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de Frei Veloso Retrato Desenhado por Augusto Esteves (1955) = 8 e ~~ Frei Veloso, Insigne Boténico Brasileiro por José Ribeiro do Valle (*) A vinda da famflia real portuguesa para o Brasil, ‘em 1807, pode ser apreciada como forte impulso para (© nosso desenvolvimento s6cio-cultural, Na verdade, porém, o genuino sentimento nacionalista j4 se esbo- ara bem antes, por exemplo, em Minas com o drama de Felipe dos Santos a pavimentar 0 caminho dos in- confidentes. ‘Com a princesa D, Leopoldina chegaram natura~ listas estrangeiros, atrafdos pelo nosso universo verde, ¢ que muito contribuiram para o avango das cincias naturais, Convém lembrar, todavia, que, na época, jé ‘contfvamos com brasileiros voltados para a opuléncia de nossas grandezas na original expresso de Antonil, ‘Duas personalidades de escola se impoém desde logo a0 estudioso de nossa hist6ria cientffica ¢ que mere- cem a nossa ¢ reveréncia: Alexandre Ro- drigues Ferreira (1756-1815) e Frei José Mariano da Conceigo Veloso (1741-1811). Frei Veloso, no século José Veloso Xavier, primo de Tiradentes, nasceu a 14 de dezembro de 1741 na Freguezia de Santo AntOnio da Vila de Sto José, co marca do Rio das Mortes, bispado de Mariana, antiga ‘Sfo José d°EI Rei, hoje Tiradentes. Como franciscano professou ele no convento de So Boaventura do Ma- cact, no municfpio de Nova Friburgo, em 1762. Desde cedo revelou acentuado pendor para 0 estudo da his- ‘6ria natural ¢ achava bastante encanto na observago da natureza, particularmente das plantas, Crianga ain- da as contemplava cheio de curiosidade e, muitas ve~ zes, deixava de ir &s aulas para embrenhar-se nas ma- tas esquecido de tudo, 86 preocupado na andlise das flores que deparava como que desejoso de desvendar todos os seus segredos. Ampliou seus conhecimentos de filosofia ¢ teologia no convento de Santo AntOnio do Rio de Janeiro onde lecionou sucessivamente goo- metria, ret6rica e hist6ria natural tendo sido nomeado lente dessa disciplina em janeiro de 1786. Coma cres~ cente entusiasmo pela Botfnica transformou a sua cela em pequeno laborat6rio contando com a colaboracio * Confertacia proferida no Instituto Histrico e Geogrffico de Sto Paulo a'5 de setembro de 1985, Membro do Institato © Professor Emérito da Escola Paulista de Medicina, de Frei Anastécio de Santa Inés como secretério ¢ de Frei Francisco Solano como desenhista, Nfo cessava, suas excursées pelas cercanias do convento ¢ pelo in- terior até o Parafba do Sul, classificando plantas pelo sistema de Lineu, vindo a coletar cerca de dois mil exemplares em oito anos de proffcua atividade. Em 1779 chegando ao Brasil o Vice- Rei Luiz de Vasconcelos ¢ Souza quem logo se, apercebeu do ta~ Iento ¢ da predilegfo de Frei Veloso pelas cincias naturais. Conseguiu cle, entSo, do Provincial da Or- dem liberé-lo da rotina dos oficios religiosos para se dedicar ainda mais ao trabalho de campo e poder reu- nir 08 resultados de suas investigag6es numa obra de relevante alcance cientffico. Foram estes os prim6r- dios de sua FLORA FLUMINENSIS trazendo as descri Ses ¢ as figuras de mais de 1,600 espécies vegetais, num esforgo redobrado, terminada s6 em 1790, doze anos ap6s a morte de Lineu. Na companhia de seu patrono o Vice-Rei Luiz Vasconcelos ¢ Souza seguiu para Lisboa onde logo passou a privar da amizade ¢ do reconhecimento de homens influentes na c6rte. Viu-se, entfo, nomeado pelo Principe Regente D. Jofo VI diretor da Tipogra~ fia Real Chalcogréfica do