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Mateus 15:1-20

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Jesus Cristo e a tradição dos anciãos

Tradição, no hebraico é halacha, cuja palavra advém mais especificamente do


termo Heh-Lamed-Kaf, que normalmente pode ser traduzido como “o caminho a
ser seguido”. Em outras palavras, a halacha, para os judeus, indica qual é o
modo correto para se viver de acordo com os preceitos da Torá (a Lei de Deus).
Ora, a tradição dos anciãos é fruto de um conjunto de ensinamentos de sábios
rabinos da religião judaica. Lembrando que o judaísmo rabínico criou forma no
cativeiro babilônico e foi oficializado com a reforma religiosa de Esdras. Sendo
que foi a partir desse tempo de pós exilio que surgiram as principais
denominações religiosas operantes nos dias de Jesus: Saduceus, Fariseus e
Essênios, os quais moldaram muito a crença popular dos judeus e a forma como
eles praticavam o judaísmo naqueles dias. E pelo fato do judaísmo rabínico ter
influenciado o povo a ponto de moldar a fé das pessoas, a tradição dos anciãos
passou a ser considerada pelos judeus como se fosse a Torá Oral, isto é, parte
da Lei do Senhor. Mas, apesar da religião judaica ensinar que a tradição,
conhecida como Torá Oral, ou seja, a interpretação dos mandamentos da Torá
Escrita, tenha sido transmitida oralmente, geração após geração, desde os dias
de Moisés; na verdade, historicamente falando, é possível traçar a tradição dos
rabinos até o tempo do segundo Templo apenas, que é quando o rabinato e as
sinagogas efetivamente começaram a existir.
Nos dias de Cristo, a tradição dos anciãos era passada pelos rabinos aos seus
discípulos e, por conseguinte, ao povo que congregava nas sinagogas locais. O
que era feito de forma oral através dos ensinamentos, dos debates e das
pregações. Na prática, era como se os rabinos e as escolas rabínicas fossem os
autênticos intérpretes da Lei, atuando como mediadores entre a religiosidade
popular e a Palavra de Deus. De modo que os judeus entendiam que praticar o
judaísmo significava crer na teologia dos rabinos e seguir à risca as ordenanças
rabínicas. Afinal de contas, eles é que eram os mestres espirituais e, portanto,
os únicos capacitados para interpretar os mandamentos de Deus e traduzi-los
ao povo de uma forma que levasse as pessoas a cumprirem cabalmente com as
ordenanças da Torá. Não é à toa que a tradição rabínica, na prática, não passava
de um conjunto de regras bem detalhadas sobre como cumprir cada um dos 613
mandamentos da Lei. E, além do mais, os rabinos se empenhavam em longos
debates teológicos para compreenderem com maior profundidade as
ordenanças, procurando sempre solucionar as situações difíceis de uma forma
que fosse coerente com a justiça divina. Ora, todo esse conhecimento, mais
tarde, lá pro final do primeiro século da era comum, com a destruição do segundo
Templo pelos romanos e a segunda grande diáspora dos judeus, é que os
rabinos passaram por escrito toda essa tradição oral a fim de preservar as raízes
de sua religião. Produzindo obras monumentais como o Midrash, que traz a
sabedoria dos mestres da religião ensinando os princípios por detrás da Torá, o
Talmude de Jerusalém e o Talmude Babilônico, os quais contêm discussões
rabínicas, leis judaicas, usos e costumes e até relatos históricos relevantes para
a fé, de forma profunda e esclarecedora, respectivamente. Portanto, a tradição,
do ponto de vista judaico, não passa de uma “luz menor” que ilumina o caminho
visando guiar os homens até a “luz maior”. Mas acontece que,
independentemente de uma simplesmente mostrar o caminho para a outra, na
prática, ambas são entendidas como sendo a mesma luz de modo que a que
está lá fora resplandecente e a que ilumina dentro do túnel mostrando o caminho
se confundem como sendo uma única coisa. Trocando em miúdos, para os
judeus, o que um rabino ensinava na sinagoga tinha a mesma autoridade que
aquilo que estava escrito no Tanak (a Bíblia Hebraica). Por conseguinte, grande
parte dos judeus praticava um judaísmo cego, cumprindo com tradições que
maquinalmente aprenderam, professando credos decorados, seguindo
determinados usos e costumes sem discernimento e cumprindo com rituais
litúrgicos de forma automática, o que certamente não agradava ao Senhor visto
o coração daquele povo estava longe de Deus.
