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Ad usum privatum
Em seguida (ou seja, depois de Mt, Mc e Lc) João, o discípulo do Senhor, aquele que
repousou a cabeça sobre o seu peito, também ele publicou um evangelho, durante sua
permanência na Ásia[3].
O fato, porém, de coexistirem duas conclusões no final do Evangelho, levantou a suspeita de que existe
mais de um redator. Nos capítulos 20 e 21, de fato, lemos:
“Muitos outros sinais Jesus fez na presença de seus discípulos e que não constam neste livro. Estes ficam
escritos para que creiais que Jesus é o Messias, o Filho de Deus, e para que crendo tenhais vida por meio
[4].
“Restam muitas outras coisas feitas por Jesus. Se quiséssemos escrevê-las uma por uma, penso que os
livros escritos não caberiam no mundo”[5].
Tema e estrutura[9]
“A espinha dorsal” do IV Evangelho é a progressiva manifestação do mistério de Jesus, sobretudo da
dimensão de revelador do Pai. Desde o início, ele é apresentado como o Logos, a Palavra que faz
conhecer o Pai. Apresentando o Pai, revela a si mesmo e mostra quem é o homem, dando origem a
uma relação que supera a fronteira do tempo: “Esta é a vida eterna: que conheçam a ti, o único
verdadeiro Deus, e aquele que enviaste, Jesus Cristo”[10].
Desta progressiva manifestação da pessoa de Jesus se pode pôr o interrogativo “quem é o homem?”, “o
que é a Igreja?”, então se responde: aqueles que creem em Jesus, o Cristo, o Filho de Deus e que,
crendo, tem a vida no seu nome. O Evangelho, portanto, apresentando Jesus, ajuda a compreender o
homem, a sua comunidade e o mundo no qual ele vive: “Na realidade, somente no mistério do Verbo
encarnado encontra luz o mistério do homem”[11].
O Evangelho compõe-se de:
Prólogo (1,1-18) – um hino que canta a salvação dos homens, feitos filhos de Deus pelo Verbo que se
fez carne;
Livro dos sinais (1,19-12,50) – inicia apresentando a figura de João Batista que prepara o caminho
para Jesus. A obra de Jesus se prolonga nos sinais (João não os chama de milagres) e nos discursos.
Os sinais são 7 (2,1ss; 3,46ss; 5,1ss; 6,1ss; 9,1ss; 11,1ss). Esta primeira parte mostra o drama que
atravessa todo o Evangelho: Cristo, a luz vinda para trazer a vida, é colocado à morte. O cap. 12,
concluindo a primeira parte, contém uma preciosa referência ao grão de trigo que morre para dar
vida[12];
Livro da glória (13,1-20,21) – A princípio, desaparece a multidão e ficam apenas os amigos, os íntimos
aos quais Jesus faz revelações particulares, permitindo-lhes um conhecimento aprofundado do seu
mistério. São os discursos de adeus que iniciam com o lava-pés e se concluem com a oração sacerdotal
(13-17). Esta segunda parte também se chama “livro da hora”. A hora aqui, não é uma fração de tempo,
mas o momento da plena revelação, é a hora fixada pelo Pai; hora da sua glorificação, anunciada desde
o início (2,4). Esta hora torna-se, paradoxalmente, aquela da paixão e da morte, quando Jesus cumprirá
totalmente a vontade do Pai (consummatum est) numa doação total de infinito amor a Ele e aos
homens. Por isso, a narração da paixão revela um caminho rumo à glória.
Epílogo e conclusão (21) – A Palavra eterna que se fez homem, continua sua obra na Igreja, a
comunidade dos que creem, tornados filhos de Deus.
Esquematicamente:
Prólogo (1,1-18)
Corpo central (1,19-20,31)
Livro dos sinais (1,19-12,50)
- Testemunho do Batista e chamado dos discípulos (1,19-51)
- Início dos sinais e acolhimento positivo de Nicodemos, da Samaritana e do funcionário real (2-4)
- Oposição dos judeus no contexto das grandes festas judaicas (5-10)
- O caminho de Jesus à morte (11-12)
Livro da glória (ou da hora) (13,1-20,31)
- Última ceia e discurso de adeus (13-17)
- Paixão e morte (18-19)
- Ressurreição e aparições (20)
Epílogo (21,1-25).
