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Vi terra florida
De lindos abrolhos,
Lindos pera os olhos,
Duros pera a vida;
Mas a rês perdida
Que tal erva pasce
Em forte hora nasce.
"Tenho a certeza que o amor é uma estupidez. Torna as pessoas meio estúpidas e muda-lhes a
maneira de ser e se calhar torna-as mais felizes, está bem, mas isso não muda nada e é claro que
não torna inteligentes os que já são estúpidos. Quando vou na rua e vejo alguém com um sorriso
parvo estampado na cara, penso: este fulano deve estar completamente apanhado da pinha, mas
às vezes, quando estou em maré de indulgência, acrescento para mim: ou completamente
apaixonado. Concordo que as declarações de guerra ainda são piores do que as declarações de
amor, mas isso não impede que as de amor sejam uma estupidez. Além disso, as declarações de
amor podem acaber em guerra declarada ou por declarar, como aconteceu com os pais do Sérgio.
Quem tiver adivinhado que estou apaixonado e se considere muito esperto e inteligente,
elementar caro Watson por isso, com certeza que é um convencido, e se pensa que sou estúpido,
ainda por cima é imbecil, porque pode acontecer a qualquer um apaixonar-se e ninguém está a
salvo. Eu, para não ir mais longe, apaixonei-me pela Sara sem querer, comecei a gostar dela sem
querer. (...)
Ao entrar na aula reparei numa rapariga nova que se tinha sentado na primeira fila e pensei que
se tinha sentado ali por ser a única em que havia dois lugares livres. Tinha uma razão muito
diferente, mas eu ainda não podia saber. Era a Sara, claro. Tinha o cabelo louro. A mim, tanto me
faz que uma rapariga seja loura ou morena e isto não quer dizer que goste de todas, mas sim que
não tenho nada contra as louras nem contra as morenas e passei meia hora da aula a tirar
apontamentos e a outra meia hora à espera de conseguir ver a cara da nova.
- João - chamou-me a atenção o stôr de Geografia, que às vezes salivava de mais e então parecia
um regador e os da primeira fila canteiros de hortênsias. - João, tens alguma coisa?
O stôr de Geografia conhecia-me do ano anterior e gostava de mim, não sei porquê. Eu também o
curtia e acho que também não sabia porquê, embora se calhar era por ele gostar de mim.
- Não - disse eu, e corei porque sou um dos três mais tímidos da turma.
Então a chavala nova voltou-se e vi finalmente a cara dela. Juro que me sorriu durante meio
segundo e que ela também corou."
COISA AMAR
Manuel Alegre
COISAS DE AMOR
Mandei-lhe um cartão
Que o amigo Maninho tipografou:
“Por ti sofre o meu coração”
Num canto – SIM, noutro canto - NÃO
E ela, o canto do NÃO dobrou
Para me distrair
Levaram-me ao baile do Sô Januário
Mas ela lá estava num canto a rir
Contando meu caso às moças mais lindas do Bairro Operário.
Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.
Álvaro de Campos
Adeus
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio. URGENTEMENTE
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mão à força de as apertarmos, É urgente o amor.
gastámos o relógio e as pedras das esquinas É urgente um barco no mar.
em esperas inúteis.
É urgente destruir certas palavras,
Meto as mãos nas algibeiras ódio, solidão e crueldade,
e não encontro nada. alguns lamentos,
muitas espadas.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas: É urgente inventar alegria,
quanto mais te dava mais tinha para te dar. multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes! e manhãs claras.
e eu acreditava.
Acreditava, Cai o silêncio nos ombros e a luz
porque ao teu lado impura, até doer.
todas as coisas eram possíveis. É urgente o amor, é urgente
Mas isso era no tempo dos segredos, permanecer.
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os meus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam O SORRISO
só de murmurar o teu nome Creio que foi o sorriso,
no silêncio do meu coração. o sorriso foi quem abriu a porta.
Não temos já nada para dar. Era um sorriso com muita luz
Dentro de ti lá dentro, apetecia
entrar nele, tirar a roupa, ficar
não há nada que me peça água.
nu dentro daquele sorriso.
O passado é inútil como um trapo. Correr, navegar, morrer naquele sorriso.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.
Eugénio de Andrade