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Siranda.

Revista de Estudios Culturales, Teoría de los Medios e Innovación ISBN : 1989 - 6514
Tecnológica Número 3
http://grupo.us.es/grupoinnovacion/ Año 2010

PRETO E BRANCO E COR NA CONSTRUÇAO VIDUAL DA SOCIEDADE


AMERICANA EM MONA LISA SMILE
BLACK AND WHITE AND COLOR IN VISUAL CONSTRUCTION OF AMERICAN
SOCIETY IN MONA LISA SMILE

Maria Celeste Henriques de Carvalho de Almeida Cantante


CEMRI – Universidade Aberta
Rua da Escola Politécnica, nº 147
1269-001 Lisboa
Telefone: +351213916300
Email: mariaceu@univ-ab.pt

Resumo
Este trabalho pretende reflectir sobre a importância do uso da cor e do preto e
branco na obra cinematográfica, no papel que podem desempenhar na
demonstração de realidades sócio culturais, através de um microcosmo
feminino dos anos 1950, nos Estados Unidos da América. Através de uma
breve análise da representação fílmica Mona Lisa Smile, do realizador Mike
Newell, procuramos, evidenciar que a simultaneidade destas duas opções pode
facilitar o percurso do “olhar” do espectador, bem como a apropriação e
interiorização de uma mensagem de urgência que apela à libertação do
espírito e à acção individual e consciente.

Abstract
This work is a reflection upon the importance of black and white and colour in
the movie Mona Lisa Smile produced by Mike Newell. The role they can fulfill to
demonstrate social and cultural realities through a feminine microcosmus of the
1950’s in the United States. Through this film we try to show you that black and
white and colour can make a difference whenever the audience watches a film.
Above all their simultaneous use can make the inner eyes of men understand
the urgency of appealing to the freedom of the spirit and conscious individual
attitude towards life.

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Preto, Branco e Cor na Construção Visual da Sociedade Americana em Mona


Lisa Smile

O cinema nascido de conquistas científicas consequentes de


investigações e observações sobre a persistência de imagem em movimento na
retina e da descoberta da ilusão óptica de movimento provocada pela
passagem sucessiva de imagens estáticas de um movimento, cedo se
transformou numa forma de entretenimento.

A preto e branco, no início, fixava na tela imagens do quotidiano que


deixavam extasiados os espectadores. As possibilidades do claro/escuro, da luz
e da sombra, do contraste preto/branco foram, durante algumas décadas,
analisadas, trabalhadas e preciosamente exploradas por cineastas que se
empenharam em apresentar à assistência uma nova forma de arte, a sétima
arte.

Exímios em transformar o preto e branco em paleta de múltiplos


cinzentos sombrios e luminosos, realizadores como Charlie Chaplin deixaram-
nos um legado prodigioso que, ainda hoje, nos faz reflectir sobre que saberes
os filmes transportam e como nos apropriamos deles. Através do preto e
branco o espectador foi colocado perante ficções da realidade que
encontraram eco nas suas próprias vivências e sentires.

A chegada da cor ao cinema inebriou realizadores, actores e


espectadores de tal forma que a obra cinematográfica a preto e branco
começou a ser recusada pelos exibidores, exceptuando-se alguns filmes como
A Lista de Schindler. Todavia, a preferência exclusiva da cor não tem sido
pacífica, tendo o escritor, sociólogo, crítico literário, semiólogo e filósofo francês
Roland Barthes considerado que colorir o mundo, ficcionado no ecrã, constitui
uma forma de o negar. Partindo deste pressuposto, como podemos reter um
“olhar” atento num filme a cores, e ler, interpretar as suas mensagens,
considerando que uma obra cinematográfica apresenta uma enorme

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verosimilhança com a realidade? Na linha de pensamento de Roland Barthes, a


cor pode ter a força inusitada de, intencionalmente, nos apresentar ficções de
realidades que se rejeitam ou se pretendem denunciar e de fazer o espectador
reflectir sobre elas.