Pois bem, Jesus Cristo, no decorrer do seu ministério, teve que lidar com a
tradição dos anciãos, e ele teve de demonstrar a todos se era ou não submisso
as doutrinas dos mestres. Ora, apesar de terem os seus acertos e conterem
alguma sabedoria, havia um grande problema em se sujeitar cegamente a
tradição dos rabinos, como a maioria do povo fazia, a saber: que, por vezes, por
mais que parecesse correto, coerente e piedoso, a tradição religiosa entrava em
conflito com a Palavra de Deus. Por isso que o Mestre resistia com veemência a
tradição dos religiosos, não porque ele fosse um rebelde apóstata que não vivia
o judaísmo ou estava tentando anular os mandamentos do Senhor, mas
justamente pelo contrário, por ele viver a Lei é que não podia concordar com os
exageros e os equívocos dos teólogos da religião. Algo que ficará mais claro com
a situação que nos é apresentada como exemplo nos versos que são destacados
a seguir:
“Então chegaram a Jesus uns fariseus e escribas vindos de Jerusalém, e
lhe perguntaram: Por que transgridem os teus discípulos a tradição dos
anciãos? Pois não lavam as mãos, quando comem. Ele, porém,
respondendo, disse-lhes: E vós, por que transgredis o mandamento de
Deus por causa da vossa tradição? Pois Deus ordenou: Honra a teu pai e a
tua mãe; e, Quem maldisser a seu pai ou a sua mãe, certamente morrerá.
Mas vós dizeis: Qualquer que disser a seu pai ou a sua mãe: O que poderias
aproveitar de mim é oferta ao Senhor; esse de modo algum terá de honrar
a seu pai. E assim por causa da vossa tradição invalidastes a palavra de
Deus. Hipócritas! bem profetizou Isaias a vosso respeito, dizendo: Este
povo honra-me com os lábios; o seu coração, porém, está longe de mim.
Mas em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homem.
E, clamando a si a multidão, disse-lhes: Ouvi, e entendei: Não é o que entra
pela boca que contamina o homem; mas o que sai da boca, isso é o que o
contamina. Então os discípulos, aproximando-se dele, perguntaram-lhe:
Sabes que os fariseus, ouvindo essas palavras, se escandalizaram?
Respondeu-lhes ele: Toda planta que meu Pai celestial não plantou será
arrancada. Deixai-os; são guias cegos; ora, se um cego guiar outro cego,
ambos cairão no barranco. E Pedro, tomando a palavra, disse-lhe: Explica-
nos essa parábola. Respondeu Jesus: Estai vós também ainda sem
entender? Não compreendeis que tudo o que entra pela boca desce pelo
ventre, e é lançado fora? Mas o que sai da boca procede do coração; e é
isso o que contamina o homem. Porque do coração procedem os maus
pensamentos, homicídios, adultérios, prostituição, furtos, falsos
testemunhos e blasfêmias. São estas as coisas que contaminam o homem;
mas o comer sem lavar as mãos, isso não o contamina.” (Mateus 15:1-20)
Vieram até Jesus alguns fariseus e escribas, ou seja, mestres e doutores da Lei
vindos de Jerusalém para o experimentar. Porquanto, como a sua fama havia
crescido entre os judeus, o que passou a incomodar as autoridades, os religiosos
decidiram se aproximar dele para prová-lo em seu ministério. Acompanhando-o
mais de perto, eles certamente viram a grande multidão que seguia a Cristo e
todas as grandes obras que ele operava, como também a sua profunda
sabedoria em ensinar de modo que, com relação a essas coisas, não podiam
criticá-lo. Até que, de repente, perceberam que os discípulos de Cristo estavam
comendo pão sem cumprirem com o ritual de lavar as mãos. Então, apegando-
se nesse pequeno detalhe, eles indagaram a Jesus: Por que os seus discípulos
violam a tradição dos anciãos? Pois eles não respeitam a nossa cerimônia de
lavar as mãos antes de comer!