Dada a riqueza e complexidade do Evangelho Segundo João, citaremos apenas alguns dos temas caros
ao evangelista e que revelam a profundidade da sua mensagem teológica:
Revelar[13]: Nas mais de 30 vezes que o termo aparece, está sempre atribuído a Jesus, que é
apresentado como Mestre, Rei, Messias, mas sobretudo Filho de Deus, Unigênito, Verbo eterno;
Acolher[14]: Este tema é empregado a diversos personagens, especialmente três, que podem
representar a humanidade nas suas diversas situações: Nicodemos, a Samaritana e o funcionário real;
Rejeitar[15]: Este tema aparece já no prólogo (1,5.11) e ao longo do escrito está ligado ao conceito de
pecado. Corresponde à parte negativa das antíteses muito caras a João: luz-treva, verdade-mentira,
vida-morte, crer-não crer, ser do alto-ser de baixo, amor-ódio, filho de Deus-filho do demônio.
No IV Evangelho podemos ainda ler a história de Jesus numa perspectiva litúrgica, porque o evangelista
apresenta a sua vida pública ritmada pelas festas judaicas, como vemos abaixo:
Jo 2,13ss: Durante a festa de Páscoa, Jesus purifica o templo, expulsando os cambistas e revelando-se
o Novo templo;
Jo 5,1ss: Jesus reinterpreta o repouso do sábado, quando realiza a cura do paralítico;
Jo 7,1ss: Durante a festa das Cabanas, Jesus declara ser ele a luz do mundo e afronta o tema da água,
revelando seu significado salvífico;
Jo 10,22ss: A festa da Dedicação, torna-se ocasião para Jesus revelar-se como o bom Pastor, porta do
Novo templo pela qual é preciso passar para alcançar a salvação;
Jo 12,1ss: Na sua última festa de Páscoa (a terceira no Evangelho) Jesus é o verdadeiro Cordeiro
Pascal, oferecido em sacrifício por toda a humanidade.
Referência bibliográfica
BROWN, R.. Introduzione al Vangelo di Giovanni, Brescia: Queriniana 2007.
FABRIS, RINALDO – MAGGIONI, BRUNO. Os Evangelhos II, São Paulo: Edições Loyola 1992.
KONINGS, JOHAN. Evangelho Segundo João. Amor e fidelidade, São Paulo: Edições Loyola 2005.
MATEOS JUAN – BARRETO JUAN. Vocabulário Teológico do Evangelho de São
João, São Paulo: Edições Paulinas, 1989.
___ Il Vangelo di Giovanni. Analisi linguistica e comento exegético, Milano: Cittadella, 1982.
ORSATTI, MAURO, Giovanni. Il Vangelo ad alta definizione, Editrice Milano: Ancora, 1999.
___ Introduzione al Nuovo Testamento. Lugano: Eupress FTL, 2005.
PANIMOLLE, S.A., Il dono della legge e la grazia della verità (Gv 1,17). Roma: AVE, 1973.
[1] Profa. Ms. Josefa Alvez, Instituto Parresia.
[2] Sto. Irineu conheceu pessoalmente S. Policarpo de Esmirna, que foi discípulo de João.
[3] Adv. Haer., III,1,1.
[4] Jo 20,30-31.
[5] Jo 21,25.
[6] Cf. R. E. BROWN, Introduzione al Vangelo di Giovanni, Brescia 2007, 44-49.
[7] Brown, 49ss.
[8] Orsatti, 213.
[9] Esta parte é um resumo das pp. 215-216 de Orsatti, ob. cit.
[10] Jo 17,3.
[11] Gaudium et Spes, 22.
[12] Cf. 12,24.
[13] Cf. Orsatti, 217-219.
[14] Idem.
[15] Idem.