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CaPiTULO Xv FORMAS DE GOVERNO Diversas A analise que fizemos dos elementos essen- classificagdes_ — jais do Estado habilitou-nos a formar uma nocao ae Este: exata do Estado em geral; mas, na realidade, os Estados se apresentam sob aspectos extremamente varid- veis e, por isso, impéde-se uma classificacéio que agrupe sepa- radamente os que tém os mesmos caracteres. Essa classificag&o pode ser feita tendo em vista qualquer um dos elementos do Estado ou mesmo de seus caracteres exteriores. Assim, quanto 4 situacao do territério, os Estados podem ser divididos em, maritimos, centrais e insulares. Quan- to a populacdo, poder-se-iam classificar os Estados em Esta- dos populosos e de pouca populacao, e até em Estados bran- cos, Estados negros, Estados amarelos, ou Estados latinos, anglo-saxdes, mongélicos, etc. Quanto 4 atividade da popula- cdo, nao seria dificil separa-los em Estados agricolas, in- dustriais, etc. Essas classificag6es, porém, nio nos dizem nada sobre a natureza. intima de cada Estado, séo superficiais e indécuas, como a aue classificasse os mamiferos pelo tamanho. Dois Estados continentais podem ser tao profundamente diferentes como dois Estados de populacéio branca ou negra. E necessario, pois, procurar uma outra base de classifi- cacao, que deve ser ent&o o terceiro elemento do Estado, o poder ou a autoridade. O poder ou autoridade, que se denomina governo na cién- cia do Estado, tem sido realmente a base das classificacées 200 DARCY AZAMBUJA antigas e modernas. As diversas formas de governo, 0 modo pelo qual o poder sé organiza e se exerce, permite agrupar os Estados em seu modo de ser substancial, determinando a si- tuaciio juridica e social dos individuos em relacio 4 autori- dade. As formas de governo sio formas de vida do Estado, revelam o carater coletivo do seu elemento humano, repre- sentam a reac&o psicologica da sociedade As diversas e com- plexas influéncias de natureza moral, intelectual, geografica, econémica e politica através da Historia. Formas de A mais antiga, a mais célebre e, sem divi- Govemo: = da alguma, ainda hoje a melhor classificacéo cele das formas de governo, é a de Aristételes. No livro III, cap. V, § 1.° da sua Politica, o grande filésofo assim expde a base e o critério que adotou: “Pois que as palavras constituicio e govenno significam a mes- ma. coisa, pois o governo é a autoridade suprema nos Estados, e que necessariamente essa autoridade suprema deve estar nas mos de um s0, de varios ou da multidéo, segue-se que quan- do um sé, ou varios ou a multidio usam da autoridade tendo em vista o interesse geral, a constituicio é pura e s4; e que, se o governo tem em vista o interesse particular de um s6, de varios ou da multidio, a constituicéo é impura e corrom- pida.” (Aristételes — La Politique, livro III, cap. V, § 1.°, trad. franc. de Thurot.) Aristételes adota, pois, uma classificacéo dupla. A pri- meira divide as formas de governo em puras e impuras, con- forme a autoridade é exercida tendo em vista o bem geral ou somente o interesse dos governantes. A base desta classifi- cagéo & pois moral ou politica. A segunda classificacio é sob um critério numérico, con- forme o governo esteja nas méos de um sd homem, de varios homens ou de todo o povo. Combinando o critério moral e o numérico, obtém-se a seguinte classificacao: 1" INTRODUGAO A CIENCIA POLITICA 201 monarquia: governo de um sé Formas puras { aristocracia: governo de varios | democracia: governo do povo tirania: corrup¢éo da monarquia oligarquia: corrupeio da aristocracia demagogia: corrupcio da democracia Formas impuras Uma primeira observacaio se faz necessaria: o vocabula- rio com que hoje se traduz a classificacio de Aristételes é diferente do que ele usou, porque se procura traduzir o seu pensamento e n&o suas palavras. Assim, 0 que