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Riscos em Projeto e Orçamento

O artigo usa uma conversa entre Carlos Café, executivo de Marketing da empresa de varejo de
produtos de maquilagem Super Linda, e André Silva, seu amigo que quer se certificar PMP, para
ilustrar o processo de utilização da gerência de risco na construção de orçamentos mais realistas.

Descrição do problema

Durante um almoço os dois começam a conversar sobre o orçamento do projeto de lançamento do


novo produto da empresa para as classes B e C, o FaceBela. O objeto da discussão é a metodologia
de orçamento da empresa. Carlos, responsável pelo marketing do produto, experiente em
lançamentos deste tipo, está sendo questionado pela diretoria sobre os custos e com dificuldade de
demonstrar a necessidade do volume de dinheiro que colocou no plano.
— Carlos: Pois é, André, a diretoria está querendo cortar o orçamento. Querem que eu assuma um
risco maior pois acham que não é necessário tanto gasto para um produto com uma margem tão
pequena.
— André: É um problema comum. Pedem um orçamento para o projeto e depois não querem
aprová-lo. O que você vai fazer?
— Não sei. Na realidade desenvolvi o orçamento usando minha experiência que sempre deu certo.
Uso uma planilha para estimar os valores e ponho 20% em cima para cobrir os riscos. É como
sempre fiz. Sempre funcionou e sempre cumpri os planos.
— E o que mudou?
— A crise! A diretoria está mais preocupada com custos e querem que eu justifique cada centavo!
— E...?
— Sei lá! Você tem alguma sugestão?
— Bom, em projetos existe a necessidade de justificar o orçamento e, justamente agora,estou
participando de um seminário em gerência de riscos em projetos em que um consultor falou sobre
o desenvolvimento de orçamentos.
— Que novidades você tem?
— Coisas interessantes! Em gerência de projeto o orçamento é desenvolvido com uma metodologia
que usa a gerência de riscos para criar orçamentos mais confiáveis.Tudo começa com um
documento que contém informações como a descrição do projeto, sua justificativa, as premissas
importantes, o prazo desejado, uma estimativa do orçamento, quem pode ter interesse no projeto
etc. Este documento, o Termo de Abertura do Projeto, é aprovado pelo patrocinador e dá início ao
projeto.
— Assim é fácil! O patrocinador diz quanto tem para gastar. Aí é só fazer o projeto caber no
orçamento.
— Parece simples. Mas na realidade tudo neste documento são balizadores. Se o gerente do
projeto e sua equipe chegarem à conclusão que o mesmo é inviável,seriam loucos se
continuassem...
— Mas como é que o patrocinador chegou ao valor do orçamento? Como discutir o valor?
— No caso de um produto de varejo, o pessoal de pesquisa de mercado já determinou as
características do produto, seus competidores, o preço-alvo, o tamanho potencial do mercado...
— Sei, mas, e quanto ao custo do lançamento...
— Você está ansioso!
— É que este é o meu problema atual e preciso de novas idéias.
— OK. Com estes dados, as necessidades de renda da empresa e alguns softwares especializados, a
área de planejamento estabelece os objetivos de renda do produto e uma idéia inicial sobre
cronograma. Com isso na mão o patrocinador consegue balizar o projeto. Normalmente ele
envolve o GP neste balizamento.
— É diferente do meu caso. O produto foi desenvolvido no laboratório no exterior e nós temos que
fazer os números de market share e renda. Uso minha experiência para gerar o orçamento.
Infelizmente nem o laboratório tampouco o pessoal da nossa filial no Brasil tem condição de me
ajudar nas estimativas. Conto somente com meu histórico de sucesso.
— Como?
— Bem, tenho que estimar os custos de pessoal, investimentos em publicidade, custodas promoções
e dos eventos de lançamento, do treinamento do canal, das comissões de venda, etc.
— Sei...
— Somo tudo, coloco 20% de contingência e está pronto o orçamento. Nada muito sofisticado. Uso
