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Introdução

Absolutamente não podemos negar que estamos vivendo um momento de


grandes modificações na realidade e principalmente na perspectiva da Igreja.
Enquanto vivemos, “o ser igreja” tem sido discutido a ponto de gerar novas
possibilidades e responsabilidades. Creio que, tal qual a outros grandes momentos,
possivelmente perceberemos a real profundidade e relevância daqui algumas
décadas, quando olharmos para trás e notarmos as grandes diferenças provocadas
por esta geração.
Há de se considerar que a relação entre aquilo que se faz e aquilo que se
propõe a fazer, ou seja, a sobreposição de um modelo ou forma, nem sempre é boa,
pacífica e produtiva, pois aquilo que se faz representa muito mais do que um simples
modelo, sendo, na realidade a representatividade de um conjunto de valores e
princípios. Podemos afirmar que: fazemos o que fazemos, pois cremos e assim
somos. Logo, nossas ações (modelos ou formas) não são abstratas ou desconexas,
antes revelam tudo quanto há em nós.
A este respeito, há uma frase de Freud que diz: o pensamento é o ensaio da
ação. Perceba que não há distinção entre um pensamento e um indivíduo, pois se
manifestam em uma relação plenamente dependente, a saber, o indivíduo é o que
pensa, enquanto o pensamento não existe sem o ser pensante.
Se transportarmos este conceito para o ambiente eclesiástico, percebemos
que todo novo modelo a ser implantado deve passar por criteriosos métodos
avaliativos e sua implantação deve ocorrer de uma forma que não fira os indivíduos
que por tanto tempo se aplicaram inteiramente na realização do serviço em nome da
fé. Ao novo modelo é destinada uma legítima desconfiança, uma vez que deve ser
testado e aprovado para ser reproduzido e vivenciado. Entretanto, o que chamamos
de novo, muitas vezes é tão somente uma perspectiva diferente daquilo que já se
pensava e fazia, ou seja, um novo jeito de ser o que sempre se foi.

Grupos Pequenos
Os grupos pequenos em uma comunidade não é novidade alguma, enquanto
as reuniões em casas tão pouco deseja ser uma estratégia inovadora.
Percebemos no início do movimento cristão, no relato encontrado no livro de
Atos, diversas menções a reuniões em casas e nos templos – Atos 5:42. A utilização
de casas na realização de reuniões litúrgicas era tão comum e natural que a
perseguição se estende até tais locais, conforme podemos observar em Atos 8:3.
Observa-se, por diversas vezes, as casas como cenários de eventos
extraordinários, tais como:
 Salvação de gentios – Atos 10:1-48 / 16:32-34
 Encorajamento dos irmãos – Atos 16:40
 Comunhão – Atos 2:6
 Descida do Espírito Santo – Atos 2:2
 Oração e intercessão – Atos 12:12
Além de todos estes exemplos, há em diversas ocasiões descritas nos
evangelhos, uma relação muito natural entre Jesus e as casas. Nota-se uma
inclinação intencional para estar em casas, independentemente do quão importante
ou insignificante fosse o dono da casa ou seus convidados.
Afirmamos isso ao ver Cristo alimentando-se na casa de um fariseu muito
importante, segundo o relato de Lucas 14:1-24. Entretanto, logo em seguida, de
acordo com o relato de Lucas 19:1-10, Jesus decide entrar na casa de um
publicano, alguém totalmente desprovido de prestígio pela sociedade judaica.
Em ambas as casas, Jesus comeu, admoestou, ensinou e salvou. Por meio
de uma inferência lógica, o que podemos afirmar é que o modelo o agrada, lhe é
pertinente. Definitivamente, Deus decidiu agir dentro dos lares.

Pequenos Grupos e o Antigo Testamento


A religião judaica vivenciou seu auge ao estabelecer e manter-se estável
sobre três pilares: O Templo; O Sacerdócio; A Lei.
Com o advento das crises pós-exílicas, dois dos três pilares se viram em
ruínas, templo e sacerdócio.
Com um sacerdócio mergulhado em ferrenha crise institucional e hierárquica
e o templo desconstruído, a Lei se acha em completa desolação, sem possibilidade
de disseminação e perpetuação. Diante de tal circunstância, os escribas não
somente preocupam-se em copilar os textos sagrados, mas também, infundem uma
nova instituição na realidade judaica, beit knesset, ou casa de assembléia,
conhecida também por Sinagoga.
O surgimento das sinagogas reiteram o interesse supra-citado. O
condicionamento do compartilhamento da lei em “casas” possibilita a
democratização religiosa. Neste momento, na história de Israel, a religião deixa de
ser institucional, para ser pessoal. Ou seja, o movimento anual de expiação onde um
chefe de família levava um animal para ser sacrificado em seu nome e de toda a sua
família por um sacerdote se encerra, e se inicia uma era de relacionamento pessoal
para com Deus, homens sendo ensinados dentro de casas e mantendo uma relação
pessoal com um Deus antes plenamente institucional.

