filemom foi muito lida em épocas de questionamento sobre a escravidão, contudo, o
que precisa ser derrubado não é a escravatura, mas o desejo de ter poder sobre os outros.
O lema da Revolução Francesa, “Liberté, egualité, fraternité!” só se cumpre na igreja, ou em qualquer
lugar, quando recusamos o poder.

HEBREUS
AUTORIA
A Epístola aos Hebreus é como Melquisedeque: sem pai, sem mãe e sem genealogia. O autor não quis dar
ou colocar seu nome, embora fosse bem conhecido dos leitores como se percebe por todo o documento.
O título mais antigo é, simplesmente, AOS HEBREUS. Contudo, no papiro 46 (p46), que é datado como
sendo do Século III, ele já é adicionado à coleção paulina.

328
Como vai dizer Leonardo Boff, a igreja tornou-se uma ‘koinonia de poder’ –circulam os papéis e funções e não há élite. BOFF,
L. Igreja, Carisma e Poder. Lisboa: Ed. Inquérito, 1981, p. 170.

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A dificuldade de datar Hebreus é devida à dificuldade de saber quem foi seu autor humano. As sugestões
são: Paulo, Barnabé, Lucas, Apolo, Clemente [este autor tem extensos paralelos com Hebreus em sua
primeira epístola aos Coríntios – por outro lado Clemente interpreta e usa mal a carta e a teologia de
Hebreus] e outros329. Já dizia Orígenes, sobre o autor de Hebreus: “Só Deus sabe a verdade” [ ti,j de. o`
gra,yaj th.n evpistolh.n to. me.n avlhqe.j qeo.j oi=den ]330. A tradição sempre apostou em Paulo como autor.
A tradição considerou-a paulina por pelo menos 1200 anos: de 400-1600 AD. Nos séculos iniciais não
havia concordâncias sobre sua autoria, problema que levou alguns a não aceitarem este documento como
apostólico ou canônico. Depois da Reforma as dúvidas sobre a autoria paulina voltaram e se impuseram.
O autor parece não contar-se entre os apóstolos (2.3), coisa que impossibilitaria a autoria paulina (Gl
1.11-12).
A hipótese mais antiga da autoria acha-se em De pudicitia, 20, de Tertuliano (c. 200), em que
cita “uma epístola aos hebreus com o nome de Barnabé”. A própria carta deixa claro que o
escritor deve ter tido autoridade na igreja apostólica, um cristão hebreu intelectual, bom
conhecedor da Tanak. Barnabé cumpre esses pré-requisitos. Era judeu, da tribo sacerdotal de
Levi (At 4.36), tendo-se tornado amigo íntimo de Paulo depois que este se convertera. Sob a
orientação do Espírito Santo, a igreja de Antioquia comissionou Barnabé e Paulo para a obra de
evangelização e os enviou em uma primeira viagem missionária (At 13.1-4).
O outro candidato dos mais importantes para a autoria é Apolo, cujo nome foi proposto pela
primeira vez por Martinho Lutero, sendo hoje apoiado por muitos estudiosos. Apolo, alexandrino
de nascença, era também judeu cristão com notáveis capacidades intelectuais e oratórias. Lucas
informa que “Ele era homem culto e tinha grande conhecimento das Escrituras” (At 18.24).
Também sabemos que Apolo foi companheiro de Paulo nos primeiros anos da igreja de Corinto
(1Co 1.12; 3.4-6,22).331
Características do autor de Hebreus
O autor era homem (Hb 11.32) – no grego, há clara indicação de que o discurso é feito por alguém do
sexo masculino.
Ele não se inclui entre os apóstolos (2.3) [embora este texto não seja um obstáculo intransponível para a
autoria do apóstolo Paulo] e parece ser conhecido pelos leitores: 13.18 = familiaridade; 13.23 =
conheciam Timóteo e sua situação; 10.32-34 = conhecia a situação do grupo; 5.11-6.1 = conhecia
problemas específicos do grupo; 6.9 = “amados” sugere cordialidade e, talvez, intimidade.
Sem dúvida, era um judeu, profundo conhecedor do Velho Testamento e dos rituais judaicos. Apesar
disto, ele usa e cita preferencialmente a Septuaginta (LXX), pois das 29 citações do Velho Testamento
que ele faz, só 3 não são da LXX.
O autor escreve com um estilo, vocabulário e raciocínio elevados. É o livro mais “erudito” de todo o
Novo Testamento.
Razões para rejeitar a autoria paulina de Hebreus
1. O autor não de diz apóstolo (2.3), embora seja possível interpretar que o autor fala somente dos
que viram o ministério terrestre de Jesus.
2. O autor não diz seu nome [Paulo sempre se identifica]
3. O autor tem um estilo e linguagem que parecem diferentes das de Paulo, embora este argumento
baseado em linguagem e estilo seja notoriamente equivocado. O método de citar o Velho Testamento é
diferente, mas não seria impossível de ver Paulo usando um estilo diferente neste documento.
a) Há quem diga que Paulo não chamaria Timóteo de “irmão” (13.23), mas de filho.
b) O uso do termo “melhor” que ocorre 13 vezes em Hebreus ocorre só 3 ou 4 vezes nos escritos de
Paulo (ocorre 2 vezes em Pedro).

329
Paul Ellingworth, alista 13 possíveis autores: 1.Paulo; 2.Clemente de Roma; 3.Lucas; 4.Barnabé; 5.Pedro; 6.Judas; 7.Estevão;
8.Filipe, o diácono (? sic.); 9.Aristão; 10.Priscila (e Áquila); 11.Maria, mãe de Jesus; 12.Epafras; 13. Apolo.
330
Citado por Phillip Schaff, History of Christian Church, [Vol 1., Apostolic Church], Hendrickson, Peabody, 1996 (original de
1858), pág. 818.
331
Biblia NVI de Estudo.

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4. O autor tem ênfases teológicas diferentes de Paulo, embora similares. Este ponto também é razão
de frequentes equívocos, pois a teologia de um autor não pode ser restrita aos documentos que ele
escreveu antes, pois a mudança de auditório e de problemas pode acionar e usar novas ideias teológicas.
Razões para apoiar a autoria paulina de Hebreus
As mais antigas tradições disponíveis favorecem a autoria de Paulo com poucas exceções:
a) Panteno, citado por Eusébio (H. E. 6.14.4) dizia que Paulo não colocou seu nome por modéstia –
ele era o apóstolo dos gentios e estava escrevendo para os judeus (hebreus).
b) Clemente de Alexandria afirmava que a carta era tradução de Lucas de uma obra de Paulo.
c) O papiro Chester Beatty [p46]coloca entre as cartas paulinas, logo após Romanos. Este papiro é
datado do Século II.
5. As ideias são compatíveis com a genialidade e a instrução do apóstolo dos gentios que tinha sido
o fariseu aluno de Gamaliel.
6. O fraseado e as expressões do capítulo 13 parecem com Paulo.
7. A semelhança de ideias importantes com a teologia paulina
§ Humilhação e exaltação de Cristo: 2.14-16 // Fp 2.5-11 + Ef 1.20-23
§ As duas alianças: 10.1ss // Cl 2.16-17 [sombra]
§ Apostasia e fracasso no VT: 4.1-2 // 2Co 10.1-11
§ O VT e o NT: 7.19 + 8.13 // 2Co 3.9-11
Razões para apoiar a autoria de Barnabé
Tertuliano, no Segundo Século, afirma que foi ele o autor. A Epístola aos Hebreus combina com a
descrição de Barnabé em Atos 4.36. Seu apelido é Filho da exortação e este livro chama a si mesmo de
“palavra de exortação” (Hb 13.22). Como um levita, ele conhecia o Velho Testamento muito bem e como
viveu em Chipre, tinha cultura grega. Conhecia os cristãos hebreus, na Palestina e em outros lugares e
podia estar escrevendo para eles, pois era um exortador (At 11.22, 24). Como ele trabalhou com Paulo,
pode ter compartilhado muita teologia com ele e dele (At 9.26-15.41) e conhecer Timóteo, citado em
Hebreus 13.
Contra Barnabé a autoria de Barnabé
Chipre, Alexandria, Cartago e outros locais relacionados não aceitavam tal atribuição de autoria. Segundo
Hebreus 2.3, o autor, aparentemente, não era dos primeiros da fé, que não se aplicaria a Barnabé.
Razões para apoiar a autoria de Apolo
Lutero sugeriu que fosse ele o autor. Apolo era eloquente, como a carta, profundo conhecedor do Velho
Testamento e recebeu educação em Alexandria, que é coerente com certas leituras em Hebreus. Ele
recebeu influência suficiente de Paulo para que a carta parecesse paulina e era conhecido nas igrejas (1Co
16.12; Tt 3.13)
Contra a autoria de Apolo
Trata-se de uma sugestão muito tardia. Nem em Alexandria isto foi aceito.
Razões para apoiar a autoria de Lucas
O estilo e composição apontam para ele. O discurso de Estevão de Atos 7 tem paralelos com Hebreus.
Contra a autoria de Lucas
Ele é um gentio (Cl 4.10-14) e a carta supõem alguém com grande conhecimento do judaísmo. Além
disto, tal ideia nunca teve aceitação. Um gentio “diminuindo o judaísmo” para elevar o cristianismo seria
menos persuasiva do que se o discurso fosse de um judeu.
DESTINATÁRIOS:
Também é difícil saber quem são os destinatários: Roma, Jerusalém, Palestina, Antioquia, Cesaréia,
Alexandria, Beréia, Galácia, Chipre, alguma cidade na Ásia Menor (Colossos, Éfeso...), etc. O título "Aos
Hebreus" é tradicional.

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A favor de Roma está a citação dos italianos em Hebreus 13.24. A favor de Alexandria está o raciocínio
quase alegórico e filosófico do texto. A favor de Jerusalém está a antiguidade do grupo (Hb 10.32; 12.4),
embora outros textos talvez mostrem que eles não eram a primeira igreja (Hb 2.3, 6.10).
Eram um grupo específico pois há dados específicos sobre eles e sua vida:
Despojados dos bens – Hb 10.33, 34
Generosos no passado – Hb 6.10
Antigos na fé – Hb 5.11-6.9
Detalhes pessoais – Hb 13.7ss
Guias na fé – Hb 13.7
Alguma ligação com a Itália – Hb 13.24
Conheciam Timóteo e sua condição – Hb 13.23
Na sua maioria eram “descendentes de Abraão” – Hb 2.16
Alguns já podiam ser mestres – Hb 5.12 e 10.25
Só Deus sabe com certeza quem foram os primeiros leitores.
A tentativa de dizer que havia judaizantes ou qualquer grupo de falsos mestres na comunidade, embora
citada ocasionalmente, não tem muito fundamento.
Fantasias sobre relacionamento deste grupo com a seita de Qumran ocorrem na literatura, mas como
sempre, tais teorias só se sustentam com base na ignorância completa que temos sobre os destinatários e
sobre a seita de Qumran.
A ideia que a obra foi escrita para um grupo sacerdotal (como os de Atos 6.7) é um chute.
DATA:
A data tem que ser antes da queda de Jerusalém (70 AD), pois se esta tivesse ocorrido, provavelmente
seria citada pelo autor. Além desta razão, o autor fala dos sacrifícios do templo judaico como se ainda
estivessem ocorrendo [tempo presente no grego]. Aceitaremos uma data ao redor do ano 65 AD. Assim
não eliminamos nenhum dos possíveis autores acima citados.
A igreja já tinha sido perseguida (10.32-34), não deviam voltar ao judaísmo (13.9-14), mas seguir seus
guias espirituais (13.7,17). O culto ao imperador, fortemente arraigado na cultura greco-romana, causava
constrangimento aos cristãos. Os judeus estavam livres deste culto, mas os outros tinham que participar.
O autor parece preso (13.19) e Timóteo também (13.23). Os italianos citados ajudam a pensar que a carta
foi escrita da Itália ou para a Itália (13.24). Neste caso, as teorias envolvendo Paulo e Roma ganham
vantagens sobre as outras.
A igreja é composta de pessoas antigas na fé (6.11-14). A segunda geração na fé (2.3). O autor era
conhecido dos destinatários.
A EPÍSTOLA
Hebreus começa como um tratado, transcorre como um sermão e termina como uma carta. A carta
tem linguagem, estilo e estrutura cuidadosamente elaborada.
Tratado: pelo modo como se inicia e discorre elegantemente sobre a superioridade de Jesus em todos os
aspetos importantes. Se fosse uma simples carta, teria no seu início os itens padronizados: autor,
destinatário, saudação, oração etc. Por outro lado, há que advogue a existência de um “estilo asiático” de
escrever epístolas, onde estes elementos iniciais não são escritos no texto – este seria o caso de 1João que,
é epístola mas foge ao padrão normalmente reconhecido.
Sermão: pelo fato do autor, de tempos em tempos, interromper seu raciocínio para dar conselhos,
exortações e encorajamentos. O texto chama-se de “palavra de exortação” (13.22) que é justamente o
modo de falar de um sermão judaico na sinagoga (At 13.17).
Epístola: pela forma como termina e mesmo pela forma de tratamento dos ouvintes durante o texto.
Lightfoot chega a dizer que Hebreus é uma Homilia Epistolar.
É o livro do Novo Testamento cuja linguagem mais se aproxima dos clássicos gregos e tem a mais
refinada retórica de seu tempo.
A leitura do livro exige um bom conhecimento do Velho Testamento. O autor trabalha com o Velho
Testamento ao estilo de certas escolas judaico-helenistas da época, mas com grande criatividade e
precisão. Por outro lado, o autor não toma liberdades filosóficas ou alegóricas com o texto como o
fizeram eruditos judaicos e cristãos.

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O livro coloca-se como "palavra de exortação" (13.22). O alvo é mostrar a superioridade de Cristo e do
cristianismo ao judaísmo. A tese do autor é que nada encoraja mais do que a visão da grandeza do
cristianismo.
“Hebreus podia também ser chamado “livro das coisas melhores”, visto que as duas palavras gregas
traduzidas por “melhor” e “superior” ocorrem 15 vezes na carta.”332
Os cristãos hebreus compunham uma "igreja cansada" e prestes a se desviar. A carta vai tentar impedir o
desvio pelo fortalecimento na fé e esperança.
O livro é eminentemente prático e, vez após vez, o autor faz digressões exortativas no seu discurso. É
uma palavra de ânimo (Hb 13.22).
Esboço:
TEMA: A SUPERIORIDADE DO CRISTIANISMO SOBRE O JUDAÍSMO
PROPÓSITO: A FIRMEZA NA FÉ EM CRISTO
I. A SUPERIORIDADE DE AGENTE
A. Cristo é superior aos profetas - 1.1-4
B. Cristo é superior aos anjos - 1.5-2.18
C. C. Cristo é superior a Moisés - 3.1-19
D. D. Cristo é superior a Josué - 4.1-16
E. E. Cristo é superior a Arão - 5.1-7.28
II. SUPERIORIDADE DE ALIANÇA
A. O cristianismo possui superiores promessas - 8.1-13
B. O cristianismo opera em superior santuário - 9.1-12
C. O cristianismo oferece superior sacrifício - 9.11-28
D. O cristianismo alcança superior resultado - 10.1-18
III. SUPERIORIDADE DE ATUAÇÃO
A. O cristão é superior na fidelidade - 10.19-39
B. O cristão é superior na fé e perseverança - 11.1-12.3
C. O cristão é superior na disciplina - 12.4-17
D. O cristão é superior no relacionamento com Deus - 12.18-29
E. O cristão é superior no relacionamento com os homens - 13.1-17
Encerramento: 13.18-25

CONCLUSÃO
As cartas paulinas nos mostram como um missionário cristão continuava a nutrir e cuidar das
comunidades cristãs, mesmo depois de muitos anos de sua formação.
As cartas paulinas para indivíduos também nos ajudam a ver como os cristãos antigos ser relacionavam
como ministros do evangelho e cooperadores da obra de Deus.
A carta aos Hebreus, mesmo com seus enigmas, ensina muito sobre o relacionamento do cristianismo
com o judaísmo, a religião da qual ele veio e para a qual ele, o cristianismo, quer ser o cumprimento e a
consumação.
Assim, nestas cartas, vivemos na prática o que Jesus viveu e ensinou em sua vida e ministério e que temos
registrado nos Evangelhos. Nas cartas vemos o que ocorria nas comunidades visitadas por apóstolos,
descritas no livro dos Atos. Assim, Evangelhos, Atos e Cartas formam um conjunto harmônico e
necessário para vivermos hoje o cristianismo de Jesus e seus seguidores.

