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À tua porta há um pinheiro manso

De cabeça pendida, a meditar,


Amor! Sou eu, talvez, a contemplar
Os doces sete palmos do descanso.

Sou eu que para ti agito e lanço,


Como um grito, meus ramos pelo ar,
Sou eu que estendo os braços a chamar
Meu sonho que se esvai e não alcanço.

Eu que do sol filtro os ruivos brilhos


Sobre as loiras cabeças dos teus filhos
Quando o meio-dia tomba sobre a serra...

E, à noite, a sua voz dolente e vaga


É o soluço da minha alma em chaga:
Raiz morta de sede sob a terra!

Eu quero amar, amar perdidamente!


Amar só por amar: Aqui... além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente...
Amar! Amar! E não amar ninguém!

Recordar? Esquecer? Indiferente!...


Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!

Há uma Primavera em cada vida:


É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!

E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada


Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder...pra me encontrar...

Florbela Espanca (1894-1930)


Quem ora soubesse
Onde o Amor nasce,
Que o semeasse!

De Amor e seus danos


Me fiz lavrador;
Semeava Amor
E colhia enganos;
Não vi, em meus anos,
Homem que apanhasse
O que semeasse.

Vi terra florida
De lindos abrolhos,
Lindos pera os olhos,
Duros pera a vida;
Mas a rês perdida
Que tal erva pasce
Em forte hora nasce.

Com tanto perdi,


Trabalhava em vão:
Se semeei grão,
Grã dor colhi.
Amor nunca vi
Que muito durasse,
Que não magoasse.

Amor é fogo que arde sem se ver;


É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;

É um não querer mais que bem querer;


É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;

É querer estar preso por vontade;


É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor


Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Luís Vaz de Camões (1525-1580)


O Amor é uma Estupidez, de Martin Casariego Córdoba

"Tenho a certeza que o amor é uma estupidez. Torna as pessoas meio estúpidas e muda-lhes a
maneira de ser e se calhar torna-as mais felizes, está bem, mas isso não muda nada e é claro que
não torna inteligentes os que já são estúpidos. Quando vou na rua e vejo alguém com um sorriso
parvo estampado na cara, penso: este fulano deve estar completamente apanhado da pinha, mas
às vezes, quando estou em maré de indulgência, acrescento para mim: ou completamente
apaixonado. Concordo que as declarações de guerra ainda são piores do que as declarações de
amor, mas isso não impede que as de amor sejam uma estupidez. Além disso, as declarações de
amor podem acaber em guerra declarada ou por declarar, como aconteceu com os pais do Sérgio.
Quem tiver adivinhado que estou apaixonado e se considere muito esperto e inteligente,
elementar caro Watson por isso, com certeza que é um convencido, e se pensa que sou estúpido,
ainda por cima é imbecil, porque pode acontecer a qualquer um apaixonar-se e ninguém está a
salvo. Eu, para não ir mais longe, apaixonei-me pela Sara sem querer, comecei a gostar dela sem
querer. (...)
Ao entrar na aula reparei numa rapariga nova que se tinha sentado na primeira fila e pensei que
se tinha sentado ali por ser a única em que havia dois lugares livres. Tinha uma razão muito
diferente, mas eu ainda não podia saber. Era a Sara, claro. Tinha o cabelo louro. A mim, tanto me
faz que uma rapariga seja loura ou morena e isto não quer dizer que goste de todas, mas sim que
não tenho nada contra as louras nem contra as morenas e passei meia hora da aula a tirar
apontamentos e a outra meia hora à espera de conseguir ver a cara da nova.
- João - chamou-me a atenção o stôr de Geografia, que às vezes salivava de mais e então parecia
um regador e os da primeira fila canteiros de hortênsias. - João, tens alguma coisa?
O stôr de Geografia conhecia-me do ano anterior e gostava de mim, não sei porquê. Eu também o
curtia e acho que também não sabia porquê, embora se calhar era por ele gostar de mim.
- Não - disse eu, e corei porque sou um dos três mais tímidos da turma.
Então a chavala nova voltou-se e vi finalmente a cara dela. Juro que me sorriu durante meio
segundo e que ela também corou."
COISA AMAR

Contar-te longamente as perigosas


coisas do mar. Contar-te o amor ardente
e as ilhas que só há no verbo amar.
Contar-te longamente longamente.

Amor ardente. Amor ardente. E mar.


Contar-te longamente as misteriosas
maravilhas do verbo navegar.
E mar. Amar: as coisas perigosas.

Contar-te longamente que já foi


num tempo doce coisa amar. E mar.
Contar-te longamente como dói

desembarcar nas ilhas misteriosas.


Contar-te o mar ardente e o verbo amar.
E longamente as coisas perigosas.

