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Licinio C. Lima Sie Educacao ao longo da vida rea mao direita e a méo esquerda de Miro CORTEZ SE DITORA Conselho Editorial de Educacao: José Cerchi Fusari Marcos Antonio Lorieri ‘Marcos Cezar de Freitas Marli André Pedro Goergen ‘Terezinha Azerédo Rios Vitor Henrique Paro Dados internacionais de Catalogagao na Publicagao (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Lima, Licino C. -Educagdo a0 longo da vida entre a mio direita ea mao lesquerda de Miro / Licinio G. Lima — s¥o Paulo : Cortez, 2007. Bibliografia. ISBN 978-85-240.0199-7 1. Aprendizagem 2. Gidadania 3, Educagao - Finalida- es ¢ objetivos 4. Educagao de adultos 5. Eaucaca0 perms: nente 6. Educagdo popular I. Titulo 07-0979 cops70 Indices para catélogo sistemético: 1. Educagio e aprendizagem 370 Licinio C. Lima EDUCAGAO AO LONGO DA VIDA Entre a mao direita e a mao esquerda de Mir6 SESToRA [EDUCAGRO 40 LONGO DA VIDA: entre do direita e a mao esquerda de Mind etna €. Lima (Cape Esto Graal com iaseragio de Tiago Manuel Revisdo:Agnale Alves, Maria e Lourdes de Almeida Composite: Dany Bdtora ids (coordenaa eteril Danio AO, Moraes Por recomendacdo do autor, 01 manta sortografia vgente em Portugal. "Nenuna parte desta obra pode ser eproduvida ou duplicada sem autorieago express do autos # do editor (© 2007 by Autor Diceitos para ents ecto ‘CORTEZ EDITORA Rua Barta, 317 ~ Perizes €5008.000 ~ sto Paulos? Tels (11)386¢011 Fax: (11) 3064-4290 ‘malt: contez@eortezeitora.com br ‘wo coneaditora coon or Impresco no Brasil ~ feverezo de 2007 Sumario Prefiicio 5 Da educaco permanente aprendizagem ao longo da vida . Educagao de adultos e cidadania democratica A educacdo popular e a adaptagao ao mercado competitivo Entre as logicas da educago popular e da gestao de recursos humanos Da vida, ao longo das aprendizagens: comentarios finais Referencias bibliograticas 13 37 58, n 101 ns A Tiago Manuel, pela mao do artista e pela amizade de quase meio século, | | | Prefacio Exposto a fortes presses € contradigbes, 0 conceito de educa Go ao longo da vida é apresentado, neste pequeno conjunto de en- saios, entre dois pélos ou duas distintas forgas de atraccdo, cuja dis- tancia se revela como um continuum capaz de integrar miltiplas gradagdes. A educacio ao longo da vida encontra-se, segundo esta ‘perspectiva, metaforicamente entre a mao direita ¢ a mio esquerda do pintor catalao Joan Mir6; umas vezes mais proxima da direita ¢, noutras circunstancias, mais intima da esquerda. Em qualquer dos ‘casos situa-se, em cada momento histérico, politico e social, no con- texto de determinadas politicas e praticas culturais e educativas, entre duas maos, ou seja, numa situacio dialéctica. No poema *O sim contra o sim’, integrado no seu livro Serial (1959-1961), Joao Cabral de Melo Neto tematiza poeticamente a si- tuagio de impasse a que Miro teria chegado a partir do momento em que a sua mao direita se tomou demasiado sabia ¢ destra, de tal forma que perdeu a capacidade de se reinventar; ao contrario, a sua ‘mao esquerda, sendo menos h4bil e adestrada, seria menos funcio- nal e, por essa razo, menos dbvia, mais criativa e, especialmente, ‘com maior desejo de aprender: ‘Mir6 sentia a mao direita demasiado sabia e que de saber tanto |j4 nao podia inventar nada. Idéntica seria, de resto, a situagao do pintor holandés Piet Mondrian, de acordo com o mesmo texto do poeta pernambucano, € do mund ‘Mondrian, também da mao direita andava desgostado; nao por ela ser sabia: porque, sendo sabia, era facil. Poder o leitor ser tentado a atribuir conotagao ideol6gica a cada uma das maos: uma direita mais funcional e conservadora, e uma esquerda menos adaptada e mais transformadora. A este propésito, 6s textos aqui reunidos sao claros quanto a andlise das politicas edu- cacionais contemporaneas, ainda que em termos poéticos 0 elogio da inventividade da mao esquerda pressuponha, como se reconhece no poema, que o sujeito nao seja ‘canhoto", situagao em que, com- preensivelmente, a mio sem habilidade e, por isso, mais livre ¢ cria- tiva, com maior potencial de aprendizagem, seria a direita ‘Mas uma leitura enclausurada em termos puramente antind- micos (mao direita versus mao esquerda), no que as politicas e prati- cas de educacao ao longo da vida se refere, seria demasiado simplis- ta © empobrecedora. Dai, também, a opcao pelo entre-dois e pelas respectivas tensdes, admitindo situagdes complexas de um certo hi- bridismo, com a presenga simulténea, eventualmente com intensida- des variadas, de ambas as mios, isto ¢, de uma educagsio ambidestra. Com