As opiniões sobre o uso do preto e branco e da cor no cinema são


múltiplas e, por vezes, controversas. No entanto, em nossa opinião, cabe ao
espectador o papel de “olhar”, ver e ler a profundidade das mensagens que
dele imanam pois é a ele que o filme se destina. A forma subjectiva como
analisa, interpreta e ajuíza uma obra cinematográfica imprime à sua visão um
carácter particular e único que o transporta, com frequência, para o seu próprio
mundo interior ou para a sua avaliação da realidade ficcionada no ecrã.

O recurso ao preto e branco e à cor num único filme pode constituir


uma forma de abordagem estilística, de diferenciação entre a realidade e a
ficção, de denúncia, de apelo, de crítica.

Uma reflexão sobre as opções de cor de uma realização cinematográfica


não se esgota nesta breve abordagem. Diversos e multifacetados caminhos
poderiam ser trilhados perspectivando, de igual modo, uma análise, uma leitura
das mensagens que encerra a representação fílmica objecto da nossa análise.
No entanto, parece-nos plausível direccionar a nossa observação para a
dissemelhança confinada na cor e no preto e branco presentes no filme
intitulado Mona Lisa Smile, realizado por Mike Newell, no ano de 2003.

O nosso “olhar” fixa-se de forma distinta nos cenários de cor ou de preto


e branco, deixando-nos uma visão mais aproximada da realidade do universo
sócio-cultural norte-americano dos anos de 1950 ficcionado no ecrã. A
dicotomia ficção/realidade marcada pela opção de cor do realizador, deixa
expressa, de uma forma clara e contundente, uma intenção de apresentar uma
época em toda a sua dimensão social e cultural, imbuída de um forte
preconceito e conservadorismo e, ao mesmo tempo, de incapacidade de
conter o fluxo prodigioso de uma mudança que se visualiza.

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A acção desta obra cinematográfica decorre nos Estados Unidos da


América, num microcosmo social, o Wellesley College, considerado, segundo o
próprio filme, nas palavras da aluna Betty Warren “The most conservative
college in the nation." 1

A plot fílmica desenvolve-se em torno de personagens femininas, dos


seus conflitos e contradições, não se esgotando nesta perspectiva e não se
confinando a um universo fechado e redutor alheio à realidade. Pelo contrário,
transpõe os muros do colégio e percorre o universo social, histórico e cultural
da década que lhe subjaz, recorrendo a fragmentos reais de acontecimentos
sociais e históricos que perpassam pela acção cinematográfica e culminam
numa sequência de imagens reais, sobretudo, a preto e branco, que servem de
fundo aos créditos finais do filme. Imagens que evidenciam situações do
quotidiano das famílias da classe média alta americana. “Esta evidência é o
primeiro mistério do cinema” Morin (1997:21), na opinião de Edgar Morin, para
que nos inquietemos através delas. “É aqui que principia a ciência do homem.
Aqui deve principiar também a ciência do cinema.” Morin (1997:21).
O preto e branco, bem como os cinzentos que transcorrem destas
imagens fixas e em movimento, de anúncios, excertos de entrevistas, programas
de televisão (documentários, concursos e séries televisivas), separam, por
momentos, o espectador da acção fílmica e retêm-no numa determinada
realidade histórica e sócio-cultural, o que lhe permite relacionar, com maior
facilidade, a representação fílmica com essa mesma realidade, para que
desperte para ela.
O preto e branco coloca, do mesmo modo, em destaque a transição
para a cor na televisão e no cinema, estabelecendo uma verosimilhança do
filme com os acontecimentos da época a que se reporta, fundamentando os
propósitos do realizador em apresentar factos e acontecimentos que permitam
ao espectador constatar e interpretar a realidade histórica, cultural e social
americana através do filme em análise. Mais contundentes são os registos
fotográficos a preto e branco, cujo flash eterniza e revela o papel da mulher no
palco social da família nuclear americana desta geração e traduz o seu estatuto:

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o de fada do lar. "Após o fim da guerra, (…) deu-se um regresso de imagem da


“Happy Homemaker”, sorridente a preparar refeições na cozinha que, agora,
era totalmente eléctrica." Pires (1996:348). São exemplos desta situação, duas
cenas do filme nas quais o desenrolar da acção se transforma em registo
fotográfico momentâneo, quando a aluna Betty Warren, já casada, participa na
realização de um anúncio, corroborando a ideologia do regime de confinar a
mulher às tarefas do lar e de a transformar em super mulher/dona de casa que
consegue, com o auxílio dos electrodomésticos, conciliar todas as suas
obrigações enquanto mulher casada.
Por sua vez, as imagens coloridas e em movimento patentes nesta obra
cinematográfica, transmitem-nos a alegria, a futilidade e o bem-estar de uma
geração próspera, apenas preocupada com as aparências e o estatuto social,
deixando-nos uma visão cor-de-rosa da sociedade de então que o realizador
pode querer denunciar.
Estas imagens evidenciam os apelos feitos ao consumismo e são
demonstrações do american way of life, vivenciado pelas próprias alunas do
colégio. É disto exemplo o anúncio da marca de tabaco Camel que a aluna
Connie Baker mostra e lê às colegas, ostensivamente, durante uma conversa no
quarto de uma delas: “When your courses are set, and a dream boat you’ve
met have a real cigarette. Have a Camel.”2 Os anúncios às cintas para manter
elegante a silhueta feminina, o concurso para a eleição de Miss America ou Mrs
America, referências ao baby boom e à Levitown, a apologia da felicidade
elegendo a vida quotidiana da família nuclear tradicional, são imagens de alerta
que clamam pela atenção do espectador para uma realidade norteada para o
retorno das mulheres ao lar depois da Segunda Guerra Mundial, durante a
qual estas se haviam tornado mais independentes, assegurando o trabalho nas
fábricas, tendo sido capazes de tomar decisões na ausência dos maridos,
figurantes num palco de guerra, muitas vezes desconhecendo qual o seu papel
no teatro de operações.
Este apelo fica ainda mais claro quando nos é apresentada, nos créditos
do filme, uma entrevista na qual uma mulher jovem, operária numa fábrica

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afirma, com clareza, que o papel de liderança retorna aos homens uma vez
findo o conflito bélico: “And what about this war, Lee? Well, this post belongs
to some soldier. When he comes back he can have it.”3
As imagens reais ou ficcionadas que perpassam no ecrã ao longo desta
obra cinematográfica, remetem-nos para a ideologia do regime Mccartista
suportado nos valores conservadores da família nuclear monoparental na qual
o pai liderava e se impunha dentro dos parâmetros da moral e dos bons
costumes da família tradicional americana de origem puritana pois “era preciso
preservar a «pax americana» a todo o custo.” Geada (1977:35). Imagens
entrelaçadas de cor e preto e branco agitam e aguçam a reflexão da
assistência, mostrando a cores e demonstrando a preto e branco os caminhos
percorridos por uma sociedade saída da guerra, ávida de conforto e alheia aos
anseios de uma nova geração que despontava sedenta de libertação.
O realizador desta representação fílmica remete-nos para o universo de
um colégio privado destinado às jovens da upper class americana que, no
Outono de 1953, se vê confrontado com a audácia de Miss Katherine Watson,
considerada “a liberal-minded woman from California”4, que, através das artes
plásticas, se lança, temerária, na conquista da libertação interior das suas alunas,
utilizando como mote as potencialidades da pintura, enquanto forma de arte
privilegiada, através da qual é possível, segundo o seu ponto de vista, reflectir
sobre cada um de nós e o mundo que nos rodeia, inferir e expressar o que de
mais genuíno encerra a alma humana. Na escolha da pintura como força
impulsionadora da mudança Mike Newell e os argumentistas Lawrence Konner
e Mark Rosenthal lançam um repto de audácia protagonizado por Miss Watson
que fere, agride e nega uma sociedade conformista que se pretende acordar.
Mais uma vez a cor forte impressa na carcaça esventrada de Soutine5 a luz e o
traço de Van Gogh, o desnudado das Demoiselles D’Avignon6 de Picasso e o
dripping profuso e multicor de Pollock7 apelam, nas suas múltiplas cores, à
negação de uma sociedade repressiva da mente, sobressaltam a mansidão do
pensamento e clamam por espíritos inquietos e sôfregos de vida.