uma planilha para os custos e um software de gerência de projetos para o cronograma. Já tenho
tudo mais ou menos padronizado. Você acha que há algo que posso fazer diferente?
— Depende do seu objetivo.
— A diretoria está questionando o orçamento e eu estou com dificuldade de justificar os 20% de
contingência.
— Entendi, seu orçamento básico não está sob questionamento, certo?
— Na realidade o que a diretoria quer é reduzir o custo, assim todo orçamento está sendo
questionado.
— Ah! então você vai ter que fazer um orçamento a partir do zero.
— É, e esta é a parte mais fácil pois já tenho os orçamentos dos fornecedores, o número de pessoas
necessárias ao projeto e seu custo mensal. Tenho também os valores das promoções e o custo das
comissões. Acho que com isto consigo defender o orçamento básico ou, mesmo que tenha que fazer
alguma ajuste ou redução, posso sempre determinar o que vai ser feito e quanto vai custar e,
assim, se for feita alguma mudança posso refazer os planos e aprovar um aumento no orçamento.
Os valores de promoção e publicidade podem ser atrelados aos resultados de renda e os trato em
separado. A dificuldade é como estabelecer o valor da contingência. Sempre coloquei 20%, um
chute educado!
— A contingência protege você contra os imprevistos, certo?
— Sim, é isso aí?
— Quer dizer o projeto tem um custo básico e é preciso que se adicione alguma proteção para
cuidar do imponderável. Mas, e se o imponderável ajudar o projeto?— Bem, neste caso eu levo o
mérito!
— Não é muito justo. O que você acha?
— É, mas é assim que tem funcionado.
— Bom, acho que posso contribuir, mas vamos fazer um acordo, explico os conceitos e até lhe
ajudo na revisão do orçamento. Mas, numa conversa curta, não dá para ser muito profundo. Se
quiser mais profundidade posso lhe dar algumas dicas mas é você que vai desenvolver o trabalho.
Faço isso sem compromisso, pois além do interesse em usar o que aprendi, gostaria de fazer um
acordo de risco em que, sevocê tiver sucesso na aprovação do orçamento, me contratará como
gerente do projeto de lançamento do FaceBela. Combinado?
— Combinado.
— Seu objetivo é, deduzo, minimizar o risco do projeto para que sua contingência possa
ser reduzida e seu orçamento ganhe credibilidade. OK?
— Correto.
— Quando menciono risco penso em algumas características. A primeira é que o risco é um evento
fortuito que ocorre por alguma razão, sua causa raiz, e que produz algum efeito. Por exemplo a
junta de borracha que causou a explosão da Challenger foi a
causa raiz e a explosão e consequente morte da tripulação seus efeitos (houve outros entre eles o
atraso nos projetos da NASA, a perda de prestígio para os EUA etc.). A segunda característica é
que a ocorrência do risco é incerta e como tal pode ser associada a uma probabilidade. Exemplo:
conseguir uma dupla de seis em dois dados tem uma probabilidade associada. A probabilidade é
necessariamente diferente de 0 ou 1. E, finalmente, pode-se determinar o impacto que um evento de
risco causará se ocorrer. No caso de um orçamento é preciso atribuir um valor monetário ao
impacto. Tudo bem?
— Sim. Entendi, o risco é algo que pode ou não ocorrer e que afeta o valor do projeto.
— Muito bem! Agora uma definição importante. O valor esperado de um risco é o resultado da
multiplicação da sua probabilidade por seu impacto. Isto significa que se o evento de risco se
repetisse um grande número de vezes o valor médio dos eventos seria igual ao valor da
probabilidade multiplicado pelo impacto financeiro do risco. Por exemplo: suponha que cada vez
que conseguir cara numa jogada da moeda você ganha R$ 10,00. A probabilidade de conseguir
cara é de 50% (ou 0,5). O valor esperado de cada jogada é, então, R$ 5,00. Assim, se jogar 1000
vezes a moeda você espera conseguir cara em 500 jogadas e com isto ganhar R$ 5.000,00