hoje denominamos demagogia, Aristételes chamava democracia, pois tinha diante dos olhos a profunda corrup¢eéo do governo popular no tempo em que escreveu; e © que denominamos democracia, ele designava politia. A mo- narquia, denominou realeza, e a tirania, despotia. De outro lado, Aristételes estendeu-se em consideragdes sobre algumas formas de governo que no sio de molde a es- clarecer, mas antes a dificultar a sua classificagéo, como, por exemplo, quando diz que oligarquia é o governo de alguns ricos e demagogia o governo dos pobres. Feitos esses reparos e adaptacio ao pensamento politico moderno, ainda hoje a classificacéio do insigne fildsofo grego é a mais compreensiva e a mais usual. O seu critério é justo, pois nfo atende apenas ao nimero dos governantes, mas tam- bém aos seus objetivos e finalidades. Por isso, nao obstante as criticas que Ihe fazem, todos os escritores antigos e mo- dernos acabam por aceita-la, limitando-se a modifica-la, nem sempre para melhor. Em termos atuais, a classificacao de Aristételes pode ser assim explicada: Quando o governo é exercido por um sé, tendo em vista o bem geral, é a monarquia, ou realeza; quando & um sé que governa, mas no interesse proprio, desprezando o interesse ge- ral dos governados, oprimindo-os e espoliando-os, temos a for- 202 DARCY AZAMBUJA ma corrupta ou anémala da monarquia, que é a tirania ou despotia. Quando o governo é exercido por uma minoria pri- vilegiada, pela nobreza, em beneficio de toda a sociedade, te- mos a aristocracia; se o poder é exercido por essa minoria em proveito proprio, aparece a forma impura ou degenerada da aristocracia, que é a oligarquia. Sc o poder é ou pode ser exer- cido por todos os cidadaos, para o bem comum, temos a de mocracia; se o governo esta nas maos da multidao revoltada ou esta domina diretamente os governantes, implantando um regime de violéncia e de opressdo, surge a forma corrupta da democracia, que é a demagogia. E bem de ver que a realidade da vida politica dos Es- tados nfo nos oferece uma forma de governo absolutamente simples e pura; cada uma delas contém tracos das outras e todas sofrem o reflexo das fraquezas e paixdes humanas. Se- ria dificil, se nado impossivel, contemporaneamente, encontrar uma forma de governo pura e rigorosamente monarquica, de- mocratica ou aristocratica. Sempre sio formas mistas, reali- zam apenas aproximadamente o tipo ideal e esquematico da classificacéio de Aristételes. Assim, por exemplo, a Inglaterra, dado que possui um rei, é monarquia. Mas, se atentarmos para o modo como realmente o poder é exercido ali, veremos que 0 érgao predominante é uma assembléia eminentemente popular, a Camara dos Comuns, e, portanto, diremos, com razao, que a Inglaterra é uma de- mocracia. No entanto, aprofundando o exame, verificaremos que a Camara dos Comuns é o orgdo predominante do governo, mas no é o unico, pois existe a Camara dos Lordes, que também participa do poder, o que demonstra a existéncia de um ele- mento aristocratico. Em verdade, a Inglaterra tem um gover- no misto, exercido pelo “rei e seu Parlamento”. As democracias, igualmente, pela prépria natureza das coisas, sio apenas aproximadamente democracias em sentido rigoroso. INTRODUGAO A CIENCIA POLITICA 203 Em primeiro lugar, dada a extensao dos Hstados modernos e sua grande populac&o, os individuos nfio podem exercer di- retamente o governo; elegem representantes para governar em nome de todos: é a democracia representativa. Mas, nio sao todos que elegem esses representantes; na maioria dos Hsta- dos, até ha bem pouco, as mulheres nao votavam; e de qual- quer modo é sempre grande o nimero de excluidos: os me- nores, os loucos, os criminosos, etc. Mas, a maioria pode votar; logo, a democracia j nao é o governo de todos, mas da maio- ria. Acontece, porém, que nessa maioria nio pensam todos do mesmo modo, nao