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Através da pintura ficam expressos os anseios da professora de História


de Arte que apela, sucessivamente, a rupturas utilizando as artes plásticas,
destacando pintores de ruptura como referência.
Katherine Watson, Mona Lisa, assim chamada pelo professor de italiano,
Bill Dunbar, pelo sorriso permanente que encerra uma expressão introspectiva,
tranquila, confiante mas firme e decidida, remete-nos para a famosa pintura de
Leonardo da Vinci intitulada La Gioconda ou Mona Lisa8 que, intemporal e
única foi, na sua época, também, um factor de ruptura com a tradição medieval
à qual se sobrepos como pintura renascentista que é, deixando para a
posteridade um legado insubstituível. O seu sorriso misterioso acompanha-nos
ao longo deste filme. Esta obra de arte, no nosso ponto de vista, constitui uma
das mais fortes materializações dos propósitos da professora de História de Arte.
À semelhança do quadro de Mona Lisa, Katherine Watson “didn’t come to
Wellesley to fit in. She came to Wellesley because she wanted to make a
difference”9 nas palavras de Betty enquanto narradora deste filme.
Embora Miss Watson tenha confrontado as alunas com Van Gogh,
Soutine e Pollock, entre outros, é em Mona Lisa que está a essência da sua
orientação enquanto professora. Nesta obra de arte encontramos o fio
condutor do trabalho de Katherine Watson: confrontar as alunas com as suas
próprias realidades quotidianas é colocá-las perante a possibilidade de
pensarem por si, evoluírem, serem women thinking e romperem com o status
quo. Katherine/Mona Lisa entrecruzam-se durante o desenrolar do filme,
deixando-nos a sensação de uma forte ligação e cumplicidade. Miss Watson
orienta as aprendizagens das suas alunas, utilizando como fonte de eleição o
enigma de Mona Lisa que conduz à reflexão interior. Nos momentos de
viragem Mona Lisa ruptura mostra-se poderosa. Betty, decidida a divorciar-se,
folheando um livro, observa uma cópia a preto e branco do quadro intitulado
Mona Lisa, mostra-o à mãe e, em seguida, questiona-a: “She is smiling. Is she
happy?”10 De novo a opção de preto e branco marca a diferença e procura
eternizar a simbologia de uma ruptura. Betty conseguira, finalmente, observar
para além dos conceitos padronizados e vigentes, para além das aparências. Ela

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transformara-se, num ser pensante, crítico e activo, capaz de decidir sozinha


