Você está na página 1de 4

Reforma do ensino em quatro actos

Em primeiro lugar, esclareço que quero ser avaliado pelos resultados dos alunos, mais,
quero ser avaliado por este único parâmetro – o artista vê-se pela sua obra, com uma condição:
que haja exames a nível nacional, com questionários subtraídos ao controle dos professores e ao
controle do Ministério; então, provar-se-á o que eu valho mas igualmente o que vale o sistema
educativo. Dispensem-se os avaliadores, que ficam muito dispendiosos – em aulas perdidas para ir
fiscalizar os colegas e em subsídios, que já estão a ser congeminados, para atrair as boas vontades
dos espíritos mercantis. Desconfio, porém, que a Ministra não queira e que o sr. Albino não esteja
disposto.
Vamos aos quatro passos para melhorar o ensino; com a garantia de que todos iriam
trabalhar bem mais e ninguém sairia humilhado. E creio que o País ficaria a ganhar:
1º escola oficina;
2º ensino gratuito, não obrigatório;
3º realização de exames;
4º transição sem negativas.
Assim se desdobram:
1.º A escola oficina, desejável desde o segundo ciclo, implicaria que os edifícios fossem
concebidos com as salas habituais mas, lateralmente, com espaços prontos para se administrarem
aprendizados sobre artes várias – de cabeleireiro(a), mecânico, electricista, carpinteiro, costureira,
e outras. Parte dos profissionais, para orientar as actividades, sairiam da própria escola, dando
protagonismo aos professores ligados às expressões; outros poderiam ser recrutados da sociedade
civil, pessoas competentes e com índices pedagógicos aceitáveis. A escola lograria, deste modo,
avançar com os verdadeiros currículos alternativos – parte das aulas em salas convencionais,
outras nas oficinas que acrescentariam a componente pré-profissionalizante. As turmas seriam, em
certos momentos, aliviadas dos alunos que não têm predisposição para as disciplinas teóricas; os
que ficavam beneficiariam naturalmente de atenção mais individualizada, melhor aproveitamento
e a disciplina seria acatada de modo espontâneo.
O maior erro do sistema educativo, a seguir ao 25 de Abril, foi remover o ensino
técnicoprofissional criado, no século XIX, com o objectivo de dotar o País de quadros técnicos
capazes de despoletar o seu desenvolvimento e modernização. Os resultados propiciaram a jusante
o sucesso da nossa revolução industrial, por mais de cem anos – Portugal, que não implementou
as indústrias típicas do século XX (automóveis, electrodomésticos, audiovisuais), devido à guerra
colonial e à canhestra visão dos políticos da época, sobreviveu à sombra da industrialização
novecentista até ao surgimento da globalização que havia de engolir o Vale do Ave, a Covilhã,
Portalegre e muitas empresas ligadas ao vestuário, calçado e afins; por outro lado, grande parte
dos professores das chamadas expressões saiu daquelas escolas para leccionar Trabalhos Manuais,
Educação Visual, Hortofloricultura, por exemplo.
2.º O ensino gratuito. Devia sê-lo tão radical e completamente como o prefigurou um
relatório da OCDE, há mais de vinte anos, sustentando que, naquelas famílias em que o trabalho
do aluno contribuía para o rendimento do agregado (mormente, no meio rural), lhes era devida
uma compensação equivalente ao tempo destinado às aulas; devia sê-lo tão radical e
completamente que pudesse estender-se até aos estudos universitários ainda que, a este nível, se
recomendasse protacolizar uma indemnização ao Estado a ser executada quando o estudante
entrasse na vida profissional – o que parece já verificar-se nos países nórdicos. Sem dúvida, esta
medida permitiria que os alunos dotados pudessem chegar à Universidade vindos dos mais
recônditos lugares e, para os quais, a despesa maior é provavelmente o alojamento; por outra
banda, com este encargo “a posteriori”, os que o não quisessem bastar-lhes-ia abster-se da
candidatura à gratuidade.
No fundo, tal medida limita-se a inverter os dados do binómio actual: em vez de ensino
obrigatório mas não gratuito, passaria a ser gratuito mas não obrigatório; aliás, convenhamos, o
Estado não tem usado os meios para o tornar obrigatório: não há coimas, a polícia não vai buscar
