Você está na página 1de 9
‘CURSO DE POS-GRADUACAO EM LETRAS Especializagéo em Literatura Brasileira Total de créaitos necessérios para conclusdo do Curso: 24 Duracéo: 12 a 24 meses TnserigBes: nos meses de dezembro e julho Especializaco em Literatura Infantil Total de Créditos necessérios para concluséo do Curso: 24 Durago: 12 a 24 meses Tnscrigbes: nos meses de dezembro e juho EspecializacSo no Ensino da Lingua Portuguesa Total de créditos necessérios para condusdo do Curso: 24 Duragdo: 18 meses Inscrigdes: durante 0 més de dezembro Pdblice Alva: candidatos com Licenciatura Plena em Letras ou dreas afins. Documentos para inscrigao: 2 Fotos Xerox da Certidgo de Nascimento ou Casamento Xerox do Diploma de Graduacéo Xerox do Histbrico Escolar da Graduagio Xerox da Carteira de Identidade Xerox do CIC Curriculum Vitae Taxa de Inscrico Informagées: fone — (51) 320.3676 LETASDEHOWE LETRASDENGIE LETUSOE HOE LERASDEUCIE Lams HOE Desleitura: Aletria "A terceira margem do rio” ea dialética da tradigao Eduardo Sterzi PucRS io howe tempo nent em que do fies alguna nia, pois faces opp tempo Santo Agostino, Conisbes, Xt, 4 Taio pevtano, 0 que em componsigo ole € gue a ct sa oem sto sins, se ben gue sé. Guimaraes Rosa, Tutméea ‘Se hi, no Brasil, uma “poesia da ambivaléncia", Guima- "es Rosa foi um de seus mestres supremas, Afinal, o que ha de ‘mais significative om sua ficgao revela "uma mistura de senti- ‘mentos cliametralmente opostos’, a marca da ambivalencia se- sgundo Angus Fletcher.! O eritico norte-americano encontea as fontes da ambivaléncia emecional e filosofica la literatura mo- derma, cujo grau maximo é a ironia desesperada de tum Kafka, ‘No dualisto teoldgico presente nas alegorias rcligiosas, a radi. ‘al oposicio entre © Bem Absoluto ¢ © Mal Absolute. Nac é ‘surpreendente, portanto, que, na obra de Ross, em que convi "CF 0 captaio sThenaticcifeas ambivalence, the subline and the picturesque, in BLETEYE.argut Atego hor 09 smb made ther: Carol Unie ‘8.195 p Zana Apres pena ca nance Specs pA ins Sia adh ets de Hoje Pons Ags. ¥ 341 2946 cero 1998, ‘vem o impulso modemista de reinventar 0 mundo pela palavza © uma "ética” areaizante enraizada no imagindrio do mito e da religido, deparemos 0 tempo todo com uma constante resalga0 das antinornias em um termo Unico ~monolitico e ambivalente. Como observa Alfredo Bosi, as suas histérias slo fabulas, imythot que velam e revelam uma visio global da existéncia, ‘préxima de um materialismo religiose [..J, propenso a fundir ‘numa unica realidade, a Natureza, o bem e 0 mal, divino © 0 demoniaco, otinien€ 6 mliplo"? ‘A l6gica peculiar de sua imaginacso ndo pressupde a ex clusto do termo cantriri: "O sertio 6 ¢ no é" ("Tudo é e nto 6) a premisea para que se possa dizer qua "O sertso esta em toda parte’ Essa ambivaléncia, determinante da psicologia dos personagens, da macinica das agbes e, sobretudo, da coreogra- fia de incertezas que ¢ a forma narrativa rosiana, deve ser du- plicada, especularmente, no ato da leitura e da interpretacio. So assim podemos atingir 0 cere de uma experiéncia literSria tio desconcertante quanto "A tercelra margem do rio conto que Jeremos, seguindo a teoria da influéncia de Harold #loom.