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Missão francesa

Se dispersou pelo interior Gávea ou São Paulo (Debret) porque o cônsul temia esses bonapartistas perigosos

MISSÃO ARTÍSTICA FRANCESA = COLÔNIA LEBRETON

Debret: Negra vendendo caju

Debret: Caçador de escravos. Museu de Arte de São Paulo


É denominada Missão Artística Francesa ao conjunto de artistas e artífices que, deslocando-se para o Brasil no início do século XIX, revolucionou o
panorama das Belas-Artes no país.

Antecedentes

A partir de 1815, diante da queda definitiva de Napoleão Bonaparte, a França conheceu grandes mudanças políticas, abrindo-se o período conhecido
como Restauração.

Boatos: carta de Nicolas-Antoine Taunay à rainha de Portugal, rogando-lhe o apoio, através de sua mediação junto ao Príncipe-Regente D. João, para a
contratação do grupo, uma vez que, como bonapartistas, ou simpatizantes de Napoleão, não se sentiam seguros na França que assistia ao retorno da
dinastia dos Bourbon ao poder, no contexto das negociações do Congresso de Viena.

O grupo, que viria a ser chamado Colônia Lebreton, revolucionaria as artes na corte tropical do Rio de Janeiro. A Missão chegou em um momento em
que o Brasil, e em especial o Rio de Janeiro, procurava se atualizar e reorganizar depois da imprevista transferência da Família Real portuguesa e
beneficiou-se do clima favorável propiciado pelo estabelecimento de acordos comerciais entre França e Brasil em 1815, e do desejo da coroa de
desenvolver as Artes e Ofícios na América, onde agora vivia a Família Real e parte expressiva da nobreza portuguesa [1].

Pradier: Retrato de D. João VI

Como líder do grupo, assumiu as negociações Joachim Lebreton (1760-1819), secretário recém-destituído do Institut de France, responsável pela
organização do projeto. A partir das informações de Humboldt, que visitara a região amazônica em 1810, Lebreton planejou criar uma escola de formação
de artistas no continente sul-americano.

O grupo, a bordo do navio Calpe, aportou ao Rio de Janeiro, então capital, a 26 de março de 1816, escoltado por navios ingleses. D. João VI (1816-1826)
assinou o Decreto para a criação da Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios a 12 de agosto desse mesmo ano, o qual não obstante não passaria de uma
medida formal, pois a Escola não chegaria a funcionar de imediato.
Integrantes da Missão

1. Joachim Lebreton (1760-1819) - o líder do grupo


2. Jean Baptiste Debret (1768-1848) - pintor histórico
3. Nicolas-Antoine Taunay (1755-1830) – pintor de paisagens e de batalhas
4. Auguste Henri Victor Grandjean de Montigny (1776-1850) – arquiteto
5. Charles de Lavasseur – arquiteto
6. Louis Ueier – arquiteto
7. Auguste Marie Taunay (1768-1824) – escultor
8. François Bonrepos – escultor
9. Charles-Simon Pradier (1783-1847) – gravador
10. François Ovide – mecânico
11. Jean Baptiste Leve – ferreiro
12. Nicolas Magliori Enout – serralheiro
13. Pelite – peleteiro
14. Fabre – peleteiro
15. Louis Jean Roy – carpinteiro
16. Hypolite Roy – carpinteiro
17. Félix Taunay (1795 — 1881), filho de Nicolas-Antoine, teria importante papel na Academia anos depois. Também veio com o grupo, mas na
época era apenas um jovem aprendiz.

foram efetivamente aproveitados pelo governo apenas cinco integrantes: Debret, Nicolas Taunay, Auguste Taunay, Montigny e Ovide

Seis meses mais tarde, uniram-se ao grupo:

18. Marc Ferrez (1788-1850) – escultor (tio do fotógrafo Marc Ferrez)


19. Zéphyrin Ferrez (1797-1851) – gravador de medalhas

O projeto de Lebreton
Montigny: Frontispício da Escola

Lebreton propôs instaurar uma nova metodologia de ensino através da criação de uma Escola de Belas Artes com disciplinas sistematizadas e graduadas.
O ensino se daria em três fases:

• Desenho geral e cópia de modelos dos mestres, para todos os alunos;


• Desenho de vultos e da natureza, e elementos de modelagem para os escultores;
• Pintura acadêmica com modelo vivo para pintores; escultura com modelo vivo para escultores, e estudo no atelier de mestres gravadores e
mestres desenhistas para os alunos destas especialidades.

Para a arquitetura haveria também três etapas divididas em teóricas e práticas:

• Na teoria:
o História da arquitetura através de estudo dos antigos;
o Construção e perspectiva;
o Estereotomia.
• Na prática:
o Desenho;
o Cópia de modelos e estudo de dimensões;
o Composição.

Paralelamente Lebreton sugeria ainda o ensino da música, bem como sistematizava o processo e critérios de avaliação e aprovação dos alunos, o
cronograma de aulas, sugeria formas de aproveitamento público dos formados e projetava a ampliação de coleções oficiais com suas obras, discriminava
os recursos humanos e materiais necessários para o bom funcionamento da Escola, e previa a necessidade da formação de artífices auxiliares competentes
através da proposta de criação paralela de uma Escola de Desenho para as Artes e Ofícios, cujo ensino seria gratuito mas igualmente sistemático.