votam unanimamente nos mesmos repre- gentantes. Sido eleitos, pois, e governam, na melhor hipétese, os representantes da maior parcela da maioria, mas essa par- cela é minoria em relacio a todos os habitantes do Estado. Em Ultima anilise, juridicamente, a democracia é governo da minoria que vence as eleicées; é uma aristocracia. Veremos que, politicamente, nao 6 bem. assim, mas isso serve para de- monstrar que as formas reais de governo sao simples apro- ximago dos tipos definidos na classificaco. Sto. Tomas retomou a classificagéo aristotélica e, quer quanto aos fundamentos quer quanto aos tipos de governo, chegou 4s mesmas formas estudadas. Machiavelli, o famoso autor do Principe e do Discurso so- bre Tito Livio, tratou também das formas de governo, rejei- tando preliminarmente a disting&o entre formas puras e cor- ruptas. Para o pensador florentino, os governos dos Estados se sucedem em ciclos fatais e é inttil distingui-los em bons e maus, pois as formas corrompidas séo apenas alteragdes de outras. Se a forma é monarquica, diz ele, naéo tarda que os filhos dos grandes reis degenerem e surge a tirania. Os ho- mens bons conspiram ent&o para derrubar o tirano e o con- seguem, mas, por horror ao governo de um s0, criam a aris- tocracia. Os filhos dos aristocratas, porém, que nao experimentaram os sofrimentos dos pais sob a tirania, consideram-se em breve superiores ao povo, e se tornam uma oligarquia. Nao tarda 204 DARCY AZAMBUJA que surja um vingador dentre a multidaio revoltada, e desta vez se instala a reptblica. Enquanto vive a geracaéio que sofreu com a oligarquia, tudo vai bem; desaparecida ela, “mil injusticas se cometem, tanto contra o povo como contra os individuos, até o dia em que, aos conselhos de um homem de bem, o povo julga escapar 4 desordem voltando ao governo de um so, e reaparece a mo- narquia”. (Villeneuve — op. cit., vol. II, pag. 162 e segs.) Em sintese, foram estas as idéias de Machiavelli sobre for- mas de governo e nio é exato que ele tenha proposto uma classificagéo propria, dicotémica, distinguindo somente dois tipos: monarquia e reptblica. Classificagées Nos tempos modernos as classificagdes vio-se Prods ae! multiplicando do mesmo passo que os estudos de natureza politica atraem cada vez maior numero de espiritos. Montesquieu distingue trés espécies de governo, republi- ca, monarquia, aespotismo; em varias passagens do seu livro L’esprit des lois refere-se 4 classificagio de Aristételes e pro- cura achar o fundamento moral ou “a virtude” que caracteriza cada uma das trés formas classicas. Segundo ele, 0 caracte- ristico da democracia é o amor 4 patria e a igualdade; da monarquia é a honra e da aristocracia é a moderagao. Entre os autores contemporaneos, notadamente os juris- tas alemiaes, as classificagdes s&o variadissimas, mas na ver- dade nfo séo mais compreensivas do que a de Aristételes. (Bluntschli — Théorie de VEtat, pag. 287) estende-se sobre o assunto e acrescenta uma quarta forma a classificagao de Aris- toteles, a teocracia, regime em que, como entre os hebreus e os egipcios, o poder em teoria é exercido por Deus. A forma corrupta da teocracia é a clerocracia, em que © clero governa no interesse préprio. A ciéncia politica, pela observagdo da realidade da vida juridica e politica dos Estados, costuma distinguir, nos tipos classicos de governo, modalidades de inegavel interesse. As- sim, ha diversas espécies de monarquias, de reptblicas e de INTRODUGAO A CIENCIA POLITICA 205 democracias. De outro lado, o governo, o poder deve ser encarado sob outros aspectos ainda, além da sua finalidade e do nimero dos que 0 exercem. Nao sido distingdes puramente tedricas, mas de interesse pratico para apreender realmente a natureza e a estrutura dos Estados. Rodolphe Laun, professor da Universidade de Hamburgo, em seu livro LA DEMOCRATIE, essai sociologique, juridique, politique