Ora, os mestres da religião, interpretando a Lei, principalmente no que diz
respeito aos mandamentos acerca das impurezas (Levíticos 15:1-33),
entenderam que, como utilizamos as mãos para tocar, cumprimentar ou fazer as
coisas, ao longo do dia elas poderiam vir a se tornar impuras. E porque era
exigido na Lei que os sacerdotes, antes de comerem das oferendas consagradas
no Templo, viessem a lavar as mãos para não impurificar os alimentos (Êxodo
30:20-21), os rabinos entenderam que, se as mãos estivessem impuras por
conta de alguma impureza, então, os alimentos, mesmo que fossem Kosher
(puros e, portanto, próprios para o consumo), se tornariam impuros. Por isso,
ampliaram tal costume de lavar as mãos, exigindo-os de todos os judeus como
regra para que viessem a comer suas refeições diárias.
Só que, por ser um costume cerimonial, não bastava lavar as mãos de qualquer
jeito, pois, para ser considerado cerimonialmente puro, era necessário seguir um
determinado rito. Então, os rabinos ensinavam que, para purificar corretamente
as mãos, era necessário observar algumas práticas. Primeiro, era preciso
posicionar as mãos em formato de concha, uma ao lado da outra, com os dedos
virados para cima, dentro de uma pia. Em seguida, alguém deveria vir com um
jarro cheio de água limpa e despejar sobre elas de modo que viesse a encher as
mãos até escorrer entre os dedos e sobre os pulsos. Depois, era preciso virar a
palma das mãos para baixo enquanto a água estava sendo despejada sobre elas
e, então, com o pulso de uma mão se esfregava as costas da outra mão, fazendo
movimentos circulares, passando por toda ela, até sobre os dedos e as unhas;
fazendo isso em ambas as mãos. Por fim, ao retirar as mãos da pia, era
primordial secá-las numa toalha limpa. E, desta forma, era que os religiosos
purificavam as mãos antes das refeições para não pecarem contra Deus. Logo,
esse costume não dizia respeito somente a uma mera prática de higiene, tal
como fazemos hoje em dia (o que, obviamente, é correto e necessário), mas sim
a uma prática religiosa de purificação sem a qual a pessoa era considerada
impura, isto é, como se estivesse cometendo alguma transgressão contra o
Senhor (o que, obviamente, é um exagero por parte dos religiosos).
Afinal de contas, o grande equívoco dos fariseus era entender que Deus tratava
a comida ordinária do mesmo modo que a comida sagrada. Pois todo sacrifício
ou oferenda feita no Templo, mesmo os pães da proposição, eram consagrados
ao Senhor e destinados ao uso dos sacerdotes, os quais, por vezes, tinham que
comer uma parte desses alimentos para cumprirem com um rito específico.
Neste caso, exigia-se uma observância ritual de pureza, porque, dentro da
cultura semita, mãos limpas era sinal de santidade e mãos sujas era sinal de
pecaminosidade, e, como os sacerdotes tinham que se guardar em santidade
para se apresentarem diante do Senhor, o lavar as mãos, os pés, as vasilhas e
os itens do Templo durante o rito fazia parte de uma cerimônia de purificação
necessária para que eles não despertassem a ira de Deus e fossem mortos por
Ele, invalidando, assim, todo o ritual. Coisa que não cabia as refeições comuns,
tanto que na Torá temos prescrições sobre como lidar de modo especial com os
alimentos sagrados que eram oferecidos no Templo, mas não há nenhuma
prescrição de um rito a observar com relação a comida ordinária que se come
em casa. De modo que são duas coisas completamente distintas que os mestres
da religião estavam confundindo de maneira a exigir muito além daquilo que o
próprio mandamento ordena, o que, em vez de santificar o homem, só torna a
Lei pesada a ponto de ser insuportável praticá-la.
