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ATERROS SOBRE SOLOS LODOSOS. CARACTERIZAÇÃO GEOTÉCNICA.

CASO
PRÁTICO DA RETENÇÃO MARGINAL NA ZONA DA EXPO’URBE

LANDFILLS OVER SOFT SOILS. GEOTCHNICAL CHARACTERISATION. PRACTICAL


CASE OF THE ROCK FILL EMBANKMENT IN EXPO’URBE

Pinto, Sónia L. D. Engª Geóloga, Tetraplano


Mateus da Silva, J. M. Marcelino. Investigador Auxiliar, LNEC

RESUMO

A construção da retenção marginal na zona da EXPO’URBE constitui um exemplo prático da crescente


ocupação de solos aluvionares com inerentes problemas de resistência e de deformabilidade. Apresenta-
se a caracterização geotécnica da área de intervenção realizada a partir dos resultados dos ensaios in situ
e em laboratório, e comparam-se os resultados obtidos com os resultados da observação.

ABSTRACT

The rock fill embankment built in the area of the EXPO’URBE consist one example of the execution of
works in zones characterised by muddy foundations of variable thickness constituting foundations soils
with stability and deformability problems. In this paper the geological and geotechnical characterisation
of the intervention area is described starting from in situ and laboratory tests, and the obtained results are
compared with the instrumentation results.

1 - DESCRIÇÃO GERAL DA OBRA

Para regularização da Frente Tejo na zona da EXPO’URBE a norte da torre panorâmica foi construída
uma retenção marginal, em enrocamento, numa extensão aproximada de 735 m. A obra de retenção visa
a protecção da área do Parque contra inundações derivadas das marés, e impedir a acção erosiva das
ondas geradas pelo vento.

O prisma de enrocamento que constitui a retenção marginal, com taludes com inclinação inicialmente de
1V:1,5H e, reperfilamento final a 1V: 2,5H, possui o coroamento, com 6 m de largura, à cota 3,70,
encontrando-se assente sobre as aluviões lodosas do rio Tejo. Para tal foi necessário proceder ao
tratamento das fundações aluvionares lodosas compressíveis e de fraca resistência recorrendo-se à
execução de colunas de brita e colocação de drenos verticais pré-fabricados.

2 - CARACTERIZAÇÃO GEOLÓGICA E GEOTÉCNICA DA ÁREA DE INTERVENÇÃO

2.1- Trabalhos de reconhecimento

A caracterização geológica e geotécnica da zona de intervenção foi realizada com base quer em antigos
elementos de reconhecimento, na sua maior parte disponibilizados pelo actual Parque das Nações, quer
em trabalhos de prospecção realizados na área de intervenção da EXPO’98 e da nova travessia sobre o
rio Tejo, Ponte Vasco da Gama.

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VII Congresso Nacional de Geotecnia

Os principais tipos de trabalhos de prospecção realizados consistiram em sondagens acompanhadas de


ensaios de penetração dinâmica (SPT) que permitiram precisar a localização do substrato resistente,
ensaios de penetração estática com leitura das pressões intersticiais (CPTU), ensaios de corte rotativo e
ensaios com pressiómetro autoperfurador; que, em conjunto, permitiram caracterizar as formações
compressíveis e pouco resistentes.

2.2- Error! Bookmark not defined.Caracterização geotécnica da fundação

Do ponto de vista geológico, a zona de intervenção caracteriza-se fundamentalmente pela ocorrência de


três entidades distintas: o substrato miocénico e plio-plistocénico, subjacente a uma formação aluvionar,
predominantemente lodosa, de espessura variável, parcialmente coberta por aterros heterogéneos. Nos
parágrafos seguintes descreve-se com maior pormenor a formação aluvionar lodosa.
Os depósitos aluvionares são
constituídos predominantemente por
materiais lodosos. A geometria deste
complexo é caracterizada pela
existência de um nível superior
composto por lodos, sob o qual
ocorre, de uma forma descontínua,
uma alternância de materiais lodosos
e arenosos, cuja base é constituída
por um nível de cascalheira.
Figura 1– Isopacas da cobertura ao substrato miocénico

A espessura das aluviões aumenta de forma acentuada de sul para norte onde, junto ao antigo aterro
sanitário de Beirolas, preenchem o vale fóssil do rio Trancão, atingindo os 60 m de espessura conforme
se pode verificar pela Figura 1.