resultado da multiplicação de 1000 pelo valor esperado de cada jogada. Claro que você pode não
ganhar nada, pois existe a possibilidade (com baixíssima probabilidade) de não sair nenhuma cara
nas 1000 jogadas, certo?
— Ah, sim é o oposto do que acontece se tudo der certo no projeto e a contingência não for usada.
Você então está me dizendo que em vez de usar um valor padrão de contingência devo calcular o
valor esperado de cada risco do projeto, somar estes valores esperados e usar o resultado como
contingência. Mas, como fazer para listar os eventos de risco, sua probabilidade e seu impacto
para então poder calcular o valor esperado dos riscos.
— É. É por aí. O consultor esclareceu a necessidade de se fazer um levantamento o mais exaustivo
possível dos riscos para poder gerenciá-los. Mas antes preciso conceituar “ameaça” e
“oportunidade”. Ameaça é um tipo de evento de risco que se ocorrer vai afetar negativamente o
resultado do projeto. É nas ameaças que normalmente se pensa quando se fala em risco, pois a
palavra risco tem uma conotação negativa. No contexto de projeto, risco, é simplesmente uma
incerteza que se ocorrer pode afetar positiva ou negativamente um projeto. Pense no caso da
moeda em que você ganha R$ 10,00 cada vez que sai cara, o evento de risco “cara” é um evento
que afeta positivamente seu projeto de ficar rico. Este tipo de evento é chamado de oportunidade.
— Claro! Assim no caso do FaceBela um evento positivo seria por exemplo a ocorrência de um
concurso de beleza durante sua comercialização.
— Exato! E aí você já pode pensar no passo seguinte! Qual seria?
— Hum, já sei! Estimular ou viabilizar um evento como este, é isso?
— Acertou! Criar este estímulo significa na realidade aumentar a probabilidade da ocorrência da
“oportunidade Concurso de Beleza”. Isto é gerência de risco! O objetivo da gerência de risco é
reduzir a a probabilidade (e/ou o impacto) das ameaças e aumentar a probabilidade (e/ou o
impacto) das oportunidades.
— E como fazer a lista exaustiva de riscos?
— Há uma variedade de formas: “brainstorming”, análise de projetos similares, estrutura
analítica de riscos (algo que parece com um organograma e que facilita a visualização das
possíveis categorias de risco conhecido com EAR ou RBS), análise SWOT (sigla em inglês para:
Forças, Fraquezas, Oportunidades e Ameaças), opinião de especialistas, etc.
— Bom, brainstorming e SWOT já conheço e sei como usar. Na análise de projetos similares tenho
um problema. Não há histórico de projetos similares para o caso do FaceBela.
— Isso ocorre muito. E esta é uma das vantagens de se disciplinar a gerência de risco.Se bem feita,
a empresa irá, continuamente, acumular conhecimento sobre os riscos o que facilita projetos
futuros. Existe no mercado uma grande variedade de excelentes ferramentas de comunicação de
projeto que servem bem à acumulação deste tipo de experiência. Mas você pode procurar este tipo
de informação na literatura e em revistas especializadas e usar o FaceBela para iniciar seu
próprio banco de dados.
— E o EAR?
— Bem, esta é uma ferramenta para agrupar os riscos por tipo. Por exemplo: risco externo
– é um tipo de risco próprio do ambiente em que a empresa opera; risco de gerência de projeto
– são aqueles que estão relacionados à competência da equipe de gerenciamento do projeto, dos
planos e estimativas, do processo gerencial, etc. Não há uma forma padrão de EAR.
— Bem, feita a lista. O que vem depois?
— Vem a análise dos riscos. Aqui o objetivo é atribuir uma probabilidade e um impacto a cada
risco para que se possa calcular o seu valor esperado e somá-los para determinar o valor esperado
do risco do projeto. O impacto é mais fácil de determinar pois, muitas vezes, é uma alteração no
custo de algum material ou aumento de prazo que pode ser transformado em custo. Já a
probabilidade é mais subjetiva, muitas vezes requer discussão com consultores, ou pequisa em