Por isso que quando os religiosos questionaram Jesus a respeito dessa prática,
eles estavam, na verdade, repudiando os seus discípulos como se fossem
terríveis pecadores por não observarem um costume religioso que eles mesmos
haviam desenvolvidos a partir de uma interpretação rigorosa e equivocada da
Lei. Porquanto não há na Torá nenhuma prescrição a respeito dessa prática,
mas ela foi estabelecida como regra para os judeus por inferência, ou seja, por
conta dos sábios da religião assim depreenderem a partir dos mandamentos. E
como, para eles, só cumpria corretamente a Lei quem seguisse à risca a tradição
dos anciãos, porque nela, conforme entendiam, os rabinos ensinavam como
cumprir cada um dos mandamentos, por conseguinte, os religiosos se
escandalizaram com o que viram. Porque, para eles, os discípulos estavam
impurificando o alimento que comiam por não terem lavado as mãos antes de
comê-lo e, assim, estavam pecando contra o Senhor pelo simples fato de
estarem comendo um pedaço de pão.
Porém, Jesus lhes repreende utilizando-se da mesma lógica que eles, só que de
maneira inversa, isto é, em vez de colocar a tradição como algo necessário para
se cumprir a Lei, ele usa a Palavra de Deus para anular a tradição pelo fato dela
ir contra o próprio mandamento que justamente dizia ensinar a observar. Pois
ele os questiona dizendo: e por que vocês, com suas tradições, desobedecem
ao mandamento de Deus? Porque o Senhor ordenou: “honre seu pai e sua mãe”
(Êxodo 20:12) e, ainda diz: “quem desonrar seu pai ou sua mãe será executado”
(Levíticos 20:9). Mas, em vez disso, vocês ensinam que, se alguém disser a seus
pais que não pode ajudá-los financeiramente com seus bens, porque fez voto de
corbã, isto é, consagrou todos os seus bens ao Senhor para que depois de sua
morte fossem doados ao Templo para uso dos sacerdotes, fica desobrigado de
honrá-los com sua riqueza. Ora, os religiosos bem sabiam que o mandamento
sobre honrar pai e mãe significava, dentre outras coisas, servir os pais na velhice
e na doença com os seus bens. E que se negar a ajudá-los era punido, conforme
a Lei, com morte, porque só desonra seus pais o filho que é ingrato e rebelde.
Todavia, baseados no mandamento que diz que “Quando fizeres algum voto ao
SENHOR, teu Deus, não tardarás em cumpri-lo; porque o SENHOR, teu Deus,
certamente, o requererá de ti, e em ti haverá pecado” (Deuteronômios 23:21); e,
como era costume da época alguns, demonstrando fervorosa devoção religiosa,
virem a entregar todos os seus bens ao Senhor para que fossem doados ao
Templo, ao serviço sacerdotal, após sua morte, então, os rabinos ensinavam que
nessa situação era permitido desonrar os pais para não deixar de cumprir o voto
que fez a Deus. Afinal de contas, o Senhor é maior do que pai e mãe, não é
mesmo?
Só que isso, segundo o Cristo, não passava de um ledo engano da tradição
religiosa, pois, além de não ser exigido tal tipo de voto nas Escrituras, ainda, tal
costume acabava por justificar a violação da Lei. Pense bem, se o que Deus quer
de nós é que a sua vontade seja cumprida, o que inclui, obviamente,
observarmos os seus mandamentos, então, aquele que faz voto ao Senhor
consagrando os seus bens ao Eterno, não deveria ser ele o primeiro a utilizar
toda sua riqueza para socorrer os necessitados, sobretudo, os seus próprios
pais? Pois é muito fácil entregar os seus bens ao serviço da Obra de Deus depois
da morte, que amor isso provará? Acaso o morto sofre em sacrifício por se privar
dos bens que teve em vida para que eles sirvam aos propósitos do Senhor agora
que ele já não mais precisa deles? Ora, amar é se sacrificar em prol daquele que
se ama. Quem está disposto a honrar a Deus com seus bens após sua morte,
no fundo, não passa de um hipócrita que é capaz de, em vida, deixar de amar o
próximo se justificando com um pretenso amor ao Senhor. Por outro lado, quem
ama a Deus demonstra seu amor amando o próximo, de modo que se ele faz
algum voto ao Senhor de doar seus bens para a Obra de Deus depois da morte,
isso é, na verdade, uma consequência daquilo que ele já vinha fazendo em vida.
Porquanto, enquanto viveu, ele nunca deixou de praticar a caridade para com os
mais necessitados de maneira que a sua ação pós morte apenas coroa a sua
vida de devoção ao Senhor; e assim é que toda a Lei se cumpre!