et moral (Paris, 1933), analisando a origem, a or- gamizag&o e o exercicio do poder, fornece as bases de uma clas- sificacéo que permite distinguir quase todas as formas de go- verno sob aquele aspecto. Podemos, interpretando e aplican- do a licio do eminente escritor, chegar 4 seguinte classifica- cao de governos, quanto a origem, 4 organizagao e ao exercicio: * s governos democraticos ou populares Quanto a origem governos de dominacao governos de fato ‘ hie. heredita- Quanto 4 organizagao + governos de direito + riedade eleicio on absolutos Quanto ao exercicio RUE constitucionais S&o governos democraticos ou populares aqueles em que o poder emana do povo, isto é, em que 0 povo é quem governa, quer diretamente, como acontecia nos pequenos Estados gre- gos, quer indiretamente, por meio de representantes, como acontece nos Estados modernos. EB um assunto que examina- remos melhor ao tratar da democracia em espécie. Desde que, como proclamavam as doutrinas da origem popular do poder, sejam os cidaddos os que legalmente tém a faculdade de orga- nizar e dirigir o Estado, ha um governo democratico. 206 DARCY AZAMBUJA. Os governos de dominacgdo sio os em que, juridicamen- te, o poder nao pertence ao povo, ou porque uma entidade sobrenatural o exerce, como nas teocracias, ou porque o indi- viduo ou individuos que o exercem pretendem té-lo conquis- tado, adquirido definitivamente, ou recebido de Deus, como queriam as doutrinas do Direito divino sobrenatural. Desde que 0 povo, juridicamente, nao tem direito de dirigir o Estado © governo é de dominagio, é uma autocracia. Os governantes no sao representantes do povo, governam por direito préprio. Quanto 4 organizacio do poder, isto é, quanto ao modo pelo qual os governantes se investem ou sdo designados, os governos sao de fato, se a ocupagio dos postos dirigentes su- premos se fez pela forca, por uma revolucao ou golpe de Es- tado. Desde que o governante ou governantes assumiram o poder nao pelos meios legais e normais, prescritos pela Cons- tituigéo do Estado, e sim por meios anormais, sao governos de fato, e isso tanto se pode dar nas monarquias como mas democracias. Ha momentos de crise, em que as circunstancias excepcio- nais nao permitem obedecer os tramites legais que regulam o provimento das fungGes de governo, ou em que o proprio povo em revolta destituiu do cargo os governantes e empossa outros pela forga. Esses episddios sio comuns na vida de todas as nag6es e as leis nio podem prevé-los nem evita-los. A ten- déncia natural dos governos de fato é se tornarem governos de direito, consolidarem-se, serem reconhecidos pelos demais Estados e restabelecerem a ordem e a normalidade na vida juridica e politica. A organizacéo dos governos de direito, daqueles em que a substituigio se fez normalmente, pode ser por hereditariedade, como acontece nas monarquias, ou por eleigio, como se d& nas democracias. Nas democracias gregas, a designacgio dos governantes para as fungdes piblicas era geralmente por sor- teio. Desde que o governante assume o cargo de acordo com © que prescreve a Constituigio do Estado, é governo de di- reito, pouco importando que o processo legal seja a heredita- INTRODUGAO A CIENCIA POLITICA 207 riedade, a eleic&o, o sorteio ou qualquer outro que se in- ventasse. A Ultima parte da classificagio trata do exercicio do poder. Dizem-se absolutos os governos que nao obedecem a nenhuma Constituigio, a nenhuma norma juridica, e consti- tucionais os que exercem o poder de acordo com uma Consti- tuigéo ou leis estabelecidas. Na acepedo rigorosa do termo, nao ha governos absolu- tos, pois todos, mesmo na auséncia de uma Constituig&o, sao limitados pela tradigéo, pelo dever moral ou religioso, pelo interesse mesmo em, no provocar a revolta. Talvez sd os Estados barbaros, e isso mesmo em periodos excepcionais, co- nhecessem governos