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KAREN ARMSTRONG Em nome de Deus Ofimndamentalismo no judaismo, no cristianismo eno islamismo Taducio Hildegard Feist Apresentacao ‘Umdosfinosmasearmances dosculo foi osurgimento de ue Eocto riitante, popularmente conhecida como “fundamentalism”, dentro dis gran des trades relgiosas. Suas manifestacbes sio As vezesassustadoras. Os funda ‘mentalistas no hesitam em fazilar devotosno interior de urna mesquita, matar _méicoseenfermeiras que trabalham em clinicas de aborto,assastnarseuspresi- entes até decrubar um governo forte, Os que cometemtaishorroresconsttuem ‘uma pequena minoria, porém até os fundamentalstas mais pacatose ordeiros sio desconcertantes, pois parecem avessos a muitos dos valores mais positivos da sociedade moderna. Democracis,plalsmo tolerinc eligisa pazinternacio- nal iberdade de expressio, separacio entre igrejae Estado — nada sso Ihes ine ressa. Os fundamentalist cristiosrejeitam as descobertas da biologia eda sca sobre as origens da via eafirmam que o Livro do Géness écentficamenteexato ‘em todos os detalhes. Numa época em que muitos esto rompendo os ries do passado, os fandamentalstasjudeus observam sua Lei revelada com uma rigidez ‘maior que nunca, eas mulheres mugulmanas,repudiandoashberdades das ocden- tais,cobrem se da cabeca aos pés com seu xador. Os fundamentalists istmicos € judeustém uma visio exchusivamente religiosa do confltodrabeisralense, que comegou como uma dsputa secularist. Maso undamentalismo no se imita aos grandes monoteismos. Ocorre também entre budistas, hinduistas e até confuco ’ nistas que rejeitam muitas das conquistas da cultura liberal, lutam e matam em. nome da regio e se empenham em inserir 0 sagrado no campo da politica e da causa nacional. ssa revivescéncia religiosa tem surpreendido muitos observadores. Em meados do século xx acreditava-se que o secularismo era uma tendéncia irrever- sivel e que nunca mais. af desempenharia um papel importante nos aconteci- ‘mentos mundiais. Acreditava-se que, tornando-se mais racionais, os homens j& ‘io teriam necessidade da religifo ou a restringiriam ao ambito pessoal e priva- cdo, Contudo, no final da década de 1970, 0s fundamentalistas comecaram a rebe- larse contra essa hegemonia do secularismo e a esforcar-se para tirar a religido die sua posigéo secundiria ¢ recolocé-la no centro do palco. Ao menos nisso tive- ram extraordinério sucesso. A religido voltouaser uma forga que nenhum gover- no pode ignorar impunemente. O fundamentalismo tem amargado derrotas, nas esti longe da inércia. Hoje é parte essencial da vida moderna e certamente influird nas questdes nacionais e internacionais do futuro. &, portanto, crucial quetentemosentender o que esse tipo de religiosidade significa, como. por que se desenvolveu, o que pode nos revelar acerca de nossa cultura e qual a melhor maneira de enfrenté-t. [Antes de prosseguir, porém, cabe-nos fazer uma breve pausa para examinar 0 term “fundamentalismo”. Os primeiros a utilizé-lo foram os protestantes ameri- ‘anos que, no inicio do século xx, passaram a denominar-se “fundamentalistas” para distinguir se de protestantes mais"Tiberais”, que, aseu ver, distorciam inteira- mente fé crist. Eles queriam voltar as raizeseressaltaro “fundamental” datradi- «fo crist3, que identificavam como a interpretagdo literal das Escrituras ea aceta- ‘iode certas doutrinas bisicas. Desde entio aplica-se a palavra “fundamentalismo” amovimentosreformadoresde outrasreligides. O que esté longede sersatisatério «e parece sugerir que o fundamentalismo é monolitico em todas as suas manifesta: Ges. Na verdade cada "fundamentalismo” constitai umaleiem si mesmo. possui umta dindmica propria. Tem-se a impressio de que os fundamentalist sio ineren- temente conservadores e aferrados 20 passado, ¢ no entanto suas idéias sio essen- cialmente modernase inovadoras. Se queriam voltar ao “fundamental”, 0s protes- tantes americanos agiram de um modo peculiarmente moderno. Jase argumentou ‘queniose pode aplicaresse termo cristioa movimentos que tém prioridadestotal- ‘mente diversas. Os fundamentalismos islémico e judaico, por exemplo, no se prendemmuitoa doutrina, o que é uma preocupacio intrinsecamente cist. Uma traducio literal de “fundamentalism” em Srabe nos dé usuliyyath,palavra que se refere ao estudo das fontes das virias normas e