Não é sem razão que Jesus os repreendeu dizendo: hipócritas! Em outras
palavras: falsos religiosos escondidos sob a forma de piedade! Bem profetizou o
profeta Isaías contra vocês: “este povo se aproxima de mim, e com a sua boca,
e com os seus lábios me honra, mas o seu coração está longe de mim, e o seu
temor para comigo consiste só em tradição de homens, que maquinalmente
aprendeu” (Isaías 29:13). Então, Jesus, chamando a multidão para perto de si,
explicou a todos em alto e bom som, dizendo: ouçam e entendam (prestem
atenção para que compreendam corretamente o que vou lhes dizer)! Não é o
que entra pela boca que contamina o homem, mas o que sai da boca, isso é o
que o contamina. Então, os seus discípulos vieram até ele e lhe falaram: Mestre,
o senhor sabe muito bem que ofendeu os fariseus com isso que acabou de dizer,
certo? Porque deu a entender a eles que até mesmo um alimento não kosher
(impuro e, portanto, impróprio ao consumo) não impurifica o homem se ele vier
a comer. Assim falaram porque, como judeus, eles bem sabiam que Deus havia
entregado ao povo ordenanças com respeito aos alimentos impuros, os quais
eram proibidos na dieta alimentar de um judeu (Levítico 11:1-46). Ao que Jesus
lhes respondeu com uma parábola dizendo: toda planta que o meu Pai Celestial
não plantou, será arrancada pela raiz! Significando que a sã doutrina é aquela
que decorre da Palavra de Deus e não da tradição de homens, de modo que só
permanecerá como Verdade Eterna no coração dos seus discípulos aquilo que
o Senhor semeou e não essas doutrinas de demônios que os falsos mestres
criam e ensinam para enganar e controlar o povo. Porquanto, o grande problema
da religião é, por não estar satisfeita com a Revelação Divina através da Palavra,
introduzir inovações em sua doutrina e prática, as quais, com o tempo, viram
tradições de modo que passam a serem cridas e observadas pelo povo como se
fossem a Palavra do Senhor, mas, na real, aquilo não passa de doutrinas e de
usos e costumes de homens. E ainda diz mais, alertando os seus discípulos:
deixai-os (não se preocupem em agradar esses falsos pastores, ignorem
completamente as mentiras deles), pois são guias cegos. Ora, se um cego guiar
outro cego ambos cairão no abismo. Portanto, não busquem aprender deles as
suas falsas doutrinas e nem aderir os seus usos e costumes, porque correrão o
risco de se perderem. Afastem-se deles, e não lhes deem nenhum crédito, pois
será melhor para vocês!
Porém, em seguida, Pedro, em nome dos discípulos, pergunta: então, explique-
nos o significado dessa parábola de que as pessoas não são contaminadas pelo
que comem. O discípulo aqui foi muito atrevido, insistindo nesse assunto sobre
os alimentos impuros. Pois, conforme aprenderam dos religiosos, ele não podia
conceber a ideia de que Jesus estivesse falando que os alimentos impuros não
impurificam o homem. De modo que ele considera aquilo que Jesus disse como
se fosse uma parábola. Trocando em miúdos, na concepção dele, o Mestre só
poderia estar falando de forma simbólica sobre esse assunto, porque ele bem
sabia que na Lei há uma lista de animais impuros que são proibidos de comer.
Porém, em resposta, Jesus repreende a todos os seus discípulos dizendo: não
é possível que vocês não entenderam aquilo que eu disse de forma tão clara!
Não compreendem que tudo o que entra pela boca passa pelo ventre e, depois,
é lançado fora pelo próprio organismo? De maneira que o próprio corpo limpa a
si mesmo de toda e qualquer impureza que foi ingerida, seja ela os germes das
mãos por comer sem lavá-las, a carne de porco, de coelho, de lebre ou de outros
tipos de animais impuros, o cadáver ou o sangue de um animal morto, plantas
venenosas e dentre outras coisas mais que se venha a consumir. Pois, por mais
que tais coisas sejam prejudiciais à saúde e, portanto, é lícito evitá-las, ainda
assim, não condenam o homem diante do Senhor como se tivesse cometido
algum pecado a ponto de se tornar réu do Juízo Eterno. Porquanto, comer
alimentos impuros só trará malefícios ao corpo físico, mas não ao espírito. De
modo que ninguém peca por comer um alimento mau cozido, mas irá adoecer e
fazer sofrer o corpo se o fizer. Por conseguinte, é importante ressaltar que alguns
desses malefícios podem ser desastrosos a ponto de levarem à morte, por isso,
por mais que tais mandamentos sejam secundários por dizerem respeito a saúde
do corpo, de maneira alguma são irrelevantes, pois são essenciais para a
preservação de uma vida saudável.