que se dirigissem apenas pela propria vontade ou capricho. Em sentido restrito, denominam-se ab- solutos os governos dos Estados que néo possuem uma Cons- tituicio, um corpo de normas legais regulando a agio da autoridade. Nao se deve confundir governo absoluto com o despotis- mo ou a tirania. Estes sio governos maus por definig&o, os que, como dizia Aristételes, nado governam para o interesse geral e sim para o interesse préprio. Um governo absoluto pode ser um governo bom, tolerante e até liberal, desde que isso permita o caréter do governante. Ainda mais; nao seria absurdo um governo absoluto e democratico, pois nada im- pede que o povo ou a maioria escolha ou eleja um chete para governar o Estado sem qualquer Constituic&o ou limi- tacio legal. Monarquia e Ainda que realmente Machiavelli nao haja repablica, reduzido as formas de governo a duas, séo a mo- narquia e a republica os dois tipos comuns em que se apresenta o governo nos Estados modernos. Se ainda ha aristocracias, nao ha mais governos aristocraticos, e os outros tipos da clas- sificagio de Aristételes nio séo formas normais, como o gran- de filésofo mesmo acentuou. 208 DARCY AZAMBUJA No entanto, sfio tao complexas as relagdes que se es- tabelecem entre os 6rgaos do Estado, sio tao sutis 4s vezes as nuangas que separam uma de outra forma, que nao é fa- cil conceituar rigorosamente a forma republicana e a monar- quica. No conceito classico, e verdadeiro afinal, monarquia é a forma de governo em que o poder esta nas méos de um individuo, de uma pessoa fisica. “Monarquia é o Estado diri- gido por uma vontade fisica. Esta vontade deve ser juridi- camente a mais alta, néo deve depender de nenhuma outra vontade”, disse Jellinek (L’Ftat moderne, vol. Il, pag. 401.) Substituindo o adjetivo impréprio “fisica” por “individual”, temos a definic&o corrente de monarquia. Acontece, porém, que somente nos governos absolutos se encontra o Estado dirigido por uma Unica vontade individual, que seja a mais alta e nao dependa de nenhuma outra. A definicao, pois, nio se aplica aos Estados modernos. Dir-se-4, entéo, que nao ha mais monarquias, de vez que modernamente o 6rgaéo supremo do poder nao é nunca um individuo sé, e a vontade dos reis nao é nunca a mais alta e independente de qualquer outra? Porque, de fato, nas monarquias modernas, todas limita- das e constitucionais, o rei, ainda quando governe, nfo go- verna sozinho, sua autoridade é limitada pela de outros 6r- gaos, coletivos quase sempre, como por exemplo os Parla- mentos. E a verdade é que os reis modernos “reinam, mas néo governam”, segundo o aforismo tradicional, e por isso mesmo sao irresponsaveis. De qualquer forma, nao dirigem o Estado sozinhos, nem sua vontade é a mais alta e inde- pendente. Na melhor das hipdteses, é a sua vontade junta- mente com a de outros 6rgaos criados pela Constituicio que dirige o Estado; quase sempre s&o esses outros 6rgaos, Mi- nistério e Parlamento, que dirigem o Estado. Muitos escritores tém procurado definir os tracos carac- teristicos da monarquia e, assim, distingui-la da repiblica, cuja conceituacéo também é dificil. INTRODUGAO A CIENCIA POLITICA 209 Artaza entende que “monarquia é o sistema politico em que o cargo de chefe do Poder Executivo é vitalicio, heredi- tario e irresponsavel, e a republica é 0 sistema em que 0 ci- tado cargo é tempordrio, eletivo e responsdvel’. (Op. cit., pag. 223.) Se nos ativéssemos apenas ao texto das Constituigdes das monarquias e repiblicas modernas, o ponto de vista do autor espanhol seria plenamente satisfatério, pois ali se de- clara que o rei ou o Presidente da Repiiblica é 0 chefe do Po- der Executivo. Acontece, porém,que de fato, nas monarquias e repiblicas de governo parlamentar, nem o rei nem o pre- sidente sio os chefes do Poder Executivo; essa fungado na rea- lidade cabe aos Primeiros-Ministros ou