O complexo lodoso superior é composto por argilas siltosas e silto-arenosas muito moles a moles, com
elevado teor em matéria orgânica e abundantes fragmentos de conchas, de cor negra a cinzento escura. O
complexo inferior areno-lodoso, é essencialmente constituído por areias lodosas e silto-argilosas e areias
com seixos e cascalheira.

2.2.1- Ensaios de laboratório


Durante a realização dos trabalhos de reconhecimento colheram-se nos lodos amostras não remexidas,
para realização de ensaios de laboratório: ensaios de identificação, de compressão uniaxial, compressão
triaxial e edométricos.

• Ensaios de identificação

Foram seleccionadas 31 amostras representativas dos lodos para realização dos ensaios de identificação:
granulometrias e limites de consistência (wL e wP). Foram ainda realizados ensaios para determinação da
densidade das partículas sólidas, G, do peso volúmico aparente total, γt e peso volúmico aparente seco,
γd, teor em água natural, w e teor em matéria orgânica, MO.

A partir dos resultados dos ensaios foi possível verificar que as formações aluvionares lodosas são
constituídas por solos predominantemente finos, plásticos, com uma percentagem média, em peso, de
material passado no peneiro ASTM 200 superior a 90 %. Apresentam limites de liquidez, w L, e de
plasticidade, wP, compreendidos entre 44 e 62 % e entre 23 e 33 %, respectivamente. O índice de
plasticidade, IP, varia entre 17 e 31, mantendo-se o intervalo de variação constante em profundidade,
conforme se pode observar na Figura 2.

Para o teor em matéria orgânica, obtiveram-se valores variando entre 0,6 e 3,8 %.

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Geotecnia em Vias de Comunicação

IP
0 10 20 30 40 50 60
IP
0
60

50
5
OH
40 ou
CH

10
30

OL
20 ou
CL
15 MH ou OH

ML ou OL
10
CL-ML

20
0
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
prof (m)

w L (%)
25

Figura 2 – Variação do IP em profundidade Figura 3 – Carta de plasticidade

De acordo com a Classificação Unificada de Solos (Figura 3), os lodos da zona da retenção marginal são
predominantemente solos finos argilo-siltosos de alta plasticidade CH e MH.

A Figura 4 traduz graficamente a variação do teor em água natural, w, e do limite de liquidez, wL, com a
profundidade. Verifica-se que o teor em água é sempre superior ao limite de liquidez, especialmente
entre os 5 e os 10 m, indiciando que as aluviões se encontram num estado líquido, e sugerindo uma
situação de subconsolidação. No entanto, sendo os lodos que ocorrem a maiores profundidades
flandrianos (Holocénico), com idades de deposição entre 2,6 a 10 mil anos, não é verosímil que se
encontrem subconsolidados. Além disso, a partir dos 5 m de profundidade ocorre uma diminuição nítida
do teor em água, facto que parece traduzir um efeito de consolidação da camada por efeito do peso
próprio.
prof. (m)
Sobre as amostras não remexidas realizaram-se ensaios para 0
determinação do peso volúmico aparente total, γt e seco, γd,
obtendo-se valores médios de 16 e 10 kN/m3 respectivamente, 5

não se verificando variações significativas em profundidade.


10
W

• Caracterização mecânica WL

15

Para caracterização laboratorial das características mecânicas


20
(resistência ao corte não drenada e de deformabilidade dos
lodos), realizaram-se sete ensaios de compressão uniaxial e 25
40 60 80 100
seis ensaios de compressão triaxial, não consolidados não (%)
drenados, UU. No Quadro 1 apresenta-se um resumo dos Figura 4 – Variação de w e de wL
resultados obtidos.