* ‘como utna representasdo alegérica da dialética da tradigfo lite- rari, © rio, assinala Luiz Costa Lima em ensaio sobre Grande serio: vereds, € wim signo ambivalente: simboliza, simultanea- ‘mente, a ferilidade e o transcurso imeversivel, que redunda em abandono e esjuecimento® Nio por acaso, o cidaloso narra- ddor do tinico romance de Rosa, 0 homem-discurso, chame-se Ricbaldo: Riodldo, rio interrompido, represado, falho. Essa Pulsio de persisténcia do vivo sobre © ossério das palavras le- galas pelo passado, concentra-s, crticamente, em "A terceira ‘margem do rio’. Neste conto, a ambivaléncia como que se du- BOL Alea Has ncaa er bra Sto Pau: Cl, 195 p48 1 Ass rash comers em Ct re ee “ROSA, flo Guar A tern marge ec Fn st Ris de Jiri oss types Neco da Lo, 19% aD SCUBLOOM Hid Aegan dr fur ue ds prs. Re a rp, 19H: alee ce Te de at nage, 181 ewe ¢ ea ee so de Blake Seers. Ro de Jane: Ig 182 ow tae ee Jaci imag 995 ‘TMA Lata. sno © o oi: ero da via to Mt Pane Voe 908 9.71 90 Leta abe » Eauaan Stent plies: onde deveriamas tomar 0 rio como signo de fertlidade, evido & sua conexdo com o relacionamento entre pale filho, cle se rovola como signo de finitude, de interrupcio da corrente da tradicdo (0 ro isola 0 pai, e depois ofilho, da vida); e onde deveriamos tom#lo como signo do transcurso inapelével, teansparece permanéncia de um sentido tnico (pai e flho compartilham um mesmo destino} [Nossa tenfativa de lero conto ce Rosa come alegoria da dialética da tradicio deve, portanto, se proeavor, de inicio, cn: tra es tentagoes da leitura literal, presa em cemasie & letra do texto, Uma primeira operagio rumo 4 hermenéutica desejada falvee deva ser justamente uma espécie de ascese do sentido itera, que demanda como contrapartida uma exacerbacio dos. se mesmo sentido: uma aletrc, como diria,e disse, iuimaries, Rose.’ Obviamente, estamos sludindo ao primeito prefacio do livro de contos Tiamei, inttulado “Aletna e hermenéutica™. Q fexto, que possui a estranha fea de uma coletinea de anedo- las, ¢, na verdade, 0 esbogo de uma postica da ‘desteitura’ ~ a Ieifura necessariamente euivecada que, segundo Harold Blo- ‘om postase crticos dever fazer dos textos anteriores! Kathrin Hi Rosenfield j6 havia descitoo prefécio como um “alerta sobre ‘a necessidacle do ‘desvio' literal, ca invengao de combinagtes € ‘elagdes vrtusis, como tinico acesso a interpretaga"™ "Aletria © hermenéutica”inicia-se com um elogio da ti berdade da literatura em relacéo a Histéria: "A estoria ndo quer Ser histria. A estria, em rigor, deve ser contra a Historia” E Ro ors slog bp ric lr Ns vento voc o> ‘indo arte aie coo ste Sng ra me ond eg "Aleta etic parabens yc att far pci spe eet ee os amines eri nop ba vas aha Ia meri faa A Tiina sac pops geet talc eae edo prec cess venga cde iretes utr esse, dri ves © prea. ee ort np et he eta op oe de guetnds nepeass ctv se mba. erate aw mee hepsi @Leout ams Asn anf em pose Re tities ge 421 Respesivomen p68 OEE Kan Oran de ehh Gd a ea Rode acing Paks Fg, p18 ROSA, jay Cerise Nein herent a Thm is de lees Novant 1 7 tocra marge dee ea dein acisto 91 ‘a imediater do apelo sensvel da obra litera, especialmente dds obra litersria breve — a estiria -, que a faz assomelharse 2 lanedota ¢, como esta, desgarrar-se de qualquer continuum exte- ior a cla. A autonomia esttica nasce como canseqiiéncia dessa ‘vontade negativa da obra. Por isso, € sempre, em certo sentido, rnogativa. “Nio € 0 chiste rasa coisa ordindria; tanto seja porque fescancha os planos da logica, propando-nos realidade superior f dimensées para magicos novos sistemas de pensamento,"! storia e piada sintetizam 0 "mecanismo dos mitos — sua for- rmuilaglo sensificadora e concretizante, de malhas para captar 0 incognoscivel"s# Quando ressalta 0 aspecto muitico, Rosa est citando a ancestral oposigdo entre os dois vocibulos com os uals os gregos denominavam a "palavra’ ~ mythos ¢ logos ~ @ identificando a sua arte com o primeito. O mythos, etabelecido pelo dominio da phentasi, nfo obedece acs imperativos do lo- 'g08 ¢ de sua fila dileta, a logica. Rosa cita 0 pré-socritico Pro- Ligoras:"O erro ndo existe: pois que enganar-se seria pensar ou dizor © que nio ¢, isto & nao pensar nada, nao dizer nada" A Ieitura literdria, em mais de um sentido ‘desleitura’, nfo pode ficar defasada em relagio aoe movimentos do sentido no texto, {que atendem a esta lOgica alogica. Deve comesar, portanto, por tentar ouvir os "slléncios bulhentos" — desordeiros, arruzcei- ros, amotinadas ~ de que todo texto, como o universo, esti re peto. Rose, no final do seu prefécio, lista diversas frases que funcionam como verdadeiros mandamentos para a hermenéuti- ce pautaca pela aletria, dentre as quis destacam-se as seguin- test Seu 0 proc og aod pram, ig ‘Diese desu infinite — ronder-ous das parallas tds (sii propa do maicr pesiade de msi, Seems do nas, claro que ennos par ud. i © Faro pode ealer pelo muito que nee ndo deve cx- ar pode eer plo muta que vle wo dee 52 Lema doce © Eduardo Ste “A terceira margem do tio" & um dos 21 contos que Guimaraes Rosa reunia nolvro Pras esérias,cuj primeira ecigio € de 1962, potanto, ses anos depois da publicagéo de Grande seit: verelis, O texo & tao emblemdtico da literatura chamada Guimaries Rosa que aeabou fornecendo 9 titulo das Seicdes americana e alert de Primeiras Estria: The Thind Bank the River e Das dri fer des Flues. A fabula 6, a um o6 t= ‘o.singelaecomplexissima. HA um filo, que €0:narrador, ht Eps. O flho conta, retospectivamente, que 0 pa, "hornem umpridos, ordeiro, positive’, e sobretudo silencioso, certo dia tranidou fazer para si uma eanos. A mie ficou contratada com 2h idéa, pencava que 0 marido tomarseia aeito a eagadas ¢ pescarias, contrartand wudo que fora até entZo. Mas no foi 0 {gue houve: pronta a canoa, o pai despedia-ae de familia e partis para‘o mele do rlo que passava proximo 8 casa, sem ra ugar Algum. Permanecia sempre na pequena embarcagio endo fala- ‘ya com ninguém. Allmenfavarse com a comida que a filha fur- tava da desponsa ¢ debava junto & margem. Aos poucos, a fa- Ilia foie oeltando A nova situaglo, O irmao da mae tomou ‘conta dos negécios da familia. filha se casou, ficou grivida, {eve o bebe foi morar em outro lugar. O outro filo tarsferis- separa uina cidade Atéa mae scabou indo embora, morar com ‘filha, 6 ficou o filhornarrador, que acs otha dos outros cada ‘ez se essemelhava mais fisica ¢ paicologicamente, a0 pai. NEO te cucu. Senta uma culpa inexplicada, que ofazia dedicar-se exclusivamente a0 pei. Um dia, percebendo que o pai etava Yetho, ofl fol até « margem ¢ se dispds a tomar o seu lugar ‘a cance, Pela primeita vee, o pai demonsizou escutar 0 filho, rece ter acto a proposta. Mas o filha fraquefou ante aquele destino e fugiu. Ao final do Felato, pede que, quando morrer © ddepositer numa canoa e olancem a0 1, {seo € quase nada, ef € um rund. & preciso ent des- ler, proceder altri cla estxia.E importante sublinhar, por cexemplo 0 fato de que ofiho constr narrativa,e recone 8 figuca do pa, a patie de informagies de estranos © de sue prdprias lembrangas parcais (‘Do gue eu mesmo me alemibro 19, Sobretado,o faz 8 sombra de son gigantescs angists Dass Alia A ca merger do fendi dio 3 final — uma mescla dle desejo de vida (a fuga) ¢ desejo de morte (© pedido), Como no desenvolvimento mesmo da narrativa {que se constitui a imagem do pai, ¢ & como espelhamento desta que se constitul « identidade do filho, estamos diante de