Presidentes do Con- selho. Desta sorte, a definicio harmonizar-se-ia somente com os textos das Constituicdes e nao com a realidade. Parece, pois, que uma nogio, ao mesmo tempo formal e material, de monarquia e reptblica seria esta: nas monar- quias o cargo de Chefe do Estado é hereditario e vitalicio; nas repiblicas, o cargo de Chefe do Estado é eletivo e tem- porario. A irresponsabilidade néo pode ser um carater distintivo porque, se nas republicas de governo parlamentar o Presi- dente é politicamente irresponsével, nao se da © mesmo nas de governo presidencial, como veremos ao tratar destas no- vas modalidades. Ao nosso ver, 0 conceito de repiblica foi resumido pelo grande Rui Barbosa que, inspirado nos constitucionalistas americanos, disse ser a forma de governo em que além de “existirem os trés poderes constitucionais, o Legislativo, o Executivo e 0 Judicidrio, os dois primeiros derivem, real- mente, de eleicéo popular”. & verdade que o Poder Executivo nas reptblicas parla- mentares nio é exercido pelo Presidente e sim pelo Gabinete, que nfo é eleito mas nomeado. No entanto, como esse Gabi- nete, para se manter, depende da confianca do Parlamento, 210 DARCY AZAMBUJA pode-se considerar que ele deriva, pelo menos indiretamente, de eleic¢éo popular. O que é certo é que nfo ha uma definig&o cuja compre- enséo e extensiio se adapte exclusiva e perfeitamente 4s duas formas de governo. Por isso, a nogéo quo lembramos, de que na monarquia o cargo de Chefe do Estado é hereditario e vitalicio e nas reptblicas temporario e eletivo, talvez seja a que melhor satisfaca. Todos os demais tracos de ambas as formas so varidveis e nenhum é absolutamente exclusivo a uma delas. Até mesmo a eletividade n&o é caracteristico ex- clusivo da repiblica, dado que houve monarquias eletivas. Modalidades Costumam os autores distinguir algumas es- de monarquia. pécies de monarquia e de reptiblica. Assim, ha- e repiblico. — veria monarquias eletivas e hereditarias, de que acima falamos; e monarquias absolutas e constitucionais, de que tratamos também na classificagéo do pardgrafo anterior. Quanto 4 posigéo do monarca, Jellinek distingue trés mo- dalidades: o rei é considerado deus ou representante de Deus, como acontecia nas monarquias orientais e mesmo quanto aos mo- narcas medievais, que se davam como os representantes divinos; o rei é considerado proprietario do Estado, como aconte- cia na época feudal, em que os reis dividiam o Estado entre os herdeiros; o rei é érgdo do Estado, 6 um quarto poder, como acon- tece nas monarquias modernas, em que o monarca represen- ta a tradicio, é um elemente moral, um poder moderador en- tre os demais poderes. Quanto 4s reptblicas, geralmente sao classificadas em aristocraéticas e democraticas. Nas primeiras, 0 direito de eleger os érgaéos supremos do poder reside em uma classe no- bre ou privilegiada, com exclusio das classes populares. E o que se dava nas Republicas italianas de Veneza, Florenga, Génova, etc. Na reptiblica democratica o direito de eleger e INTRODUGAO A CIENCIA POLITICA 211 ser eleito pertence a todos os cidadiios, sem distingio de classe, respeitadas apenas as exigéncias legais e gerais quan- to & capacidade de praticar atos juridicos. a democracia propriamente dita, de que trataremos no capitulo seguinte. Quanto 4 distincéo, por alguns autores feita, entre re- publicas unitarias e federativas, é matéria diversa; nfo sao formas de governo, pois o unitarismo e o federalismo sao formas de Estado, como a seu tempo veremos. Em sintese, poderiamos definir a reptblica democratica nestes termos: é uma forma do regime representativo em que o Poder Legislativo é eleito pelo povo, e o Poder Execu- tivo 6 eleito pelo povo ou pelo Parlamento ou nomeado pelo Presidente de Republica mas dependente de aprovacao do Parlamento.

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