Quadro 1 – Parâmetros de resistência ao corte e de deformabilidade em condições não drenadas


Sondagem Profundidade (m) Compressão uniaxial Compressão Triaxial UU
Eu (kPa) qu (kPa) cu (kPa) cu (kPa) φu (º)
3,7 – 4,3 110 16 8 2 1
S8 13,5 – 14 -- -- -- 18 0
18,5 – 19,1 440 32 16 5 0
5 – 5,6 380 21 10,5 7,5 1
S9 10,2 – 10,6 200 18 9 6 1
15,2 – 15,8 430 25 12,5 -- --
3,4 – 4 340 20 10 -- --
S12
19,5 – 20,1 1000 20 10 3 1

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VII Congresso Nacional de Geotecnia

Cu (kPa) Conforme se pode observar pela Figura 5, é difícil


0 5 10 15 20 25 30
0 estabelecer uma correlação entre a resistência ao corte
não drenada e a profundidade a partir dos resultados dos
5
ensaios de compressão uniaxial e triaxial do tipo não
consolidado não drenado, embora no primeiro caso se
consiga detectar um ligeiro aumento de cu em
10
profundidade o que poderia constituir mais um indício
da consolidação dos lodos.
15

No capítulo seguinte estabelecer-se-á a correlação entre


20 cu e a profundidade, com base nos valores determinados
prof. (m)

através da realização de ensaios de corte rotativo in situ.


UU Comp. Uni.
25
Estes, apesar de sujeitos a correcções, não são
condicionados pelos efeitos de amostragem e do
manuseamento dos provetes, conduzindo em regra a
Figura 5 –Variação de cu em profundidade valores mais realistas e com menor dispersão.
• Compressibilidade

Para avaliação das características de compressibilidade das aluviões lodosas foram realizados, sobre
amostras não remexidas, ensaios de consolidação em edómetro clássico. Dada a dificuldade em
determinar com algum rigor σ’p nas curvas assumiu-se a formação aluvionar como normalmente
consolidada, ou seja, com σ’p = σ’0.

Dada a escassez dos resultados, compararam-se os valores obtidos com os de outros ensaios edométricos
realizados em campanhas de prospecção efectuadas nas últimas décadas, sobre os lodos do rio Tejo em
áreas próximas e cuja observação do diagrama de sondagens e descrição litológica permitiram
estabelecer uma correlação com a formação aluvionar existente na zona da retenção marginal. No
Quadro 2 apresenta-se um resumo dos resultados desses ensaios.

Quadro 2 – Ensaios edométricos realizados nos lodos do rio Tejo nas últimas décadas
N. de e0 Cc Cc Cv
Obra
ensaios -- -- 1 + e0 ×10-8 m2/s
Regularização da marginal entre Beirolas e Sacavém (1964) 9 1,48 - 2,15 0,63-0,90 0,21 - 0,32 5,6 - 12
Terminal Ferroviário de Sacavém (1973) 7 0,69 – 2,2 0,25-0,92 0,15 - 0,31 4,5 - 9,8
Var. à EN10. Nó da Portela – Est. Mercad. de Lisboa (1995) 5 1,2 - 1,76 0,41-0,75 0,19 - 0,29 1,9 - 8,9
C. de tratamento de RSU de S. João da Talha (1996/97) 9 1,78 - 2,73 0,5 – 1,0 0,18 - 0,31 2,9 - 4,2
Retenção marginal (1996) 8 1,41 - 2,07 0,37-0,80 0,15 - 0,26 1,9 - 5

Nos diagramas dos ensaios edométricos constantes nos referidos relatórios de reconhecimento geológico
e geotécnico em que foi possível determinar σ’p, verificou-se que à mesma profundidade, sobre as
mesmas condições in situ, se obtinham situações diversas de subconsolidação a sobreconsolidação. No
entanto, salvo algumas excepções, a diferença de valores entre σ’p e σ’0 não é significativa, reforçando a
hipótese de se considerarem as formações aluvionares como normalmente consolidadas.