um. narrador bem pouco confidvel. Talvez néo haja porque duvidar da sinceridade do filho em seu relato, porém, como ocorre em rulagio a alguns narradores de Kafka, devemos desconfiar de seu dliscernimento sobre 0 que observa e apresenta ao seu ou- vinte (que nao, necessariamente,o leitor) O filho exagera, por cexemplo, a sua condigdo de vitima. Afinal, ¢ ele mesmo, endo 0 i, 0 seu maior algoz: é por sua prépria vontade, © nio por nnenhum desejo manifesto pelo pai, que o filko permanece sol- teir0 esolitato, disposto a continuar servindo-o. O filho mesmo rio compreencle a razio de sentir a medonha culpa que se im prime a seu relato: "Sou homem de trstes palaveas. De que era ‘que eu tinha tanta, tanta culpa’. Seria apenas, como ele chega {a supor, porque conserva mais vigor que 0 pai e, mesmo assim, no atencle a uma "vocagio" ~ a chamada de uma voz interior — ‘como ele? Mas o filho sequer ouve essa voz. Talver nio se trate tanto de uma culpa, como ¢ dito literalmente, mas sim de uma forma de mielancolia, fomentada justamente pelo fato de o filho rio se sentir convocado para nenhum destino alheio aquela torpe submissao ao pai que cortou todos os vinculos com ele, Walter Benjamin, em seu estudo sobre o Traverspil, usa uma citagio de Aegidius Albertinus para observar que com o melar- ‘clio ocorre “no inicio 0 que acontece com alguém que tenha sido mordido por um cio raivoso: ters sonhos terices,« emores ‘sem raato’ E também Albertinus quem descreve o fim do me- lancélico: “Ele perde seus sentidos mesmo quando seu corpo ainda vive, porque nem vé nem ouve mais © mundo que em tomo dele vive e se agita, mas somente as mentiras que 0 diabo {implanta em seu cérebro e sussurra em seus ouvidos, até que no fim ele delira e mergulha no desespero" \ Em "A terceira margem do rio’, a fome de infinito, ver silo mascarada da fome insaciével de prioridaie,faz.0 conto des- pojar-se de possivels ancoramentos histéricos ~ é dificil deter- minar em que lugar e tempo cle se passa —e radicar-se no chao temporal de mythos. A vocagio mitica da estéria rosiana nio se restringe a0 plano diegético, mas determina a prépria forma da rnarragio (0 que é natural num escritor que dizia considerar a lingua como seu “elemento metafisico’®), Do conto de Rosa se poderia dizer, como disse Borges sobre uma historieta de Ro- ‘bert Graves: "Esta fibula merecera ser my antigua”.™ (© paradoxo da criagio-destruicio se concentra no trope do siléncio. Com este conto, Rosa integra-se a uma extensa li- rnhagem de escritores que utilizaram o silencio como a metéfora mais edequada para figurar os indiziveis enigmas da vida eda morte. "A terceira margom do ro" anuncia, na literatura brasi- leisa, @ consciéneia de uma crise mais ampla. Em sua negativi- dade extrema, pertence a0 mesmo mundo que as fabulas de Kafka, as pecas de Beckett e os poems de Celan. O fato de sua [Ristrla se passar entre sertancjos pode enganar Icitor. A est- Hla integrase valentemente 2 altima fase do modernismo, aquele que rompeu inclusive com a “tradigio de ruptura’ de ue falava Octavio Paz. Se em obras como Ulysses, The waste land e The cantes ainda se conservava um vinculo, embora estra- inhado, irénico, com uma mesma tradiglo cultural que se ester dia desde Homero, agora a propria ironia tornou-se uma espé- LONGING ie St Paul Matin Fone, 1096p 6597 siden pa. Sasha Canter Op. p05 BONES Uh ie en Dek Oe om 3. Bn Aes 2 lise mene cie de crime, Nio se sublima a culpa de escever um poema em meio barbie que, dias dia, mais e mais se tora intistnta da ivlizagho. Como diz. Kaika