os alunos absentistas; bem, a Ministra confabulou agora o modo de os professores responderem,
unilateralmente, pelo abandono. O que se pretende realmente é transferir a sede da obrigação do
Estado para os pais e, cremos, com maior probabilidade de ser eficaz: “ – ó filho, tens esta
oportunidade, a escola é de graça, tens de cuidar do teu futuro”
Seria uma decisão mais dispendiosa? Não está provado, porquanto alguns desistiriam, os
que de todo não estão para se empenharem na aprendizagem como, de resto, se reconhecem
dentro dos estabelecimentos de ensino a quebrar esquinas em vez de mourejarem os livros. Para
não irem de mãos a abanar, dêem-se-lhe os certificados de frequência em direcção às “novas
oportunidades”; conforme um cartaz destas, aposto nos vidros das escolas, “Pedro Abrunhosa não
estudou” e, visivelmente, triunfou na vida.
3.º Os exames, pelo menos no final dos ciclos. Começam a surgir vozes a colocar essa
hipótese para o futuro, copiando os bons exemplos de outros países; mas só timidamente. Diga-se,
não há nada melhor para envolver em saudável azáfama toda a comunidade educativa e, à cabeça,
os alunos, os pais, os professores; chegados ao terceiro período, e nos anteriores como vaga de
fundo, veríamos toda a gente a espernear em torno de um nervoso miudinho que é apanágio de
quem concita em si próprio a necessidade e o desejo de vencer.
Claro que exames nacionais teriam de ter uma dificuldade média baixa – sem, apesar de
tudo, necessitarem de ter perguntas de resposta alternativa ou v/f (é verdadeiramente confrangedor
ver exames de Português do nono ano com 3/4 das respostas através de uma cruzinha) – de molde
a que fossem acessíveis à grande maioria dos estudantes; nesta circunstância, os alunos sairiam
beneficiados – em questões sobre matéria não abordada nas aulas, obteriam a pontuação máxima e
os professores teriam de justificar por que a não deram – e mesmo o pequeno “stress” da prova
deixá-los-ia bem mais preparados para, como gostam de dizer os moderníssimos pedopsiquiatrias,
lidarem com a ansiedade e, se falhassem, com a frustração; e, com resultado positivo,
consumariam o prazer do êxito, do obstáculo ultrapassado, do desafio vencido. Os pais ganhariam
filhos mais preparados nas dimensões mencionadas. Os professores fariam um esforço mais
sustentado e capaz de de lhes proporcionar a fruição do resultado do seu trabalho, deixando de ter
inveja dos trolhas que rejubilam à noite ao contemplar as paredes rebocadas.
4.º Transição sem negativas. A maioria das pessoas não concebe sequer o modo como os
nossos alunos transitam actualmente. Das nove habituais disciplinas, em quatro delas costuma
haver cem por cento de positivas (EVT, EM, EF, EMRC); pode-se passar com duas e, às vezes,
três negativas; logo, obtém-se aprovação com resultado positivo a apenas duas e, em cada uma
delas, basta “um tresito”. Há motivo para dizer que, também nestes casos, em vez de certificados
de aproveitamento, se deviam passar só certificados de frequência.
No modelo proposto, em Junho, quem apresentasse duas notas insuficientes ainda poderia
transitar de ano, com a condição de frequentar a escola no mês de Agosto a estudar
intensivamente essas disciplinas e, no fim do Verão, se sujeitasse a novo e definitivo teste. Para
dar essas aulas não faltariam professores – há tantos no desemprego – bastaria pagar-lhe e contar
o tempo para a carreira, os candidatos são às centenas para qualquer substituição temporária, até
em Matemática.
Eu sonhei um país onde isso se experimentou e as crónicas relatam que o medo de ter
aulas no mês de Agosto, em pleno período estival, levava os alunos cábulas a arranjar
estratagemas para terem negativa a três ou mais, de modo a não serem sujeitos a tão arrepiante
castigo. Porém, a maioria esforçava-se honestamente para obter aprovação, no final do ano, sem
qualquer negativa.
Avaliação de desempenho? Seria esta.
Estatuto do aluno? Seria este.
Formação de professores? Eles procurá-la-iam.
Estatuto de Encarregados de Educação? Seria inevitável. Agora, não há!
O Sr. Albino? Seria dispensável.
No mais, que os docentes ensinem (“doceant”), os estudantes estudem e os E. de Educação
eduquem. Portugal agradecerá o ramalhete.
ma
nsoares

Você também pode gostar