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BUDISMO/3

“O caminho daqueles cujo reino é vazio e livre, é


difícil de seguir como as aves no céu.”
Gotama, Dhammapada VII (92;93)

“Sejam vocês próprios o vosso refúgio”


Gotama, Mahāparanibbāna Sutta (2.26)

A EXPERIÊNCIA E A CRENÇA

“Então, eu digo-vos: «não se satisfaçam com o que foi dito, com as lendas, com as
tradições, com as escrituras, com as conjecturas lógicas, com as inferências, com as
analogias, com o consenso entre diferentes visões ou com a ideia: «Este contemplativo
é o nosso mestre». Quando souberem por vós próprios que tal experiência é negativa,
que não merece o louvor, que não é sábia, que quando adoptada e levada adiante
conduz ao dolo e ao sofrimento, então devem abandoná-la (…). Ora, não se satisfaçam
com o que foi dito, com as lendas, com as tradições, com as escrituras, com as
conjecturas lógicas, com as inferências, com as analogias, com o consenso entre
diferentes visões ou com a ideia: «Este contemplativo é o nosso mestre». Quando
souberem por vós próprios que tal experiência é positiva, que é boa, que é sábia, que
quando adoptada e levada adiante conduz ao bem-estar e à felicidade, então devem
assumi-la e permanecer nela.”

Gotama, Kalama Sutta, Anguttara Nikāya III.65

A SETA ENVENENADA
“Um dia, o Bem-aventurado encontrava-se em Sāvatthī (…)
Entretanto, quando já era noite, o venerável monge Mālunkya abandonou a meditação e
foi ter com o Bem-aventurado. Depois de o saudar, sentou-se ao lado dele e disse-lhe:
“Ó venerável Gotama (…), quando estava só a meditar, surgiu-me o seguinte
pensamento: “Algumas ideias especulativas não foram ainda respondidas pelo
Bem-aventurado… se não me responder, eu abandonarei o treino e retornarei à vida
mundana. Se o Bem-aventurado sabe se o “mundo é eterno” que me diga que o “o
mundo é eterno”; se o Bem-aventurado sabe que o “mundo não é eterno” que me diga
que “o mundo não é eterno”. Se o Bem-aventurado não sabe se “o mundo é eterno” ou
“não é eterno” é mais correcto dizer: “Não sei, não estou a ver.” Se o Bem-aventurado
sabe se a “alma é o mesmo que o corpo” que me diga que a “alma é o mesmo que o
corpo”; se o Bem-aventurado sabe que a “alma não é o mesmo que o corpo” que me
diga que “a alma não é o mesmo que o corpo”. Se o Bem-aventurado não sabe se “a
alma é o mesmo que o corpo” ou “não é o mesmo que o corpo” é mais correcto dizer:
“Não sei, não estou a ver.” (…). Se o Bem-aventurado sabe se “após a morte um Buda
[Tathāgata; literalmente, “Assim ido”] existe” que me diga que “após a morte um Buda
[Tathāgata] existe”; se o Bem-aventurado sabe que “após a morte um Buda [Tathāgata]
não existe” que me diga que “após a morte um Buda [Tathāgata] não existe”. Se o
Bem-aventurado não sabe se “após a morte um Buda [Tathāgata] existe” ou “não existe”
é mais correcto dizer: “Não sei, não estou a ver.” (…)
[Respondeu-lhe Gotama, Śakyamuni, o Buda]: “Supõe Mālunkya que um homem foi
ferido com uma seta envenenada. Os seus amigos, familiares e próximos foram buscar
um cirurgião para que o tratasse. Mas o homem [ferido] disse-lhes: “Não deixarei que o
cirurgião me extraia a seta enquanto não souber se o homem que me feriu era um
nobre ou um sacerdote, um mercador ou um trabalhador.” E acrescentou: “Não deixarei
que o cirurgião me extraia a seta enquanto não souber o nome e o clã daquele que me
feriu; (…) enquanto não souber se o homem que me feriu era alto ou baixo ou de altura
média (…) enquanto não souber se o homem que me feriu tinha a pele escura, morena
ou pálida (…) enquanto não souber se o homem que me feriu vive em tal aldeia, vila ou
cidade (…) enquanto eu não souber se o arco que me feriu era largo ou pequeno (…)
enquanto não souber se a flecha que me feriu era de fibra ou de junco (…) enquanto
não souber se a haste da seta que me feriu tinha ou não sido trabalhada (...)
Certamente, este homem morrerá antes de saber isto tudo. Do mesmo modo,
Mālunkya, se alguém me disser: “eu não levo uma vida santa enquanto o
Bem-aventurado não me responder: “o mundo é eterno” (…) ou se “após a morte o
Buda [Tathāgata] existe ou não existe”, isso permanecerá sem resposta pelo Buda
[Tathāgata] e a pessoa morrerá. (…) Por que razão não respondi? Porque não traz
benefícios, não pertence aos fundamentos de uma vida santa, não conduz à libertação,
à calma, à paz, ao conhecimento directo, à iluminação, ao Nibbāna. Foi por essa razão
que não dei resposta. E o que é que eu disse? “Isto é insatisfação”; “esta é a origem da
insatisfação”; “esta é a cessação da insatisfação”; “este é o caminho que conduz à
cessação da insatisfação” E por que razão eu disse isto: porque é benéfico”