Arco do Cego. Com zelo eficitncia a atuagSo de Frei Veloso no cargo foi das mais expressivas ao dirigir e acompanhar a impresso de obras € tradugbes suas © de jovens talentos, tanto portugueses, Bocage e José Agostinho, quanto brasi- keiros Fernandes Pinheiro, Nogueira da Gama e Hipo- Tito José da Costa, Foram ali publicados livros e optisculos de natu- reza didética ou pragmética diteis & Agricultura como © Fazendeiro Lavrador e & Indéstria como a Mem6ria sobre a prética de fazer salitre, a Quinografia Portu- guesa, colec&o de vérias memSrias sobre vinte ¢ duas espécies de quina, a Alografia dos alcalis, etc. Sob sua responsabilidade saiu no 5° tomo do Fazendeiro do Brasil, publicado em 1799 por ordem de D. Joo Vie cago de cordoatha para os navios, Parece ter iniciado na mesma Tipografia a impressio de sua FLORA FLU- ‘MINENSIS, O fato & que voltando ao Brasil, juntamente com a familia real, trouxe os seus manuscritos ¢ as suas estampas passando a revé-los em seu Convento de Santo Antbnio no Rio de Janeiro onde veio a fale cer aos 13 de junho de 1811. Ali estd sepultado ao la- do da Princesa Leopoldina, de Frei Mont Alverne e do poeta Souza Caldas. ‘Ap6s a morte de Frei Veloso a sua FLORA FLUMI. NENSIS ficou arquivada na Biblioteca Nacional. Frei Borgmeier informa: Todos os manuscritos e impressos pertencentes ao esp6lio de Frei Veloso foram ofereci- dos ao Principe Regente pelo ento Vigério Provincial dos Franciscanos do Rio de Janeiro. Foram aceitos ¢ deram entrada na Biblioteca Real a 13 de Novembro de 1811, Entre os documentos se achavam todos os originals da FLORA FLUMINENSIS. Em 1825, por iniciativa do bibliotecério Frei Ant6nio de Arrabida ¢ 0 apoio de D. Pedro I, a FLO- RA, comecou a ser impressa, Conta-se que 0 interesse pela divulgacdo, do material, felizmente encontrado, adveio da publicaco em Munich, em 1824 do 12 fas cfculo da FLORA FLUMINENSIS de Martius. Ao exami- né-lo teria comentado o Imperador: ““Naturalistas brasileiros poderiam bem ter escrito isto”, Com certe~ za le se referia a Frei Veloso. Frei Thomaz Borgmeier escreveu & saciedade a hist6ria acidentada da impress4o da FLORA FLUMINEN- ‘1S, na Tipografia Nacional do Rio de Janeiro. O vo- lume, hoje raridade bibliogrAfica, abrange 352 paginas versa sobre 309 géneros de plantas. A impressio das ‘estampas comecou em Paris, em 1827, apés contrato assinado com J. Knecht ¢ terminou em 1831. Consta de 60 fascfculos formando 11 volumes in-folio e a ti- ragem total de 3 mil exemplares, Com a abdicago de D, Pedro I ¢ 0 nfo cumprimento de cldusulas contra- tuais a firma impressora acabou vendendo a peso a ‘quase totalidade das estampas reservando, porém, 100 exemplares para livreiros. Por obra do acaso salvou-se milagrosamente pequena parte da tiragem que veio ter a Biblioteca Nacional. Triste foi o destino que tiveram os demais exemplares dos 11 volumes das estampas. Tudo ou quase tudo acabou se perdendo ou apodre- ‘cendo nos sagudes das secretarias ou vendidas para fabrica de papel. O mesmo sucederia anos depois com alguns originais de trabalhos de Lund (1801-1880) adquiridos por um fogueteiro. E digno de reparo e contrista 0 coragio dizer-se que s6 no Brasil se dispbe como papel sujo ou de embrulho o produto da inteli- géncia e da arte adquirido com tantas fadigas e traba- Ihos (Borgmeier, pg. 14). Sabe-se que estampas de Frei Veloso assim como trabalhos de Alexandre Rodrigues Ferreira foram pi- Thados durante a ocupago de Portugal por tropas na~ poleBnicas comandadas pelo General