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Expresses Portugus 12.

ano

Textos Informativos Complementares

SEQUNCIA 1

Gato que brincas na rua


Importa ainda reparar que a tenso Eu-Tu no se limita a seres humanos em Pessoa, embora quanto s coisas inertes se fique pela apstrofe ou prosopopeia tradicional []. O animal no uma conscincia em sentido humano; mas, apesar da sua incapacidade de verbalizao, reage como um todo dotado de sensibilidade, onde adivinhamos algo que talvez nos sobre, mas tambm algo que nos falta uma espontaneidade instintiva, uma unidade limitada mas mais coesa de reao. Tudo se passa como se a cedncia de controlo direto dos reflexos dos centros nervosos inferiores aos superiores se acompanhasse, no apenas de ganhos, mas tambm da perda de certas formas de plenitude sensorial na esttica do olfato, por exemplo. o que admiravelmente exprime a conhecidssima poesia: Gato que brincas na rua. Pode discutir-se a unilateralidade irracionalista, ainda romntica, de todo o nada que s teu, asserto que contradiz a sentena [] desta sabedoria Ricardo Reis: Antes sabendo / ser nada, que ignorando: / nada dentro de nada. A sugesto predominante do poemeto , talvez, regressiva, como alis acontece com grande parte da obra de Pessoa. Isso no nos impede de lhe admirarmos a maior originalidade: a expresso densa e tocante duma nsia de espontaneidade e coerncia afetiva que os homens perderam com a instintividade pura (sentes s o que sentes), nsia que alis s faria sentido dentro da frmula da Ceifeira: Ah, poder ser tu / sendo eu. E, neste sentido, o tratamento do gato na segunda pessoa do singular no constitui uma apstrofe retrica, mas voz exata da tenso Eu-Tu.
LOPES, scar, 1987. Entre Fialho e Nemsio Estudos de literatura portuguesa contempornea, vol. II. Lisboa: INCM

EXP12 Porto Editora

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