332
Da NVI de Estudo.

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AULA 06 – AS CARTAS GERAIS I

INTRODUÇÃO
A teologia paulina e a riqueza do estudo dos Evangelhos fez com que os últimos livros do Novo
Testamento sempre recebessem menos atenção que os outros.
Alguns destes escritos, como 2Pedro, Judas e Apocalipse foram olhados com muita desconfiança pelos
antigos cristãos por suas referências a obras apócrifas ou pela linguagem simbólica exagerada.
Outros, como 2 e 3João foram questionados pelo seu tamanho e relevância para a igreja em toda parte.
Qual seria a razão para manter livros tão pequenos no Novo Testamento?
Estas cinco obras mencionadas acima (2Pe, 2&3Jo, Jd e Ap) estão entre as que tiveram maior dificuldade
de serem aceitas como canônicas pelas igrejas antigas. Alguns deles ainda não são aceitos por toda a
cristandade.333
Finalmente, para piorar o quadro, na Reforma Protestante, Lutero, numa declaração infeliz, afirmou que a
“a Epístola de Tiago é uma verdadeira epístola de palha, pois não é caracteristicamente evangélica”.334
Tudo isto não ajudou estes livros a receberem um tratamento adequado como Escritura Sagrada.335 Nos
séculos de cristianismo, eles receberam poucos comentários e estudos aprofundados. Quando comparados
com os grandes livros bíblicos, pode-se dizer que quase não receberam atenção.336
Um dado curioso é que o erudito anglo-saxão, Beda, o venerável, no Século VIII AD, escreveu seus
primeiros comentários das Escrituras tratando de Atos, Epístolas Gerais e Apocalipse. Esta escolha foi
feita, provavelmente, para suprir uma lacuna, pois os outros livros já tinham recebido bastante atenção em
tempos anteriores.337
SÍNTESE
Introdução às Cartas Gerais. Introdução especial às Epístolas de Tiago e 1Pedro.
DISCUSSÃO
As sete Cartas Gerais ou Epístolas Católicas ou Universais juntamente com o Livro de Apocalipse são o
fecho do Novo Testamento.
Claro que as igrejas que não seguem a teologia e a hierarquia romana não acham muito interessante usar a
frase “Epístolas Católicas” por dar uma impressão de aprovação ao sistema do Catolicismo Romano.
Contudo, o adjetivo “católico” vem do grego katholikos, kaqoliko,j, e significa “geral” ou “universal”. Os
adjetivos latinos generalis e universalis são traduções perfeitas do termo grego.338
Seriam cartas para toda a igreja em geral e não para igrejas específicas. Contudo, 2 e 3João são cartas
pessoais, dirigidas a pessoas e não se encaixam bem nesta designação de “cartas para todas as igrejas em
toda parte” que o termo “universal” quer significar. Também a carta de 1João tem destinatários definidos
embora não explícitos.339

333
A igreja siríaca, até hoje, não aceita 2Pedro, Judas, 2&3João e Apocalipse em seu cânon. Eles ficaram com apenas 22 livros, cifra
que relembra a antiga forma de dividir o Velho Testamento.
334
Lutero citado por HÖRSTER, Gerhard. Introdução e Síntese do Novo Testamento. Curitiba: Ed. Evangélica Esperança, 1993,
p. 155.
335
É interessante notar que a obra de KUMMEL, G. W. Síntese Teológica do Novo Testamento. 3a Ed. São Leopoldo: Sinodal,
1983, trabalha com 3 grandes fontes: Jesus, Paulo e João. Claro que este foi o caminho metodológico do autor, mas não deixa de
revelar que, os principais excluídos estão entre as Epístolas Gerais. Também observando LADD, George Eldon. ATheology of the
New Testament. Grand Rapids: Eerdmans, 1974, p. 588-632, reserva poucas páginas para a teologia de Tiago-Judas e Apocalipse.
336
HURST, David (Trad.). The Commentary on the Seven Catholic Epistles of Bede The Venerable. Kalamazoo: Cistercian
Publications, 1985, p. xv. Afirma que os comentários deste livro eram relativamente raros. Agostinho tinha produzido um
comentário de 1João, por causa de seus interesses doutrinários.
337
HURST, 1985, p. xv.
338
HALE, Broadus David. Introdução ao Estudo do Novo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2001, p. 359-360. Sigo este autor
neste parágrafo e nos próximos.
339
CRABTREE, A. R. Introdução ao Novo Testamento. 2a Ed. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista, 1952, p. 303. LOHSE,
Eduard. Introdução ao Novo Testamento. São Leopoldo: Sinodal, 1985, p. 210

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No Ocidente, elas também foram chamadas de epistolae canonicae, pois eram escritos que receberam
aceitação geral por terem sido escritas por apóstolos, segundo se cria.340
O primeiro a citar este termo foi Apolônio,341 designando uma carta geral ou destinada a todos. Dionísio
de Alexandria chega a chamar 1João de Carta Católica.342 Contudo, o primeiro a falar de “Sete Epístolas
Católicas” foi Eusébio de Cesareia.343
Esta predileção pelo número sete é influência do Apocalipse e foi sentida até mesmo nas cartas de
Paulo344. As cartas para as igrejas foram designadas cartas para Sete Igrejas: Roma, Corinto (1&2),
Galácia, Éfeso, Filipos, Colossos e Tessalônica (1&2). Assim, as nove cartas ficam dentro do “padrão
universal” de “sete igrejas”. Desta forma, as “Sete Epístolas Universais” também precisavam adquirir o
número de sete que simbolizava sua destinação geral e irrestrita.
Na igreja ocidental, pensando nos grupos católicos romanos, protestantes e evangélicos, estas cartas ficam
no fim do Novo Testamento, antes do Apocalipse. Esta ordem da Vulgata Latina influenciou todo o
Ocidente.345 O antigo fragmento manuscrito que fala de quase todo o Novo Testamento, o Cânon de
Muratori, segue a ordem Ocidental, colocando Paulo antes das Epístolas Gerais.346
Contudo, nas igrejas orientais, onde não se deu tanta primazia a Paulo347 e a Roma, as “Cartas Gerais”
vinham logo depois de Atos dos Apóstolos formando um grupo de oito livros chamados de praxapostoloi,
praxapo,stoloi. Colocadas antes das cartas paulinas, elas mostram a predileção da igreja oriental pelos
apóstolos do oriente.
As Sete Cartas Gerais representam o apostolado do Oriente enquanto Paulo representa o apostolado do
Ocidente.
Os grandes manuscritos do Novo Testamento: o Vaticano348, o Sinaítico, o Alexandrino, o Efraém (Séc.
IV e V) têm a seguinte ordem para o Novo Testamento: Evangelhos, Atos, Epístolas Gerais, Epistolas
Paulinas, Apocalipse.349 Esta é a ordem mais comum dos livros do Novo Testamento nestes manuscritos
mais antigos, sobretudos os maiúsculos, ou seja, os unciais.350

340
LOHSE, 1985, p. 211.
341
Eusébio. História Eclesiástica V.18.5
342
Eusébio. História Eclesiástica VII.25.7
343
Eusébio. História Eclesiástica II.23.24-25
344
KÜMMEL, W. G. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Paulinas [Paulus], 1982, p. 508: lembra que as cartas de Paulo,
com a inclusão de Hebreus, tornaram-se 7x2=14!
345
HALE, 2001, .p. 360; ROBERT, A.; FEUILLET, A. (Ed.s). Introdução à Bíblia: Tomo IV – Novo Testamento, Parte II –
Corpus Paulino... São Paulo: Herder, 1968, p. 173. Por algum motivo estranho HALE, 2001, p. 360 erra feio ao afirmar que o
manuscrito Sinaítico teria a seguinte ordem: Evangelhos, Epístolas Paulinas, Atos, Epístolas Gerais e Apocalipse. Nenhuma obra
confirmou isto e os textos críticos dão a ordem tradicional antiga: Evangelhos, Atos+Epístolas Gerais, Epístolas Paulinas e
Apocalipse.
346
Cânon Muratori In BETTENSON, H. Documentos da Igreja Cristã. 3a Ed. São Paulo: ASTE, 1998, p. 67-68, §48. Ver também
a ordem de Atanásio em KÜMMEL, 1982, p. 657.
347
Por incrível que pareça, a primazia de Paulo era a preferida do Ocidente por causa da carta aos Romanos. Em tempos antigos,
esta carta era uma prova da importância daquela igreja. E alguém perguntará: “Mas por qual razão os cristãos romanos não
exaltaram as cartas de Pedro, como cartas do primeiro papa?” Bem, embora Pedro fosse mais tarde, afirmado como o primeiro Papa,
nos tempos mais antigos ninguém tentaria provar a importância de Roma com um fato tão inseguro e sem qualquer prova. A única
carta do Novo Testamento escrita para o Ocidente é Romanos! Logo, o jeito de organizar o Novo Testamento nas Bíblias mais
antigas nunca defenderam uma posição de primado para Pedro, mas sim para a igreja de Roma. O ponto de apoio mais importante
para Roma não eram as cartas de Pedro, mas sim a carta de Paulo aos Romanos. Apesar disto, foi a leitura de cartas como Romanos
que deflagraram a Reforma contra a hierarquia e desvio doutrinário da igreja romana.
348
O Vaticano perdeu o seu fim de Hebreus 9.14 em diante.
349
METZGER, Bruce M. The Text of The New Testament: Its Transmission, Corruption and Restoration. 2nd Ed. New York:
Oxford University Press, 1968, p. 41-66: O Papiro Bodmer XVII [ p74 ] (Séc. VII): Atos, Tiago 1&2Pedro, 1,2&3João e Judas. O
Manuscrito 383 (XIII Séc.) tem: Atos, Epístolas Gerais e Epístolas Paulinas. O Codex Athous Laurae [ Y ], do Oitavo ou Nono
Século tem a seguinte ordem: Evangelhos, Atos, Epístolas Gerais (Pedro, Tiago, João e Judas), Epístolas Paulinas e Hebreus (sem
uma folha). Também o Codex Mosquensis [K] (Séc IX ou X): Atos, Epístolas Gerais, Epístolas Paulinas (incluindo Hebreus). O
Codex Porphyrianus [P] e o Codex Angelicus [L] (Séc. IX) também tem a ordem: Atos, Epístolas Gerais e Epístolas Paulinas. Os
manuscritos da chamada Família 1424 (IX ou X Séc.) tem a ordem: Evangelhos, Atos, Epístolas Gerais, Apocalipse, Epístolas
Paulinas. O Manuscrito 2344 (Séc. XI) tem: Atos, Cartas Gerais, Cartas Paulinas e Apocalipse.
350
KENYON, Frederic. Our Bible and The Ancient Manscripts. New York: Harper & Row, Publishers, 1958, p. 164. Ele
também afirma que o Codex Beza afirma a ordem antiga: Evangelhos, Atos, Cartas Gerais. KENYON, 1958 p. 209. NESTLE-
ALAND NOVUM TESTAMENTUM GRAECE, editione vicesima septima revisa. Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 2006, p.
690

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A ordem vem de Gálatas 2.9: “Tiago, Cefas e João”. Depois de todos, o não citado, Judas. Contudo, no
fim do Quarto Século, a influência crescente de Roma e o desejo de exaltar a figura de Pedro fez com que
surgisse a ordem: Pedro, João, Tiago e Judas.351
Estas sete cartas juntamente com o Apocalipse, que se dirige a sete igrejas, tem um tom e características
que os distinguiam dos outros grandes grupos de escritos do Novo Testamento, tais como as Cartas de
Paulo e os Evangelhos. Assim, foram agrupados e chegaram até nossos tempos como as “Epístolas
Gerais”.
Como veremos ao estudar cada uma delas, não são verdadeiras encíclicas, mas algumas delas têm
características que permitiriam acomodá-las nesta categoria. Uma destas características é a ausência de
referencias pessoais e locais na maioria destas cartas.352
Estrutura epistolar das Epístolas Gerais:

Carta: Tg 1Pe 2Pe 1Jo 2Jo 3Jo Jd

I) Abertura: 1.1a – Tiago servo 1.1a – Pedro, 1.1a – Simeão 1.1 - "nós" 1a – O Presbítero 1a – O Presbítero 1a - Judas, servo
Remetente(s): de Deus e de apóstolo de JC Pedro, servo & 2.1 - "eu" de JC, irmão de
Senhor JC apóstolo de JC Tiago

Destinatários: 1.1b – para as 12 1.1b-2a – para os 1.1b – aos que 1.1 - "para vocês" 1b-2 – para a 1b – ao amado 1b – aos
Para... tribos da exilados na receberam a fé 2.1 - "Meus Senhora Eleita e Gaio, a quem eu chamados e
Dispersão dispersão na Ásia para com Deus & filhinhos" seus filhos (uma amo na verdade amados de Deus
Menor Salvador JC igreja)

Saudação 1c - "Saudações" 1.2b - Graça & 1.2 - Graça & paz X 3 - Graça, X 2 - misericórdia,
(Fórmula: graça e paz) paz seja com no conhecimento misericórdia e paz paz e amor
vocês em de Deus e Jesus de Deus Pai & JC
abundancia Nosso Senhor

Ação de Graças X 1.3-12 – pelo X [1.1-4 – nós [4 – alegria de ver [2-4 – uma oração X
(ou Bênção) novo nascimento pregamos e vocês filhos andando na alegre por seus
para uma viva colheram verdade] filhos que andam
esperança comunhão e na verdade]
alegria]

II) Corpo da carta: 1.2-4 – considere 1.13-16 - "sejam 1.3-15 – [1.5-10 – ande na 5 – amem uns aos 5-8 – receba e 3 – apelo para
Inicio Exortação as dificuldades santos porque eu Testamento de luz, confesse os outros apoie os lutar pela fé
como alegria sou santo" Pedro pecados] missionários

Tese Afirmação [1.3 – o teste da 1.22-25 – vocês 1.16-21 – O 1.5-10 - Deus é 6 - amor é andar de X 4 – intrusos
fé produz foram purificados ensino cristão vem luz, Jesus acordo com os pervertem a graça
perseverança e e nasceram de de testemunhas purifica-nos do mandamentos de Deus e negam
maturidade novo oculares e do ES pecado Jesus

Discussão Teológica [esp. 2.14-26 - fé 1.17-4.19 – vocês 2.1-22 *** - 2.1--5.21 mistura. 7, 9 – negadores e X 5-19 ***–
sem obras é são raça eleita, punição para Deus é amor, anticristos negam julgamento dos
morta] sacerdócio real, falsos mestres; filhinhos de Deus Jesus infiéis e pecadores
nação santa, povo 3.3-18a - vs. anticristos
de Deus promessa & atraso
da vinda de Jesus

Admoestação Ética 1.5—5.12 – [esp. 2.11--3.12 - [disperso entre os 2.1--5.21 8 – estejam atentos e 11 – imitem o 20-23 –
muitos temas "tabua de deveres outros temas, esp. disperso. amor não percam o bom e não o mau edifiquem-se na fé
éticos: sobre o da família" & 2.10-22] uns aos outros galardão oração amor e
falar & sobre sofrimento] misericórdia
riquezas

III) Conclusão da carta: 5.13-20 – oração 5.1-10 – anciãos [3.15-16 – o X 10-11 – não receba 9-10 - problemas X
Assuntos Práticos & unção de devem ser entendimento falsos mestres com Diótrefes;
doentes; perdão de humildes e cuidar correto das cartas 12- recomenda
pecados do rebanho de Paulo] Demétrio

Saudações Individuais X 5.13-14a – a igreja X X 13 – a igreja irmã 15b – saúda os X


em “Babilônia” e envia saudações amigos nome por
“meu filho nome
Marcos” enviam
saudações.
Saúdem uns aos
outros

Pós-Escrito Pessoal X 5.12 – escrito pelo 3.1-2 – esta é [5.13 – Escrevo 12 – tinha mais a 13-14 - tinha mais X
irmão Silvano minha 2ª carta para os que creem dizer, mas espero a dizer, mas
para relembrá-los para que saibam visitá-los espero visitá-los
que têm a vida em breve
eterna]

Oração ou Doxologia X 5.11 - a Cristo 3.18b – ao Senhor [5.28 – evitem os X 15a - paz para 24-25 – a Deus,
seja o poder, e Salvador JC seja ídolos] vocês por Jesus, seja a
eternamente. a glória, agora e glória, majestade,
5.14b - paz a eternamente poder...
todos que estão
em Cristo

Carta: Tg 1Pe 2Pe 1Jo 2Jo 3Jo Jd

351
HALE, 2001, p. 360; ROBERT; FEUILLET, 1968, p. 173, afirmam que a ordem Pedro, João, Tiago e Judas afirma a “ordem de
precedência” dos autores.
352
SCHAFF, Philip. History of The Christian Church: Vol. 1. Peabody: Hendrickson, 1996, p. 742