em um conto: “Que Josefina sa poupada de saber gue ofto dea escutsrmos & uma prova con fra 0 seu canto"® Embora Harold Bloor, que até aqui vem sendo nosso guia pelos descaminhos da desleitur, rete enfa tlumente esta dele, € bvio que a propria consign da ta. dicho se da como efeito da cialéion entre cultura e barbie, mbora num nivel muito mais profundo da que o imaginade pela maior dos revisionists do cinone e, sobretado, de seus Uiuidores “Tradigioé valor € 0 conjunto ce valores ~ no somone i terrios — que se transmitem de geragio a geracio.e que 0 novo poeta deve referendar,reeusar ou modificar, Um cio mala feito ao exame das relagdes entre a literatura €o contexto soci al sberia ler no relacionamento do poeta com a tradieso uma figoragao da condigio histerica do crindor. O propo isola mento do estético, quando ¢ postulalo por poets eeitcos, nao faz mais do que reforger, dnleticamente, ox vineulos das cbras com 0 que é exterior a elas, seja a vida integral da linguagem {em seus uss Hteriosenoiteréin) ous lenedo dag fxgee skorhistvices ete. Em nenhima outa época, ani scr no au tora da modernidade, poderia wm poeta arma, com a conie- G0 de um visiondtie, como fez Rimbauct om Line saison en fer: “Qu'aaisje aw acle demir je ne me retrace 4Wasjourd’mu. A tradigao & 0 que ssivamos da citistrote or ftlhosa resignagzo, Iamento que mio consegue ocular o Sub. tp med avr Mas ¢ turbo pare dots Be lem no compreende este paraclono, ndo compre- Ended a trai. & porter cndeido une sublime fore pect 624 este enferidimento que Guimardes Rosa consegulu superar 8 imagens antagonica a tradgto como conciliagio ou come 4301, preiominantes na literatura antcriot, chegando a uma Jmogem ciletica, em que as antiteses jas e arulam, Antes, 8 egucem mutuamonte. SEATRA re ing ctr Oper dn amanda i ‘Em "A terceira margem do rio", © pai ngo exorce sus ‘autoridade pela palavea, embora seu proprio isolamento ~ ex- ‘mator de sua autoridade ~ seja constraido através da [paler ele “‘mandow fazer para si uma canoa’ 2: Nao se trata de fuma cinos qualquer, mas uma "eanoa especial’: "-] pequena, ‘mal com a tabuinha da popa, como para caber justo 0 remador. {oo} propria para dever durar na Sgua por uns vinte ou trinta ‘anos’. O isolamento deve ser total ~ ha espago para s6 um in~ dividuo ~ ea ermida mével deve estar preparada pata resstic fa tempo, Assim se afigura, 20s olhos do nove poeta, a fortaleza terguida pelo precursor 20 redor de si. “Em nosta leitura alegérica, poclemos identifier a figura dda mie como a propria poosia, ou a Musa, com seus apelos pu- feris& continuidade. Nisso ela € antitétien em relapio a0 pai, que representa 0 precursor e, por extensio, a tradigio, eivada do pathos da descontinuidace. Nao surpreende, portanto, que a Inde fique descontente com a intencio do pai de constrair a ‘canoa. Sua contrariedade é relatada pelo narrador em termos pparalelamente contrérios aos utilizaclos para descrever a reagio ticita do pai: "Nossa mac jurou muito contra a idea” versie "Nosso pai nfo dis nada’ 3Temos af a cposigio entre palavra e sde-palavra como elementos constitutives e expressivos da autoridade (© rio aparece como uma representacio do tempo da teadiglo - um tempo que &, em certa medida, independente do tempo da Histéria, embora nasca deste: "| por todas as sema- ras, e meses, ¢ 03 anos - som fazer conta do ser do viver"® Por isso o tio ¢ caracterizado pelo filho como uma espécie de duplo do pai-precursor: “grande, fundo, culaio que sempre’ % Para o novo poeta, precursor e tradigio sdo indistingusvels, © superar 