Gotama, Cūlamālunkya Sutta, Majjhima Nikāya 63

DISCURSO SOBRE OS SECTÁRIOS

“O Bem-aventurado disse: “Ó monges havia antigamente um rei que governava


Sāvatthī. Uma vez, ele reuniu todos os cegos de nascença e disse-lhes: «Ó cegos de
nascença, conheceis vós os elefantes?» Eles responderam: «Ó grande rei, nós não os
conhecemos nem temos deles qualquer noção». O rei disse-lhes ainda: “Desejais
conhecer a sua forma?” – Certamente, nós desejamos conhecê-la” Imediatamente, o rei
ordenou aos seus servos que trouxessem um elefante e aos cegos que tocassem no
animal com as suas próprias mãos. Entre estes, alguns tacteando o elefante,
tocaram-lhe na tromba e o rei disse-lhes: “Isto é um elefante”. Os outros tacteando o
elefante, agarram-lhe quer as orelhas, quer as presas, quer cabeça, quer o dorso, quer
o flanco, quer a coxa, quer a parte anterior, quer o rasto dos seus passos, quer a cauda.
A todos o rei disse: “Isto é o elefante”. Então, o rei perguntou: “De que natureza é o
elefante?” Aqueles que o tinham pegado pela tromba, disseram: “Um elefante é como
um leme curvo”. Aqueles que o tinham pegado pela orelha, disseram: “Um elefante é
como um abanador”. Aqueles que o tinham pegado pelas defesas, disseram: “Um
elefante pilão”. Aqueles que o tinham pegado pela cabeça, disseram: “Um elefante é
como um caldeirão”. Aqueles que tinham tocado no dorso, disseram: “Um elefante é
como um pequeno monte”. Aqueles que tinham tocado no flanco, disseram: “Um
elefante é como um muro”. Aqueles que o tinham pegado pela coxa, disseram: “Um
elefante é como uma árvore”. Aqueles que o tinham pegado pela pata, disseram: “Um
elefante é como uma coluna”. Aqueles que tinham tocado nos rastos dos seus passos,
disseram: “um elefante é como a argamassa”. Aqueles que o tinham pegado pela
cauda, disseram: “Um elefante é como uma corda”.
No fim, acusaram-se todos de estarem errados. Uns diziam: “É assim”. Os outros
replicavam: “Não, não é assim.” Em vez de se apaziguar, a sua discussão tornou-se
uma verdadeira contenda. Quando o rei viu aquilo, riu-se e disse-lhes: “Os cegos aqui
reunidos zangam-se, mas o corpo do elefante é evidentemente único e são as
percepções diferentes que produziram estes erros diversos.”
E o Buda disse: “Ó monges, estes que argumentam não sabem o que é benéfico e o
que é prejudicial. Na sua ignorância, não conhecem a verdade da insatisfação, da
origem da insatisfação, da cessação da insatisfação e da via”.

Gotama, Tittha Sutta, Udāna (VI:4), Khuddaka Nikāya

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