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TIAGO
Tiago, irmão de Jesus, filho de José e Maria, irmão de Judas, um dos bispos da igreja de Jerusalém e o
autor deste livro que leva o seu nome.
Tiago, Iakobos, vIa,kwboj, é a forma grega do nome hebraico de Jacó, Iakov, vIa,kwb (nesta forma na
LXX). Tiago353 é um nome comum entre os judeus, equivalente a Giácomo, James, Jaimes (francês),
Iago, Jacobo e Jacó.
Há pelo menos quatro indivíduos no Novo Testamento que tem este nome: 1. Tiago, filho de Zebedeu,
um dos doze (Mc 1.19; 3.17), mas que não pode ser o autor desta carta por ter morrido muito cedo na
história da igreja (At 12.2) (morto em 44 A.D.); 2. Tiago, filho de Alfeu, outro apóstolo (Mc 3.18),
chamado de Tiago, o menor (Mc 15.40) irmão de um certo José. Ele também não parece ter sido o autor,
pois só é conhecido por poucas menções de seu nome. 3. Tiago, pai de Judas (não o Iscariotes).
Certamente não é o autor desta epístola, pois é apenas um nome citado nas listas dos doze (Lc 6.16; At
1.13) para diferenciar os dois Judas dentre os apóstolos. 4. Tiago, o irmão do Senhor, (Gl 1.19; Mc 6.3),
filho de José e Maria. Seus outros irmãos são: José (como o pai), Judas e Simão e mais irmãs cujos nomes
não conhecemos. Não acreditava em Jesus durante seu ministério terrestre (Jo 7.5; Mc 3.21,31-35), mas
recebeu uma visita do Cristo ressurreto (1Co 15.7) e por isto tornou-se discípulo de Jesus desde o começo
da igreja (Atos 1.14), foi dos primeiros presbíteros da igreja de Jerusalém (At 11.30; 12.17; 15.13), sendo
reputado como um dos “colunas” daquela igreja, cujo nome era mais importante do que o de Pedro e o de
João, embora estes fossem apóstolos (Gl 2.9). Provavelmente casado (1Co 9.5).
Era uma personalidade influente especialmente entre os judeus que haviam se convertido a Cristo, mas
que mantinham seus costumes judaicos (Gl 1.12). Tiago era um conservador em termos de judaísmo: era
chamado de “Tiago, o Justo” pelos próprios judeus não cristãos, conforme relata o historiador Eusébio de
Cesareia (História Eclesiástica, II.23.4-7). Flávio Josefo, historiador judeu na sua obra “Antiguidades dos
Judeus” XX.9.1,354 narra que a morte de Tiago, por alguns líderes judaicos em 62 A.D., desagradou os
mais piedosos moradores de Jerusalém. Todos os detalhes envolvendo sua morte são descritos por
Eusébio de Cesareia.355
Foi em vida um conciliador, tentando ser cristão sem negar sua herança cultural e religiosa judaica (At
21.18ss). Este é o Tiago mais famoso do Novo Testamento e o mais provável autor da carta que leva seu
nome. Seu irmão Judas, também irmão de Jesus identifica-se como “irmão de Tiago” (Jd 1), mostrando
assim o renome do irmão.
A teologia romana tentou identificar o Tiago, filho de Alfeu (#3) com o famoso Tiago, irmão do Senhor
(#4) na tentativa de salvaguardar o dogma posterior da virgindade perpétua de Maria. Jerônimo (séc. IV-
V) vai dizer que os “irmãos” de Jesus eram seus “primos”356 e Epifânio (séc. IV-V) vai dizer que eram
filhos de um casamento anterior de José. Helvídio (séc. IV), conforme a interpretação mais natural do
Novo Testamento já dizia que eram irmãos naturais, filhos de José e Maria.357
Como Tiago morreu em 62 A.D., a carta deve ter sido escrita antes deste evento. Por outro lado, a
ambientação da carta sugere uma data antiga, anterior à reunião da igreja de Jerusalém narrada em Atos
15, que ocorreu entre 48 e 49 A.D. Também, as igrejas da dispersão estavam maiores e mais fortes depois
de Atos 11, por volta de 45 A.D. Assim, a carta pode ter sido escrita entre 45 e 48 A. D. Isto combina
com as convulsões econômicas (fome em 46 A.D., At 11.28) e políticas na Judéia que acabariam
eclodindo na guerra de 66-70 A.D. contra Roma. A ausência de grandes discussões teológicas e
doutrinárias tem sugerido uma época primitiva da igreja, antes das controvérsias sobre a lei e a graça.
Os destinatários desta carta foram os cristãos de etnia judaica mas cultura helenista, dispersos fora da
Palestina no início da igreja. O local de reunião cristã é ainda chamado de “sinagoga” (2.2) mas eles se

353
O hebraico “Iakob” foi lido no grego “Iakobos”. O hebraico foi vertido para o português como “Iago” e a forma grega como
“Jacó”. Com a adição do epíteto “Santo” no nome “Iago” temos a contração “Sant’Iago” de onde vem o espanhol “Santiago” e o
português “São Tiago”. Cf. Nota dos Editores de Peter H. Davids, Novo Comentário Bíblico Contemporâneo: Tiago, São Paulo,
Editora Vida, 1997, pág. 15, nota de rodapé.
354
Na tradução portuguesa: JOSEFO, Flávio. Historia dos Hebreus: obra completa. Rio de Janeiro: CPAD, 1992, está em
Antiguidades dos Judeus XX.8.856, (p. 464). Em JOSEPHUS. Jewish Antiquities Book XX, Loeb Classical Libray 456,
Cambridge: Harvard University Press, 1965, p. 106-109: Jewish Antiquities, XX.197-203.
355
Eusébio de Cesareia. História Eclesiástica II.23
356
A palavra grega para primo é anepsios; para parente é syngenis. Nenhuma das duas é usada para descrever o relacionamento dos
irmãos de Jesus com ele. A palavra grega adelphos, irmão, é usada naturalmente para indicar que Jesus era o filho primogênito de
Maria (Lc 2.7), mas não o unigênito. Unigênito Jesus é em relação a Deus (Jo 1.18).
357
Sobre os “irmãos de Jesus” veja PESTANA, Álvaro Cesar. Sempre me Perguntam! 3a. Ed. São Paulo: Editora Vida Cristã,
2007, p. 293-295. Veja também HALE, 2001, p. 363.

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comportam como igreja de Jesus (5.14). Eles ainda eram todos judeus e, por esta causa, o uso de
sinagogas era normal. É bom lembrar que “sinagoga” era o local de reunião ou a própria reunião, mas não
era, sempre, um prédio exclusivo para uso religioso.
Ele chama seus destinatários de “as doze tribos na dispersão” (Tg 1.1). “As doze tribos” descreve o povo
de Israel como um todo (At 26.7) e nada tem a ver com as modernas concepções de “tribos perdidas”.
Elas são descritas como estando "na Dispersão". Dispersão ou Diáspora é termo oriundo de Dt 28.25
(LXX) vindo do verbo “espalhar”, em grego, diaspeiro, diaspei,rw. Historicamente, o povo de Israel
sofreu várias dispersões de modo que no tempo do Novo Testamento podia-se falar do povo na Palestina
e na Dispersão (Hebreus e Helenistas de Atos 6.1).
O judeu palestiniano falava aramaico e vivia geralmente da agricultura. O judeu da Diáspora vivia nas
cidades e exercia funções no comércio. Estes falavam grego no Ocidente, e aramaico e siríaco no Oriente.
O termo “dispersão” ocorre em sentido literal em João 7.35, referindo-se aos judeus fora da Terra
Prometida. Ocorre em um sentido cristão em 1Pedro 1.1, referindo-se aos cristãos, em sua maioria,
gentios, espalhados pelas províncias romanas que não desfrutavam de verdadeira cidadania local. O uso
que Tiago faz do termo parece referir-se aos cristãos judeus espalhados pelo mundo.
Há aqueles que insistem em tomar a carta como endereçada aos judeus dispersos, literalmente, sem a
necessidade destes serem ou não cristãos. Embora a terminologia usada no endereçamento permita tal
proposição, o conteúdo tem fortes indicações de que os leitores professam a fé cristã: Jesus é chamado
“Deus e Senhor” (1.1) e também de “Senhor da glória”, cujo “nome” é invocado sobre eles (2.7); eles
aguardam a vinda do Senhor (5.7-9) numa descrição claramente cristã. Eles ainda se reúnem em
sinagogas (2.2), mas agem como “assembléia” cristã (5.14).
Uma sugestão é que Tiago escrevesse aos irmãos dispersos (diaspei,rw) pela perseguição que sobreveio a
Estevão (At 8.1,4; 11.19). Eles eram seus antigos companheiros de congregação em Jerusalém e, agora
dispersos, receberam de Tiago uma carta de ânimo e exortação.
Assim, o grego usado na carta é elevado de acordo com a cultura e padrões vigentes na Dispersão,
embora a mentalidade seja da Palestina. Os portadores desta carta poderiam ser vários: i) Tiago poderia
ter enviado esta carta circular por meio de seus “representantes” que, pelo que notamos mais tarde,
visitavam livremente todas as igrejas (Gl 2.12 – veja que, neste caso, eles não foram os que criaram o
problema); ii) Outra forma de mandar estas cartas, seria aproveitar os peregrinos judeus que voltavam de
Jerusalém para suas cidades na dispersão – eles poderiam levar as cartas para as comunidades cristãs em
suas cidades358.
Eles teriam fugido de Jerusalém sem muitos recursos. Nos locais que chegavam, associavam-se aos
judeus locais, ocasionalmente ricos, que oprimiam os cristãos. Estes cristãos judeus, agora, eram
oprimidos por seus vizinhos judeus ricos se opunham à sua religião (2.6-7) e que também os oprimiam
economicamente (5.1-6).
Esta opressão estava fazendo com que alguns deles buscassem escapar da oposição por meio da bajulação
dos ricos (2.2-3) e por assumir o mundanismo, desejando ser como estes ricos (2.27; 4.4). Também estas
dificuldades estavam gerando um espírito crítico (4.11-12; 5.9) e de maledicência (3.1-12).
Talvez, o método de escapar desta condição, era fazer compromissos com estes ricos senhores que não
compartilhavam de sua fé. O resultado eram procedimentos mundanos, incompatíveis com a fé (4.1-4).
Necessitavam, portanto, mostrar mais coerência entre seu compromisso cristão e a vida prática diária.
Ligar-se aos ricos no sistema de clientelismo e patronato do mundo antigo iria causar dificuldades para os
cristãos fiéis. Tiago escreve para estes cristãos dispersos e oprimidos para que enfrentem estes ricos
opressores e não se contaminem com seu mundanismo.
Pensamentos sobre um presbítero.
Tiago se apresenta com um verdadeiro presbítero da igreja. Em Atos, ele sempre age e
conjunto com seus colegas e, nunca isoladamente359.
Ele viu o segmento helenista da igreja360 sendo perseguido e, embora ele estivesse
alocado entre os hebreus, ou seja, o grupo que não foi perseguido, assim mesmo,

358
Sugestão de TAYLOR, W. C. A Epístola de Tiago: tradução e comentário. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista, 1954, p.
42.
359
Atos [11.3]; 12.17; 15.6, 13, 23; 21.18.
360
Ato 8.1 – fala que os apóstolos não foram afetados com a perseguição, ou seja, o grupo hebreu não foi afetado (At 6.1-6).

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preocupou-se com os oprimidos. Esta preocupação tornou-se uma ação real quando
escreveu a sua carta e enviou aos cristãos dispersos em toda parte. Sua postura,
contudo, não era de incentivar a subserviência aos poderosos, pelo contrário, ensinava
a honrar e exaltar a Cristo.
Além disto, sua descrição dos presbíteros como homens que visitam doentes e que
oram361 inspira os verdadeiros bispos da igreja. Hoje em dia, o povo de Deus precisa
de homens com o dom de cuidar e orar. Homens que cuidem das pessoas e não dos
prédios e do dinheiro; que visitem as casas para ajudar pecadores e não se reúnam
para decidir expulsar irmãos que pecam; que saibam administrar o óleo sobre os
doentes e não sejam meros administradores eclesiásticos.
Tiago, o irmão de Jesus nunca usou seu influência, parentesco com Jesus ou o
renome362 a seu favor. Morreu pela fé por não fazer acordos com os poderosos.
Que Deus nos permita ver mais bispos como Tiago na igreja de Jesus!
Sinopse da carta
Tiago aos cristãos judeus dispersos (1.1). As provações sob as mãos dos opressores poderosos são motivo
de crescimento espiritual (1.2-4) e talvez seja necessário orar por sabedoria divina para passar por elas
(1.5-8). O cristão deve lembrar que o rico vai perecer e que e os cristãos oprimidos vão ser
recompensados (1.9-12). Portanto, não culpe a Deus por suas tentações que vierem neste período pois
Deus só faz o bem (1.13-18). Especificamente, não tente lutar contra os opressores pela ira, maledicência
ou vingança, mas pratique a palavra de Deus agindo bem com os outros oprimidos e não se contaminado
com o materialismo (1.19-27).
Não incorram no erro de bajular os ricos para livrar-se da sua oposição (2.1-13) e maltratar os pobres não
ajudando-os nas dificuldades (2.14-26).
Também deve-se cuidar que as pressões externas não gerem divisões internas pelo mau uso da língua
(3.1-12) ou pelas disputas (3.13-18).
Estas disputas e brigas vem do mundanismo, do prazer e do orgulho: devemos ser humildes para escapar
disto (4.1-10). Não adianta criticar outros (4.11-12). Os projetos arrogantes e a vida omissa dos que
querem ficar ricos é condenada (4.13-17), bem como a opressão e materialismo dos ricos (5.1-6). Tenham
paciência que logo Deus virá resolver tudo (5.7-11). Mesmo que seus opressores os levem à corte, não é
necessário jurar e fazer compromissos: sua palavra basta, como Jesus ensinou (5.12). Fiquem atentos uns
com os outros, cuidando uns dos outros, orando uns pelos outros e ajudando aqueles que se desviaram a
voltar à verdade (5.13-20).
O texto da carta de Tiago apresenta inúmeros paralelos com os ensinamentos de Jesus, especialmente com
o Sermão do Monte. Também há muitos paralelos com 1 Pedro.
É denominado "O livro de Provérbios do Novo Testamento". Tal designação não é de todo correta e nem
positiva. Decorre da dificuldade de entender o “fio da meada” do raciocínio de Tiago. Assim, alguns
julgam seu livro como se fosse uma antologia de boas frases e bons conselhos sem ordem ou conexão de
pensamento.
Apesar de ser um livro de estrutura é difícil de delinear, não se deve considera-lo como obra “amorfa”. Se
o encararmos como um sermão de "exortação aos oprimidos", consegue-se apresentar uma concatenação
coerente do seu conteúdo.
O livro de Tiago usa, ocasionalmente, um tipo de discurso onde o orador discute com um oponente
imaginário. Este recurso, chamado de diatribe, ocorre claramente em 2.7-8,18-19.
O alvo de livro é variado, mas pode ser relacionado com: (i) Incentivar a prática do cristianismo,
combatendo o clientelismo e sua necessidade. (ii) Promover paz interna nas igrejas. (iii) Evitar
compromisso com o mundo: tornar-se cliente de patronos não cristãos era um problema. (iv) Uma
possibilidade de interpretação do livro apresenta-o como "uma carta pastoral coerente escrita para
fortalecer e instruir cristãos empobrecidos que estavam sendo oprimidos por seus vizinhos ricos” (Ashby
L. Camp). Assim, Tiago seria um "Tratado sobre a opressão dos ricos".

361
Tg 5.14
362
Gl 2.9 mostra que sua fama era maior que a dos apóstolos.

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Para pensar: Hoje em dia, o desejo pelo poder e pela riqueza tem gerado bajulação do
rico ou do poderoso? Estariam os cristãos e as igrejas envolvidas em dissimulados
namoros com as pessoas da “classe endinheirada” com o objetivo de obter favores?
Estariam os obreiros cristãos atrás da conversão da “classe média” assim como as
grandes agências de marketing? Haveria um “axioma subliminar” que ensina que só a
“classe média” serve para o episcopado? A desculpa de “ter recursos para a igreja”
poderia levar a igreja a confiar nas riquezas? Será que as pessoas mais influentes na
igreja são aquelas que aparentam ter mais dinheiro? Todas estas questões, feitas com
sinceridade, nos ajudam a ver que o problema que os irmãos enfrentavam naquela
época e os nossos são muito similares.
O Velho Testamento relacionava a pobreza e a piedade da seguinte maneira: (1) Deus tem cuidado
especial com os pobres (Dt 10.18; Sl 68.5); (2) O povo de Deus também deve se importar e cuidar dos
pobres (Am 2.6-7). (3) Muitos textos, especialmente Salmos, identificam o pobre com o piedoso, o
religioso (Sl 10; 37.8-17; 72.2; Is 29.19).
Jesus reinterpretou e utilizou estes conceitos valorizando o pobre (Lc 6.20) e reconhecendo na riqueza um
grande problema para alguns (Lc 6.24; 16.19-31; Mc 10.23-31). Condição social não é, para Jesus,
indicativo da espiritualidade, mas há ricos que o são por serem avarentos e pobres que o são por causa do
reino de Deus: "e aos pobres anuncia-se-lhes o evangelho"(Lc 7.22; Mt 11.5).
Tiago diz que Deus escolheu os pobres para serem ricos em fé (2.5). Parte da verdadeira religião é cuidar
deles (1.27). O rico é condenado não por sua condição, mas por sua opressão (5.1-6; 2.6-7), orgulho
(4.13-17) etc. O dia dos pobres (cristãos) vai chegar (5.7-11) e haverá inversões no dia do juízo final (1.9-
11).
Um esboço simples da carta de Tiago deixa ver, um pouco de seu raciocínio e retórica orientais:
1. Prefácio e saudação 1.1 .............................................A
2. Encorajamento e instrução nas tribulações 1.2-2.13 ......B
3. Defesa prática da fé 2.14-26 ..............................................C
4. Cuidado com o uso da língua 3.1-12 .....................D
5. A harmonia entre os cristãos 3.13-4.12 .................D’
6. Critica ao materialismo 4.13-5.6 .......................................C’
7. Encorajamento e instrução nas opressões 5.7-12 ............B’
8. Conselhos finais 5.8-20 ...................................................B’’

Dois erros devem ser corrigidos sobre Tiago, irmão de Jesus.