Então, Cristo continua dizendo: o que sai da boca, isto é, as palavras que levam
as más ações, procedem do coração, e isso é o que de fato contamina o homem.
Porque do coração do pecador procedem toda sorte de maldades:

1. Maus pensamentos: todo tipo de desejos pecaminosos contra o próximo


(ciúmes, inveja, ódio, preconceito etc).
2. Homicídios: todo tipo de crueldade que leva ao assassinato (torturas,
perseguições, guerras etc).
3. Adultérios: todo tipo de infidelidade praticada, seja contra Deus através
da idolatria ou contra a família através da traição conjugal.
4. Prostituição: todo tipo de impureza sexual, ou seja, relações sexuais
ilícitas (homossexualidade, zoofilia, necrofilia, fornicação, incesto,
poligamia, poliandria etc).
5. Furtos: todo tipo de corrupção por causa de dinheiro (roubo, suborno,
desvio de verba pública etc).
6. Falsos testemunhos: todo tipo de mentira proferida contra alguém a fim
de prejudicá-lo (fofoca, maledicência, enganação, juízo temerário etc).
7. Blasfêmias: todo tipo de injúria proferida contra Deus, os seus servos e
o seu povo com a finalidade de desacreditá-los (algo próprio de um
apóstata).

Com essa lista de sete tipos de pecados, Jesus resumiu a categoria de todas as
transgressões que se via sendo cometida por parte dos religiosos nos seus dias
(lembrando que o número 7, dentro da tradição bíblica, remete a totalidade de
algo). Pois era comum de se ver autoridades religiosas envolvidas em tais tipos
de escândalos. E, aqui, Jesus está mostrando para os seus discípulos que os
escribas e os fariseus estavam sendo hipócritas em usar a sua religiosidade para
coar mosquitos (condenar as pessoas pelas pequenas coisas que praticavam
que, segundo a tradição deles e não segundo a Palavra, eram consideradas
grandes transgressões), enquanto eles mesmos engoliam camelos (violavam os
mandamentos de Deus cometendo pecados terríveis, utilizando-se da tradição
para se justificarem na Palavra a fim de zelarem pela boa moral que tinham que
conservar diante das pessoas para continuarem sendo influentes na sociedade).
Então, ele conclui dizendo: são estas coisas que têm contaminado esses
religiosos hipócritas a ponto de eles serem considerados condenáveis diante do
Eterno; mas o comer sem lavar as mãos não contaminará vocês, meus
discípulos, de modo que venham a perder a sua salvação, por isso, não se
prendam as tolices da tradição religiosa, mas vivam de acordo com a Palavra de
Deus. E, dessa forma, Cristo ensinou o princípio de que as coisas ligadas ao
corpo (comer, beber, dormir, ter relações sexuais, ficar doente, sentir frio, fome,
medo, cansaço, ficar sujo etc) não contaminam o espírito, todavia, o pecado que
há no coração (adultério, homicídio, blasfêmia, furto, corrupção, preconceito etc),
que é o que de fato condena o homem, se manifesta através do corpo.