Plenitude dos Tempos


É notável a participação de diversas pessoas em meio aos discursos de
Jesus. Percebe quase que em todos os momentos de explanação alguma
interpelação e/ou embate ideológico.
Tal característica é percebida com naturalidade uma vez que ocorre, no
período interbíblico, o surgimento das sinagogas e com elas a disseminação e
democratização da religião. Ou seja, o momento em que Cristo aparece na história
humana, mais especificamente, na história de Israel, é propicio para o debate e
conseqüencial explanação das boas novas.
A aparição das sinagogas possibilitou a difusão das boas novas e auxiliou na
transmissão do evangelho!

Pequenos Grupos e Jesus – O Pastoreio de Jesus

Queremos abordar a questão do pastoreio de Jesus, mostrando o quanto ele


é completo, complexo e apresenta várias facetas. É possível notar isto caminhando
pelos evangelhos de forma minuciosa, observando nas entrelinhas e se permitindo
perceber a abrangência e perfeição do nosso mestre ao tratar com as pessoas
enquanto cumpria sua missão entre nós.
Vamos tratar do pastoreio de Jesus sob quatro aspectos:
 Jesus e a multidão
 Jesus e os Doze

 Jesus e os Setenta

 Jesus com Pedro, Tiago e João.


Cada aspecto em particular, por si só já nos mostrará o nível de
relacionamento que cada um desses grupos mantinha com Jesus.
Sem desprezar nenhum dos grupos Jesus se relacionou com cada um deles,
levando em conta o comprometimento, a proximidade, os interesses, o nível de
resposta aos desafios propostos e principalmente sua missão e a vontade do Pai.

Jesus e a multidão
É possível notar que o ministério de Jesus sempre foi cercado pelas
multidões. Desde o início do livro de Mateus no capítulo 5 e por todos os outros
evangelhos, a multidão sempre está presente.
Mas que nível de relacionamento as multidões tinham com Jesus? Como e
por que o seguiam? Elas realmente tinham uma revelação sobre Ele? Eram
comprometidas com sua visão e missão? Obedeciam tudo o que Ele mandava?
A palavra nos diz em Mateus 5.1 que Jesus via as multidões e as ensinava, e
Mateus 7.28, 29 diz que as multidões ouviam seus ensinos e se admiravam porque
Ele ensinava com autoridade e não como os escribas. Com isto é possível notar que
a multidão tinha uma vaga noção de que o ministério de Jesus era diferente do que
eles estavam acostumados a ver, mas nem só por isso Jesus desprezou a multidão,
e sempre que estava com ela a ensinava sobre o Reino de Deus.
Jesus também curava e libertava a multidão. A palavra nos diz que Ele
libertou a muitos oprimidos do diabo, expulsou demônios, curou cegos de nascença,
ressuscitou mortos, multiplicou pães, mesmo sabendo que a multidão só o seguia
por causa das maravilhas (João 6.2) e por causa do pão que perece (João 6.26b).
A multidão representa um relacionamento mais distante, muitas vezes
superficial, interesseiro, descompromissado, levado muito mais pelas emoções,
necessidades, do que pela revelação que tem de Cristo e pelo compromisso que
tem com Ele, sua visão e missão.
Foram poucas as vezes que Jesus deu ordens e confrontou as multidões. Por
quê? Porque Ele não as amava? Não absolutamente. Porque a própria palavra diz
que Ele se movia de íntima compaixão ao ver as multidões, que Ele se compadecia
ao vê-las como ovelhas sem pastor. Então por que Jesus não exigia tanto da
multidão? Porque Jesus sabia o que esperar da multidão, qual o nível de
comprometimento desse grupo.
Embora as multidões glorificassem a Deus e testificassem de Jesus ao
presenciar seus milagres, não tinham a revelação exata e completa de quem Ele
era. Mesmo que as multidões tivessem o privilégio de ouvi-Lo, só O ouviam por
parábolas. Ainda que estivessem com Ele durante o dia presenciando curas e
milagres, eram despedidas à noite porque não participavam da sua intimidade.
Jesus nunca se deixou encantar pelas multidões, pelo contrário, sempre foi
regido pela vontade do Pai e pelo senso de missão. Em Lucas 4.42 - 44 isto fica
muito claro. A multidão o procurava depois de ter presenciado milagres e
maravilhas, enquanto isso Ele orava em oculto. Quando foi encontrado, insistiam
com Ele para que ficasse. Ao contrário do que muitos de nós faríamos, Jesus disse
não à multidão, porque precisava dar sequência a sua missão. Em Marcos
9.30,31(NVI), a palavra diz que Ele não queria ser encontrado pela multidão, porque
precisava ensinar os seus discípulos.
Jesus tinha muito claro qual seu papel e relacionamento com a multidão.
Amou, curou, libertou, rogou obreiros para cuidar dela, não desprezou, ensinou,
confrontou, porém não esperou da multidão o que ela não podia dar.