Da avaliação dos resultados das diversas campanhas de prospecção obtiveram-se os seguintes valores
médios:
e0 ≈ 1,5
Cc ≈ 0,5 a 0,7
Cc
≈ 0,2 a 0,3
1 + e0
Cv ≈ 5×10-8 m2/s

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Geotecnia em Vias de Comunicação

2.2.2- Ensaios in situ

• Ensaios de corte rotativo

Na área da retenção marginal foram executados 55 ensaios de corte rotativo num total de nove furos,
quatro em terra (S1, S4, S6 e V8) e cinco em plataforma no leito do rio Tejo (S2, S3, V1, V3 e V6).
Segundo Bjerrum (1972) os resultados obtidos carecem de correcção em função do valor do índice de
plasticidade. Assim, atendendo a que os valores de IP não apresentam variações significativas em
profundidade, considerou-se, para determinação do factor de correcção µ, um valor de IP constante e
igual a 30, o que conduz a um factor de correcção, µ, igual a 0,9.

Na Figura 6 apresenta-se a variação em profundidade dos valores de resistência ao corte não drenada de
pico cu e residual cu res corrigidas. Verifica-se que a resistência ao corte não drenada cresce mais
rapidamente abaixo dos 13 m, reflectindo provavelmente o facto das aluviões mais profundas
apresentarem maior grau de consolidação.
cu (kPa)
cu res. (kPa) É noção aceite que a resistência ao corte
0 10 20 30 40 50 60 0 5 10 15 20 25 30
0 0
não drenada cu é função da tensão
efectiva vertical σ’v, conforme se pode
5
constatar pelas inúmeras correlações
5
existentes entre cu e σ’v (Skempton
10
1948; Bjerrum 1972, 1973; Mesri 1975;
10
Tavenas e Leroueil 1980; Wroth 1985;
Jamiolkowski 1985; Koutsoftas e Ladd
15 15
1985; Mineiro 1985).
20 20
Adiante realizar-se-á uma comparação
prof. (m)

prof. (m)

entre as diversas correlações propostas e


25 25 a correlações obtidas a partir dos ensaios
Figura 6 – Variação em profundidade de realizados in situ.
cu e cu res (corte rotativo) corrigidos

Na Figura 7 apresenta-se a variação de cu e cu res em função de σ’v, sendo σ’v = γsub × h e h a


profundidade. Para determinação de σ’v admitiu-se o nível freático à superfície e um peso volúmico
aparente submerso γsub de 6 kN/m3.
60 20
cu = 0,249σ’v + 6
50
15
40
cures = 0,046σ’v + 2,3
30 10

20
cures (kPa)
cu (kPa)

5
10

0 0
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 110 120 130 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 110 120 130
σ’v (kPa) σ’v (kPa)

Figura 7 – Variação de cu e cu res em função de σ’v

Obtém-se assim para a resistência ao corte não drenada de pico e residual as seguintes correlações, em
função da tensão efectiva vertical: cu = 0,249 σ’v + 6 (kPa) e cu res = 0,046 σ’v + 2,3 (kPa)

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Cu/Cu res
A fragilidade SE, relação entre cu e cu res, indica a
0 5 10 15 20
perda relativa de resistência de uma argila quando 0
remoldada. Segundo a classificação a fragilidade dos
lodos na zona da retenção marginal é baixa a média
5
(Figura 8). Entre os 4 e 12 m de profundidade
ocorrem valores de SE mais elevados, coincidindo
com as profundidades às quais se prevêem as 10

superfícies de escorregamento mais críticas na


verificação da estabilidade do conjunto aterro 15
fundação. Ao ocorrerem escorregamentos passar-se-
ia rapidamente da mobilização da resistência de pico
20

prof. (m)
à resistência residual, bastante mais reduzida,
podendo ocorrer deslocamentos significativos.
25