efeito, na mais perfeita adaptagtio (@ estrutura social, @ economia, & competitividade e a produtividade, etc.) a educagio a0 longo da vida, como veremos, afasta-se da sua raiz humanista e criti- ca, tendendo mesmo a ver fortemente diluidas as suas dimensdes educativas, para se afirmar sobretudo como formacao ¢ aprendiza- gem funcionalmente ao servigo do ajustamento ¢ da adaptagio aos chamados novos imperativos da economia e da sociedade. Transfor- ma-se, em consequéncia, em programas de “qualificagao", de “capa- EDUCAGHO AO LONGO DA VIDA . citagdo” ¢ de "gestio de recursos humanos" onde, no raras vezes, so muito dificilmente conseguimos descortinar as acima referidas di- mensdes educativas, ja amplamente substitufdas por programas de treinamento (ou de adestramento) subordinados & empregabilidade a performatividade comperitiva, Trata-se, nestes casos, do triunfo de ‘uma politica educativa que concedeu um grande protagonismo a ‘mao direita’ da educagdo ao longo da vida, transformando-a numa espé- cie de capitulo da gestio de recursos humanos através de certas pers- pectivas predominantemente vocacionalistas ¢ de formagao profis- sional. As lgicas da educagao popular de adultos, da educagao civi- ca, da educagio comunitaria e para o desenvolvimento local, orien- tadas segundo uma tradigao critica, de emancipagao e de “conscien- tizagéo” (aqui simbolicamente associadas a “mao esquerda’ da edu- cago ao longo da vida) tendem, entio, a ser recusadas ou, sendo toleradas, atribui-se-Ihes um estatuto periférico em termos de politi- cas piiblicas € um mais baixo status em termos socioeducativos. Como se compreende, a critica & “mio direita” da educagao a0 Jongo da vida assenta no sou caréeter pragmatista, hoje dominante, ¢ na tendéncia para a procura de solugdes pedagogistas e individua- listas para enfrentar problemas estruturais de manifesta magnitude. Em rigor, muitos dos sectores que hoje the s40 mais tipicos, como € 0 caso da formagao profissional e continua, ndo sdo dispensaveis no Ambito de uma concepcao de educagiio ao longo da vida mais ampla, que Ihes possa conferir sentido educativo em termos estratégicos, Assim se confrontando, criticamente e criativamente, com 0s pro- blemas da economia, do trabalho ¢ do emprego, por exemplo, po- rém sem denegar o seu cardcter educativo, as suas responsabilida- des sociais ¢ ético-politicas; procurando por isso contribuir, ainda que de forma modesta ¢ limitada, para a criagao de condigoes de transformaco positiva das condigdes da nossa existéncia individual e colectiva, para o aprofundamento da democracia, dos direitos hu- manos e da justiga social, seguindo a metafora da “mao esquerda’ da ‘educagao ao longo da vida. Isto significa, em ultima andlise, admitir o j4 antes referido rojecto de uma educagao ao longo da vida com cardcter ambidestro, ainda que reconhecendo a necessidade de uma maior expresso da sua ‘mao esquerda” face ao seu. potencial de reinvengao e de apren- dizagem do novo. Reconhece-se, em todo o caso, que um certo grau de adaptagao ¢ inerente a qualquer projecto de educagao ao longo da vida, desde logo quando esse projecto confere centralidade a vida dos adultos, & sua leitura do mundo, as suas aprendizagens expe- Tienciais ou, até, do tipo tentativa-erro. Mas isto implica também. reconhecer a substantividade da vida ao longo da educacao e das, aprendizagens permanentes dos individuos, e nao 0 curso da vida reduzido a uma interminavel sucessio de formagées ¢ de aprendiza- gens titeis ¢ eficazes, segundo apenas uma determinada racionalida- de de tipo econémico e gerencial, perseguindo em tal contexto, € acima de quaisquer outros valores € interesses, o alcance da solugdio Gptima, a busca do menor meio, um sistema que amestra os seres hhumanos para o trabalho, “inesmo quando o sistema ha muito dei- xou de precisar do seu trabalho", como Theodor Adorno (2003: 139) pertinentemente antecipou. E também em Adorno (2000: 143) pode- mos encontrar o caracter ambivalente da adaptago em educagio, por um lado necessaria €, por outro lado, absolutamente insuficien- te: "A educagao seria impotente e ideoldgica se ignorasse 0 objectivo de adaptacao © nao preparasse os homens para se orientarem no mundo. Porém ela seria igualmente questionavel se ficasse nisto, produzindo nada além de well adjusted people, pessoas bem ajusta- das, cm consequéncia do que a situagio existente se impee precisa mente no que tem de pior' E cxactamente neste sentido que, recentemente, Istvan Meszaros (2005: 75) reconhecia que a educacdo “Nao pode ser vocacional", dado que isso “em nossas socicdades