Jesus e os Doze
Ao contrário do que acabamos de ver com a multidão, os Doze tinham um
relacionamento pessoal, próximo, de intimidade, eram conhecidos e se deixavam
conhecer, foram chamados pelo nome e desafiados já no início da caminhada.
Mateus 5.1 diz que a multidão estava no monte, mas os discípulos estavam
próximos. No capítulo 8.15 do mesmo livro diz que Jesus foi à casa de Pedro.
Os discípulos se assentavam à mesa com Ele e o viam comer com pecadores
e publicanos. Isto fala de um relacionamento muito mais íntimo que o da multidão e
ensinamentos mais profundos e práticos.
Eles não só ouviam Jesus falando de amor, mas O viam amando os
publicanos, os discriminados, os pobres, os perturbados. Tinham a oportunidade de
perguntar a Jesus o que Ele escreveu na areia enquanto os acusadores da mulher
adúltera iam embora.
Não eram só privilégios. A quem mais é dado mais é cobrado. Os discípulos
foram desafiados a deixar tudo, negar a si mesmo, tomar a cruz diariamente, deixar
pai, família e tudo para seguir a Jesus. O preço de ser discípulo é muito mais alto do
que o de ser multidão.
Em Marcos 9.36, 37 enquanto Jesus tem compaixão da multidão, os
discípulos já são desafiados a intercederem para que Deus envie obreiros para a
obra. Observe que, enquanto um recebe compaixão, o outro já deve trabalhar e com
muita responsabilidade.
Havia um investimento muito maior na formação dos discípulos porque Jesus
tinha muito claro os seus objetivos para com eles. Eles passavam muito mais tempo
com o Mestre, por exemplo: quando a multidão era despedida, eles iam para casa
com Ele e podiam tirar suas dúvidas sobre parábolas, mistérios ainda não revelados
do Reino, sobre espíritos imundos, mistérios do mundo espiritual e outras coisas,
conforme Mateus 13.10-11.
Os discípulos também tinham o privilégio de ver o que mais ninguém via,
como no episódio em que Jesus andou sobre as águas. Tais experiências tornavam
a revelação e o relacionamento muito mais profundos com Cristo. O que não
podemos esquecer é de que quanto mais crescia o conhecimento e revelação,
cresciam também as responsabilidades, como no caso das multiplicações onde
Jesus os prova deixando a cargo deles providenciar alimento para a multidão.
Mesmo tendo multiplicado, Jesus ainda dá a eles a responsabilidade de organizar a
multidão, distribuir o alimento, recolher e armazenar as sobras.
Os Doze nesse momento do seu discipulado já estavam totalmente
comprometidos com a missão do seu mestre. Observe que os discípulos não fazem
o que querem, já existe uma missão predeterminada para que eles cumpram, e eles
o fazem fielmente, como no caso de Mateus 14.22 e em outros textos onde Jesus dá
ordens específicas e os Doze as cumprem.
É verdade que eles falham no entendimento, no cumprimento, na execução
das ordens de Jesus, mas o comprometimento já é total, como nos mostra o texto de
João 6, onde todos vão embora e Jesus os questiona a respeito de sua posição. E
eles ficam.
Era a proximidade e intimidade com o discipulador Jesus que davam aos
Doze privilégios que a multidão não tinha, como: ver Jesus andar sobre as águas,
ouvir a Sua oração no momento da multiplicação dos pães, vê-Lo fazendo lodo para
curar aquele cego, receber Dele a explicação de parábolas de forma específica e
minuciosa e, por fim, e como tarefa mais importante, receber do seu discipulador e
Mestre poder, autoridade e a incumbência de continuar a sua própria missão:
Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai
e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a obedecer a tudo o que eu lhes
ordenei. (Mateus 28.19,20a.)