Bem sabemos que ainda assim, Pedro, na qualidade de um judeu que foi
educado no judaísmo em tempos de farisaísmo rígido e severo, continuou cético
em relação a este ensinamento de Jesus por um bom tempo. Pois mesmo
depois, quando já apóstolo do Senhor, ele associava muito a ideia da tradição
judaica de que “é sempre o impuro que impurifica o puro a ponto de manchar até
a alma”, apesar de ter visto com os próprios olhos que o Senhor Jesus Cristo,
sendo santo, mesmo tendo sido tocado pela mulher com fluxo de sangue,
mesmo tendo ficado diante de leprosos, ter comido na casa de pecadores onde
haviam publicanos e prostitutas e tendo evangelizado entre os gentios, em terra
profana, era ele quem purificava-os e não o contrário. Então, pensar que comer
sem lavar as mãos torna um alimento kosher em não kosher e, por conseguinte,
impurifica o homem, fazendo-o pecar contra o Senhor; ou que pelo simples fato
de comer uma carne imunda, como a de porco, irá manchar a sua alma a ponto
de te condenar ao inferno, era, para o Mestre, indícios de uma religiosidade cega
e radicalizada por tradições de homens. Mas o apóstolo insistiu nisso, tanto que
lá em Jope, quando, com fome, teve a visão celestial da toalha com os animais
impuros, ainda que o próprio Espírito Santo lhe dissesse para matar e comer, ele
se recusou dizendo que coisa impura jamais lhe havia tocado nos lábios. Ao que
o Espírito, tendo insistido por três vezes seguidas disse: não chame de impuro o
que o Senhor purificou. Então, tendo batido na porta, veio ao seu encontro um
homem para levá-lo a casa de um centurião romano chamado Cornélio. E, tendo
ido, apesar de todo o seu preconceito judaico, Pedro pregou o Evangelho aos
gentios de modo que o Espírito Santo desceu sobre eles, santificando-os da
mesma forma que fez em Jerusalém no dia de Pentecostes. O que deixou
novamente nítido que, com o Senhor, é o puro que purifica o impuro de maneira
que judeus e gentios, em Cristo, tornam um só povo, a Igreja, tendo comunhão
no mesmo Espírito, não havendo mais as barreiras de separação impostas pela
tradição rabínica, os quais, no fundo, não passavam de preconceitos religiosos
(Atos 10:1-48).
Por isso que, muitos anos depois, quando Pedro estava em Roma pregando o
Evangelho aos gentios, o qual é registrado por Marcos, ao narrar sobre esse
ensinamento de Jesus, ele acrescenta, com convicção, a sua interpretação
dizendo: “e, assim, considerou ele puros todos os alimentos” (Marcos 7:19).
Porque com tal ensinamento do Mestre estava claro que não é comida ou bebida
que nos torna santo ou pecador diante de Deus, tal como pensam os judeus em
sua tradição religiosa. Pois tudo o que entra pela boca não entra no coração,
mas segue pelo ventre e parte para lugar escuso. Por outro lado, o que sai da
boca, isso sim é o que condena o pecador, porque são as maldades do seu
coração. Portanto, deve-se discernir corretamente as coisas para não cairmos
nos erros exagerados dos fariseus a ponto de condenarmos até aquilo que é
bom e agradável, tal como matar a fome comendo um delicioso pão.
Agora, tal ensinamento, não quer dizer que Cristo estava violando,
desconsiderando ou anulando as leis dietéticas, aquelas que foram dadas por
razões sanitárias ou de saúde. Não! O que o Messias estava fazendo era corrigir
o erro da tradição dos rabinos que exagerava na interpretação e na prática de
tais mandamentos a ponto de considerá-los necessários a salvação da alma.
Ora, os mandamentos que falam sobre não comer cadáveres de animais
encontrados por aí, os quais já estão em estado de putrefação, não beber o
sangue do animal morto, enterrar as fezes depois de fazer as suas
necessidades, a mulher observar o resguardo e se purificar em água depois de
ter um bebê, manter o leproso em isolamento enquanto durar a sua doença, não
comer a carne de animais considerados imundos, não ingerir plantas venenosas,
não fazer marcas na pele de modo a deformar o corpo etc; pela própria
ordenança que trazem, vê-se que o fim deles não é espiritual, porém físico. Os
quais foram muito bem descritos e entregues a um povo primitivo que vivia como
nômade no deserto, numa época onde os conhecimentos sobre saúde eram
escassos e as condições de higiene precárias. De modo que tais mandamentos
trazem neles princípios que são fundamentais para a preservação da vida,
garantindo a nossa sanidade física. Portanto, devem ser observados somente
nesse sentido. Por exemplo, não devemos nos preocupar em prepararmos os
alimentos de modo Kosher (lavando, limpando, separando e cozinhando
corretamente) pensando em céu ou inferno, mas sim em cuidarmos do nosso
corpo dando a ele o que ele necessita, na medida em que necessita e do modo
como necessita, ou seja, tendo uma preocupação nutricional e não espiritual;.