O primeiro, é o erro de fazer dele um “reacionário”, ou seja, um conservador que estaria descontente com
os rumos da igreja na evangelização dos gentios e a consequente aculturação do movimento de Jesus na
cultura grega. Este Tiago conservador é um mito, tanto nos escritos de Eusébio363 que cita Hegesipo,
como nos estudos modernos. Hegesipo exagera364 a ponto de dizer que Tiago entrava no Santo dos
Santos!? O que vemos nele, no livro de Atos e nesta carta, é um homem bem ajustado ao mundo grego –
sua expressão na língua de Homero chega a ser bela e superior a outros textos do Novo Testamento, assim
como seu irmão Judas.
O segundo erro, tanto de Eusébio como dos modernos é de transformá-lo em “líder” da igreja judaica (os
hebreus) de Jerusalém. Esta retroprojeção do “mono-episcopado” para o primeiro século é um erro que
vários historiadores da igreja nos fazem reconhecer. O “mono-episcopado”, ou seja, um bispo “liderando”
um grupo de presbíteros é um fenômeno que só é atestado em Inácio de Antioquia no Segundo Século – e
mesmo assim, percebe-se que o tema é uma inovação que ele não tem coragem de tentar impor aos irmãos
de Roma, uma igreja com uma complexidade e uma tradição que ele não quer enfrentar. Assim, Tiago é
apresentado como um dos presbíteros de Jerusalém, no livro de Atos, mas a atribuição de “presidência”
da igreja para ele é um anacronismo no qual vários bons eruditos tem caído. A igreja antiga tinha um
grupo de presbíteros que atuava de modo totalmente diferente das elites patriarcais judaicas e pagãs.
Basta ver a atuação deles na carta de Tiago para ver que seu papel não era de “elite dirigente”, mas de
servidores espirituais (5.14). É necessário “des-hierarquizar” nossas leituras do NT. Tiago é um obreiro
importante em Jerusalém, mas não no formato de ‘liderança’ moderna.

363
Eusébio de Cesareria. História Eclesiástica.II.23.6.
364
BRUCE, F. F. Peter, Stephen, James & John. Grand Rapids: Eerdmans, 1994, p. 116, afirma que isto era apenas uma descrição
alegórica do estado espiritual de pureza deste homem e não uma descrição literal.

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Tiago não se chama de irmão, avdelfo,j, de Jesus, mas de escravo, dou/loj, de Jesus (Tg 1.1). Tanto ele
como seu irmão Judas são claros em se apresentar como servos de Jesus (Jd 1). Vários motivos podem
estar por trás desta prática.
Primeiro, o fato de que Jesus já havia declarado que sua família era constituída pelos que fazem a vontade
do Pai (Mc 3.31-35). Tal frase foi originalmente dirigida contra eles mesmos, de forma que seu
parentesco com Jesus não deveria ser usado como plataforma para qualquer vantagem na igreja.
Em segundo lugar, há humildade. Estes homens não se apresentam como em pé de igualdade com Jesus
ou em condição mais íntima com ele do que qualquer outro cristão, mas sim se apresentam como servos,
escravos daquele que parecia ser seu irmão, mas na verdade era seu Deus. Os termos “Senhor Jesus
Cristo” aparecem juntos em Tiago 1.1 e 2.1, e tem significado muito importante: afirmam ser Jesus o
Messias e o Senhor. Isto mostra que Tiago aceitava a divindade de seu irmão, mesmo que isto fosse difícil
para ele. A palavra ku,rioj Senhor, era usada frequentemente na LXX para traduzir os termos Elohim
(Deus) e Yahweh ou Jahweh. Os romanos usavam o termo designar o Imperador no culto prestado a ele
(1Co 12.3; Fp 2.11). Tiago não cultua o imperador, mas aquele que parecia seu irmão, mas que era o seu
Senhor. Tiago chamará Jesus de Senhor (várias vezes), juiz (5.9) e rei (2.8).
Uma evidência da antiguidade da Epístola de Tiago é a forma antiga e comum de saudação que
encontramos nela: “Saudações!”, chairein, cai,rein. Igual a saudação da carta citada em Atos 15.23.365
Esta saudação era a mais usual no mundo antigo e á atestada em centenas de cartas em papiro do período,
hoje descobertas pela arqueologia. No Novo Testamento, só o livro de Tiago e a carta enviada pela igreja
de Jerusalém mencionada acima, tem esta saudação.366 As saudações usuais em outras epístolas do Novo
Testamento são mais elaboradas e reúnem elementos da saudação judaica e grega com palavras chave da
teologia cristã: i) “graça e paz”;367 ii) “graça, misericórdia e paz”;368 iii) “misericórdia, paz e amor”369.
O fato de Tiago não usar este tipo de saudação pode ser um indício a mais para a data bem antiga da
epístola. Se Tiago estivesse escrevendo depois de ampla circulação das epístolas de Paulo, Pedro, João e
até da de seu irmão Judas, seria muito difícil imaginar a razão pela qual ele rejeitou saudações cristãs já
tradicionais para retornar ao frio e formal “saudações!”, charein, cai,rein, da epistolografia pagã370.

1PEDRO
Pedro ou Cefas, cujo nome era Simão (1Pe 1.1; Mc 3.16; Jo 1.42), escreveu esta carta. Seguindo o
costume antigo, ele ditava a carta e Silvano ou Silas, escrevia (1Pe 5.12). Também João Marcos estava
com ele (1Pe 5.13).
Ele tinha sido um pescador, bem como seu irmão e provavelmente, vários membros da família (Mc 1.16).
Seu pai chamava-se Jonas (Mt 16.17) e André, um dos outros doze apóstolos era seu irmão (Jo 1.41).
Pedro era natural de Betsaida (Jo 1.44), mas morava em Cafarnaum (Mc 1.21, 29) com sua família:
sabemos que era casado (1Co 9.5), mas não sabemos sobre seus filhos. Foi seu irmão que o levou a Jesus
(Jo 1.41-42) e desde o começo, Jesus viu nele alguém com especial aptidão para o serviço no reino.
Esta educação na Galileia pode ter providenciado as condições linguísticas necessárias para que Pedro
pregasse e escrevesse em bom grego. Tiago e Judas, irmãos do Carpinteiro, e que também são da Galileia,
têm um grego igualmente excelente.
O livro dos Atos dos Apóstolos narra seus sermões e atividades até Atos 12. Ele é o personagem que
domina a narrativa inicial do livro. Ele volta a aparecer rapidamente na reunião de Atos 15 e, depois, não
ouvimos mais falar dele no livro de Atos.
Pela carta aos Gálatas (Gl 2) e também pelas menções na epístola aos Coríntios, percebemos que Pedro
não ficou parado na Judéia e nem ficou restrito ao ministério entre os judeus. Sua primeira carta é
endereçada a regiões amplas do império onde a presença de gentios nas igrejas era maciça (1Pe 1.1).

365
Uma série de paralelos verbais entre a carta para as igrejas de Antioquia e as da Síria e Galácia (Atos 15.23-29) e o livro de Tiago
mostram mais uma evidência da autoria de Tiago, o irmão do Senhor.
366
Embora a expressão cai,rein le,gete ocorra em 2Jo 1.10, 11.
367
[ca,rij kai. eivrh,nh] Rm 1.7; 1Co 1.3; 2Co 1.2; Gl 1.3; Ef 1.2; Fp 1.2 Cl 1.2; 1Ts 1.1; 2Ts 1.2; Fm 3; 1Pe 1.2; 2Pe 1.2; Ap 1.4.
368
[ca,rij e;leoj eivrh,nh] 1Tm 1.2; 2Tm 1.2; Tt 1.4; 2Jo 1.
369
[e;leoj kai. eivrh,nh kai. avga,ph] Jd 2.
370
Mayor, Op. Cit., p. 31.

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Pedro e Tiago serão os únicos presbíteros, no sentido das Epístolas Pastorais, a escrever no Novo
Testamento (1Pe 5.1). Embora João use o título nas suas cartas pequenas (2Jo 1 e 3Jo 1), parece que João
nunca se casou, logo, não seria um presbítero no sentido das exigências da função.
Pedro tinha passado maus bocados na sua negação de Jesus, mas o Mestre havia profetizado que ele
poderia usar isto para fortalecer seus irmãos (Lc 22.31-32), coisa que ele procura fazer nesta e na sua
segunda carta.
O próprio Pedro declara seu objetivo: ajudar a fraternidade a ficar firme na graça de Deus (1Pe 5.12). O
tema do sofrimento é absolutamente constante em toda a carta (1Pe 1.6, 7, 11; 2.12, 19, 21-24; 3.9, 14,
17, 18; 4.4, 12-19; 5.8-10). Mas Pedro quer instilar a confiança de que o sofrimento irá fortificar o povo
de Deus (1Pe 5.10-11). A esperança é outro tema subsidiário importante (1Pe 1.3, 13, 21; 3.5, 15).
No passado, esta carta foi estudada e analisada como se fosse uma adaptação epistolar de uma “liturgia
batismal” antiga.371 A estratégia de Pedro seria lembrar os discípulos das coisas ligadas ao seu batismo,
suas “raízes” na fé em Cristo Jesus. Desta forma, a lembrança do compromisso passado prepara para o
sofrimento no presente e antecipa as glórias futuras.
Outra característica da carta que revela a tática de Pedro é o abundante uso de materiais tradicionais da
igreja antiga: partes de hinos (1Pe 2.6-10; 3.18-22), documentos e tradições sobre a perseguição, material
de catequese, fórmulas litúrgicas do batismo, catálogos de virtudes e vícios, tábuas de deveres familiares
e até mesmo palavras de Jesus.372
Outra estratégia de Pedro para atingir seu objetivo é reforçar a identidade e a crença das igrejas para que
eles possam continuar em um ambiente pagão e hostil. O estilo "nós contra eles", por exemplo, é um dos
métodos de Pedro reafirmar a posição dos cristãos frente aos opositores.
Ocasionalmente, a autoria de Pedro é desafiada e a carta é transformada em literatura pseudoepigráfica. A
razão desta pseudoepigrafia seria misteriosa, uma vez que não há nada na carta que necessite do ethos de
um apóstolo.
A negação da autoria petrina baseia-se em quatro fatores: 1) O grego excelente demais para Pedro; 2) O
uso de teologia paulina; 3) A menção de poucos indícios de um testemunha ocular da vida de Jesus; 4) A
perseguição relatada no texto deve ser posterior a Pedro.
Em defesa da autoria petrina de 1Pedro, responderemos as quatro objeções.
1) Pedro poderia ter escrito o grego desta epístola.
Em primeiro lugar, pouco sabemos sobre a cultura de Pedro, a não ser por estimativa e preconceito.
Os fatos parecem ser contrários aos que apostam na baixa cultura dos galileus. Pedro, Tiago e Judas, que
sabemos que viveram na Galileia, têm, os três, um belo grego em seus escritos.
Acreditar, como alguns, que Pedro não poderia escrever bem é o típico preconceito: das elites contra as
classes trabalhadoras; dos ocidentais contra os orientais; das classes dominantes contra as classes
oprimidas. Ele não se justifica em fatos.
Quando Pedro escreve, está acompanhado de Silas e Marcos (1Pe 5.12-13).
Neste momento da história da literatura do Novo Testamento, Marcos já deve ter escrito e publicado seu
evangelho. Há pouquíssima chance do Segundo Evangelho ainda não estar escrito. Isto significa que
Pedro convive com um escritor bíblico que, pela tradição, registrou sua pregação sobre Jesus. Num
ambiente assim, Pedro pode crescer em seus talentos literários e receber ajuda para escrever.
Silas ou Silvano é o secretário de Pedro para escrever a carta. Alguns pensam que se Pedro não tivesse
um grego tão bom como o revelado em sua carta, Silas poderia ter ajudado na bela redação do
documento. Silvano era um profeta (Atos 15.32). Ele ajudou a redigir aquela carta de Jerusalém para as
igrejas da Galácia (Atos 15.22-23). Além disto, ele já tinha trabalhado com Paulo, sendo “coautor” das
epístolas aos Tessalonicenses (1Ts 1.1; 2Ts 1.1). Toda esta experiência de Silvano pode ter influenciado o
vocabulário e estilo de 1Pedro.
Assim como a presença de Marcos e Silvano podem explicar o belo texto de 1Pedro, a ausência deles
também será uma razoável explicação para a diferença de estilo, vocabulário e gramática que
encontramos em 2Pedro.

371
SELWYN, Edward Gordon. The First Epistle of St. Peter. 2nd Ed. London: MacMillan, 1947, p. 62.
372
SELWYN, 1947, p. 17-24, 363-466.

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2) A chamada “teologia paulina” encontrada em 1Pedro não precisa ser objeção à autoria petrina.
A teologia é um elemento comum da igreja antiga – ela não era de Pedro ou Paulo, mas ambos usaram
ideias já difundidas e tradicionais na igreja.
A carta utiliza-se de muitos materiais já abundantes na igreja antiga, tais como: hinos, listas de instrução
de novos convertidos, lições de fortalecimento na oposição, palavras de Cristo, citações do Velho
Testamento, etc. Os textos que tem certo ritmo poético são: 1.18-21; 2.21-25; 3.18-19; sem contar as
citações da literatura poética do Velho Testamento.
Além disto, parece que Pedro tinha contato com as cartas de Paulo (2Pe 3.15-16).
3) Há quem encontre muitos indícios de testemunha ocular e dos fatos referentes a Jesus.373 A epístola
não procura falar especificamente da história de Jesus. Na carta, Pedro se coloca ao lado dos irmãos e não
se distancia deles, assumindo alguma forma de autoridade apostólica.
Mesmo assim, o texto tem muitas referencias explicadas pela experiência de Pedro com Jesus: (i) a viva
esperança da ressurreição (1Pe 1.3) lembra a mudança que a ressurreição de Jesus efetuou na vida do
autor; (ii) o ser testado e purificado em sua fé (1Pe 1.7-9) era algo que Pedro experimentou (Lc 22.31);
(iii) o elogio da fé em quem não viram (1Pe 1.8) fica muito conveniente para uma testemunha ocular da
ressurreição e lembra de uma frase de Jesus (Jo 20.29); (iv) o uso dos profetas para entender os
sofrimentos de Cristo (1Pe 1.10-13) é algo que ele aprendeu de Jesus logo depois da ressurreição (Lc
24.44-45); (v) a descrição do sofrimentos de Cristo (1Pe 2.20-25) mostra a proximidade de Pedro daquele
evento; (vi) a clara menção de ser testemunha da paixão de Cristo, ocorre no fim da carta, não para exaltar
o escritor, mas para dar esperança aos sofredores (1Pe 5.1); (vii) a função e o mandamento de pastorear
(1Pe 5.2) era algo que ele mesmo recebeu de Jesus (Jo 21.15-17).
Enfim, a crítica da “falta de testemunho histórico” na carta não se justifica. Pedro, contudo, não lança
mão destas “credenciais exclusivas” de testemunha ocular, a não ser para animar e dar força à igreja.
4) Os que afirmam que a perseguição deve ser a de Domiciano ou de imperadores posteriores exageram o
tipo de perseguição que o texto menciona.
1Pedro não se fala de perseguição aberta, mas de oposição e animosidade contra os cristãos. Nem mesmo
a perseguição feita por Nero, que ficou mais restrita a Roma, tinha ocorrido, pelo que notamos no texto.
Assim, Pedro pode ser o autor da carta, sem qualquer dificuldade. A epístola foi usada e citada desta a
antiguidade: A primeira citação foi feita pela segunda epístola de Pedro (2Pe 3.1). Contudo, já no
Primeiro Século, Clemente Romano faz uso da carta. Também é possível ver o uso dela por Hermas e
pela Epístola de Barnabé (ou melhor, atribuída a Barnabé). Policarpo chega a fazer uma citação da
carta.(cita mesmo). Irineu faz a primeira citação explícita como um escrito de Pedro. Eusébio de Cesareia
coloca a carta entre os escritos reconhecidos como autênticos por toda a igreja.374
Pedro afirma escrever de Babilônia (1Pe 5.13). Como entender isto?375
(i) A interpretação literal, crê que Pedro estaria na antiga cidade da Mesopotâmia, capital do antigo
Império Babilônico. O problema com isto é o fato dela estar em decadência há muito tempo. Há quem
afirme que nesta época ela já estava deserta. Também os judeus tinham sido expulsos daquela cidade já
fazia muito tempo de forma que as bases para o inicio de uma igreja lá seriam pequenas.
(ii) Uma outra interpretação literal acredita que Pedro estava em uma outra Babilônia. O problema com
esta teoria é que as outras cidades de mesmo nome não seriam identificadas sem um outro qualificativo.
Por exemplo, naquela época havia uma instalação militar no Norte do Egito de nome Babilônia376.
Contudo, seria de se esperar qualquer outro detalhe geográfico para que a cidade ficasse plenamente
identificada.
(iii) A interpretação mística ou apocalíptica sugere que Babilônia era o nome secreto para Roma,
conforme o próprio livro de Apocalipse dirá (Ap 17). A favor disto, há um bom volume de literatura

373
SELWYN, 1947, p. 27-33.
374
CARSON; MOO; MORRIS, 1997, p. 472-473.
375
HARRISON, Everett. Introducción al Nuevo Testamento. Grand Rapids: SLC, 1980, p. 406. CARSON, D. A.; MOO, D. J.;
MORRIS, L. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Ed. Vida Nova, 1997, p. 470-471
376
Este local é identificado hoje como dentro da cidade de Cairo (NDB).

