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GERALDO PRADO Dioco MALAN Coordenadores PROCESSO PENAL E DEMOCRACIA: Estudos em Homenagem aos 20 Anos da Constituicao da Republica de 1988 Eprrora LUMEN JuRIS Rio de Janeiro 2009 A Garantia da Razodvel Duracao do Processo Penal e a Contribuicao do ST] para a sua Efetividade Maria Thereza Rocha de Assis Moura* Thais Aroca Datcho Lacava"* 1. Introdugao A fluidez semantica do que deve ser entendido por “razoavel duracao do pro- cesso” importa uma inseguranga juridica que traz efeitos nocivos a legitimidade da atuagao punitiva estatal A todo e qualquer acusado deve ser garantido saber, de antemio, quanto tempo podera durar o trite procedimental, pois, como é sabido, a existéncia do proceso traz como conseqiténcia nao sé a pesada carga de estar sendo processado, mas tam- bém irradia efeitos ligados a prdpria punicdo, como a estigmatizaco social,! e até mesmo reflexos sobre o préprio quantum da pena aplicada.? Jé dizia Carnelutti que “o homem, quando é suspeito de um delito, é jogado as feras” 3 Na auséncia de prazo global para o término do processo, e também de parame- tros legais para a verificacdo do excesso de prazo, principalmente em relacdo ao acu- sado preso, cumpre ao Poder Judiciério a importante tarefa de conferir maior obje- tividade ao contetido da garantia da razoavel duragio do processo, colaborando para Ministra do Superior Tribunal de Justica e Professora Doutora de Direito Processual Penal da USP. “Assessora de Ministro do Superior Tribunal de Justiga e Mestranda em Direito Processual Penal pela USP. 1 Como uma das principais caracteristicas da pena &a retirada do livre poder de disposicio do tempo do par- ticular, tanto que é quantificada em tempo de duracio, a prépria demora na conclusio do processo acaba antecipando um pouco da idéia da prépria pena, com a usurpacio do tempo do acusado, especialmente quando submetido a prisio proviséria. De acordo com Ana Messuti, “o tempo, muito mais do que 0 espaco, 60 verdadeito significante da pena” (El tiempo como pena, Buenos Aires, Campomanes, 2001, p. 27). Veja se, a respeito, também, a reflex trazida por Aury Lopes Jinior em “O tempo como pena processual: em busca do direito de ser julgado em um prazo razoivel”. In: Andrei Zenkner Schmidt (cootd.), Novos rumos do Direito Penal contemporineo ~ livro em homenagem a0 Prof. Cezar Roberto Bitencourt, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2006, p. 198. 2 Sobre a relacio entre a duracdo prolongada do proceso e a aplicago de penas mais severas, recomenda-se a leitura de interessante analise feita por José I. Cafferata Nores em Proceso penal y derechos humanos: [a influencia de la normativa supranacional sobre derechos de nivel constitucional en el proceso argentino, Buenos Aires, Editores Del Puerto, 2000, p. 193. 3 Francesco Carnelutti, As misérias do processo penal, 6. ed., Campinas, Bookseller, 2005, p. 48.0 mesmo autor assim se refere as agruras do processo: “Logo que surge o suspeito, o acusado, a sua familia, a sua casa, 0 seu trabalho sio inquiridos, investigados, despidos na presenca de todos. O individuo, assim, é feito em ppedacos. E 0 individuo, assim, relembremo-nos, é o tinico valor da civilizagdo que deveria ser protegido” (idem, ibidem), Maria Thereza Rocha de Assis Moura e ‘Thais Aroca Datcho Lacava a estipulacao de critérios mais seguros e diretrizes hermenéuticas mais objetivas para a aferigdo do excesso de prazo, O principal desafio do Superior Tribunal de Justica, enquanto guardiéo da higi- dez do ordenamento juridico em ambito nacional, esta, assim, exatamente em assu- mir este papel integrador, suprindo, com a capacidade criativa jurisdicional, a falta de normas suficientes para a adequada implementagao das garantias constitucionais. Passados vinte anos de sua criacdo, que coincidiu com a Carta Constitucional de 1988, desponta excelente oportunidade para analisar como 0 Superior Tribunal de Justiga tem colaborado para seu papel unificador do direito infraconstitucional ¢ em que medida tem demonstrado pioneirismo em suas decisdes, muitas vezes se adian- tando ao préprio legislgdor. 2. A Garantia da Razodvel Duracao do Processo ‘A preocupagio com a duragao de um processo é antiga, remontando ao proprio momento em que o Estado substituiu-se ao particular com relagéo & administragao da justiga, vedando a vinganga privada. A sociedade coube, em contrapartida, nao sé 0 direito de ter uma prestacao jurisdicional por parte do Estado, mas também e nao menos importante, 0 direito de té-Ja em tempo oportuno. Daf surgiu a idéia da limitagao temporal ao exercicio punitivo do Estado, que somente terd como legitima a persecugio penal que se dé dentro de um prazo razod- vel. Isso de da tanto para garantia individual do acusado, a quem precisa ser assegu- rado 0 direito de nao se ver eternamente submetido a terrivel condigao de imputa- do ou investigado, como para garantia da prépria sociedade, a quem interessa ver 0 exercicio legitimo do poder. Podem ser identificados dispositivos que revelam preocupacdo com a tempes- tividade da prestagio jurisdicional em Roma, & época do império de Justiniano e Constantino;# na Magna Charta Libertatum;5 e nas Sete Partidas Alfonsinas.6 A garantia de um juizo rapido também chegou a ser contemplada na Declaragio dos Direitos da Virginia, em 1776, posteriormente acolhida pela VI Emenda da Constituigao dos Estados Unidos. Na era Moderna, mais especificamente apés a Segunda Guerra Mundial, uma maior disposicdo mundial em limitar os poderes dos Estados levou a se conferir um TCE José Rogério Cruz e Tucci, Tempo e Processo, Revista dos Tribunais, Sdo Paulo, 1997, p. 16. 5. De acordo com a disposigéo constante naquele documento, a ninguém deveria ser dado denegar ou retar- dar um direito ou a justia. Cf, Daniel Pastor, Acerca del derecho fundamental al plazo razonable de dura- cién del proceso penal, Revista Brasileira de Ciéncias Criminais, Sto Paulo, Revista dos Tribunais, n° 52, jan/fev. 2005, p. 209 6 OQ juizo penal, neste caso, nao poderia durar mais do que dois anos, conforme noticia Daniel Pastor, Acerca del derecho fundamental...cit.,p. 209.

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