Figura 8 – Fragilidade dos lodos. Corte rotativo


• Ensaios de penetração estática com leitura da pressão intersticial (CPTU)

Foram realizados oito ensaios de penetração estática com leitura da pressão intersticial, três em terra e
cinco em plataforma assente sobre os lodos do leito do rio atingindo profundidades compreendidas entre
8,22 e os 24,36 m. Considerou-se que a distribuição da pressão intersticial inicial era hidrostática, com o
nível freático à cota 0 NGP. Os valores de resistência de ponta, atrito lateral e pressão intersticial
apresentados foram corrigidos em função da geometria da ponteira.
prof. (m) prof. (m) prof. (m)
0 0 0
2 2 2 A observação dos diagramas
4 4 4
6 6 6
representados na Figura 9 permite
8 8 8 verificar um aumento, praticamente
10 10
12
10

12 12
u0
linear, da resistência de ponta em
u
14 14 14 profundidade e a existência de leitos
16

18
16

18
16

18
arenosos intercalados, mais resisten-
20 20 20 tes evidenciada pelo registo de
22

24
22 22
resistências de ponta mais elevadas e
0 1.000 2.000 3.000 4.000 5.000 24 24

q τ(kPa)
0 10 20 30
f τ(kPa)
40 50 0 100 200 300
u τ(kPa)
400 500
pela diminuição brusca da pressão
intersticial. Os diagramas dos outros
Figura 9 – Diagramas do ensaio CPTU3. Geotest 1996
ensaios apresentavam andamentos
semelhantes.
Em quatro dos locais em que foram realizados ensaios com piezocone foram efectuados ensaios de corte
rotativo, o que permitiu estabelecer correlações entre a resistência de ponta qτ e a resistência ao corte não
drenada cu. Desta forma, foi possível estimar valores de cu para os locais onde só tinham sido realizados
ensaios com piezocone, recorrendo-se à seguinte relação empírica:
q − σv0
c u ( CPTU ) = τ [1] com qτ - resistência de ponta, σvo - tensão vertical total NkT - factor de cone
N kT
Considerando os valores de resistência ao corte não drenada corrigidos, resultantes dos ensaios de corte
rotativo, obtém-se valores de NkT que variam entre 7,5 a 20. Para os ensaios que foram realizados em
zonas em que existiam espessuras de aterro variáveis entre 2 e 5 m, encontrando-se os lodos mais
consolidados e consequentemente com maior resistência ao corte não drenada obtém-se um NkT = 15.
Nas restantes zonas admitiu-se um valor de NkT constante e igual a 10.

Na Figura 10 e 11 apresenta-se a variação de cu(CPTU) em profundidade e em função de σ’v


respectivamente tendo-se obtido a seguinte relação: cu (CPTU) = 0,184 σ’v + 13,6 (kPa).

Com base nos valores de SE determinados nos ensaios de corte rotativo e em função de qτ e fτ,
determinou-se a fragilidade das argilas SE (Figura 12) a partir do ensaio com o piezocone, com Rf a razão
de atrito e Ns uma constante:

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f
R f = τ [2]
Ns
SE = [3]
qτ R f (%)
Verificou-se que o valor de Ns que melhor permitiu estabelecer uma correlação com os resultados dos
ensaios era igual a 5. Note-se que em solos brandos, durante a cravação da ponteira, é por vezes difícil
registar a resistência por atrito lateral, tendo-se obtido valores consecutivos de fs nulos. Nesta situação
não foi possível determinar SE.