Dificuldades

Debret: Casa de ciganos

Marc Ferrez: Busto de Dom Pedro I. Museu Histórico Nacional

Nicolas-Antoine Taunay: Moisés salvo das águas. Museu Nacional de Belas Artes

A Missão chegou ao Brasil imbuída de altos propósitos, como diz Debret:


"Animados todos por um zelo idêntico e com o entusiasmo dos sábios viajantes que já não temem mais, hoje em dia, enfrentar os azares de uma longa e
ainda, muita vezes, perigosa navegação, deixamos a França, nossa pátria comum, para ir estudar uma natureza inédita e imprimir, nesse mundo novo,
as marcas profundas e úteis, espero-o, da presença de artistas franceses"

Mas a realidade contradisse suas expectativas. Embora com o apoio real, a missão encontrou resistência entre os artistas nativos, ainda seguidores do
Barroco, e ameaçavam a posição de mestres portugueses já estabelecidos. A verdade é que os franceses foram recebidos como importunos tanto por
portugueses quanto por brasileiros. A rainha D. Maria I faleceu em 1816, e o projeto de modernização da capital avançava lentamente. O governo central
tinha muitas outras procupações a atender, como o acompanhamento da instável situação na Europa, as constantes demandas administrativas internas e os
conflitos de fronteira no sul na Questão Cisplatina, subtraindo recursos e atenção do projeto cultural francês. O principal incentivador do projeto, o Conde
da Barca, faleceu no ano seguinte, o contrato dos artistas foi posto em discussão e o cônsul francês no Brasil não via com bons olhos a presença de
bonapartistas.

Enquanto a Escola não era instalada definitivamente, ficando à mercê das oscilações políticas e sofrendo modficações no projeto original, sucumbindo,
como lamentava Debret, aos "aos erros e vícios do ancien régime", os artistas sobreviviam da pensão que lhes concedera o governo, e ocupavam-se
aceitando encomendas, ao lado das aulas que conseguiam ministrar nas precárias condições em que se achou o projeto nos primeiros anos. Lebreton
faleceu em 1819, e como seu sucessor foi nomeado o português, professor de Desenho, Henrique José da Silva, artista conservador, ferrenho crítico dos
franceses, no que se descreve como golpe mortal dado às Belas Artes no Brasil. O seu primeiro gesto foi liberar os franceses de suas obrigações como
professores. Tantas foram as dificuldades que Nicolas-Antoine Taunay abandonou o país em 1821 (ano da morte de Napoleão), substituído por seu filho,
Félix Taunay. Pouco depois o Taunay escultor também faleceria, desfalcando ainda mais o grupo primitivo, do qual foram efetivamente aproveitados
pelo governo apenas cinco integrantes: Debret, Nicolas Taunay, Auguste Taunay, Montigny e Ovide.

Passariam dez anos antes de a Missão dar seus primeiros frutos significativos, com a inauguração, em 5 de novembro de 1826, com a presença de D.
Pedro I, da Academia Imperial ou Academia na Travessa das Belas-Artes, à altura da Travessa do Sacramento (atual Avenida Passos). Em 1831, Debret
também retornaria à França. A Academia constitui-se no embrião da atual Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Missão de 1816 se extingue com a morte de Montigny em 1850. Mas a ela cabe o mérito de ter sido a semente de um projeto renovador e ao mesmo
tempo pragmático e idealista, cujos desdobramentos a longo prazo seriam os mais frutíferos.

Importância

A Missão teve um papel importante na atualização do Brasil em relação ao que ocorria na Europa na época, foi a modernidade em seu tempo. Embora o
tenha exercitado de forma sistemática, não foi a primeira nem a única força responsável pela difusão do Neoclassicismo no país, já perceptível na obra de
diversos artistas precursores atuando aqui desde fins do século XVIII, como Antonio Landi e Mestre Valentim na arquitetura, Manuel Dias de Oliveira na
pintura e na música os últimos integrantes da Escola Mineira, como Lobo de Mesquita e João de Deus de Castro Lobo. Mas é certo que os princípios
estéticos que a Missão defendia foram com o tempo adotados quase na íntegra e se tornaram naturais, integrando o novo dado à história nacional, tradição
fortalecida na gestão de Félix-Emile Taunay, filho de Nicolas, à frente da AIBA.
O projeto já foi criticado modernamente como uma invasão consentida, uma intervenção violenta e repressora no desenvolvimento cultural brasileiro,
que ainda trazia forte herança barroca e há pouco encontrara a maturidade em artistas como Mestre Ataíde e Aleijadinho, mas com o apoio oficial aos
artistas neoclássicos a transição para a nova estética foi acelerada, e com isso tumultuada.