principios da leiislimica.' A maio- ria dos ativistasrotulados de “fundamentalists” no Ocidente no se ocupam dessa ciéncia istimica, mas tém interesses muito diferentes. O usodotermo “fundamen- talismo” é, pois, equivoco. ‘Outros simplesmente garantem que, gostemos ou ndo,apalavra “fundamen- talismo” veio para ficar.E tenho de concordar com eles: 0 termo nao é perfeito, mas serve para rotular movimentos que, apesar de suas diferengas, guardam forte semelhanca. No inicio de seu monumental Projeto Fundamentalist, em seis volu- mes, Martin E. Marty e R, Scott Appleby afirmam que todos os “fundamentalis ‘mos” obedecema determinado padrio, Sao formas de espiritualidade combativas, ‘que surgiram como reacio a alguma crise. Enftentam inimigos cuja politicas ¢ ‘crengas secularistas parecem contririas religido. Os fundamentalstas nfo véem cssa_uta como uma batalba politica convencional,e sim como uma guerra césmi caentreasforcas do bem e do mal. Temem a aniquilacioe procuram fortficarsua identidade sitiada através do resgate de certas doutrinase praticas do passado. Para evitar contaminacio, geralmente se afastam da sociedade e criam uma contracul- tura; nfo sio, porém, sonhadores utopistas. Absor veram 0 racionalismo pragmé- tico da modernidade e, sob a orientacio de seus lideres carismiticos,refinam 0 “fundamental’a fim de elaborar uma ideologia que fornece aos fiéis um plano de gio, Acabam lutando e tentando ressacralizar um mundo cada vez mais céptico” Para analisarasimplicagdes dessa reacdo global cultura moderna, querome ater a alguns poucos movimentos fundamentalistas que afloraram no judaismo, ‘no cristianismo e no islamismo, as trésreligides monoteistas. Ao invés de estudé- los isoladamente, pretendo tragar sua evolugao cronologica colocando-os lado a Jado, para ressaltar suas semelhangas. Com isso espero examinaro fendmeno com ‘uma profundidade maior que a permitida por uma abordagem mais ampla.egeral Escolhi os seguintes fundamentalismos: o protestante americano, 0 judaico em Isracle oiskimicono Egito, que éum pais sunita, eno Ird, que éxita. Nioachoque minhas descobertas se aplicam necessariamente a outras modalidades de funds- ‘mentalismo, porém espero mostrar como esses movimentos especficos, que esto entre os mais destacadose influentes, urgiram.a partir de medos,ansiedades «edesejos comuns que parecem constituir uma reagdo nada excepcional a algumas dificuldades peculiares da vida no moderno mundo secular. n Em todos os tempos ¢ em todas as tradiges sempre houve gente que comba- teu a modernidade de sua época. Entretanto 0 fundamentalismo que vamos ana lisar € um movimento do século xx por exceléncia. E uma reagio contra a cultura cientifica e secular que nasceu no Ocidente e depois se arraigou em outras partes do mundo, O Ocidente criou um tipo distinto de civilizagZo, totalmente inédito, ‘que desencadeou uma reagio religiosa sem precedentes. Os movimentos funda- ‘mentalistas contemporineos tém uma relagio simbidtica com a modernidade. Podem rejeitar o racionalismo cientifico do Ocidente, mas nio tém como fugir ele. A civlizacao ocidental mudouo mundo, Nada—nema religido—serd.como antes, Emtodo o planeta hi pessoas lutando contra essas novas condigdese vendo- se obrigadas a reofirmar suas tradicGes religiosas, que foram concebidas para um. tipo de sociedade inteiramente diverso. ‘No mundo antigo houve um periodo de transicSo semelhante, que se esten- Jc aproximiadamente de 700 a 200 a. C. € que os historiadores chamam de Era Axial, porque foi crucial para o desenvolvimento espiritual da humanidade, Esse periodo resultou de uma evolugio econdmica—e, portanto, sociale cultural —de mmifharesde anos que e iniciouna Suméria, onde hoje €o lraque, eno antigo Egito. Nos quarto e terceiro milénios antes de Cristo os homens ja nfo se limitavam a plantar o suficiente para satisfazer suas necessidades imediatas, mas produziam cexcedentes ageicolas que podiam comercializar e converter em ganhos extras. ‘Assim conseguiram construiras primeiras civlizacbes, desenvolver asartes ¢orgt- rizar comunidades cada vez mais fortes: cdades, cidades Estados e, por fim, impé- rios. Na sociedade agriria o poder ndo se restringia a0 rei ou a0 sacerdote; 20 _menosem parte seu foco se deslocou para o mercado, fonte da riqueza de cada cul- ‘ura. Comecou se apensar que 0 velho paganismo, adequado os