Leia o texto abaixo e, com base nele, responda s questes.
CARTA A UM JOVEM QUE FOI ASSALTADO
Foste assaltado. Bem, a primeira coisa a dizer que isso no chega a ser um fato excepcional. Excepcional ganhar um bom salrio, acertar a loto: mas ser assaltado uma experincia que faz parte do cotidiano de qualquer cidado brasileiro. Os assaltantes so democrticos: no discriminam idade, nem sexo, nem cor, nem mesmo classe social grande parte das vtimas das vilas populares. claro que na hora no pensaste nisso. Ficaste chocado com a fria brutalidade com que o delinqente te ordenou que lhe entregasse a bicicleta (podia ser o tnis, a mochila, qualquer coisa). Entregaste e fizeste bem: outros pagaram com a vida a impacincia, a coragem ou at mesmo o medo no poucos foram baleados pelas costas. Indignao foi o sentimento que te assaltou depois. Afinal, era o fruto do trabalho que o homem estava levando. No fruto do teu trabalho at poderia ser mas o fruto do trabalho do teu pai, o que talvez te doeu mais. Ficaste imaginando o homem passando a bicicleta para o receptador, os dois satisfeitos com o bom negcio realizado. possvel que o assaltante tenha dito, nunca ganhei dinheiro to fcil. E, pensando nisso, a amargura te invade o corao. Onde est o exrcito? Por que no prendem essa gente? Deixa-me dizer-te, antes de mais nada, que a tua indignao absolutamente justa. No h nada que justifique o crime, nem mesmo a pobreza. H muito pobre que trabalha, que luta por salrios maiores, que faz o que pode para melhorar a sua vida e a vida de sua famlia sem recorrer ao roubo ou ao assalto. Mas tudo que eles levam, os ladres e assaltantes, so coisas materiais. E enquanto estiverem levando coisas materiais, o prejuzo, ainda que grande, ser s material. Mas no deves deixar que te levem o mais importante. E o mais importante a tua capacidade de pensar, de entender, de raciocinar. Sim, preciso se proteger contra os criminosos, mas no preciso viver sob a gide do medo. Deve-se botar trancas e alarmes nas portas, no em nossa mente. Deve-se repudiar o que fazem os bandidos, mas deve-se evitar o banditismo. Eles te roubaram. muito ruim, isso. Mas que te roubem s aquilo que podes substituir. Que no te roubem o corao." SCLIAR, Moacyr. Moacyr Scliar (seleo e prefcio de Lus Augusto Fischer). So Paulo: Global, 2004. p. 267-268. (Coleo Melhores Crnicas) Glossrio: gide: escudo.