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judaica e cristã antiga que aponta para Roma com este nome.377 Contra tal hipótese está a falta de razão
para tal uso e nem qualquer indicação deste tipo de linguagem cifrada e crítica contra Roma no texto.
(iv) A interpretação simbólica ou figurada afirma que Babilônia significa “Exílio”. Isto faria com que os
leitores que estão na “Dispersão” e o autor e sua comunidade, que estão no “Exílio” se identificassem
com termos israelitas aplicados espiritual e simbolicamente à igreja cristã. A teologia de uma vida em
terra estrangeira, evocada pelas palavras “Diáspora” e “Babilônia” formaria uma inclusão para a carta,
sendo estrategicamente situadas no início (1Pe 1.1) no fim (1Pe 5.13) da carta.
Sou favorável à última hipótese, que, contudo, não impede que a Pedro estivesse em Roma.378 O fato da
carta citar João Marcos, cujo evangelho é ligado à comunidade romana, aumenta a probabilidade de Pedro
estar em Roma.
A carta fala de dificuldades e perseguições. Estaria ele falando as perseguições patrocinadas por Nero?
Apesar da discussão, parece que a grande perseguição de Nero ainda não tinha eclodido. A pergunta
retórica de Pedro, “Quem é que vos há de maltratar, se fordes zelosos do que é bom?” (1Pe 3.13) valia
apenas para aquele momento. Se a perseguição nerodiana já estivesse em curso, esta questão não seria
apropriada, pois os cristãos eram mortos sem fazer nada e mal.
Além disto, todo o teor de 1Pedro aponta para pressões na vida cotidiana e não fala, como o Apocalipse
de perseguições de sangue ou de morticínios. Pedro fala daquela pressão social constante que vemos em
Atos.
Assim, carta fala de um tipo de perseguição e pressão social que não deve ser confundida com a
perseguição oficial que Nero iniciou mais tarde. O problema pelo qual passam os cristãos é mais um tipo
de perseguição dos vizinhos, rejeição social, perda de direitos cívicos, maledicência e outros problemas
deste tipo. A falta de participação no culto imperial já devia ser um problema sério.
Pedro, contudo, sabe que os temos vão mudar para pior, e por esta causa, adverte a igreja para preparar-se
para o pior (1Pe 5.12-19; 8-11).
Duas datas são, portanto, importantes: (i) a carta tem que ser escrita antes da perseguição de Nero que
pode ter começado em meados de 64 AD;379 (ii) como Pedro foi morto por Nero, a morte deste imperador
é o limite máximo para qualquer atividade de Pedro.380
Assim, se Pedro morreu entre 64 e 66 AD, a carta tem que ser escrita antes de 64 AD, ou seja, antes da
perseguição de Nero que começou em meados de 64 AD. Uma boa data é o ano 63 até a metade o ano 64
AD.381
Os destinatários são as igrejas do norte da atual Turquia, que na época compunham vários grupos étnicos
divididos em: Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia (1Pe 1.1-2). Algumas destas regiões estiveram,
anteriormente, sob influência de Paulo, que evangelizou a maior parte desta região. Silvano participou
com Paulo dos trabalhos em várias destas regiões, logo, ele podia ajudar Pedro no contato com estes
locais. Também podemos supor que o próprio Pedro viajou e conheceu estas comunidades (1Co 9.5).
Socialmente, a igreja era composta de judeus e gentios, com predominância destes, e a maioria com status
cívico-social de “não-romanos”, isto é, sem cidadania e sem direitos.382 Esta condição social e real,
evocava o pensamento sobre a cidadania celestial e espiritual dos ouvintes.
A velha disputa sobre a composição da comunidade, se eram cristãos judeus ou gentios não parece muito
relevante. As indicações da carta, mostram que a carta foca um grupo majoritariamente gentílico (1Pe 1.1;
1.14; 2.10; 2.12; 4.3).
A grande contribuição teológica e espiritual de 1Pedro é a teologia do sofrimento de Cristo tornando-se
um paradigma para a vida cristã. O verbo sofrer, pascho, pa,scw, ocorre doze vezes somente nesta epístola
contra onze vezes em todo o resto das epístolas do Novo Testamento. Isto é prova evidente da ênfase de
Pedro formular uma teologia dos sofrimentos de Cristo e associá-la ao sofrimentos do povo de Deus.

377
Citadas por ROBINSON, John A. T. Redating the New Testament (London, SCM Press, 1976), p. 136, disponível em
www.preteristarchive.com/Books/1976_robinson_redating-testament.html.
378
SELWYN, 1947, 303-305.
379
O incêndio de Roma começou no dia 19 de julho de 64 AD: ROBINSON, 1976, p. 127.
380
Nero suicidou-se em 9 de junho de 68 AD: ROBINSON, 1976, p. 127.
381
SELWIN, 1947, p. 62.
382
Esta é a tese de ELLIOTT, John H. Um lar para quem não tem casa: interpretação sociológica da primeira carta de Pedro. São
Paulo: Paulinas [Paulus], 1985. Acredito que ele força demais a questão, deixando de ver o sentido figurado ou espiritual da
terminologia de peregrinação e não cidadania.

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Para pensar: Hoje em dia, a teologia da prosperidade normalmente fala do sofrimento


como decorrente o pecado. Segundo eles, o cristão fiel não sofre. Pedro, apóstolo e
testemunha de Cristo, não podia dar esta certeza. Pelo contrário, sua mensagem afirma
a certeza do sofrimento e da perseguição. Contudo, ao invés de lamentar ou lutar
contra ela, Pedro nos ensina a nos identificarmos com Jesus no sofrimento. Ele ensina
a buscar nele e na esperança da fé, a força para prosseguir. Infelizmente, não é a
prosperidade que nos aproxima de Deus, mas o sofrimento. Em primeiro, lugar, o
sofrimento vicário de Jesus – ou seja, um sofrimento substitutivo onde ele morreu por
nossos pecados. Depois, o sofrimento solidário em Jesus – ou seja, o sofrimento por
levar o nome dele e de vivermos como ele. Assim, não há como pensar em cristianismo
como liberdade do sofrimento. Contudo, temos em Jesus, o único modo de viver
esperançosamente no meio de sofrimentos.
Cristo é o exemplo de sofrimento resignado, o realizador da expiação dos pecados, o modelo de vitória
após a morte, enfim, a cristologia da carta é um elemento fortíssimo.
A tensão escatológica que encontramos em outros lugares do Novo Testamento, onde as promessas de
Deus se cumprem num “já e ainda não”, também ocorrem em Pedro, onde já se desfruta da bênção divina
aqui, mas teremos plena glória depois.
A epístola tem fortes apelos par a ética cristã, enfatizando o fato da igreja ser o novo Israel, peregrinando
e indo para a cidade celestial. Um esboço de 1Pedro poderia ser:
Exordium 1.1-9
[Prólogo] 1.1-2 Prefácio e saudação
1.3-9 Bênção
Narratio 1.10-12
A salvação recebida
Probatio 1.13-5.7
(1) 1.13-2.10 = Salvação e eleição
SALVAÇÃO
Santidade e amor 1.13-25
Santificação e eleição 2.1-10
(2) 2.11-4.11 = “Tabelas de deveres”
SUBMISSÃO
Prefácio: procedimento 2.11-12
Para com autoridades civis 2.13-17
Para com os senhores 2.18-25
Para com os maridos 3.1-7
Posfácio: para com todos 3.8-12
Para com os opositores 3.13-22
Para com os pecadores 4.1-6
Para com a comunidade 4.7-11
(3) 4.12-5.7 = Sofrimento e futuro
SOFRIMENTO
Sofrimento 4.12-19
Aos presbíteros 5.1-4
Aos jovens 5.5
A todos 5.6-7
Vigilância 5.8-9
Peroratio 5.10-14
[Epílogo] 5.10-11 Voto apostólico
5.12 Propósito e sumário
5.13-14 Saudações finais

CONCLUSÃO
As Cartas Gerais equilibram o Novo Testamento com uma teologia cristã não paulina, que prova que
muito do que chamamos de “Teologia Paulina” era apenas “Teologia Cristã”. Todos os autores
compartilhavam dos mesmos fundamentos de fé em Cristo Jesus como Senhor e Salvador. Juntamente
com seu pano de fundo comum no judaísmo e no mundo greco-romano, compuseram livros de auxílio à
comunidades cristãs em diversas situações e para as mais variadas demandas. Apesar destes elementos de
diversidade que convidariam às divergências, o que ocorre no Novo Testamento são convergências aos
mesmos princípios, aos mesmos pontos fundamentais, ao mesmo evangelho e sobretudo, ao mesmo
Cristo e Deus.

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AULA 07 – AS CARTAS GERAIS II

INTRODUÇÃO
As Cartas Gerais que vamos estudar nesta lição guardam relações entre si que aconselham o estudo
conjunto das mesmas. 2Pedro e Judas tem longos textos em clara concordância de ordem e conteúdo.
Também as três Epístolas de João guardam uma relação muito próxima entre si de temas, vocabulário e
contexto histórico. Assim, estes dois agrupamentos estudados aqui providenciarão a oportunidade de dar a
atenção adequada ao textos que precisam uns dos outros para ter seu pleno sentido apreendido.
SÍNTESE
Introdução geral e panorama de 2Pedro e Judas com um estudo de comparação dos dois livros. Introdução
geral e panorama de 1, 2 e 3João, a chamadas Cartas Joaninas.
DISCUSSÃO
2 PEDRO
A segunda carta de Pedro foi escrita antes de 67, data provável da morte de Pedro (1.13-14). Como a
tradição diz que ele foi morto por Nero, a data da morte deste imperador, em meados de 68 AD, é o limite
máximo para a própria vida de Pedro.383 Podemos datar a carta de cerca do ano 64 AD, antes do incêndio
de Roma e da perseguição nerodiana.
Pedro escreveu esta segunda carta, talvez, para o mesmo grupo que recebeu a primeira epistola (2Pe 3.1).
Era uma época de problemas doutrinários e sua preocupação era a fidelidade à doutrina pura (2Pe 2.1;
3.3, 17). Nesta época as cartas de Paulo já circulavam com certa amplitude e são conhecidas por ele (2Pe
3.15-16).
A característica que marca 2Pedro e Judas é o material comum que os dois textos carregam. É possível
fazer uma sinopse entre os livros, especialmente entre 2Pedro 2 e Judas. A teoria do uso de uma fonte
comum384 é a melhor explicação do fenômeno da similaridade das cartas em conteúdo e ordem.385

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+,&-.") /$-01)

As diferenças de estilo e linguagem de 1Pedro para 2Pedro se explicam pela presença de Silvano na
redação de 1Pedro e pela ausência dele na redação de 2Pedro.
Também o novo assunto e alvo da segunda carta aumentam as diferenças entre os documentos.
Um terceiro fator que ajuda a explicar as diferenças entre as cartas de Pedro é que a 2Pedro depende,
pesadamente, deste documento comum usado por ele e por Judas.

383
ROBINSON, John A. T. Redating the New Testament. London:SCM Press, 1976, disponível em
www.preteristarchive.com/Books/1976_robinson_redating-testament.html., p. 177, sugere a data de 61-62 AD.
384
CARSON, D. A.; MOO, D. J.; MORRIS, L. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1997, p. 484-485.
385
A teoria de Pedro utilizar Judas apoia-se no fato de 2Pedro ser mais extensa. Não existiria razão para Judas escrever uma
abreviação de uma carta mais longa. Pedro teria evitado a citação dos apócrifos que Judas citava. Pedro teria aproveitado uma obra
menor em sua carta mais extensa. A obra de Judas parece consistente, vigorosa e original. O texto de Judas com suas tríades e sua
organização cuidadosa, parece a original. A teoria que Judas utilizou Pedro é menos defendida, mas ocasionalmente temos a
impressão que Judas está citando Pedro. O problema da heresia em 2Pedro seria profético, mas em Judas seria real. A teoria de uma
fonte comum é a que explica melhor o fato de terem tanto material em comum, mas com tantas palavras diferentes: no material
paralelo entre Judas e Pedro, Judas tem 256 palavras e 2Pedro tem 297 palavras, contudo, eles só usam 78 palavras em comum. Isto
impede um uso “direto” de uma obra por outra. Deve haver um documento, ou talvez apenas uma tradição oral, que explica tanto a
similaridade como as diferenças. HALE, 2001, P. 392-394

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Pedro está consciente da proximidade de sua morte e escreve para assegurar a fidelidade da igreja a Jesus,
mesmo depois de sua partida (1.12-15). 2Pedro é, portanto, o “testamento de Pedro”.
Para pensar: Talvez a maioria de nós imagina que “testamentos” são documentos de
pessoas abastadas. As pessoas comuns e os pobres, deixam poucas coisas para os
herdeiros de modo que nem ser preocupam muito com estas coisas. Considere,
contudo, o que Pedro está fazendo. Ele percebe que sua morte se aproxima e deixa um
“testamento”. O que ele deixa? Quais são as preocupações que ele tem com a
“sucessão de seus bens”? E nós, que tipo de testamento queremos deixar? Qual nossa
preocupação com as coisas que ficam? Se você escrevesse sua última carta, como
2Pedro, quais seriam os assuntos e os temas?
2Pedro é o mais “grego” de todos os documentos do Novo Testamento. Claro que todos os livros foram
escritos nesta língua, mas 2Pedro tem uma linguagem que o destaca dos livros neotestamentários e o
aproxima mais do grego falado por judeus helenistas desta época.386
Estas características acima citadas, que são a riqueza de 2Pedro, costumam ser usadas contra ela,
afirmando ser uma carta pseudoepígrafa, ou seja, uma carta escrita por alguém em nome de Pedro.387
O ataque a autoria petrina de 2Pedro é mais intenso do que contra 1Pedro. Ele baseia-se, normalmente,
em quatro afirmações principais388: (i) Sendo 2Pedro cópia de Judas, o livro não deve ser de Pedro; (ii)
Sendo 1Pedro autêntica, 2Pedro não pode ser, pois o vocabulário, estilo, sintaxe e tudo mais é diferente;
(iii) Já que 2Pedro 3.15-16 cita as cartas de Paulo, deve ter se originado muito tempo depois dos apóstolos
terem morrido, logo, não seria de Pedro; (iv) Sendo Pedro um autêntico apóstolo, não falaria deles no
passado como se vê em 2Pe 3.2.
Respondendo, rapidamente, a estas objeções, podemos dizer que:
1) A questão da dependência literária de Judas não é fato provado ou estabelecido. É uma teoria.
Contudo, ela não explica que a retenção de vocabulário tenha sido tão pequena: só há 78 palavras em
comum! Por outro lado, supor que um apóstolo não usasse material de um “não apóstolo” não causa
embaraços quando se fala da Teoria das Quatro fontes dos Evangelhos Sinóticos. Os apóstolos não
estavam preocupados em ser originais e nem em “deixar sua marca” na literatura. Seu alvo era humilde e
imediato: ajudar a igreja. Se, para fazer isto, fosse necessário usar os escritos de outra pessoa de bem, eles
não teriam (e não tiveram) dificuldade.
2) Um grande estudioso da literatura petrina disse que “o estilo de 1Pedro é mais claro e simples que
2Pedro, mas não existe aquele abismo entre eles que alguns tentam fazer.”389 Há várias possibilidades de
explicar estas diferenças. Uma delas leva em conta o uso de secretários diferentes.390 Outro aspecto a ser
lembrado é o alto grau de material tradicional incorporado em 1Pedro, ausente em 2Pedro. Por outro lado,
2Pedro usa, extensamente, o documento que deu origem ao seu capítulo 2 e o livro de Judas: somente
neste caso, temos uma fonte de novo vocabulário e estilo. Além de tudo, o assunto, de 2Pedro é diferente
de 1Pedro, logo, o vocabulário, a retórica e o estilo devem mudar.
3) A citação das cartas de Paulo por si mesma não declara que Pedro não podia ser o autor desta epístola.
A tese de que as cartas de Paulo só estariam sendo citadas em coleções apenas no Segundo Século é uma
pressuposição que não pode ser provada. Pelo contrário, temos documentos do Primeiro Século que prova
que a igreja começou cedo a colecionar as cartas de Paulo: a carta aos Colossenses e a própria Segunda
Epístola de Pedro são as provas (Cl 4.16; 2Pe 3.15-16).
As Escrituras dos cristãos antigos era mais do que o Velho Testamento (1Tm 5.18). Os próprios escritores
sabiam que estavam escrevendo Escritura (1Co 14.37-38; 2Ts 3.14).
4) A impressão que alguns tem da carta como citando os apóstolos como personagens de tempos remotos
não destrói a autoria petrina. Pedro, deliberadamente, fala do início do testemunho cristão como coisa do
passado, pois, como se sabe, na sociedade da época, o passado é mais importante que o presente em
termos de tradição.

386
CARSON; MOO; MORRIS, 1997, p. 479-480.
387
KÜMMEL, W. G. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Paulinas [Paulus], 1982, p. 565.
388
CARSON; MOO; MORRIS, 1997, p. 480; KUMMEL, 1982, p. 567-568, acrescenta a estes pontos mais uma objeção: Já que 2Pe
3.1-4 fala da perda da esperança da volta de Jesus, o documento deve ser tardio. Logo, Pedro não escreveu a obra. Ele também fala
dos problemas de aceitação da carta, mas isto é outro problema. LOHSE, Eduard. Introdução ao Novo Testamento. São Leopoldo:
Sinodal, 1985, p. 235-236 usa praticamente os mesmos argumentos.
389
MAYOR, J. B. The Epistle of St. Jude and The Second Epistle of St. Peter. Grand Rapids: Baker, 1979, p. civ.
390
GREEN, M. II Pedro e Judas: Introdução e Comentário. São Paulo: Vida Nova, 1983, p. 16.