Junot e aprovei- tados por Saint Hilaire ¢ De Candolle ensejando Artur Neiva a escrever: “Muitas das espécies descritas pelos inmfos Saint Hilaire (Geofroy e Augusto) foram seadas nas descrig6es, estampas ¢ material coligido pelos brasileiros Alexandre Rodrigues Ferreira e José Mariano da Conceigo Veloso vitimas da incompre- ensfo do meio em que viveram e da inaudita usurpa- fo que lhes fizeram os sAbios franceses (cf. Frei Bor- Devo estas informagées a0 Dr, Oswaldo Fidalgo do Instituto de Botinica de So Paulo, gmeier pg. 6). Certa ocasifo visitando 0 Laborat6rio do Prof. Oswaldo Goncalves Lima, em Recife, li num quadri- nho afixado numa das paredes de seu escritério um ensamento que vem aqui a prop6sito: “Conheci e co- ‘nhego muitos cientistas dignos de minha admirago de meu apreco mas sei de alguns, entretanto, que, pela falta de Stica ¢ até falcatruas deveriam estar na ca~ deia”. Em offcio a0 Marqués de Borba, datado de 11 de marco de 1813, o administrador da Imprensa Regia de Lisboa comunicou A Biblioteca Real da Corte do Rio de Janeiro a remessa pelo navio Vitéria de 5 caixas contendo livros, publicagées e documentos relaciona~ dos como obras de Frei Veloso. Frei Borgmeier, no artigo citado, menciona as diagnoses de 1626 espécies botfinicas que aparecem na FLORA FLUMINENSIS distri bufdas em 396 géneros, 99 dos quais foram criados por Veloso mas a maioria cafda em sinonimia dado © tempo decorrido entre as descrigdes do material e a data de sua publicagio, Saldanha da Gama, em extenso trabalho ofereci- do a D. Pedro Il, escreveu que Frei Veloso, além do interesse em catequizar os Indios Arari, os antigos ‘Tamoios, nfo perdia oportunidade de estudar animais plantas, O seu AVIARIO ORNITOLOGICO € mais uma Prova de seus méritos de naturalista. Em 1881, Ladislau Neto, entdo diretor do Museu Nacional, dew integral publicidade no volume V dos Arquivos do Museu 0 texto da FLORA FLUMINENSIS abrangendo 461 pAginas prestando assim inestimAvel servigo & cincia e merecida homenagem & meméria de Frei Veloso o infatigdvel botfinico brasileiro cuja co- ragem e robustez de espfrito o levaram a vencer tantos tropegos € dificuldades. Faleceu ele aos 70 anos sem ter a oportunidade de ver publicada a sua maior obra. Sabia da existEncia da revista VELLOZIA, batizada ‘om homenagem a Frei Veloso. O 1° némero do 12 volume foi publicado no Rio de Janeiro, em dezembro de 1961, pelo Centro de Pesquisas Florestais e Con- servago da Natureza, Nesse némero inaugural apare~ ‘ce extenso artigo de Fuad Atala, botfinico do corpo técnico daquele Centro, fazendo a hist6ria da obra méxima de Frei Veloso sobre a qual Martius fez. apre~ ‘ciagBes contradit6rias sem deixar de reconhecer, con~ tudo o interesse do trabalho.* Apesar de reparos o valor cientffico da obra de Veloso persiste ¢ merece os encbmios dos especialis- tas, Veloso deve ser considerado, com justica, figura fmpar entre os maiores botinicos que o Brasil tem produzido entre eles Alexandre Rodrigues Ferreira, Freire Alemfo, Barbosa Rodrigues, Frei Leandro ¢ Arruda Camara, Frei Veloso foi um exemplo de virtude ¢ de tra- balho, um fervoroso pregador da fé e eloquente apéstolo da Ciéncia (Alvaro da Silveira). © Prof, Walter Cardoso, em recente palestra du- rante a 37! reunio da SBPC em Belo Horizonte, so- bre Frei Veloso lembrou a personalidade de outro Veloso, 0 Dr. Joaquim Veloso de Miranda também mineiro, religioso © botinico formado em Coimbra ‘onde estudou com o italiano Domingos Vandelli. De~ correm def confusSes na literatura por exemplo o gé- nero Vellosia passa por homenagem de Vandelli a seu discfpulo e nfo a Frei Veloso. Quanto ao género Joannesia ¢ Saldanha foram homenagem de Frei Veloso respectivamente ao Prin- cipe Regente D. Jofo VI ¢ a0 Governador de So Paulo Lobo Saldanha, O Dr, Joaquim Veloso de Miranda (1750-1817) conhecido ¢ respeitado pelos naturalistas da época, trabalhou para 0 Museu do Rio de Janeiro, sua obra ficou_quase toda inédita, Era sobrinho do Frei Santa Rita Durdo, autor do poema épico 0 CARAMURU. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS ATALA, Fuad — A hist6ria da Flora Fluminensis de Frei Vellozo, Vellozias, vol. 1, n° 1, pgs. 36-45, 15 de dezembro de 1961, BORGMEIER, Frei Thomaz ~ A hist6ria da “Flora inensis de Frei Vellozo. In Documentos do Ministério da Justiga ¢ Negécios Interiores. Ar- quivo Nacional, 1961:3-339. (cf. Infra). . A Botfinica e a Zoologia no Brasil. A pro- pésito de um Livro de Arthur Neiva. Vozes de Petr6polis 1930, pags. 880, 935, 1.059, 1.127 € 1.181. CAMINHOA, J, M, - Frei Mariano Velloso, In Ele- mentos de Botinica Geral Médica, Typ. nac. Rio de Janeiro, 1877. cf. pe. XXXIV. CARDOSO, Walter - Dados sobre Frei Veloso, Com, 372 Reunifo Anual da SBPC, Belo Horizonte - Julho, 1985. FERREIRA Lagos, M. — Elogio Hist6rico do Padre ‘Mestre Frei José Mariano da Conceigfo Vello- zw. Rev. Ins. Hist, © Geogr. Brasileiro 2:596-614, 840. HOEHNE, F. C., Kuhlmann, M. ¢ Handro, 0. ~ José ‘Mariano da Conceigfo Veloso, In'O Jardim Botfinico de Séo Paulo. Emp. Gréfica Revista dos Tribunais, Séo Paulo, 1941; 656 pgs. (pg. 238) (cf). MACEDO, Joaquim Amaral - Anno Bibliographico Brasileiro, 1? vol, Rio de Janeiro, Typographia do Imperial Instituto Artistico. cf. José Mariano da Conceigo Velloso 1° volume pgs. 457-460, 1876, RIBEIRO do Valle, J. — José Mariano da Conceigaio Velloso (Bibliographical notes), In Primordia Pharmacologiae in Brasilia, Séo Paulo, Emp, Graf, Rev. dos Tribunais, 1966, pgs. 163-170. «A Farmacologia no Brasil (Antecedentes © Perspectivas). S40 Paulo, Dag Ltda., 1978, 230 PBs. (Cf. pgs. 41, 42.¢ 194), « ContribuigSes antigas de Garcia da Orta e de Frei Veloso a prop6sito do canhamo ou maco- nha, Ciéncia ¢ Cultura (So Paulo) 23:459-463, 1971, SACRAMENTO Blake, A. Alves - Dicionério Bib- bliographico Brasileiro, Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, vol, V. pgs. 64-70, 1899, SALDANHA da Gama, José - Biographia do Botfni- ‘co José Mariano da Concei¢fo Velloso, Re- vista trimestral do Instituto Hist6rico, Geogra- phico e Ethnographico do Brasil, 4° trimestre gs. 139-306, 1868. SILVEIRA, Alvaro da — Frei Veloso. Conferéncia na ‘Academia Mineira de Letras na Sessfo de 7 de novembro de 1915. of. “O Naturalista Frei Concei¢&o Velloso”, Rev. da Academia Mineira de Letras, Anno 1, num, 1, pgs, 61-73, Im- prensa Oficial, Belo Horizonte, 1922, STELLFELD, Os dois Vellozo. Graf. Editora Souza, Rio de Janeiro, 1952, 267 pgs. VELLOZO, Frei Mariano da Concei¢fo - Flora Flu ‘minensis. Archivos do Museu Nacional, Rio de Janeiro, col. V., 1881, 461 pgs. VELLOZO, Frei Jos Mariano da Concei¢go. Bio- grafia, In Encyclopedia ¢ Dicciondrio Interna- cional, W.M. Jackson Inc, Rio de Janeiro ¢ No- va York. vol, XX, pg. 11.875, + Flora Fluminensis, Documentos Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, 1961, 399 pgs. + Plantas Fluminensis descritas por Frei Ve~ Joso, Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, 96:123-133, 1976,

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