ancestrais, jéndo convinha as novas circunstancias. [Nas cidades e nos impérios da Era Axial os cidadios adquiriam perspectivas ‘mais amplas e horizontes mais extensos, ante dos quais os velhos cultos locais, parcciam limitados e provincianos, Em vez de ver o divino incorporado em dife- rents deidades, passaram cada vez mais a venerar uma Ginica transcendéncia uni- versal, fonte do sagrado. Dispondo de maior tempo livre, podiam cultivar uma vida interior maisrica; desejavam uma espiitualidade que nfo dependesse inteira- ‘mente de formas externas. Os mais sensiveis se afligiam com ainjustica socal que parecia incrustada nessa sociedade agriria, dependente do trabalho de campone- ses excluidos da alta cultura. Conseqilentemente surgiram proferas e reformado- a res, dizendo que a virtude da compaixio era crucial paraa vida espiritual: a verda- deira devocio se revelava na capacidade de ver 0 sagrado em todo individuo ena disposigio para cuidar dos membros mais vulneraveis da sociedade, Assim brota- ram no mundo civilizado da Era Axial as grandes religibes confessionais que con- tinuaram guiando a humanidade: 0 budismo € 0 hinduismo na India; 0 confucio- nismo e 0 taoismo no Extremo Oriente; 0 monoteismo no Oriente Médio; 0 racionalismo na Europa, Apesar de suas grandes diferencas, essasreligiSes da Era ‘Axial tinham muito em comum: todas partiram de velhas tradigBes para desenvol- ver aidéia de uma tnica transcendéncia universal todas cultivavam uma espiritua- lidade interiorizada e enfatizavam a importincia da pritica da compaixio. Hoje estamos vivendo um periodo de transicio semelhante, como ji disse- mos, Suasraizes remontam aos séculos xvte xvi da era moderna, quando aspopu- lagdes da Europa ocidental comecaram a estabelecer um tipo diferente de socieds- de, baseada nio no excedente agricola, e sim numa tecnologia que thes permitia reproduzir seus recursos indefinidamente. Acompanharam as mudancas econd- ‘micas dos ikimos quatrocentos anos imensas revolugSes socais, politcas e inte lectuais, como desenvolvimento de um conceito da natureza da verdaderotalmen: te diverso, cientificoe racional; e, mais uma vez, uma mudangs religiosa radical tornou-se necessiria. No mundo inteiro acha-se que as velhas formas de féjé no funcionam nas circunstincias atuais: ndo conseguem prover o esclarecimento ¢ 0 consolo que parecem vitais para a humanidade. Assim, tenta-se encontrar novas maneiras de ser religioso; como os reformadores e os profetas da Era Axial, homens e mulheres procuram usar as percepgdes do passado para evoluir no ‘mundo novo que construiram. Uma dessas experiéncias modernas — por mais paradoxal que possa parecer primeira vista—€ 0 fundamentalismo, ‘Tendemos a achar que nossos ancestrais eram (mais ou menos) como nés, porém na verdade possuiam uma vida espiritual diferente da nossa, Tinham dois ‘modos de pensar, falar e adquirir conhecimento, aos quais os estudiosos deram os rnomes de mythos e lagas.' Ambos os modos eram essenciais,vistos como métodos ‘complementares de se chegar i verdade, e cada um tinha sua drea especial de com- peténcia. O mito, considerado primério, referia-se a0 que se julgava intemporal ¢ constante em nossa existéncia, Remontava is origens da vida, aos fundamentos da cultura, aos niveis mais profundos da mente humana. Reportava-se significados, roa questbes de ordem pritica. Sendo encontramos algum significado em nossa vida, facilmente nos desesperamos. O mythos de uma sociedade proporcionava-the B um contexto que dava sentido a seu cotidiano;dirigia sua atencio para o eternoe co universal. Também se arraigava no que chamariamos de inconsciente. As hist- rias da mitologia, que nfo pressmpunham uma interpretacio literal, constituiam ‘uma forma antiga de psicologia. Quando contavam historias de herdis que des- «iam ao mundo dos mortos, percorriam labirintos ow lutavam com monstros, a8 pessoas traziam a luz as regides obscuras do subconsciente, que é inacessivel a investigacio puramente racional, mas tem um profundo efeito sobre nossa expe- riéncia © nosso comportamento.