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Os que defendem a pseudoepigrafia tem muitas dificuldades a superar. Primeiro, teriam que achar uma
razão para atribuir a Pedro uma carta com tão pouca “novidade” ou com tão pouca “autoridade”. O que
um falsificador ganharia com a inclusão desta carta no âmbito das cartas apostólicas?
Em segundo lugar, se a obra é uma falsificação de 1Pedro, por que o falsificador não trabalhou melhor?
Por que não trabalhou direito? Por que não usou o mesmo nome e a mesma saudação da primeira carta?
Por que não procurou usar uma linguagem mais similar à de 1Pedro?
Em último lugar, é muito difícil provar que a igreja antiga aceitasse a pseudoepigrafia. Este pressuposto
de muitos eruditos modernos é muito mais uma demonstração “colonialismo cultural” do que de
percepção da real avaliação dos antigos da natureza de seus documentos.
Assim, fica difícil imaginar a razão desta carta, se não um autêntico cuidado pastoral de um apóstolo
prestes a morrer. Entendendo a carta desta forma, seu valor aumenta e percebemos que as intenções do
escrito cumprem sua função.
Para animar a igreja a continuar no caminho, não seria necessária a pseudoepigrafia.
2 PEDRO
Exordium [Prólogo] 1.1-2 Prefácio e saudação
Narratio 1.3-11 A certeza de provisão e crescimento na fé
1.12-15 A necessidade de continuar na fé
Probatio Propósito Tese: 1.16-21 – O evangelho é verdade
Falsos mestres: 2.1-22 – negam o Senhor
Falsos mestres: 3.1-18 – negam a Volta do Senhor
Peroratio [Epílogo] 3.14-18 14-16 Conselho final: Continuar na fé
17-18 Apelo final: Crescer na fé

Sinopse da carta
Pedro declara, logo no início da carta, alguns temas e assuntos vitais para a leitura da missiva.
A longa expressão “fé igualmente preciosa na justiça” é incomum (2Pe 1.1). A palavra grega isotimon,
ivso,timon, traduzida como “igualmente preciosa”391 ou “igualmente valiosa”392 indica que todos os cristãos
tem a “mesma posição social” ou seja, estão em plena igualdade.
Qual a razão de enfatizar esta igualdade? Uma boa possibilidade seria a tentativa dos falsos mestres393 de
se elevarem acima dos irmãos e acima da “justiça” (1.1), arrogando ter um “conhecimento” superior –
isto faria deles um grupo assemelhado aos gnósticos.
Pedro, porém, diria que todos os cristãos são iguais e que a fé de todos tem o mesmo valor.
O desejo de Pedro não é revelar algo novo. Parece que este é o desejo dos falsos mestres. Pedro quer
apenas que eles cresçam mais no que já tem: eles já tem o “pleno conhecimento” do Salvador, portanto,
que cresçam nisto.
Este pleno conhecimento é enfatizado como já sendo uma graça dada aos cristãos (1.1, 8; 2.20; [3.18 –
não é o mesmo termo grego, mas similar]). Assim, eles podem ficar com as revelações passadas. A
verdade já foi revelada, agora é só recordar (1.12-15).
Logo, o apelo às Escrituras, seja os Evangelhos, aludidos no testemunho de Pedro (2Pe 1.16-18), seja o
Velho Testamento (2Pe 1.19-21), sejam as epístolas (2Pe 3.1 – de Pedro; 2Pe 3.15-16 – de Paulo), tudo
isto é o que os cristãos precisam para continuar.
Assim, a carta se inicia provando que já temos o que precisamos. Deus dá tudo por graça e a mentira de
cristãos superiores não consegue superar o nivelamento espiritual realizado pela graça de Deus (2Pe 3.3-
4).
Em 2Pedro 1.3-11, uma espiral de desenvolvimento cristão, mostra que os irmãos não precisam aceitar
nada que Cristo já não tenha providenciado.

391
ARA
392
NVI
393
Em 2Pedro, os falsos mestres são tratados extensamente no capítulo 2, mas suas bases de raciocínio são combatidos em 2Pe 1.16-
21 e 3.11-18. Pedro sugere que os cristãos usem o Velho Testamento (1.19-21) e o Novo Testamento (1.16-18 e 3.15-16) para
vencer estes hereges.

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Para nosso crescimento, já temos tudo! É só juntar as peças. A lista das chamadas “oito graças cristãs”
deste texto, precisa ser entendida assim: são graças que recebemos e não méritos ou virtudes que
alcançamos. Tudo já está em nós: é só deixar fluir...
Conhecimento
gnw?/sij Domínio
próprio
evgkrate,ia
Virtude
avreth,
Amor Perseverança
Fé u`pomonh,
avga,ph
pi,stij

Piedade
euvsebei,a
Fraternidade
filadelfi,a
O Caminho da
Graça
Ouso, abaixo, fazer uma “aplicação” atual, para cada uma das graças acima mencionadas.
A vida na graça é assim: Jesus fez tudo o que precisa ser feito, logo, temos apenas que confiar nele (fé).
Nossa vida é vivida na graça e não no mérito. O resultado disto é que somos agraciados com a missão
(virtude) de viver o evangelho. Esta é no nossa força: não pessoal, mas a força do evangelho em nós.
Assim, recebemos a Bíblia (conhecimento), como fruto da graça de Deus para nos ajudar na jornada.
Como tudo vem da graça, não precisamos nos impor: podemos não usar nosso poder pessoal (domínio
próprio) e deixar que Deus, por sua graça use o poder dele em nós e nos outros. Isto nos leva para baixo,
ou seja, vamos viver em humildade e vamos aceitar as circunstâncias difíceis (paciência), pois
entendemos que tudo é graça doada por Deus. Logo, fluirá em nós o temor reverente a Deus (piedade)
que nos guiará a encarar os irmãos com igualdade (fraternidade) sem pretensão de hierarquia e poder.
Quando entendemos o lugar de Deus, dos irmãos e o nosso, a graça de aceitar e abraçar (amor) a todos
os irmãos e não irmãos irá ser o resultado natural da graça sobrenatural.
Bíblia
gnw?/sij Não ao poder
pessoal

evgkrate,ia
Missão
avreth,
Abraçar Para baixo
Jesus fez u`pomonh,
avga,ph tudo

pi,stij

Temor reverente
euvsebei,a
Igualdade
filadelfi,a
O Caminho da
Graça

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Com esta suficiência da graça de Deus na mente dos ouvintes da carta, Pedro afirma seu alvo. Lembrar o
ensino da verdade (2Pe 1.12-15). Não há nada de novo a dizer, só lembrar o que já foi dito pelos
apóstolos (2Pe 1.16-18) e pelo Velho Testamento (2Pe 1.19-21).
Esta dupla fonte da revelação volta a ocorrer mais tarde na carta (2Pe 3.2 – santos profetas e apóstolos).
Todo o capítulo 2 e o 3 são ataques de Pedro contra a pessoa destes falsos mestres e, talvez, contra uma
de suas mais constantes críticas doutrinárias.
Pedro combate o caráter libertino, mercenário e arrogante dos falsos mestres (2Pe 2). Depois, combate
seu racionalismo crítico, seu naturalismo materialista e sua incredulidade em relação às profecias (2Pe 3).
Desta forma, Pedro sente que “pode partir em paz”! Ele, Paulo e outros escritores cristãos fizeram sua
contribuição para firmeza na fé de seus irmãos (2Pe 3.14-18).
O gnosticismo antigo dizia que uns cristãos eram mais “sabidos” que os outros e que
tinham privilégios de pecar sem consequência. Diziam que seu espírito era livre do
pecado e que o que faziam com o corpo não afetava a alma. Certamente, isto não
morreu naquela época. Ainda hoje, há quem acredite que seu conhecimento da verdade
os salvará, embora vivam negando esta verdade a todo instante. Acreditar que o
conhecimento doutrinário ou que a prática das doutrinas da igreja garantam salvação,
não deixa de ser um “gnosticismo revivido”. Isto é especialmente sintomático, quando
percebemos que esta atitude de confiar no intelecto leva a um afastamento da prática
da santidade, da fraternidade e do amor. Pedro, na sua última carta, nos incentiva ao
estudo da Bíblia, mas não para ter um “conhecimento superior”, mas para entender
que tudo é graça. Somos salvos pela graça, nos desenvolvemos na graça e ao final,
desfrutaremos da graça.

JUDAS
Judas deve ter escrito na mesma época de Pedro. Certamente, antes de 70 AD, pois a lista de tragédias e
destruições que ele menciona não omitiriam esta notícia, se ela já tivesse ocorrido. Uma boa data para a
carta também ficaria em torno dos anos 60 AD, não sendo posterior ao ano 66 AD, ano da morte de Tiago
e do início da guerra judaica contra Roma.394
Judas se apresenta como (i) servo de Jesus Cristo e (ii) irmão de Tiago. Apesar da igreja romana tentar
afirmar que este era um dos doze apóstolos395, trata-se do irmão de Jesus, cujos nomes ocorrem em
Marcos 6.3. O fato de não apresentar-se diretamente como “irmão do Senhor”, expressão que outros
usavam para descrevê-los (1Co 9.5; Gl 1.19), mostra sua humildade e espírito igualitário. Ele encontrou
seu lugar como “escravo” de Jesus, assim como Tiago (Tg 1.1) e todos os irmãos de Jesus (At 1.14)
Judas, assim como Pedro, combatia um tipo de falso mestre que fazia duas coisas: (i) distorcia a
mensagem da graça de Deus e abusava dela, (ii) ao mesmo tempo em que negava Jesus (Jd 4). O alvo de
sua carta era o de cuidar da pureza doutrinária da igreja.
Judas é o escritor do Novo Testamento que afirma ter “mudado de assunto” para ajudar os irmãos. Ele ia
escrever uma carta sobre a salvação que todos os cristãos receberam de Cristo. Porém, quando soube que
falsos mestres estavam rondando as comunidades cristãs, mudou de assunto. Passou a fazer um ataque a
estes falsos mestres e exortou a igreja a ficar na verdade.
Talvez esta explicação, um tanto quanto “desnecessária” seja a justificativa de Judas por utiliza um
“documento” ou um “sermão” antigo como base para sua carta.
Como já foi mencionado no estudo de 2Pedro, um fenômeno interessante que marca 2Pedro e Judas é o
material comum dos dois textos. É possível fazer uma sinopse entre os livros, especialmente entre 2Pedro
2 e Judas. A teoria que melhor explica este fenômeno das duas cartas escreverem as mesmas coisas na

394
HÖRSTER, Gerhard. Introdução e Síntese do Novo Testamento. Curitiba: Ed. Evangélica Esperança, 1993, p. 178, usando os
raciocínios de John A. T. Robinson, já citado.
395
Tradução da CNBB, p. 1512, por exemplo, afirma que ele era o “Judas, [filho ] de Tiago” de Atos 1.13 e Lucas 6.16. Contudo, o
sentido mais natural destes textos é que Judas era “filho”, pois se fosse irmão, o escritor usaria o artifício usado no verso 14 de
chamar André de irmão de Pedro. Também o irmão dele, Tiago filho de Alfeu, seria “irmão” de Alfeu? O argumento romano é
interessante, mas não persiste. Eusébio de Cesareia fala dos descentes deste Judas sendo julgados por Domiciano. Eusébio, História
Eclesiástica III.20.

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mesma ordem, mas com um vocabulário bem diverso é a teoria de uma fonte comum. Pedro e Judas
teriam usado uma fonte comum, um mesmo texto ou livro, para escrever suas mensagens.
Deveria ser um documento ou uma tradição comum para combater os falsos mestres que os dois
resolveram aproveitar, conforme o quadro abaixo.

!"#$%&'(")*"'(&)

+,&-.") /$-01)

Logo, esta nota sobre a “mudança de assunto”, justifica o uso e reelaboração desta homilia ou material
tradicional.
Uma leitura destes textos em paralelo bastam para mostrar as semelhanças e ao mesmo tempo a
independência das duas cartas entre si.

JUDAS 2 PEDRO
2 1.2
4 2.1-2, 3
5 1.12
6 2.4,9
7 2.6,10
6b 2.9
8 2.10
9 2.11
10 2.12
11 2.15,13a
12a 2.13b
12b 2.17a
13b 2.17b
16 2.18,10
17 3.1
17 3.2
18 3.3
20 3.14
21 3.15
24 3.14
25 3.18

A linguagem de Judas é bela. Isto mostra que as pressuposições sobre a capacidade literária dos “homens
simples” do Novo Testamento precisa ser reavaliada.
Faz parte do estilo de Judas formar tríades:
§ Tríplice apresentação do autor: “Judas, servo... irmão...” (Jd 1)
§ Três qualificativos dos cristãos: “... chamados, amados... e guardados...” (Jd 1);
§ Tríplice saudação: “A misericórdia, a paz e o amor” (Jd 2);
§ Tríplice análise dos falsos mestres: “... ímpios... transformam em libertinagem... negam o
Senhor...” (Jd 4);
§ Três juízos divinos: “... um povo... anjos ... Sodoma e Gomorra (Jd 5-7);
§ Três ações malignas: “... contaminam... rejeitam... difamam...” (Jd 8);
§ Três descrições históricas: “... caminho de Caim... erro de Balaão... revolta de Coré” (Jd 11);

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§ Duas vezes três descrições do mal: “rochas submersas... pastores que se apacentam... nuvem sem
água... árvore sem fruto e raiz... ondas sujas... estrelas errantes...” (Jd 12-13);
§ Três descrições de sua ação: “murmuradores, descontentes, andam em suas paixões” (Jd 16a);
§ Mais três descrições dos maus: “promovem divisões, sensuais, não têm o Espírito” (Jd 19)
§ O jeito de guardar-se é: “Edificando-vos... orando... esperando...” (Jd 20-21);
§ Fórmula trinitariana: “orando no Espírito Santo... guardai-vos no amor de Deus, esperando a
misericórdia de nosso Senhor Jesus Cristo” (Jd 20-21);
§ Três ações decisivas: “compadecei-vos... salvai-os... sede compassivos...” (Jd 22-23);
§ Três nomeações do tempo: “Antes de todas as eras, e agora, e por todos os séculos.” (Jd 25).”

Um esboço simples da carta de Judas seria o seguinte:


I. PREFACIO E SAUDAÇÃO - 1-2
II. O MOTIVO DA CARTA - 3-4
III. AS LIÇÕES DO PASSADO - 5-7
IV. A DESCRIÇÃO DOS FALSOS MESTRES - 8-16
V. A EXORTAÇÃO AOS CRISTÃOS - 17-23
VI. DOXOLOGIA - 24-25

Como Judas tem o formato de uma homilia, também é fácil fazer um esboço baseado na análise retórica
da carta:
Exordium 1-2 Remetente
[Pré-escrito epistolar] Destinatários
Saudação
Narratio 3a Intenção inicial
Propositio 3b Tese do documento
Transitio 4 Apresentação dos falsos mestres
Refutatio 5-16 A condenação dos falsos mestres:
5-7 – Confirmada pela história
8-10 – Confirmada pelo contraste
11 – Confirmada pela história
12-13 – Confirmada pela analogia
14-15 – Confirmada pela profecia
16 – Confirmada pela sua maldade
Probatio 17-21 A firmeza dos fiéis:
17-19 – Baseada no ensino apostólico
20-21 – Baseada no amor de Deus
Exortatio 22-23 Compaixão-salvação-compaixão
Peroratio 24-25 Doxologia

Como escreveu certo autor, a carta de Judas é uma advertência contra a “Síndrome de Lúcifer”.396
Segundo a lenda cristã, que não tem base sólida nas Escrituras, Lúcifer ou Satanás teria se rebelado contra
Deus por orgulho. A carta de Judas seria uma advertência contra esta comportamento dentro do povo de
Deus.
A caracterização deste problema é claro nesta pequena epístola.
Pessoas que agem dissimuladamente397, ou seja, sempre disfarçam suas verdadeiras intenções no
corpo de Cristo.
Eles transformam a graça de Deus em motivo para libertinagem, agindo de modo imoral e
justificando sua imoralidade pelo prazer que sentem.398
Acabam negando o Senhorio e Soberania de Jesus, pois, na prática, são eles e seus interesses que
governam sua vida e ações.399

396
D’ARAUJO FILHO, Caio Fábio. Síndrome de Lúcifer. Belo Horizonte: Ed. Betânia, 1988.
397
Jd 4.
398
Jd 4.
399
Jd 4.

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Suas técnicas de insubordinação e difamação fazem com que continuem na sua carnalidade.400
Eles não cuidam dos outros, mas de si mesmos.401 Nada oferecem para a comunidade cristã, mas
vivem inseridos no meio dela.402 Relatam coisas boas de si mesmos, falam mal dos outros e
adulam alguns, por interesse egoísta.403
Eles não tem o Espírito Santo, pois dividem a igreja e vivem na animalidade de seus impulsos
naturais.404
Aparentemente, são felizes, mas sua alegria é a dos escarnecedores que se alegram com a
realização de suas paixões.405
Tornam-se brutos e obtusos, nada entendendo do evangelho e da vontade de Deus.406 Sua
condenação é absolutamente certa.407
A missão cristã, diante dos “filhos de Lúcifer” dentro da igreja é dupla:
(i) Em primeiro lugar, cada discípulo precisa manter-se ligado ao seu Senhor, sua graça e seu
Espírito. As palavras dos apóstolos nos ajudarão neste processo.408
(ii) Em segundo lugar, cada discípulo necessita tentar resgatar com compaixão a alguns irmãos
que estão sendo envolvidos nestes erros. Não basta salvar-se: é preciso cuidar do outro.409
Nossa confiança, afinal, é que Deus poderá realizar seu plano em nós, guardando a cada um para a
eternidade com ele.410

1 JOÃO
As epístolas de João são difíceis de serem datadas por ausência de quaisquer referências cronológicas
precisas. As datas mais comumente aceitas seriam entre 90-95 AD. Robinson, com sua famosa
“redatação” de todo o Novo Testamento antes do ano 70 AD, coloca as epístolas joaninas no ano 60 AD.
João é o autor tradicional de todas estas três pequenas cartas, assim como do Quarto Evangelho, embora
nenhum destes documentos tenha o seu nome. Uma comparação com o Evangelho de João e com o
Apocalipse é o único modo de ter um tipo de confirmação aproximada da autoria joanina. As tradições
apontam para João, como autor destas cartas.411
As informações tradicionais, vindas dos antigos escritores cristãos afirmam que João estava em Éfeso, já
idoso, quando escreveu estas cartas. Isto se aceitarmos a data tardia de redação deste documentos.
As igrejas estavam sendo vítimas da heresia que, no Segundo Século, será muito forte e conhecida como
"gnosticismo". Tal falso ensino originou-se de especulações da filosofia do mundo greco-romano. Seu
alvo era reinterpretar o cristianismo pela filosofia grega.
Para tanto, tudo que é material teria que ser negado, pois o importante é o espiritual (se isto parece com
alguma aula que já ouviu, tome cuidado!). Conforme o pensamento filosófico popular, o espírito é bom,
mas a matéria é má.
Com esta premissa, eles precisavam negar a encarnação de Jesus, pois, se Jesus era Deus, não poderia ser
material. Ou, se Jesus fosse material, então não seria pleno e verdadeiro Deus. Ou seja, para eles a
encarnação é absolutamente incompatível com a divindade.