Jesus e os Setenta
São poucas as citações em que aparecem os Setenta nos evangelhos,
somente Lucas no seu capítulo 10 e João no capítulo 6, fazem referência a este
grupo, porém, como podemos notar nos versos de 1 a 24 do capítulo de Lucas, os
Setenta também recebem ensinamentos, ordens, direcionamento, uma missão e
poder e autoridade para cumpri-la, porém não desfrutam de tamanha intimidade e
privilégios como os Doze.
É compreensível que um grupo tão numeroso não tivesse a mesma
intimidade que um grupo menor desfrutava, a mesma profundidade, comunhão,
revelações, privilégios e outras coisas que somente um relacionamento mais estreito
e próximo com o discipulador poderia proporcionar. É importante ressaltar que este
grupo ao receber a incumbência de ir, libertar, curar em nome de Jesus, concluiu-a
com alegria e sucesso, porém o que queremos destacar é o nível de
comprometimento.
Em João, capítulo 6 a partir do verso 32, Jesus começa a fazer um discurso
sobre Ele ser o Pão do Céu e discorre até o versículo 58, onde fala de comer a sua
carne e beber o seu sangue para permanecer Nele. Ao ouvir esse discurso, diz a
Palavra no verso 66 que “daquela hora em diante, muitos dos seus discípulos
voltaram atrás”. O versículo 67 nos faz acreditar que esta hora os Setenta
abandonaram a Jesus, pois Ele se dirige somente aos Doze perguntando se eles
também não desejariam ir embora. Porém, a revelação que já haviam recebido de
quem era Jesus e o comprometimento com suas palavras e missão fizeram com que
os Doze ficassem, mesmo que um deles o trairia.
O que entendemos disso é que a intimidade, revelação e relacionamento num
vínculo de discipulado determinam o nível de comprometimento com a missão e que
a recíproca é tão verdadeira quanto.

Jesus, Pedro, Tiago e João


Mesmo os Doze sendo um grupo separado pelo mestre, em alguns episódios
somente os três estavam presentes e por escolha do próprio Jesus. Marcos no
capítulo 5 e verso 37 diz que mais ninguém o seguiu, senão Pedro, Tiago e João,
para ver a ressurreição da filha de Jairo. Outros episódios marcantes em que foram
destacados somente os três são: A transfiguração de Jesus (Mc 9.2) e no
Getsêmani, onde ele compartilha a angústia de sua alma a Pedro, Tiago e João,
algo não encontrado em outros registros nos evangelhos (Mc.14.32-35). Ainda entre
eles foi somente Pedro que andou sobre as águas e quem teve a revelação
espiritual sobre quem era Jesus. (Mt.14.39) – (Mt. 16.16)
O pastoreio de Jesus atingiu esses níveis que citamos, cada um com
propósitos claros e definidos. À multidão Ele ensinou, curou, alimentou; aos Setenta
Ele revelou alguns mistérios, deu poder, autoridade e uma missão; aos Doze
chamou pelo nome, chamou de amigo, revelou a si mesmo, os mistérios do Reino,
ensinou, pediu contas, deu poder e autoridade, e a missão de fazer outros discípulos
indo pelo mundo e aos três coube ver e ouvir coisas que os demais não viram nem
ouviram.

Uma Ferramenta
Inúmeras pessoas acreditam que os grupos pequenos são, na realidade, um
movimento efêmero de igrejas que se voltam totalmente a secularidade hodierna, ou
seja, os grupos pequenos atendem aos desejos de um nicho de mercado gerado
pela insalubridade da mensagem hodierna.
Obviamente, não cremos dessa forma, tão pouco deificamos o pequeno grupo
ou o discipulado, pois entendemos que as formas não são mais importantes do que
as normas.
Entendemos, no entanto que os pequenos grupos são uma ferramenta que
Deus disponibilizou a nós, e assim o fez, pois nos conhece melhor do que a nós
mesmos. Entretanto, a outras comunidades, agiu de maneira diferente, mas
igualmente assim o faz, pois as conhece como mais ninguém poderia.
A ferramenta deve ter o zelo que uma ferramenta merece. Deve ser cuidada
para que não perca sua aptidão e perícia, afinal, qual a valia de uma faca sem
corte? Devido a esta característica, cuidaremos da ferramenta confiada a nós, sem
que jamais a tenhamos em maior estima do que a obra para qual fomos chamados.

Obediência
O nosso trabalho em pequenos grupos é fruto da obediência a Deus.
Entendemos que a obediência irrestrita é o verdadeiro fruto da fé. Uma vez
que os milagres não são oriundos de uma fé fervorosa, mas sim da suprema
vontade de Deus.
A obediência tem o poder de nos conduzir ao lugar onde Deus deseja nos
moldar, tratar e utilizar, para a glorificação do Seu nome.

Você
A sua estada aqui, é fruto de obediência a Deus?

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