Em termos de deformabilidade, foi possível estimar o módulo confinado, M, o coeficiente de


compressibilidade volumétrico, mv e o módulo de deformabilidade não drenado, Eu. O módulo confinado
e o coeficiente de compressibilidade volumétrico foram determinados considerando a relação proposta
por Kulhawy e Mayne (1990) - equação 4.
60

50
cu (kP a ) 40
0 10 20 30 40 50 60 30
0 20

cu (kPa)
10
cu = 0,184σ’v + 13,6
0
0 20 40 60 80 100 120 140 160
5
σ’v (kPa)

Figura 11 – Variação de cu (CPTU) em função de σ’v


SE
10
0 5 10 15 20 25 30
0

15
5

20 10
prof. (m)

15
25

2 3 4 5 6 7 8 20
prof. (m )

Figura 10 – Variação de cu (CPTU) em


profundidade 25

Figura 12 – Fragilidade dos lodos. Ensaio CPTU


A comparação entre os valores de mv determinados a partir dos ensaios de consolidação edométricos
com os valores estimados a partir dos ensaios de CPTU, permitiu verificar que estes últimos eram
inferiores, embora a diferença não fosse muito significativa - Figura 13.

∴ M = 8,25 (q τ − σ v 0 ) ⇒ m v =
1 1 prof. (m)
M= [4]
mv 8,25 (q τ − σ v 0 ) 0
prof. (m) prof. (m) 2
0 0 4
2 2
6
4 4
6 6 8
8 8 10
10 10 12
12 12
14
14 14
16 16 16
18 18 18
20 20 20
22 22
22
24 24
0 0,5 1 1,5 2 2,5 3 0 2.000 4.000 6.000 8.000 10.000 24
-3 2
m v (10 m /kN) M (kPa) 0 20.000 40.000 60.000 80.000
Figura 13 – Variação do coef. de compressibilidade Eu (kPa)
volumétrica mv e do módulo confinado M Figura 14 – Variação de Eu em
profundidade

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VII Congresso Nacional de Geotecnia

O módulo de deformabilidade não drenado Eu foi determinado de acordo com a proposta de Duncan e
Buchignani (1976) para a qual, admitindo os solos como normalmente consolidados e com IP de 30, se
obtém uma relação do tipo Eu25/cu = 600 – Figura 14.

• Ensaios com o pressiómetro autoperfurador de Cambridge (SBPT)

Durante a campanha de prospecção para a nova ponte sobre o rio Tejo foram realizadas oito sondagens,
onde se efectuaram ensaios com pressiómetro autoperfurador de Cambridge: duas na margem direita (6-
MD e 8-MD), três no leito do rio (2-R, 5-R e 7-R) e três na margem esquerda (3-ME, 7-ME e 2-ME) de
menor interesse para este trabalho.

Os resultados destes ensaios permitiram determinar a tensão horizontal in situ, σho, o módulo de
distorção de descarga e recarga, G, e a resistência ao corte dos lodos cu (SBPT) a várias profundidades. A
resistência ao corte não drenada é determinada ajustando uma recta ao gráfico que representa em escala
semi-logarítmica a variação da pressões totais aplicadas em função das deformações volumétricas
representadas em escala logarítmica, após um certo nível de tensões-deformações. Na Figura 15 e 16
apresentam-se os valores de cu determinados durante a realização dos ensaios nos lodos e a sua variação
em função da profundidade e de σ’v, respectivamente.

Para determinação do módulo de deformabilidade ESBPT (Figura 17) considerou-se a equação 5 para
níveis de deformação de ε = 2 % e ε = 6 ± 1 %. Sendo dΨ e dε a variação da pressão e da extensão
aplicada respectivamente e ν ο coeficiente de Poisson.
80
70
cu (kPa) 60
50
0 20 40 60 80
40
0
30
cu (kPa)

20
10 cu = 0,362σ’v + 12
5
0
0 20 40 60 80 100 120 140

10 σ’v (kPa)

Figura 16 – Determinação de cu (SBPT) em função de σ’v


E (MPa)
15
0 10 20 30 40
0

20
prof. (m)

25

10
prof. (m)

Figura 15 – Variação de cu (SBPT)


em profundidade 15


E SBPT = (1 + ν ) [5] 20

e=2% e=6+1%
25

Figura 17 – Variação de ESBPT em profundidade

2.3- Resistência ao corte não drenada

O aumento de cu pode ser obtido a partir das relações existentes entre cu e σ’v. No Quadro 3 apresenta-se
a compilação de algumas das relações existentes entre cu/σ’v tendo sido apresentadas nos capítulos
anteriores as correlações estimadas a partir dos diversos tipos de ensaios realizados.