literatura, revistas trabalhos acadêmicos, etc. — Mas há riscos que não podemos quantificar,
correto?
— Claro, mas neste caso não temos como encontrar seu valor esperado. Aí o jeito é registrar os
riscos para análise posterior e informá-los ao patrocinador alertando que a equipe não tem como
tratá-los. Assim o patrocinador estará ciente que há eventos que fogem da alçada do GP.
— Muito bem. Agora temos a lista, e daí?
— Bem. A lista inicial é normalmente muito extensa e contém riscos que não são
importantes o suficiente para merecerem tratamento especial da equipe. A lista, antes
da sua forma final, deve ser depurada destes riscos. Os riscos descartados devem
ser registrados para compor o banco de dados histórico do projeto. Este banco de
dados é conhecido como “Lições Aprendidas”.
— Aí temos a lista depurada de riscos, certo? E agora?
— Agora continua o trabalho de tratamento dos riscos. Quando você somar os valores
esperados de todos os riscos da lista final, considerando que ameaças afetam
negativamente o projeto e oportunidades o afetam positivamente, chegará ao valor
esperado dos riscos do projeto.
— Bem, este valor será contingência que substituirá os meus 20%, correto?
— Não! Pode até ser, mas pense como patrocinador. Se você sabe de algo que, se
acontecer, vai afetar o projeto, o que você faria?
— Como patrocinador eu instruiria meu gerente de projeto a trabalhar para se antecipar
ao risco.
— Isso mesmo. É o que discutimos antes no caso do concurso de beleza. O GP inicia
uma discussão com a equipe para divisar e discutir ações de antecipação aos riscos,
o custo de implementá-las e o que ocorrerá à probabilidade e ao impacto atribuídos
aos riscos, como ficará o novo valor esperado, etc.
— Caramba, é um bocado de trabalho! Então depois de tudo isso, terei, finalmente, o
valor da contingência a ser adicionada ao projeto.
— Na realidade não será tanto trabalho, e, ainda mais, uma reunião destas, se bem
conduzida, tem um efeito motivacional muito grande na equipe. O pessoal vai se
sentir mais envolvido e responsável pelo projeto. Como líder do projeto você poderá
usar a reunião como uma oportunidade de elevação do moral do grupo. Mas, sim, o
valor resultante deste trabalho pode ser considerado como a contingência a ser
adicionada ao projeto. Além disso, novamente, pense como patrocinador: que
imagem teria de um gerente que lhe entregasse este nível de trabalho?
— Eu o promoveria!!! Há algo mais?
— Sim, um consultor nos mostrou, no seminário, uma ferramenta que pode facilitar
muito o trabalho de gerar o valor esperado e gerenciar os riscos do projeto. É uma
planilha que ele usa e que oferece uma sofisticação maior ao processo, mais
confiabilidade, e a possibilidade de realizar simulações e exercícios.
— E como consigo acesso e orientação sobre esta ferramenta e seu uso?
— De duas maneiras: contratando aquele consultor ou a mim conforme acertamos.
— Faça uma proposta. Tenho autorização para contratar consultores temporários. Se
sua proposta couber no orçamento você está contratado.
— Muito obrigado. Vou lhe enviar por email e fico à disposição para negociarmos.
— Ótimo, André. De qualquer maneira gostaria de ter a oportunidade de continuar essa
conversa.
— Sem dúvida. Terei o maior prazer de papear sobre o assunto. É só marcar.

Paulo André de Andrade é Engenheiro Eletrônico pelo ITA e MBA em Gerência de


Projetos pela FGV. Trabalha em gerência de projetos há mais de 30 anos.
email: pandre (at) techisa.srv.br. Atualmente Paulo é diretor da Olympya Software.
Licença: O texto acima pode ser copiado e distribuído na sua forma original desde que
seja mencionado o autor e o site de onde foi retirado.

A Olympya Software - www.olympya.com.br - é também a representante exclusiva no Brasil e


Portugal da FogCreek, http://www.fogcreek.com.br empresa fundada pelo Joel Spolsky. Você
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