Pedro Américo: A Batalha do Avaí

Victor Meirelles: A Primeira Missa no Brasil

Almeida Júnior: O Derrubador Brasileiro

Por outro lado, sua importância como fundadores de um novo sistema de ensino não pode ser negligenciada, já que a Academia, mesmo encontrando na
origem sérios empecilhos e demorando para frutificar, se tornaria mais adiante a mais importante instituição oficial de arte no Brasil, e nela se formariam
gerações dos maiores artistas brasileiros, atestando a validade do método proposto. A atuação dos franceses também contribuiu para melhorar o status do
artista, assumindo uma postura de cidadãos livres, profissionais, numa sociedade em vias de laicização, e não mais submetidos à Igreja e seus temas,
como se observava nos tempos anteriores. As noções de saneamento e higiene que trouxeram iriam modificar o urbanismo das cidades. Também o
conjunto de sua obra plástica pessoal é muito atraente, boa parte dele enriquecendo os acervos nacionais até os dias de hoje.
Foram os fundadores da arte acadêmica como estilo no Brasil, uma arte cultivada pelo estado e organizada dentro de linhas metodológicas rígidas, com
temáticas próprias, modelos formais próprios, exames de aptidão e sistema de premiações, e boa parcela de censura a originalidades supeitas de romper
os cânones consagrados; tal organização chocava o hábito de séculos, pois até ali a Igreja havia sido o grande mecenas, e suas orientações eram
diferentes.

Foram os franceses os qualificados professores da primeira geração de artistas nacionais educados em escola pública, segundo um sistema
profissionalizante inédito, e estes formaram muitos outros de grande valor segundo os mesmos princípios artistas formados pela Academia nas décadas
seguintes : Victor Meirelles, Rodolfo Amoedo, Henrique Bernardelli, Pedro Américo, Eliseu Visconti, Artur Timóteo da Costa, Belmiro de Almeida

Tal atividade intensa atraiu a presença no pais de mais bom número de outros estrangeiros, como Georg Grimm, Castagneto, François-René Moreau,
Eduardo de Martino

A absorção da Academia, depois Escola Nacional de Belas Artes, pela atual Universidade Federal do Rio de Janeiro, exatamente quando o Modernismo
aparecia com força na cena encerrando um grande ciclo cultural e a República reorganizava o sistema de ensino superior.

Debret, Nicolas Taunay e Montigny foram os três principais artistas a introduzir no Rio de Janeiro, por exemplo, a moda das condecorações ao estilo de
Napoleão.

Debret: Botocudos em marcha

Nicolas-Antoine Taunay: Vista do Morro de Santo Antonio


Lebreton, por François Gérard

Montigny: Casa França-Brasil

Lebreton foi a força organizadora inicial do projeto. Diante das intrigas em torno da Missão, retirou-se para uma propriedade do Flamengo e faleceu
poucos anos depois. As 50 obras de arte que adquiriu na França e trouxe consigo formam um dos núcleos iniciais da atual coleção do Museu Nacional de
Belas Artes.

Debret, cujo atelier se encontrava no bairro do Catumbi, foi o que teve maior êxito ao registrar os usos e costumes do país, as tradições anacrônicas da
corte portuguesa, como por exemplo o beija-mão. Além de converter-se em pintor oficial do Primeiro Reinado, como fizera Liotard com relação ao
Império otomano, Debret, sobrinho de David, deixa-se encantar pelas paisagens exuberantes e inéditas, os costumes barrocos, e nas horas em que não
lecionava, registrou-os em uma sucessão de desenhos e aquarelas que os retratam, e que anos mais tarde, já de volta à França, ele publicou na Viagem
pitoresca e histórica ao Brasil. Tais imagens são uma inestimável documentação visual da época, e fonte básica para o estudo da cultura e paisagem
brasileiras de então.

Já Grandjean de Montigny trabalhou para transformar a paisagem urbanística do Rio de Janeiro, elaborando o projeto da primeira sede oficial da
Academia, do qual infelizmente só resta o pórtico, da primeira sede da praça do Comércio, obra concluída em 1820, e que hoje abriga a Casa França-
Brasil, e diversas outras obras de saneamento e urbanização, além de ter formado cerca de vinte novos arquitetos, entre eles José Maria Jacinto Rebelo,
Teodoro de Oliveira , Joaquim Cândido Guilhobel, Domingos Monteiro e Francisco José Béthencourt da Silva,

Nicolas Taunay, que chegou ao Brasil com cerca de 60 anos, jamais de adaptou completamente ao contexto local, mas realizou bela documentação da
paisagem em suas telas. Seu filho Félix seria mais tarde Diretor da Academia Imperial, além de realizar obra individual de mérito, e seu outro filho,
Adrien, foi desenhista da expedição Langsdorff, nos anos 1820, deixando importantes registros visuais do interior.
Auguste Taunay foi nomeado professor da Escola Real mas não chegou a ocupar efetivamente o cargo. Realizou decorações na cidade do Rio na
aclamação de D. João VI. Deu aulas em regime livre, sendo mestre de José Jorge Duarte, Xisto Antônio Pires, Manuel Ferreira Lagos, Cândido Mateus
Farias, João José da Silva Monteiro e José da Silva Santos.

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