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Geotecnia em Vias de Comunicação

Quadro 3 – Compilação das correlações cu em função de σ’v


20 < IP < 30
Skempton (1957) c u σ’v = 0,11 + 0,0037 IP
0,184 σ’v < cu < 0,221 σ’v
0,6

cu σ p
0,4
20 < IP < 30
Bjerrum (1972/1973)
0,2 0,21 σ’v < cu < 0,25 σ’v

0
0 20 40 60 80 100
IP

Mesri (1975) τmob = 0,22 σ’p


Tavenas et Leroueil (1980)
cu = 0,22 σ’v
Terzaghi et al. (1996)
Mineiro (1985) c u σ’v = 0,14 + 0,006 (φ’TC −15) φ’TC = 20(1) ⇒ cu = 0,17σ’v
 1 - senφ’PS 
Wroth (1984, 1985) (τmax σ’v )NC = tg φ’PS  
 φ’PS = 9/8φ’TC = 22,5(2) ⇒ cu= 0,185σ’v
 1 + sen φ’PS 
Wroth (1984, 1985) (3) (τVT σ’V )NC = sen φ’PS (1 − sen φ’PS ) φ’PS = 22,5 (2) ⇒ τVT = 0,233 σ’v
(1)
φ’TC – ensaio de compressão triaxial do tipo CU. Em função dos valores obtidos para o Terminal
ferroviário de Sacavém (1975) e para a Expansão do aterro sanitário de Beirolas (1993, 1994) adoptou-
se, um valor de φ’TC = 20º.
(2)
φ’PS – correspondente a um ensaio de corte sob estado de deformação plana.
(3)
expressão teórica proposta para os ensaios de corte rotativo in situ.
Na elaboração do projecto para determinação do aumento da resistência ao corte não drenada foi seguida
a metodologia proposta por Pilot et Moreau (1973), ou seja:
∆cu = ∆σ’v × tg φCU [6]
Com base em alguns resultados de ensaios triaxiais consolidados não drenados foi considerado o valor
φCU de 10º, ou seja: ∆cu = ∆σ’v × tg 10 ⇒ ∆cu = 0,176 ∆σ’v

Das expressões anteriormente propostas obtém-se uma variação de ∆cu/∆σ’v entre 0,17 a 0,25. Dos
resultados dos ensaios realizados in situ, não considerando a correlação obtida a partir do ensaio SBPT,
pelo motivo de surgir muito superior às restantes e pelo facto de não ser conhecida com precisão a
localização da sua realização, obtém-se uma variação entre 0,184 a 0,249. Admitiu-se assim a relação
∆cu = 0,176 ∆σ’v.

3 - RESULTADOS DA OBSERVAÇÃO
Uma vez estabelecida a metodologia de construção dos aterros foi necessário instrumentar o local para
garantir que: os assentamentos da zona da retenção marginal e dos aterros adjacentes fossem compatíveis
com a modelação final prevista; na zona da retenção marginal não se verificassem roturas por
escorregamento; e que o aumento da resistência ao corte não drenada in situ não fosse inferior à prevista.
Para tal foram colocadas 17 marcas superficiais, 5 placas de assentamento, 4 inclinómetros e foram
realizadas duas campanhas de ensaios de corte rotativo in situ que permitiram tirar como principais
conclusões que:
−os assentamento observados eram da ordem de grandeza dos esperados (≈ 2 m);
−foi possível ajustar as curvas de assentamento medidas, com as calculadas, obtendo-se parâmetros de
deformabilidade idênticos aos previstos - Figura 18;
−a evolução dos assentamentos foi cinco vezes superior à inicialmente prevista;
−nos ensaios de corte rotativo in situ, realizados para controlo do aumento da resistência ao corte não
drenada devida à consolidação forçada da fundação, obtiveram-se valores concordantes com os
esperados, embora pontualmente se tivessem registado resistências ligeiramente inferiores às esperadas
àquela data - Figura 19;
−a grandeza dos deslocamentos detectados nos inclinómetros era idêntica à estimada pelo método dos
elementos finitos (≈ 0,5 m) - Figura 20.