0 precursor é superar o tempo. No entanto, num pri rmeiro momento, o filho ainda vive na ilusto de que pode se SIG Fae ats Op emp. Gliome, damp 3 idem p32 Gao me 40 Larne dae Esa Stent corel com 0 pal. Quando o pai vai embarcar na canoa, 0 fi tho pede pata ger levado jurto. O pai nio responde, apenas toltzo oller pars o iho e, cam um gesto que & 30 mesmo tem- ode bengio e de vepulso, recusa sua compan. Neste mo- Trent, 0 fio deverieter-ve dado conta de qu a integragao a0 {ai néo ceria possfve, mas apenas sua superagio. Mas ele pare- Biado comproender a verdade terrivel da tradigio. Ironice- mente, Rosa faz seu personagem pensar quo, de alguma forma, de € que sustentao pai, a0 levarthe alimentos. Num instante attic, o illo diz:"Noseo pai carecia de mim, eu sei - na var Facto, no nono ermo[-]-2 Maso narrador tem ce adit que ‘ES mantimentes deixados para 0 pai mal eram tocados: (0 gue consaia de comer, ora un s6 gust; mesmo do shea gente depcitca, no entre as rataes da garde, ‘una lapina de podra do barranc, ee reaia pou, here busied, No atoecia? E a cotente fora dos brs, para er tent ra cance, revista, meso na de masa das enchents, no Suber, at guar no lange db correnteca enorme doo tora o perigas, aque les corps de acios morose pus de-bronedescendo — de espantodeaberro* (© que intrigs o filho ¢ o mistétio da autonamia do pre- ‘cursor: coo ele pode, ao contnria de xm, exstrtto-somente por, fm si, para si? O remordimento das lembrancas & uma maneirs {nvoluntiria de tentar decifrar este enigma: Ni, demas panto se pater equim; 5, or une pouca a gene a gue esc, ert $8 pa Mlgpertar de noo, ie rente ami arena, me passe ‘de outros sores (© que mais perturba o filho nao 6 0 fato de o pai ter ido fembora, mas 4 "estranheza"® de sua fuga: permanccer no meio do tio, Sem ir a lugar algum, silencioso, mas também sem vol- tar, Uma distincla que mantém uma sedutora e perigosa pro- ximidade. "Aquilo que no havia, acontecia."* ‘As suposicbes da populacao do local sobre o motivo da ppartida demonstram uma compreensio exata dos mecanismos da influéncia: 0 isolamento dever-se-ia a uma obrigacio religio- sa ('pagamento de promessa’) ou a0 temor de contaminar 05 familiares com uma docnca contagiosa. Trata-se precisamente de uma forma de devogio e de enfermidade, eo filho nio esca- pou do contigio. Ele tenta descobrir as razoes da atitude pater- nna. Neste passo, Rosa aproxima-se da teologia negativa de Ka- fka e suas revelagbes sonegadas (penso, sobretudo, no célebre Diante da Lei ena declaracio de Kafka a Max Brod de que havi ‘esperanga infinita, "mas nao para née"): Sei que quando eu quis mes saber, irme nda. tne dequecdiserame que constava ue n= pa lg ma vez, tvesse veolado «expla, omer qe ra ele aprontera a cae. as, egor, ese mer tinha morvido, ninguém soubesse, Fese recordar, de de, mais? ‘Também a hip6tese do pai como um nove Nos a experar 6 fim do mundo, com 0 conseqiiente rebaixamento parédico € nilista do mito, lem muito de Kafka, assim como, sobretudo, a “escrita hermenéutics"s de Rosa, podemas dizer 0 que Benjamin disse do escritor tcheco, que esereve como quam interpreta. Grande setio: versias era, sobretudo, a tentativa de, pela narra- tiva de sua vida, Riobaldo vir a compreend@-la, Emi "A terceira ‘margem do rio’, vemos o fitho-narrador embrenhado em um procedimento semelhante: ¢ ele chega préximo a0 ceme do sentido da ventura de seu pai, e de sua propria, no final, quan- do percebe que “essa vida era s6 0 demoramento’ £ nesse ins- tante que ele apreende tox 0 terror da sua condigio tardia ~ da sua lardividade (belatedness), como quer Bloom ~, sentindo-se entSo pronto para superar sua préptia culpa (melancolia) © to- TEAJAMIN, Water rns kaa propéetn do dcr sven de mart Inge nace pce Sa Pas Bae Pp 1A 42 Lamas do Hoja © Ethuard Siors ‘mar o lugar do pai. Porém, como o camponés da peribola de ‘Kafka, o filho nfo passaré pela Porta da Lei que estava aberta 56 ppara cle. Ao menos, néo "vivo", Sua tstica €rigorosamente iro ‘Sou o que io foi 0 gue oi far clad, Sei qu agora Carde tem abrir com avid, cs rases do mundo. ‘Mas, enc, ao mena, gue, no aig da rcs peguem fm mim, € me depot tami mama cance de ada, mesa dua, gue no pr, de longs bern ocbeizo rs afora, ris adentro— via fitho (assinala 0 travessio final) tornarse-é o pai, 0 fio, 0 tempo - a tradigio: agon e concliagao numa tinica figura, indisocidveis. Gosto de pensar que, nesta fébula, Rosa cifrou sou amor fe angéstia perante o precursor e mestee inigualvel da "poesia da ambivaléncia’, Machado do Assis [SA J Gaara: Op ot 9 “Necro una observa de Dee Ppa: “Macdo de Asi, ame larg Aras, nao seus ee dee snsa nro sha Yea ol Ns lerctaments pesto ea no Bes Caves ma ea epee oe forme mona tec pose” Etnpcs ace no mae De’ ee rare ttm /Eueome tretr opat ab /urmb et Tuono fe cn ng tur eto thn in ral no ei ppeta ede arnt aml ran ‘tis eae ger a ep et asf Ne Vala sere aoe a aie na on ‘om prsfoe, onm m aa nswade Wes 4 ‘sc Machado de hos ara ia: aa de aes ase Nr ern pe Ease lars hem gue 3 das a peteno bee, {aves re convervaders de crn. Ne sect ‘Macho pate prs rac do fou de srs’ Ge un naan, fer ‘mon Cunr po ovr on ney {GATARY eos Aan ege Ea Eno Nom) Tr Cotman So aue Paopetive BF. pO, esate Aloe. A anata margar doo’ dintion catretghs 48 Bibliografia BENJAMIN, Walter. Franz Kafka: a propésito do décimo aniverss- to de sua morte. In: Magia ¢ éenica, are €polica, S80 Peulo: Braaliense, 1994. p. 137-164 Origen do drama barroc alemdo. Sto Paulo: Brailense, 1984, BLOOM, Harold. A angdstia da inludnca: uma teoria da poesia. Rio de Janeiro: Imago, 1931 _—Cabala eevee. Rio de Janeiro: Imago, 199. Poesia € reressio: 0 revisionismo de Blake a Stevens, Rio de “Janeiro: Imago, 1992, Un mapa da desteitura. Rio de Janeiro: Imago, 1895. ‘BORGES, Jorge Luis. Graves en Deyé, In: Obras complet. v. Buenos Aires: Emecé, 1989, p. 429 BOSL, Alfredo. Hictvia concise da ltoratura brasileira. Sto Paulo Cult, 1996. FERNANDEZ, Macedonio. Museo dele novela de la eterna. Madrid Chien, 195. FLETCHER, Angus. Allegory: the theory of a symbolic mode, Rha ‘ex Comell University, 1995. KAFKA, Franz. Jocefina, a eantora ou © povo dos camundongos. ‘In: "Um artista da forne/A construplo. Sho Paso: Brasilense, 1995 p37, LIMA, Luiz Costa. sertdo eo mundo: termos da vida In. Por que literatura. PetrOpais: Vozes, 1968. p. 7197. LONGINO. Do sublime. Sto Paulo: Martins Fontes, 1996. LORENZ, Gunter. Diglogo com Guimaraes Rosa. In: ROSA, Joao ‘Guimaries. Figo completa. v. 1. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1985. p.27-61 PIGNATARI, Décio.A vida em efigie (Caos, Caso’e Acaso) Ins ‘Contracemuuncerta.Sa0 Paulo: Perspectiva: 197. 1,166 RONAI, Paulo. As estorias de Tutaméia, tn: _. Tutameia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988, p. 220-28, 3 Lavan « Eausee Sire ROSA, do Cuimarten Alecia ¢hermendutc, hs _. Tuer To de Jancis Nova ron, 196 p. 7-17 BA in crys ho vy nt ii tte Jane: en Obs ato Nacional do Livro 1972p. 3 E [ROSENFIFLD, Kathrin H. Ox dscns do dane: radio # Isc Godse vee dance: imager So Pd Easy 53 esata: ra “Aton argon dor

Você também pode gostar