400
Jd 8.
401
Jd 12.
402
Jd 12-13.
403
Jd 16.
404
Jd 18.
405
Jd 18-19.
406
Jd 10.
407
Jd 5-7, 11, 14-15.
408
Jd 17-21
409
Jd 22-23: estes versos estão construídos em uma “inclusão” onde os temas são: compaixão-salvar-compaixão. Um “sanduíche”
de compaixão, recheado de salvação! Esta é a missão cristã revelada em motivação e ação.ß
410
Jd 24-25
411
Para uma defesa da autoria de João, veja: STOTT, J. R. W. I, II, III João: Introdução e Comentário. São Paulo: Vida Nova,
1982, p. 13-36.

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Esta doutrina também tinha implicações éticas das mais extremadas. Se, como diziam, a matéria é má,
então o corpo é mau. Ora, se o corpo é mau, temos que reprimir tudo o que vem do corpo – e isto levava a
um rigor e um ascetismo muito grande.
Por outro lado, outros destes “gnósticos” diziam: “Se o corpo é mau e nada tem a ver com a alma,
podemos fazer o que quisermos com o corpo, pois isto não afeta o espírito”. Assim, alguns deles caíram
em libertinagem e em desregramento moral, sem achar que estavam pecando.
Como se nota esta doutrina destrói doutrinas principais do cristianismo, tais como: a encarnação e
sofrimento vicário de Jesus, a ressurreição, a natureza da matéria. Além disto, causava profundas
distorções na ética crista.
O gênero literário
Discute-se muito sobre “o que é 1João?” Seria uma carta, um tratado, um folheto, um sermão ou uma
outra forma literária. É importante observar que a forma de 1João não encontra analogia em nenhuma
outra forma que se conhece no seu ambiente religioso e cultural.412
Um bom grupo de estudiosos pensa que 1João é uma carta geral, embora não tenha o formato de uma
carta normal da sua época. Há, hoje em dia, quem advogue existência de um estilo asiático ou oriental413
de epistola, que eliminava as saudações iniciais. Os estudiosos da epistolografia sempre insistem que o
conceito de carta envolvia um largo espectro de documentos de forma que 1João bem poderia ser
classificado como tal.414
Para outros, 1João parece uma homília415 ou um folheto416 para combate aos falsos mestres gnósticos. É
possível que João tivesse enviado este “material” para igrejas que o conheciam, através dos pregadores
que levavam seus escritos (3Jo), de cidade em cidade. Por causa disto, não precisava ter o formato padrão
de carta.
Ainda existem os que acreditam que 1João era uma reflexão escrita à luz do Evangelho de João. Esta obra
teria o propósito de combater erros e ensinar uma cristologia e uma ética decorrentes do evangelho e
apropriados para a igreja.417
Uma coisa é certa, 1João tem o objetivo de combater os falsos ensinos que negavam a divindade,
humanidade e poder salvador de Jesus. Também combate a doutrina que o comportamento não salva, mas
sim o conhecimento. De fato, quem conhece a Deus vai andar como ele quer, dirá João.
O termo anticristo (1João 2.18, 22; 4.3; 2João 7) é usado apenas por João para designar os falsos mestres.
Eles estavam desviando a igreja com uma doutrina que negava a verdadeira divindade e humanidade de
Jesus.
Sua motivação, provavelmente, era fazer o evangelho mais “fácil de aceitar” ou mais “de acordo com a
cultura”. Esta adaptação ajudaria muitos a crerem na doutrina. Contudo, a doutrina original que ensinava
sobre um Deus que se fez carne ou que morreu na cruz ou que iria ressuscitar mortos, tudo isto parecia
absurdo e tolice para o povo em geral.
Porém, sua boa intenção de “facilitar” a pregação do evangelho de Cristo ia, ao final, negar a Cristo. Por
esta causa, eles são chamados de “anticristos”, ou seja, pessoas que são contra Cristo.
Hoje em dia o termo “anticristo” tem sido alvo de especulação, como se pudesse referir-se a um líder
político que perseguiria a igreja.
Tal uso do termo é totalmente desligado do contexto original e não tem qualquer justificativa bíblica.
No desejo de especificar melhor este personagem, alguns o identificam com “o iníquo” de
2Tessalonicenses e com “a besta” do Apocalipse. Contra isto, devemos lembrar que cada um destes
“personagens” tem sua identificação (ou não) determinada pelo contexto dos documentos em que aparece
e juntar todos como se fossem o mesmo personagem não parece ser justificado.

412
VIELHAUER, Philipp. História da Literatura Cristã Primitiva: introdução ao Novo Testamento aos Apócrifos e aos Pais
Apostólicos. Santo André: Academia Cristã, 2005, p. 491
413
VIELHAUER, 2005, p. 270.
414
É bom lembrar que, em toda a história da literatura cristã primitiva, nenhum dos antigos teve dificuldade de chamar 1João de
carta: VIELHAUSER, 2005, p. 490.
415
HORSTER, 1993, p. 170.
416
DEISSMANN, A. Light from the Ancient East. Grand Rapids: Baker, 1978, p. 224, fala que a carta é uma diatribe religiosa
permeada de meditações para o benefício de comunidades religiosas. VIELHAUSER, 2005, p. 491, cita classificações da carta como
“tratado” e “manifesto”.
417
SMALEY, Stephen S. 1,2,3 John: Word Biblical Commentary, 51. Waco: Word Books, 1984, p. xxxiii.

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1João é um dos livros que claramente afirma divindade de Jesus em vários aspectos, mas especialmente
nos versos finais (1Jo 5.20-21).
A análise do argumento não é fácil, pois João parece escrever por “ciclos”, ou seja, ele passa e repassa os
mesmos pontos, fazendo “amplificações” do tema.418
Um esboço que valoriza alguns dos contrastes que a obra presenta está abaixo.
Introdução 1.1-4
A LUZ vs. AS TREVAS 1.5-2.11
O PAI vs. O MUNDO 2.12-17
O CRISTO vs. O ANTICRISTO 2.18-27
AS BOAS OBRAS vs. O MAU PROCEDER 2.28-3.24
O ESPÍRITO DA VERDADE vs. O ESPÍRITO DO ERRO 4.1-6
O VERDADEIRO AMOR vs. A FALSA PIEDADE 4.7-21
O NASCIDO DE DEUS vs. OS OUTROS 5.1-21

Interessantíssimo em 1João, são as esparsas e importantes afirmações sobre Deus e Jesus.


O retrato de Deus em 1João é:
§ Deus é luz (1.5)
§ Deus é fiel (1.9)
§ Deus é puro (3.3)
§ Deus é justo (3.7; 1.9; 2.29)
§ Deus é maior que nossos corações (3.20)
§ Deus é amor (4.8,16)
§ Deus é Jesus Cristo (5.20)
Por outro lado, complementando esta ênfase, o retrato de Jesus neste livro é:
§ Jesus é Aquele que existe desde o princípio (1.1)
§ Jesus é o Verbo da vida (1.1)
§ Jesus é nosso Advogado (2.1)
§ Jesus é o Filho (1.3,7)
§ Jesus é o Filho de Deus (4.15; 5.5)
§ Jesus é o Filho unigênito (4.9)
§ Jesus é o Salvador do mundo (4.14)
§ Jesus é o Cristo (5.1; 2.22)
§ Jesus é Aquele que nasceu de Deus (5.20)
§ Jesus foi homem (1.1; 3.5; 4.2; 5.6-8)
§ Jesus é o verdadeiro Deus e a vida eterna (5.20)

É muito sugestivo que os dois “retratos” tenham sua convergência nos versos finais e que a última frase
seja um “pensamento novo” na carta: “Guardai-vos dos ídolos!”
Ficar com o retrato verdadeiro de Deus e de Jesus evita cair na adoração caricaturas ou falsificações de
Deus.

2 e 3JOÃO
2 e 3 João são os menores documentos do Novo Testamento. A despeito de seu tamanho, sua mensagem e
luz sobre a vida dos antigos cristãos tornam tais livros importantíssimos na formação do Novo
Testamento.
A segunda carta incentiva uma igreja a continuar na verdade e no amor, que são as provas da fidelidade
a Jesus. Não devem aceitar os falsos mestres.
A terceira carta é um elogio a Gaio que apoia os pregadores itinerantes que perambulavam naquela
região. A carta também condena Diótrefes por não agir da mesma forma. Demétrio, um pregador cristão,
é recomendado nesta carta.

418
HORSTER, 1993, p. 169, faz um esboço de 3 “sequencia de temas”.

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Estes temas, apesar da simplicidade com o qual se apresentam, são partes fundamentais da vida da igreja
em todos os séculos:
(i) A manutenção da verdade;
(ii) A vida no amor;
(iii) A pregação da mensagem.
Negativamente, os problemas que estas cartas apresentam são os principais desvios da igreja, em todas as
época e ainda hoje:
(i) A falta de amor;
(ii) A falsa doutrina;
(iii) A hierarquia e o poder humano.
Estas cartas, em termos formais, são as mais próximas das antigas cartas do mundo greco-romano. O
costume era escrever bem pouco, como a carta de Atos 23.26-30. 2e3João já são um pouco maiores, mas
nada que uma folha de papiro não pudesse conter.
Elas são as verdadeiras cartas pessoais do Novo Testamento e, juntamente com Filemom, mostram os
bastidores da fé cristã.
Apesar de seu tamanho diminuto, elas têm os seus mistérios: Quem é “o presbítero”? 2João foi escrita
para uma mulher ou para uma igreja? Quem são “os amigos” em 3João15?
O título “presbítero” foi escolhido por João ao invés de usar seu nome pessoal. O contexto das cartas e o
costume da epistolografia antiga garante que os leitores saberiam quem é que lhes falava. O uso do título
pode ter sido sugerido por vários fatores: (i) por ser um título de respeito, especialmente na Ásia; (ii) por
descrever com realidade a idade do apóstolo João no fim do Primeiro Século – ele teria cerca de 90 anos;
(iii) por ligar João à história de seu envelhecimento como promessa de Jesus (Jo 21).419
Este título acabou por gerar confusões. Certos textos antigos dão a entender que o Ancião João e o
Apóstolo João eram pessoas diferentes.420 Na verdade, a confusão vem de informações mal atestadas, mas
uma comparação das três cartas em termos de vocabulário, estilo, ambientação etc. apontam para um
único autor que só pode ser uma testemunha ocular de Jesus (1Jo 1.1-4).
Embora várias interpretações sejam possíveis, é mais razoável crer que a “senhora eleita” de 2João 1 e
sua “irmã eleita” sejam um modo de falar de igrejas. Vários autores assumem esta postura. 421
Assim, a igreja é tratada como uma pessoa, uma senhora, assim como Paulo em Efésios 5 e como Oséias
identifica Israel em sua profecia.
A saudação final de 3João envolvendo os amigos trata de uma questão relevante naquele contexto.
Diótrefes tinha impedido os evangelistas itinerantes de lerem as cartas de João para as igrejas. Seu
motivo, aparentemente, não era doutrinário, mas, simplesmente, desejo de ter proeminência.
Logo, como a correspondência, no mundo antigo, era coisas de amigos, Diótrefes não era amigo. Seu
desejo de destacar-se hierarquicamente impossibilitava a amizade, que no mundo antigo, só podia existir
entre iguais. Como Diótrefes está “acima” não pode ser igual ou amigo dos outros.
Assim, João entende, como Paulo, que nem todos são amigos. Na verdade, alguns que aparentemente
estão dentro da igreja, são inimigos da cruz de Cristo (Fp 3.18-19).
Assim, João saúda aos amigos, pois são os únicos que aceitarão a leitura da carta.
Um esboço simples de 2João é:
Introdução 1-3
I. A IGREJA E O AMOR 4-6
II. A IGREJA E A VERDADE 7-11

419
WESTCOTT, B. F. The Epistles of St John. Grand Rapids: Eedmans, 1966, p. 223.
420
Sobre esta confusão e sua solução, leia: STOTT, 1982, p. 32-36, mostra os problemas e possíveis equívocos desta distinção, e
termina mostrando que João, o apóstolo é quem deve ter sido chamado de “ancião” que escreveu as 3 cartas. SUMMERS, Ray. A
Mensagem do Apocalipse: 5a. Ed. Rio de Janeiro: JUERP, 1986, p. 64-84, que, embora seja uma discussão sobre a autoria do
Apocalipse, serve para nosso propósito.
421
STOTT, 1982, p. 172; SMALLEY, 1984, p. 318-319; WESTCOTT, 1966, p. 224, indeciso, inclina-se para uma comunidade e
não uma pessoa.

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Conclusão 12-13
Um esboço simples de 3João é:
Introdução 1
I. O BOM PROCEDER DE GAIO 2-8
II. A CRÍTICA A DIOTREFES 9-10
III. A RECOMENDAÇÃO DE DEMÉTRIO 11-12
Conclusão 13-15

Estas pequenas cartas do Novo Testamento mostram como ocorria o trabalho de pregação e
evangelização na igreja antiga. Pregadores itinerantes iam andando de igreja em igreja, ou seja, de casa
em casa (as igrejas eram em casas). Eles ensinavam e pregavam. Liam textos como as cartas Joaninas ou
o Evangelho. As igrejas reuniam-se em casas particulares cedidas por irmãos que tinham condições. Se
chegassem a uma casas obreiros pregando a verdade, deviam ser recebidos e apoiados: a igreja os
sustentaria naqueles dias de permanência na cidade a ajudariam seu transporte ou viagem até a próxima
comunidade cristã (3João). Mas, se eles fossem falsos mestres, nem deviam ser recebidos. O teste da
doutrina era questão da encarnação de Jesus, negada pelos gnósticos (2João). Assim a igreja podia
cooperar com a verdade e impedir o avanço do erro.
Contudo, também obstruía a verdade “o amor pelo primeiro lugar”. Diótrefes ama o primeiro lugar e, por
esta causa, não ama aos irmãos e nem promove a verdade. Infelizmente, ainda hoje, a luta pelo poder e
por uma posição superior na “hierarquia” da igreja (que não tem hierarquia), atrapalha o evangelho e o
crescimento das comunidades cristãs.
Por outro lado, Gaio é um exemplo de um cristão que colocou sua vida ao serviço do reino e ele apoia
homens como Demétrio, que vivem para pregar o evangelho. Estes são os “amigos” de João, que era o
“amigo de Jesus”.
CONCLUSÃO

As cartas gerais completam nossa visão da igreja apostólica e do evangelho puro pregado pelas igreja
antigas, já depois de muitos anos que a igreja tinha começado. As cartas de Pedro e Judas são anteriores
ao ano 70, mas as cartas de João são, possivelmente, dos anos 90, mostrando como a igreja mantinha-se
fiel a Deus apesar das falsas doutrinas e das perseguições. O amor ainda era a marca principal da
comunidade.