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VII Congresso Nacional de Geotecnia

D atas

01-05-1997

01-09-1998
01-07-1996

01-09-1996

01-11-1996

01-01-1997

01-03-1997

01-07-1997

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01-07-1998

01-11-1998
0

-200
profundidade (m)
-400
0
A ssenta mentos (mm)

Obs ervação
-600
M odelo 2
-800
4
-1000
6
-1200
8
-1400
10
-1600

-1800
12
14
Figura 18 - PA-I-1. Evolução dos assentamentos 16
,1,GH$JRD'H]

18
25 25
20
26-Set-96
28-Out-96 22
20 4-Dez-96 20
9-Jan-97 24
24-Fev-97
0 20 40 60 80
31-Mar-97
15 15
5-Mai-97 cu (kPa)
Altura(m)

Altura(m)

11-Jun-97
8-Set-97 Ago 96 Mar 97 cu0 cu1 cu2
10 7-Out-97 10
13-Out-97
28-Out-97 Figura 19 – Aumento da resistência ao
3-Nov-97
5
10-Nov-97
5 corte não drenada
17-Nov-97
3-Dez-97
0 0
-200 0 200 400 600 -300 -200 -100 0 100
Deslocamento A+A- Deslocamento B+B-
(mm) (mm)

Figura 20 – Inclinómetro IN-I-1

4 - CONCLUSÃO

Os resultados da observação e o comportamento geral da obra vieram confirmar os pressupostos


geotécnicos assumidos em fase de projecto baseados nos resultados da prospecção efectuada, com
excepção do parâmetro Cv utilizado na estimativa da evolução dos assentamentos. Refira-se no entanto
que basta existir uma fina camada de areia intercalada para influenciar o processo de consolidação e
assentamento, um só nível arenoso existente no meio de uma camada argilosa pode reduzir o caminho de
drenagem para metade e consequentemente aumentar a velocidade de assentamento em quatro vezes. Na
globalidade pode concluir-se da boa representatividade dos ensaios in situ (ensaio de corte rotativo,
ensaio pressiométrico e ensaio de penetração estática com leitura das pressões intersticiais) na
caracterização dos solos lodosos, e da possibilidade do estabelecimento de correlações entre si.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

HIDROTÉCNICA PORTUGUESA (1975). Terminal Ferroviário de Sacavém - 1ª Fase. Lisboa.

HIDROTÉCNICA PORTUGUESA (1994). Regularização das frentes Tejo e Trancão da zona da


EXPO’98. Estudos prévios. Lisboa.

LNEC (1974). Caracterização geotécnica de lodos (Sacavém). Proc.053/1/5140. LNEC, Lisboa.

LNEC (1992). Nova travessia sobre o rio Tejo em Lisboa. Ensaios com o pressiómetro autoperfurador.
Relatório 214/92 – NP/NF. Proc.054/1/10134. Obra 053/53/518. LNEC, Lisboa.

Senneset, K.; Sandven, R., Janbu, N. (1989). Evaluation of soil parameters from piezocone tests.
Seminário internacional de ensaios in situ. Comité técnico de pressiómetros e dilatómetros (TC-27) da
sociedade internacional de mecânica dos solos e engenharia de fundações. LNEC, Lisboa.

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