sobre a sua própria vida. Numa das aulas de História de Arte, a Mona Lisa
davinciana insinua-se de novo, dando, mais uma vez, forma à liderança
perpetrada por Katherine, assumindo a imortalidade do pensamento individual.
Mona Lisa impôs-se ao mundo ocidental, como Katherine Watson se
impôs no microcosmo social de Wellesley, deixando a marca do seu sorriso
determinado e a sua mensagem de esperança, num apelo à sabedoria
adquirida através da reflexão interior, da percepção do que nos rodeia, da
verdade, da lealdade, que tem como meta a plenitude da realização do ser
humano, na busca incessante da concretização dos seus sonhos, em oposição
à situação confortável mas subserviente da mulher conservadora e
tradicionalista, não deixando, no entanto, de apelar aos valores do
individualismo, liberdade e criatividade que são fonte de orgulho do povo
americano.
Personagem carismática, misteriosa, cedo se desnuda sem pudor
hipócrita assumindo todos os seus actos. A professora de História de Arte é
honesta, franca e leal, não se subalterniza e exige dos seus parceiros o mesmo
comportamento. As rupturas acompanham o seu percurso amoroso sem que a
inferiorizem ou alterem os seus propósitos. Miss Watson é uma mulher de
desafios e convicções fortes, mas sabe respeitar as diferenças. Encaminha a
aluna Joan Brandwyn para uma candidatura na área do Direito, em Yale, mas
respeita a sua decisão de prescindir desse objectivo e tornar-se dona de casa.
Compreende Amanda Armstrong, a enfermeira do colégio e não a marginaliza
por ser lésbica. Procura tornar menos sós e amargos os dias de Nancy Abbey, a
professora de etiqueta. Coloca a amizade acima dos interesses pessoais.
Humanista, individualista e tolerante, mas frontal e firme consegue congregar
em seu redor um universo diverso que encerra a conflitualidade silenciosa de
uma sociedade multifacetada, que aprende a admirá-la e a respeitá-la.
A professora de História de Arte reflecte a rebeldia de uma geração
insatisfeita, veiculada por uma atitude desafiante e pela divulgação de formas
de arte que se apresentaram como rupturas. Esta professora de sorriso radiante,

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sacudiu a tranquilidade de uma aprendizagem passiva assente na


memorização e na repetição, fragilizou a futilidade e o conservadorismo das
suas alunas, apresentando-lhes, de forma gradual, alternativas que lhes
permitissem fazer escolhas conscientes e assumir novas formas de realização
pessoal.
Os propósitos desta professora contrastam com os objectivos a que se
propõe o Wellesley College, que pretende, apenas, educar as jovens de uma
classe social abastada com vista ao casamento. Com este fim estudam línguas,
etiqueta, música e artes plásticas, não lhes sendo veiculadas nem alimentadas
perspectivas de carreira profissional, embora as universidades não lhes
estivessem vedadas. A estes estudos era impressa uma seriedade, uma
exigência e um rigor que incutia nas jovens um sentido de responsabilidade,
uma arrogância e uma autoconfiança que deixaram Miss Watson perplexa e
completamente frustrada. Testando a sua capacidade de argumentação e de
diálogo, Katherine cedo verificou que a inquestionabilidade dos ensinamentos
livrescos adquiridos pelas alunas lhes incutia a convicção de serem detentoras
do conhecimento e da razão, o que conduziu ao confronto directo com a
professora, chegando à denúncia, às queixas e às ameaças por verem postos
em causa os seus pontos de vista fundamentados em memorizações exaustivas.
O cenário de conflitualidade mais contundente, a sala de aula,
apresenta-se ao espectador numa forma austera, formal e escura denunciando
desconforto e autoridade repressiva, contrastando com a informalidade e o
humanismo das abordagens de Miss Watson, cuja silhueta ou rosto se
destacam na escuridão de um anfiteatro que se distancia da secretária da
professora. Esta ambiência de cor escura e sombria deixa no espectador uma
sensação gélida, uma frieza de trato, uma ausência de afecto. Esta distanciação
professora/alunas, tinha como objectivo não criar relações afectivas entre as
partes envolvidas no processo ensino/aprendizagem à semelhança do que se
passava nas instituições escolares da época. Como podemos constatar, as cores
escolhidas pretendem tocar as emoções do espectador e realçar, através das

