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GERALDO PRADO Diogo MALan Coordenadores PROCESSO PENAL E DEMOCRACIA: Estudos em Homenagem aos 20 Anos da Constituicao da Reptiblica de 1988 Eprora LUMEN JURIs Rio de Janeiro 2009 Processo Penal “De Emergéncia”: Avaliacdo nos 20 Anos de Vigéncia da Constituicao de 1988 Fauzi Hassan Choukr* I. Retrospectiva: A Formagao da Estrutura Emergencial Processual Penal Pés-1988 « Compreender o sistema emergencial exige, além das indagacdes metajuridicas que necessariamente impéem respostas essenciais para visualizar seu funcionamen- to como um todo, a anélise dos mecanismos legais que frutificam nesse ambiente cultural-politico-normativo. Essa anélise tende a demonstrar a fissura entre os pri- mados da Constituicao e o plano infraconstitucional, entre o plano constitucional ¢ a cultura pratica do processo penal ¢ entre a cultura constitucional e a producao cul- tural do processo penal em sua abrangente maioria, podendo-se afirmar que o siste- ma emergencial, no caso especifico brasileiro, alimenta ¢ alimentado pela estrutu- 1a sedimentada, entre nés, de matiz inquisitiva, com todas suas projegdes. ‘Assim, embora invertendo a ordem légica de anilise, a qual deveria comecar pela Constituicdo, opta-se por fornecer o encaminhamento legislativo infraconstitu- cional em primeiro lugar para, depois, confronté-lo com os primados superiores, destacando-se as flagrantes dissonancias entre os dois planos. 1. Itinerério das reformas legislativas no campo processual penal pés-1988 a. Planos de reforma Malgrado o perene discurso da impossibilidade de uma reforma global do Cédigo de Processo Penal, por via da lei ordinaria foram feitas intimeras interven- + Doutor e Mestre em Procesto Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de Sio Paulo. Especializado ‘em Direitos Humanos pela Universidade de Oxford ~ New College. Especializado em Dieito Processual Penal pela Universidade Castilla La Mancha ~ Espanha. Promotor de Justica no Estado de So Paulo. 1 Parte influente da dogmatica brasileira defende desde a entrada em vigor da Constituigio, a impossibilida- de de uma reforma global do Cédigo de Processo Penal, advogando a existéncia de reformas etoriais ou par- ciais, Besta tem sido a posigao politicamente vitoriosa, mas de resultados desastrosos, Ao mesmo tempo em ue nao se constr6i um projeto juridico-politico de reforma global, mesmo as reformas fragmentadas no avancam da maneira apregoada e, quando sio aprovadas nio geram of efeitos priticos desejados. 209 Pauzi Hassan Choukr Ges legislativas pontuais,? apés 1988, as quais ganharam félego diferenciado com as Leis n° 11,619/08 (reforma do rito do jiri e extingdo do protesto por novo juri), 11.610/08 (altera regime de provas) e 11.719/08 (altera a forma dos ritos processuais comuns e outros tépicos), afastando assim o cendrio brasileiro da tendéncia domi- nante no Ambito latino-americano com todas as patolégicas conseqiiéncias dessa op¢io politica. Ao mesmo tempo, uma (re)forma operava sem que se percebesse com nitidez 0 que ela significa em seu conjunto. Olhados os jé distantes anos transcorridos, pode-se ver com clareza que ela se constituiu numa sélida movimentagao pela qual se organizou um sistema verdadei- ramente paralelo de discussio aos primados constitucionais, introduzindo toda uma sorte de instrumentos ‘que, 8 mingua de uma denominacio especifica na doutrina brasileira, optamos por chamé-la emprestando a nomenclatura advinda do direito italiano: o sistema emergencial. Destacam-se as seguintes normas para a andlise desse “sistema”: (i) Medida Proviséria n° 111/89 ¢ Lei n° 7.960/89 dispondo sobre a prisio temporéria; (ii) Lei ne 8.072/90 - crimes hediondos; (iii) Lei n° 8.930/94 — crimes hediondos; (iv) Lei n® 9,695/98 — crimes hediondos; (v) Lei n° 9.034/95 ~ crime organizado; (vi) Lei ne 9.271/96 — lavagem de dinheiro; (vii) Lei n° 9.613/98 - apreensao de bens de origem ilicita; (viii) Lei n° 9.807/99 — colaboracdo com a justiga e programa de protecao a testemunhas vitima; (ix) Lei n? 10.217/01 — interceptagées ambientais e agentes infiltrados (alterou os arts. 1° e 2° da Lei n° 9.034, de 3.05.1995); (x) Medida Provisdria n® n° 27002 e Lei n° 10.46/02 — autoriza intervengao da Policia Federal em investigagio em curso em qualquer Estado; (xi) Lei n® 10. 792/03 — criou o regi- me disciplinar diferenciado de execugao penal. Algumas das principais caracteristicas podem ser destacadas nesse movimento de incrementagao do sistema penal: i. Oemprego do sistema penal numa visio promocional, pela qual ele é visto como 0 primeiro instrumento de regulacao social; ii, A transformacio do sistema penal como um instrumento de politica de governo; iii, A profunda influéncia mididtica na maximizagio do sistema penal como um sistema de controle social; 2 Dentre as iniimeras produgtes acaslémicas destaque-se, por exemplo, STOCO, Rui. Projetos de reforma do cédigo de processo penal eo tribunal do jiri. In Notiveis do direito penal -livro em homenagem ao emé- Fito Professor Doutor René Ariel Dott, Brasilia: Consulex, 2006, pp. 449-499. 3. Por todos, veja-se LAGER, Miximo. Revolucisn en el proceso penal latinoamericano: difusin de ideas Igales desde la periferia. American Journal of Comparative Law, vol 55, p. 617, 2007. 4 CHOUKR, Fauzi Hassan, Processo Penal de Emergéncia. RJ-Lumen Juris, 2002, especialmente capitulo 1, para a definiglo de emergéncia e capitulo 3, para uma visio de direito interno. 210

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