Manuel Alegre

COISAS DE AMOR

A Tesoura bem andava


à procura de marido.
Nunca mais o encontrava:
era um Tesouro escondido...

A bela Bola amarela


sofria de um amor tolo:
gostava muito de um Bolo
(mas ele não gostava dela).

Uma Casa arredondada


casou com um Caso bicudo.
Para as Casas um tecto é tudo,
casam por tudo e por nada!

Manuel António Pina


CANTIGA

Senhora, partem tam tristes


meus olhos por vós, meu bem,
que nunca tam tristes vistes
outros nenhuns por ninguém

Tam tristes, tam saudosos,


tam doentes da partida,
tam cansados, tam chorosos,
da morte mais desejosos
cem mil vezes que da vida.
Partem tam tristes os tristes,
tam fora de esperar bem,
que nunca tam tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.

João Ruiz de Castell-Branco


NAMORO
Mandei-lhe uma carta em papel perfumado
E com letra bonita eu disse que ela tinha
Um sorrir luminoso tão quente e gaiato
Como o sol de Novembro brincando de artista nas acácias floridas
Espalhando diamantes na fímbria do mar
E dando calor ao sumo das mangas
Sua pele macia - era sumaúma...
Sua pele macia, da cor do jambo, cheirando a rosas
Sua pele macia guardava as doçuras do corpo rijo
Tão rijo e tão doce - como o maboque...
Seus seios, laranjas - laranjas do Loje
Seus dentes – marfim...
Mandei-lhe essa carta
E ela disse que não.

Mandei-lhe um cartão
Que o amigo Maninho tipografou:
“Por ti sofre o meu coração”
Num canto – SIM, noutro canto - NÃO
E ela, o canto do NÃO dobrou

Mandei-lhe um recado pela Zefa do Sete


Pedindo rogando de joelhos no chão
Pela Senhora do Cabo, pela Santa Ifigénia,
Me desse a ventura do seu namoro...
E ela disse que não

Levei à Avó Chica, quimbanda de fama


A areia da marca que o seu pé deixou
Para que fizesse um feitiço forte e seguro
Que nela nascesse um amor como o meu...
E o feitiço falhou.
Esperei-a de tarde, à porta da fábrica,
Ofertei-lhe um colar e um anel e um broche,
Paguei-lhe doces na calçada da Missão,
Ficámos num banco do largo da Estátua,
Afaguei-lhe as mãos...
Falei-lhe de amor... e ela disse que não.

Andei barbudo, sujo e descalço,


Como um mona’ngamba.
Procuraram por mim
“Não viu... (ai, não viu...?) não viu Benjamim?”
E perdido me deram no morro da Samba.

Para me distrair
Levaram-me ao baile do Sô Januário
Mas ela lá estava num canto a rir
Contando meu caso às moças mais lindas do Bairro Operário.

Tocaram a rumba - dancei com ela.


E num passo maluco voámos na sala
Qual uma estrêla riscando o céu!
E a malta gritou: “Aí, Benjamim”
Olhei-a nos olhos - sorriu para mim
Pedi-lhe um beijo - e ela disse que sim.
Poema: Viriato da Cruz – Poeta Angolano
Música: Fausto in “A PRETO E BRANCO”
Cartas de Amor

Todas as cartas de amor são


Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,


Como as outras,
Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,


Têm de ser
Ridículas.

Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia


Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.

A verdade é que hoje


As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas,


Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)

Álvaro de Campos
Adeus
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio. URGENTEMENTE
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mão à força de as apertarmos, É urgente o amor.
gastámos o relógio e as pedras das esquinas É urgente um barco no mar.
em esperas inúteis.
É urgente destruir certas palavras,
Meto as mãos nas algibeiras ódio, solidão e crueldade,
e não encontro nada. alguns lamentos,
muitas espadas.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas: É urgente inventar alegria,
quanto mais te dava mais tinha para te dar. multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes! e manhãs claras.
e eu acreditava.
Acreditava, Cai o silêncio nos ombros e a luz
porque ao teu lado impura, até doer.
todas as coisas eram possíveis. É urgente o amor, é urgente
Mas isso era no tempo dos segredos, permanecer.
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os meus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam O SORRISO
só de murmurar o teu nome Creio que foi o sorriso,
no silêncio do meu coração. o sorriso foi quem abriu a porta.
Não temos já nada para dar. Era um sorriso com muita luz
Dentro de ti lá dentro, apetecia
entrar nele, tirar a roupa, ficar
não há nada que me peça água.
nu dentro daquele sorriso.
O passado é inútil como um trapo. Correr, navegar, morrer naquele sorriso.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.

Eugénio de Andrade

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