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mesmas, o ambiente repressivo de que estava imbuído o ensino da época que


subjaz ao filme.
A prodigalidade das cores que povoam a casa da professora de
etiqueta, Miss Nancy Abbey, bem como o teor e o colorido das suas aulas,
remetem-nos, do mesmo modo, para um apelo à negação e à denúncia de
uma sociedade preconceituosa e intolerante na qual a mulher solteira era
rejeitada uma vez que não contribuía para a sustentabilidade do sistema,
embora Miss Nancy Abbey fosse utilizada como veículo de propaganda do
regime, o que se pode verificar numa das suas aulas quando adverte a aluna
mais contestatária e rebelde da turma, Giselle, afirmando que: “A few years
from now your sole responsability will be taking care of your husband and
children. You may all be here for an easy A but the grade that matters the most
is the one he gives you, not me.”11
A par e passo, percorrendo o universo quotidiano do microcosmo
ficcionado no ecrã, Mike Newell vai abordando os diversos problemas com que
se debateu a sociedade da geração de 1950 realçando, também, a questão da
intransigência relacionada com a opção sexual individual e a educação sexual,
razões pelas quais, a pretexto da ilegalidade da distribuição de diafragmas às
alunas, a enfermeira Amanda Armstrong é exonerada. Suportado no apoio
incondicional à tradição e nas directrizes das mães das alunas, o colégio
arvorava-se o direito de interferir no trabalho de todos os docentes que, de
alguma forma, se desviassem das normas da instituição escolar para que fosse
reposta a ordem e os bons costumes.
Às jovens era inculcada a necessidade das aparências, da simulação, da
hipocrisia e da sujeição. Mrs. Warren, mãe de Betty é a personagem que
melhor traduz esta situação. Ultra-conservadora, arrogante, hipócrita e
dissimulada procura transmitir à filha a “arte” do sucesso conjugal, relegando
para segundo plano o afecto maternal e o amor entre os membros do casal.
Por isso recusa receber de volta a filha em situação de crise conjugal.
Betty, embora controlada e influenciada pela mãe e alienada pelo
sistema recusa-se sufocar e, num grito de revolta, parte para o desconhecido da

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descoberta de si própria e da construção do seu caminho, ficando para trás o


desafio e a ameaça à autoridade da professora de História de Arte que a
confrontara com as consequências de uma ausência prolongada: a
reprovação.
Num big close up destacando uma máquina de escrever sujeita às
tiranias de uma mão vigorosa, somos postos perante um relato escrito,
acompanhado por um monólogo interior de Betty, que entrecortará a acção
fílmica de quando em vez lembrando o espectador de que se trata de relatos
de um passado recente. Desta forma expressa as opiniões e constatações de
alguém que participou no desenrolar de acontecimentos. Elizabeth Warren
retrata-se e restitui a Miss Watson a imagem de dignidade que a distingue
enquanto ser humano e eleva o seu empenhamento e os seus propósitos,
através de um artigo que vai dactilografando ao longo do filme e que se
destina à última publicação do jornal escolar de que era redactora.
Betty é a crisálida enclausurada num casulo de seda que renasce e voa
qual borboleta à descoberta da primavera da vida, seguindo o exemplo de
Katherine que soube enfrentar alunas, pais, instituição escolar e sociedade mas
não deixou de prosseguir com os seus objectivos: conduzir as suas jovens
pupilas por caminhos de libertação.
Às mulheres mais jovens cabe, nesta obra de ficção, o papel de quebrar
amarras e abrir caminhos por entre uma floresta pejada de lianas que prendem,
de árvores que sugam, de capins que escondem, de grutas que sufocam a
vontade, o livre arbítrio, o espírito crítico, a liberdade de decidir.
A Miss Watson, está destinado, cortar o primeiro tronco, abrir o primeiro
trilho, seguir em frente, liderar o grupo na conquista de uma nova clareira
plena de sol, luz e espaço onde cada uma possa edificar a sua própria cabana
coberta de um colmo ralo por onde perpasse a claridade do saber, do querer e
do construir.
Este filme está pejado de metáforas, imagens, interrogações e
contradições que espelham uma geração que coabitou com os temores da
repressão, a frivolidade e a alienação e com a inovação e a mudança que uma