sabendo que comer uma carne cru e cheia de sangue do cadáver de um animal
em estado de putrefação irá nos matar, levando-nos à sepultura, mas não ao
inferno. Logo, a questão que Cristo debateu aqui não diz respeito a liberação da
insalubridade, mas sim ao equívoco que se comete em viver a Palavra com base
na tradição de homens. Porque se comete muitos exageros insanos tanto na
interpretação quanto na prática de maneira a levar os homens até mesmo a
violarem o mandamento por tentarem cumpri-lo de uma forma aparentemente
mais radical e elevada.

Enfim, com esse debate, o Senhor Jesus Cristo ensinou aos seus discípulos o
principio da autoridade das Sagradas Escrituras sobre a tradição dos antigos.
Porque, indo contra aquilo que o povo entendia como vida religiosa, o Mestre
provou o perigo que era viver uma religiosidade cega, a qual se baseia em
doutrinas de homens, aquelas que os mestres da religião transmitem ao povo
sob o pretexto de estarem guiando as pessoas à prática da Palavra de Deus.
Porquanto, por vezes, algum ensino trazido pela tradição pode vir a anular o
mandamento do Senhor indo contra aquilo que o preceito bíblico ensina. Por isso
que, para o Messias, importava seguir a Lei pelos Profetas do que tentar cumprir
os mandamentos baseado na tradição dos rabinos. Ora, seguir a Palavra através
da própria Palavra é o caminho correto a ser seguido, porque nos limitaremos
àquilo que o próprio Senhor revelou a nós através dos seus servos, os profetas
e, por último, pelo próprio Messias. Ao passo que tentar cumprir a Palavra
através da tradição de homens significa trilhar um caminho errado, o qual não
nos levará a Luz, antes, nos guiará a densas trevas, fazendo-nos entrar cada
vez mais na escuridão do pecado. Não é à toa que todas as heresias advêm de
doutrinas de homens que de início entraram como uma inovação e, depois, se
consolidaram como uma tradição, levando muitos a transgredirem os
mandamentos. Portanto, Cristo ensina aos seus discípulos o cuidado que se
deve ter com as tradições desenvolvidas através dos séculos e que acabam
moldando a religião de Deus, advertindo-os a buscarem sempre o retorno às
Escrituras para não pecarem contra o Senhor.

Advertência contra a religiosidade cega que é baseada em tradições de


homens e não na Palavra de Deus: “Admira-me que estejais passando tão
depressa daquele que vos chamou na graça de Cristo para outro evangelho, o
qual não é outro, senão que há alguns que vos perturbam e querem perverter o
evangelho de Cristo.” (Gálatas 1:6)
“Se morrestes com Cristo para os rudimentos do mundo, por que, como se
vivêsseis no mundo, vos sujeitais a tais ordenanças: não manuseies isto, não
proves aquilo, não toques aquiloutro, segundo os preceitos e doutrinas de
homens? Pois que todas essas coisas, com o uso, se destroem. Tais coisas,
com efeito, têm aparência de sabedoria, como culto de si mesmo, e de falsa
humildade, e de rigor ascético; todavia, não têm valor algum contra o pecado.”
(Colossenses 2:22,23)
“Tende cuidado, para que ninguém vos faça presa sua, por meio de filosofias e
vãs sutilezas, segundo a tradição dos homens, segundo os rudimentos do
mundo, e não segundo Cristo” (Colossenses 2:8)
“Ninguém, pois, vos julgue por causa de comida e bebida, ou dia de festa, ou
lua nova, ou sábados.” (Colossenses 2:16)
“Não ultrapasseis o que está escrito” (1 Coríntios 4:6)
“Prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não, corrige, repreende, exorta
com toda a longanimidade e doutrina. Porque virá o tempo em que não
suportarão a sã doutrina; mas, tendo comichão nos ouvidos, amontoarão para si
mestres segundo as suas próprias concupiscências; e desviarão os ouvidos da
verdade, voltando-se às fábulas.” (2 Timóteo 4:2-4)

Alefe Luís

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