significa o confinamento das, pessoas envolvidas a fungGes utilitaristas estreitamente predetermi- nadas, privadas de qualquer poder decisério" Sao estas as principsis teses ¢ linhas de argumentacao constan- tes dos ensaios, até agora dispersos, reunidos neste livro pela pri- DUCAGAO AO LONGO DAVIDA ” meira vez. Trata-se de cinco textos, dos quais os quatro primeiros retomam versdes publicadas ao longo da iltima década, resultantes de intervengSes em variados contextos e circunstancias, de que aqui se deixa breve noticia, aproveitando para agradecer aos respectivos editores a autorizagao concedida para que os pudesse retomar, rever ¢ apresentar de forma minimamente articulada. © primeiro ensaio, que agora intitulei "Da educagao permanen- te a aprendizagem ao longo da vida", resulta de uma conferéncia que proferi em Novembro de 2002 em Lisboa, no ambito da conferéncia internacional Cruzamento de Saberes — Aprendizagens Sustentaveis, organizada pela Fundagio Calouste Gulbenkian, na sequéncia de um. convite que me foi dirigido por Jodo Ferreira de Almeida (comissa- io da conferéncia e professor do Instituto Superior de Ciéncias do ‘Trabalho e da Empresa); 0 texto que entio produzi foi integrado no ivro que, com o titulo da conferéncia internacional, foi publicado no ano seguinte em edigao da Fundagao (Lisboa, 2003, pp. 129-148), 0 texto seguinte retoma um trabalho que publiquei na Revista Inovagdio (Vol. 9, 1996, pp. 283-297), entdo editada pelo Instituto de Tnovagdo Educacional do Ministério da Educagao, e que procurava articular alguns aspectos abordlados num conjunto de conferéncias que, em meados da década de 1990, havia proferido: na Universida- de de Coimbra, nas Primeiras Jornadas de Bducagdo de Adultos (a con- vite de Anténio Sim6es), num seminario internacional realizado na Alemanha, subordinado a0 tema Educapo Politica ¢ Politicas de Edw eagto de Adultos (a convite de Johannes Kandel ¢ com organizagao da Gustav-Heinemann-Akademie, Freudenberg) e, finalmente, numa conferéncia internacional sobre Educagao Politica ¢ Democracia Europeia (a convite de Ruud Veldhuis ¢ com organizagao do Instituut voor Publick en Politiek ¢ do Bundeszentrale fiir Politisch Bildung), realizada em Maastricht (Holanda) — of,, respectivamente, Lima, 1996a; 19952; 19960. ‘A educagdo popular e a adaptagio ao mercado competitivo’, por sua vez, resulta de duas conferéncias que proferi em 2004 sobre educagéo popular e politicas educacionais: uma a convite de Jim 2 LICINIO C. LIMA, Crowther (Universidade de Edimburgo/Escécia), na Terceira Confe- réncia Internacional da Rede de Educagéio Popular (PEN), que se reali- zou na Universidade do Minho (Braga/Portugal) ¢ a outra, a convite de Joao Francisco de Souza, num semindrio sobre Educagéo, Teoria Social e Pedagogia, realizado na Universidade Federal de Pernambuco (Recife/Brasil). © quarto texto, agora intitulado “Entre as légicas da educagao popular e da gestao de recursos humanos", foi inicialmente publica- do em 2005 como capitulo de um livro organizado por Rui Canario e Belmiro Cabrito (Educagéo e formagéio de adultos. Mutagdes ¢ conver- géncias, Lisboa, Educa, pp. 31-60) e corresponde a uma conferéncia que proferi na Faculdade de Psicologia e de Ciéncias da Educacao da Universidade de Lisboa, a convite de Rui Canario, incidindo sobre as politicas de educagao de adultos em Portugal entre 1974 e 2004, isto 6, durante as trés décadas que se seguiram a Revolugdo do 25 de Abril de 1974. O quinto e tltimo texto pretende apresentar, sinteticamente, alguns comentarios finais, revisitando certos temas abordados nos capitulos precedentes e, especialmente, reflectindo sobre algumas di- mens6es do analfabetismo ¢ do conceito de alfabetizagao funcional. ‘Uma tiltima palavra para registar que os ensaios aqui reunidos resultaram de uma reflexdo apoiada em varios trabalhos de investi- gacdo que conduzi, ao longo da ultima década, no ambito da Unidade de Educagao de Adultos (até meados de 2004) e do Centro de Inves- tigagdo em Educagaio, ambos da Universidade do Minho, benefician- do do apoio da Fundagdo para a Ciéncia e a Tecnologia e de diversos financiamentos da Unido Europeia, no quadro de projectos de pes- quisa e também de intercambio e de leccionagado em diversas uni- versidades e instituigdes europeias. Beneficiando, ainda, da ge- nerosidade e do interesse que, entre outros, os colegas atras mencio- nados manifestaram pelo meu labor académico e a quem, por essa razao, devo uma palavra de justo agradecimento. L.C.L. Braga, Abril de 2006

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