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juventude rebelde abraçou, através de um movimento de contra-cultura,


denominado Beat Generation. As artes plásticas atingiram, neste período
histórico, um dos seus mais altos momentos de glória. As convulsões sociais
apostadas na conquista da igualdade de direitos, na libertação dos espartilhos
de uma tradição retrógrada e conservadora, que tiveram lugar no mundo
ocidental, em geral, e nos Estados Unidos, em particular, estão patentes nesta
obra cinematográfica que aposta em nos mostrar e demonstrar que a
mudança foi irreversível, sobretudo, para as mulheres que não retornariam ao
desempenho de um papel de silêncio e sujeição.
A dinâmica da sétima arte coloca-nos perante um conflito geracional,
numa dicotomia que encerra, uma política educativa conservadora e
tradicionalista, em tudo oposta à afirmação do individualismo americano,
enquanto factor de mudança e motor de inovação e criação utilizando a cor e
o preto e branco como meios de negação e afirmação, respectivamente. A
utilização cuidada da cor ou do preto e branco fez-nos reflectir sobre os saberes
que transcorrem do filme Mona Lisa Smile e conduziu-nos a uma apropriação
que se prende com a denúncia e os perigos do conformismo e a possibilidade
de escolha de caminhos individuais e alternativos. A nossa visão e a nossa
leitura foram facilitadas e enriquecidas pelo recurso ao preto e branco e à cor
numa mesma obra cinematográfica.
O nosso “olhar” percorreu a paleta de cores de uma mensagem de
apelo à descoberta do interior de cada um de nós ficcionado no ecrã por
personagens de que nos apropriámos e sentimos, tal é a força da
representação do real que esta obra encerra. A cor e o preto e branco
eternizam uma mensagem de urgência que nos remete para a necessidade de
acordar e restaurar as mentes inquietas porque o mundo pula e avança numa
bola colorida pelas vontades de inovar e pela premência de continuarmos a
existir enquanto seres pensantes.

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Notas

1
s.a. “Mina Lisa Smile Script – Dialogue Transcript”. 7 Set. 2007. < http://www.script-o-rama.com/movie
scripts/m/mona-lisa-smile-script-transcript.html>
2
Ibidem
3
Ibidem
4
Ibidem
5
Pintor surrealista e expressionista abstracto russo do século XX.
6
Les Demoiselles D’Avignon, pintura realizada em 1907, que se encontra no Museu do Moma, em Nova Iorque, é
considerado um quadro revolucionário pela ruptura que opera entre a natureza e a arte. Considerado um quadro
cubista, constitui um testemunho da influência de Cézanne e da arte africana das máscaras, é, igualmente, considerado
pelo pintor seu contemporâneo Apollinaire, uma visão da realidade da concepção.
7
Pintor expressionista abstracto norte-americano da geração de 1950, autor da técnica dripping.
8
Famosa pintura de Leonardo da Vinci, realizada entre 1503 e 1507, encontra-se no Museu do Louvre, em Paris.
9
s.a. “Mina Lisa Smile Script – Dialogue Transcript”. 7 Set. 2007. < http://www.script-o-rama.com/movie
scripts/m/mona-lisa-smile-script-transcript.html>
10
Ibidem
11
Ibidem

Biografia
GEADA, E. (1977): O Imperialismo e o Fascismo no Cinema. Lisboa, Moraes
Editores.
MORIN, E. (1997): O Cinema ou o Homem Imaginário. Lisboa, Relógio D’Água.
PIRES, M. (1996): Sociedade e Cultura Norte-Americanas. Lisboa, Universidade
Aberta.

Webgrafia
s.a. “Mona Lisa Smile Script – Dialogue Transcript”. 7 Set. 2007
http://www.script-o-rama.com/movie_scripts/m/mona-lisa-smile-script
transcript.html

Filme
Mona Lisa Smile. Dir. Mike Newell. Perf. Julia Roberts, Leslie Lyles, Donna
Mitchell. Motion Picture, Revolution Studios, 2003.

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