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AULA 08 – O APOCALIPSE

INTRODUÇÃO
O livro de Apocalipse fecha o Novo Testamento com um novo gênero literário distinto de todos os textos
anteriores. Alguns o consideram como um livro profético, outros como um livro apocalíptico, ou seja, de
um gênero de cujas características ele é o modelo. Apesar disto, o Apocalipse, chama a si mesmo de
“livro” e tem características de “carta” e também se considera uma “profecia”. Nele assuntos terrestres e
celestes, humanos e divinos, são tratados de um modo fora do comum.
Um estudo do Apocalipse ajuda os cristãos de todos os tempos a resistir aos opositores e também a ter
esperança ema tempos dificultosos.
SÍNTESE
Introdução especial e panorama do livro de Apocalipse.
DISCUSSÃO
João, o apóstolo, estava preso em Patmos, durante o reinado de Domiciano. Num domingo, dia do Senhor
(Ap 1.10), recebeu as revelações do livro.
A data em que o Apocalipse foi escrito é objeto de discussão desde a antiguidade. Quatro datas são
propostas, de acordo com certos imperadores que reinaram422:
Imperador Data de Fontes que datam o Apocalipse
governo
Cláudio 41-54 Epifânio (Haer. 51.12)
Nero 54-68 Versões siríacas do Apocalipse
Domiciano 81-96 Irineu (Adv. Haer. 5.30.3)423
Victorino (Apoc. 10.11)
Eusébio (H. E. III.18)
Clemente de Alexandria (Quis. Div. 42)
Orígenes (Matt. 16.6)
Trajano 98-117 Doroteu em uma sinopse da vida e morte dos profetas
Teofilacto sobre Mt 20.22.

Desta lista, a data de Cláudio e de Trajano podem ser deixadas de lado, pois o texto bíblico não permite
tais datas. Na época de Cláudio, muitas das igrejas da Ásia nem existiam ainda. A época de Trajano não é
impossível, mas algumas indicações do livro podem impossibilitá-la, tal como a lista de imperadores em
Apocalipse 17.9-11.
Assim, as datas que tem recebido mais apoio histórico são as datas dos reinados de Nero e de Domiciano.
O reinado de Vespasiano, que não foi historicamente indicado por ninguém também deveria ser
considerado, pois Apocalipse 17.9-11 faz uma lista de imperadores e dá a clara impressão de que o autor
escreve na época de Vespasiano (marcamos com um asterisco (*):
Apocalipse 17.9-11
São também sete reis424...
... dos quais caíram cinco... Augusto
Tibério
Calígula
Cláudio
Nero
... um existe...* Vespasiano*
... e o outro ainda não chegou, e quando chegar tem de durar pouco... Tito
A besta que era e não é ... o oitavo rei Domiciano

422
A tabela abaixo vem CARSON; MOO; MORRIS, 1997, p. 527.
423
“Perto do final do reinado de Domiciano”.
424
Nesta lista de imperadores, não se considerou Oto, Galba e Vitélio, pois nem chegaram a ser bem aceitos e já foram depostos.

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Apesar deste verso sinalizar claramente a data de Vespasiano, podemos imaginar que o autor usava uma
“projeção” para o passado, pois o Apocalipse fala que as perseguições já estavam acontecendo e, pelo que
se sabe, Vespasiano não realizou perseguições contra a igreja.
Ficamos, portanto, com as datas de Nero e Domiciano. Como a perseguição de Nero teve pouca
influência na Ásia menor e muitas das igrejas relatadas teriam sido recém plantadas naquela época, a data
no reinado de Nero parece menos adequada. Uma data depois de Nero é necessária para que o “mito do
Nero revivido”, que ocorre no Apocalipse, faça sentido para os leitores.
Logo, a data no reinado de Domiciano parece a melhor, apesar das críticas que afirmam que sua
perseguição não foi tão sistemática como a de outros imperadores posteriores.
A data de redação seria ao redor do ano 96 AD.
João esteve trabalhando na cidade de Éfeso, de onde escreveu o evangelho e as cartas. Apocalipse deve
ser sua última obra literária.
A igreja no fim do primeiro século passava por perseguição imperial e era assediada por falsos mestres.
Ela precisava ficar fiel em todos os sentidos. Uma coisa estava ligada à outra: a pressão social fazia com
que os cristãos tentassem “transigir” de seus princípios, aceitando fazer “um pouquinho de adoração ao
Imperador” – esta devia ser a falsa doutrina mais perigosa.
Claro que nesta época o gnosticismo já rondava a igreja, como vemos em 1,2e3João. Contudo, o
gnosticismo também é uma forma de “ser mais aceitável socialmente”, pois a doutrina cristã era repulsiva
aos moldes da filosofia grega, mas se os cristãos abrissem mão da humanidade de Jesus, a doutrina
poderia ficar mais fácil de aceitar.
Enfim, a perseguição fazia com que alguns buscassem soluções inadequadas para escapar dela.
As igrejas que mais estavam sofrendo este problema era as da Ásia (atual Turquia) e, portanto, é para elas
que João escreve. As cidades para as quais a carta se destina estavam distribuídas em uma trajetória
circular, que possibilitaria levar a carta às igrejas na ordem em que aparecem no texto.
Este livro foi escrito em um gênero literário designado "Literatura Apocalíptica". Este tipo de literatura
surgiu durante o exílio de Judá na Babilônia sendo Ezequiel, Daniel e Zacarias alguns representantes do
Velho Testamento deste tipo.
Há muitas características desta literatura, mas ressaltaremos: o uso de figuras, símbolos, visões e do
sobrenatural; preocupação histórica, etc.. Eram livros escritos em épocas de crise e opressão, mostrando a
solução divina para o problema.
Esta obra usa símbolos do Velho Testamento e do cristianismo, de modo que sua linguagem torna-se
inacessível aos não familiarizados com estas áreas.
As imagens também são mais emocionantes e impressionantes que a linguagem comum, portanto, o uso
de tais imagens faz a obra mais eficiente em transmitir fé e confiança no povo de Deus.
O livro falava de eventos de sua época e não de um futuro distante (Ap 1.1). Muitos, durante toda a
história do cristianismo e até hoje em dia, pensam que o Apocalipse fala para os seus dias e não para o
passado. É um equivoco comum. De fato, o livro fala para todas as épocas, como todos os livros da
Bíblia. Por outro lado, sentido original, que deve nos ajudar a entender e aplicar a obra hoje em dia, é o
sentido percebido pelos leitores originais.
O Apocalipse tem o alvo de fortalecer os cristãos frente ao império romano que os perseguia e oprimia.
Trata-se de um livro contra os poderes agressores dos impérios dominadores.
Para cumprir este propósito o livro convida os cristãos a fidelidade, ao arrependimento. Ele mostra,
profeticamente, a derrota dos poderes do mal que naquele momento pareciam ser muito mais fortes do
que a igreja.
O alvo do livro não é o de indicar as circunstâncias ou os sinais que antecedem a volta de Jesus, afinal,
ninguém sabe quando Cristo voltará.
O Apocalipse é um livro altamente estruturado. As séries de sete no seu meio são famosas e mostram que
o livro usa números, animais, locais, pessoas, etc. tudo de modo simbólico e fantasioso.
As descrições de Jesus no livro (Ap 1, 5 e 19) são variadas e gloriosas de modo que o leitor aprende a não
pensar em nada literalmente, mas sempre figuradamente.

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O livro foi escrito para ser lido e relido. Por exemplo: no capítulo 11, duas testemunhas, que simbolizam
os cristãos, são mortos por uma “besta” que surge do abismo. O texto não diz quem é este animal
selvagem. Depois, no capítulo 13, esta besta do abismo ou do mar, é identificado com o império romano.
Mais tarde, no capítulo 17, a besta é claramente identificado com o imperador. Assim, na próxima leitura
do livro, o leitor já terá novos dados e mais compreensão dos elementos do texto.
O livro, como se fosse uma grande sinfonia, vai crescendo e crescendo. Começa em Patmos, ilha do exílio
de João, nos tempos das perseguições imperiais e termina nos céus e na eternidade com Deus.
Os primeiros 11 capítulos apresentam a situação das igrejas na terra, de Deus e Jesus nos céus e mostram
o juízo de Deus a ser executado contra a terra.
Contudo, do capítulo 12 em diante, João é levado a ver os acontecimentos terrestres da perspectiva
celeste, ou seja, ver o conflito contra a igreja, não apenas como perseguição imperial com base na
ideologia do poder, mas sim como perseguição satânica, baseada na fúria e no ódio de Satanás, derrotado
por Jesus na cruz.
Um esboço do livro, que mostra sua estrutura na base do número sete, é o seguinte:
Introdução 1.1-20
I. AS SETE CARTAS 2-3
II. OS SETE SELOS 4.1-8.6
III. AS SETE TROMBETAS 8-11
IV. OS (SETE) SINAIS 12.1-15.8
V. OS SETE TAÇAS (FLAGELOS) 16
VI. AS VITÓRIAS IMEDIATAS 17.1-20.6
VII. AS VITÓRIAS ETERNAS 20.7-22.5
Conclusão 22.6-21

O Apocalipse começa como livro e como carta (Ap 1.1-8) e também termina desta forma (Ap 22.6-21).
Uma análise literária a obra pode ver os seguintes detalhes:
Título 1.1-2
Bênção 1.3
Pré-escrito epistolar 1.4-8
Autor e destinatários 1.4a
Saudação 1.4b-5a
Doxologia 1.5a-6
Dois oráculos proféticos: 1.7 & 1.8
Relato de visões 1.9-22.9
Fecho do livro 22.10-20
Pós-escrito epistolar 22.21

Esta mistura de gêneros literários é apropriada ao livro que é uma Revelação e ao mesmo tempo será lido
nas igrejas como carta. De fato, as sete cartas dentro do livro, mostram a preocupação com a transmissão
do conteúdo do livro dentro da tradição eclesiástica de leitura das cartas apostólicas.
As cartas às sete igrejas asiáticas têm um esboço comum, com sete divisões principais:
I. Cristo se identifica;
II. O elogio;
III. A repreensão;
IV. A exortação;
V. O castigo;
VI. A advertência;
VII. A promessa.

Embora algumas cartas omitam alguns destes itens, em geral a estrutura se mantêm. Percebe-se as
seguintes variações:
§ Esmirna e Filadélfia não recebem repreensão.
§ Laodicéia não tem elogio.
§ A carta a Tiatira é a maior [é a carta central das sete].
§ Nas últimas quatro cartas, a advertência fica no fim do texto.

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§ A doutrina de Balaão ou a dos nicolaítas é um tipo de erro condenado nas cartas a Éfeso e a
Pérgamo. Este erro também pode ser combatido na carta a Tiatira, embora não mencionado pelo
nome.
As sete igrejas são reais e existem na época de João com as características que o Apocalipse atribui a cada
uma delas. A arqueologia tem encontrado nestas cidades, muitos dos detalhes que João menciona em suas
cartas.
A mensagem das cartas era para cada igreja, mas também para todas e para a igreja em toda parte, pois
João sabia que o livro seria copiado e circulado pelo mundo cristão. Sua noda de advertência final para
nada acrescentar ou tirar (Ap 22.18-19) é prova de sua previsão de cópia do livro.
ÉFESO é uma igreja forte e operosa, mas que deixou de amar Cristo como no começo
de sua fidelidade a ele. Ela é conclamada a arrepender-se e voltar ao que fazia antes.

ESMIRNA é uma igreja sofredora sob opressão dos judeus e do império. Jesus avisa
que ainda haverá mais provas a passar e incentiva a fidelidade.

PÉRGAMO é uma igreja situada na cidade que mais promovia o culto ao imperador
romano e, por causa disto, uma cidade onde haveria muitos mortos por causa da fé,
como o caso de Antipas. Havia, contudo, a necessidade de não ceder aos erros dos que
queriam ceder ao mundo para não sofrer (nicolaítas).

TIATIRA é uma igreja ativa, mas contaminada com uma falsa profetiza que estava a
desviar muitas pessoas da igreja. A carta ameaça os que se unem a ela e ao mesmo
tempo procura firmar os que não se contaminaram com seus ensinos e práticas.

SARDES é uma comunidade onde a maioria está morrendo espiritualmente. Há alguns


fieis e a igreja toda precisava deixar a preguiça espiritual e servir a Cristo com fervor.

FILADÉLFIA é uma igreja pequena e perseguida pelos judeus, mas fortalecida por
Cristo e designada para o trabalho missionário.

LAODICÉIA é uma igreja orgulhosa e está a ponto de perder-se. Cristo fala de seu
verdadeiro estado espiritual e insiste para que ela deixe-o entrar de novo em contato
com eles. A igreja tinha deixado Jesus fora de sua vida!

O Apocalipse, não casualmente, tem sete bem-aventuranças. Elas são a continuação do ensino de Jesus
que sempre insistiu em dizer que seus discípulos são abençoados:
1.3 – Os que leem, ouvem e guardam o livro.
14.13 - Os que morrem fieis ao Senhor.
16.15 - Os que ficam vigilantes na vida crista.
19.9 - Os que foram convidados à vida eterna.
20.6 - Os que participam da vitória de Cristo.
22.7 - Os que guardam as palavras de Jesus.
22.14 - Os que vivem na santidade de Jesus.

Também o Apocalipse é repleto de música e poesia cristã.425 É o livro mais “áudio-visual” de todo o
Novo Testamento, pois evoca imagens maravilhosas e também uma sonoridade sem igual.
Todo este esforço, fez João, inspirado pelo Espírito Santo, para incentivar os cristãos em seus momentos
de dificuldade.
O livro começa com uma convocação das igrejas e depois com a convocação de João para a tarefa de
escrever. Logo no capítulo 1, Jesus é revelado como triunfante e glorioso. E é este Jesus poderoso que
vem ajudar seu povo.
Depois, nos capítulos 2 e 3, as igrejas recebem cartas para que fiquem firmes apesar das dificuldades
internas e externas. As dificuldades externas são as perseguições e as internas são as falsas doutrinas.

425
Ap 4.8, 11; 5.9-10, 12, 13; 7.10, 12, 14-17; 11.15, 17-18; 12.10-12; 13.9-10; 14.4-5, 7, 8, 9-12, 13, 15; 15.3-4; 16.5-6, 7; 18.2-3,
4-8, 10, 14, 16, 19-20, 21-24; 19.1-2, 3, 4, 5, 6-8; 21.3-4.

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Depois disto, João é levado aos céus e vê que Deus está reinando, e não o imperador César. Deus reina
em todo o universo e tem nas mãos um livro que pode ajudar os cristãos a entenderem suas lutas, mas
como ninguém pode abrir o livro, surge o Cordeiro, Jesus, glorioso e poderoso que começa abrir o livro
selado. (Ap 4-5)
Quando ele abre os selos, ocorrem ameaças e julgamentos contra Roma e consolações para os cristãos
(Ap 6). Contudo, antes do sétimo anúncio, um grande intervalo mostra que os cristãos não têm nada a
temer nestes juízos pois serão protegidos por Deus (Ap 7).
Quando, enfim, Jesus abre o sétimo selo, uma nova série de ameaças e castigos são anunciados contra
Roma. Trata-se de uma série inicial de juízos que destroem o império parcialmente (Ap 8-9).
Contudo, antes do último castigo, quatro visões mostram que o povo de Deus, apesar de perseguido, será
protegido (Ap 10-11). No fim do capítulo 11, a condenação e o fim de tudo é anunciado com o juízo dos
maus e a vitória do povo de Deus (Ap 11.15-19).
Depois disto, as visões de João se intensificam e ele passa a ver coisas de uma perspectiva celestial. Ele
vê, por meio de símbolos, o que está acontecendo (Ap 12-13).
O diabo, que queria destruir Jesus não conseguiu a agora persegue a igreja (Ap 12). Para fazer isto
efetivamente, torna-se aliado do império romano, a primeira besta e da religião de culto ao imperador, a
segunda besta (Ap 13).
Mas João também vê, numa série de visões menores que o povo de Deus já é vitorioso com Cristo, e que
o mal será derrotado (Ap 14).
Aparece, então a visão dos últimos sete castigos totais. Sete flagelos destroem todos os inimigos. Apesar
disto, eles se mobilizam para tentar lutar contra Deus (Ap 15-16).
João, neste momento, recebe revelações sobre a identidade dos inimigos do povo de Deus: o império
romano e seus imperadores (Ap 17) e em seguida, uma profecia de sua destruição é adicionada (Ap 18).
A alegria celeste desta vitória (Ap 19) só é interrompida para narrar a completa derrota do Império e de
sua Religião e também a prisão de Satanás por um longo tempo (Ap 19-20). Enquanto Satanás amarga na
prisão o povo de Deus se rejubila reinando com Cristo (Ap 20.1-6): mesmo mortos, antes da ressurreição,
eles reinam com Cristo.
Depois disto, Satanás tenta, novamente, atacar o povo de Deus, mas desta vez ele nada faz. Ele é
completamente derrotado, condenado e o juízo final acontece. Contudo o povo de Deus vai morar na
tenda de Deus, na cidade santa e no paraíso (Ap 20-22).
Assim, João termina seu livro e incentiva todos à fidelidade e à transmissão exata da mensagem (Ap 22.6-
21).
CONCLUSÃO
Esperamos que este panorama geral do Novo Testamento tenha conduzido o estudante a um entendimento
maior de toda a riqueza e beleza dos livros que os cristãos receberam dos apóstolos e profetas de Jesus.
Não existem escritos mais influentes e importantes do que o Novo Testamento de Nosso Senhor Jesus
Cristo. Que esta influência e poder possa continuar transformando vidas.

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Escola Bíblica Nacional para Equipar os Servos do Rei 147


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