‘A falta de mito na sociedade modema obrigou- nnosa conceber a ciéncia da psicandlise para nos ajudar a lidar com nosso mundo interior. % mito nao comportava demonstragbes racionais; suas percepcdes eram ‘mais intuitivas, como as da arte, da miisica, da poesia, da escultura. O mito $6 se tornava realidade quando incorporado num culto, em rituais e ceriménias que tinham um impacto estético sobre os devotos, inspirandothes um senso do signi- indo-os a apreender as correntes mais profundas da exis téncia. Mito eculto eram tio insepariveis que cabe aos académicos dscutir o que surgts antes: a narrativa mitica ou os rituas a ela ligados © mito também estava associado a0 misticismo, a0 mergulho na psique através de estruturadas disciplt- nasde concentragio que todas as culruras desenvolveram para tentar chegar’ per- cepefoiintuitiva, Sem culto ou priticas misticas, 0s mitos eligiosos nfo teriam sen- ficado sagrado ¢ habil tido. Continuariam sendo abstratos e incriveis, mais ou menos como uma partitura musical que precisa de intérprete para expor sua beleza. ‘© mundo pré-moderno tinha uma visio diferente da hist6ria, Interessava-se ‘menos que nés pelo que efetivamente acontecerae se preocupava mais com o sig: nificado doacontecimento. Via osincidentes histéricosniio como ocorréncias ini- as, situadas numa época distante, esim como manifestagbes extetiores de realida- des constantes, intemporais. A histéria endia, portanto, arepetir-se, poisnaohavia nada de novo sob o sol. As narrativas histricas tentavam ressaltar essa dimensio eterna.* Assim, nfo sabemos o que de fato ocorreu quando os antigos israelitas, escaparam do Egito eatravessaram omar Vermelho. Oepishdio foiregistradodeli- beradamente como mito e relacionado com outras narrativas referentes aritos de ‘passagem, imersio nas profundezas e deuses que abrem mares para criar uma nova realidade. Os judeus vivenciam esse mito anualmente nos rituais da Pascoa, {que transportam essa estranha historia para sua vida ¢ 0s ajudam a incorporé-a. Poderiamos dizer que, para tornar-se religioso, um fato historico tem de ser miti- G ficado desse modo ¢ libertado do passado num culto inspirador. Perguntar se 0 éxodo do Fgito aconteceu exatamente como esté na Biblia ou exigirevidénciashis- 16ricas e cientificas que comprovem sua verdade factual equivale a desentender a arareza ¢0 propésito desse relato. Equivale aconfundir mythos com logos. Igualmente importante, olegos€opensamento racional, pragmiticoecien- tifico que permite aboa atuacio do homem no mundo. O sentido do mythos pode terse perdido no Ocidente moderno, mas ologes nos é familiar, constitu a base de nossa sociedade, Para ser eficaz, 0 logos, a0 contririo do mito, precisa aterse ‘aos fatos e corresponder a realidades exteriores. Precisa funcionar com eficién- cianomundo profano. Usamos esse raciociniolégicoe discursive quando temos de suscitar acontecimentos, conseguir alguma coisa ou convencer 0s outros a adotarem determinado procedimento. O logos ¢ pritico. Ao contrério do mito, voltado para as origens, 0 logos avanca e tenta encontrar algo novo: explorar velhas percepsdes, adquirir maior controle sobre o meio que nosccerca, descobrir ceinventar novidades.’ “Mythos e logos eram indispensiveis para o mundo pré-modemo, Dependiam ‘umdo outro para ndoempobrecer. Contudo eram essencialmente distintos,¢ con siderava-se perigoso confundir seus discursos. Cada qual tinha suafuncio. O mito ‘nfo era racional; suas narrativas nfo comportavam demonstragées empiricas. 0 mito fornecia o contexto que dava sentido e valor as atividades prticas. Toro como base de uma politica pragmatica podia ter consequéncias desastrosas, por- que oque funcionava bem no mundo interior da psique nao se aplicavanecessaria- mente aos assuntos do mundo exterior, Por exemplo, ao convocar a primeira cru zada, em 1095, 0 papa Urbano 1! agin no plano do logos. Queria que os cavaleiros ceuropeus parassem de lutar entre sie de dividir a cristandade ocidental e fossem gastar suas energias numa guerra no Oriente Médio ¢ ampliar 0 poder da Igreja No entanto, quando essa expedi textos biblicos e fantasias apocalipticas, 0 resultado foi catastréfico do ponto de vista pritico, estratégicoe moral. Durante o longo periodo das cruzadas seus par ticipantes prosperaram sempre que o logos prevaleceu, Tiveram bom desempenho ‘no campo de batalha, fundaram coldnias vidveis no Oriente Médio e aprenderam io militar se misturou com mitologia popular, 1 relacionar se satisfatoriamente com a populacio local. Quando comecaram a basear sua conduta numa visio mitica ou mistica, amargaram frequentes derrotas ce cometeram terriveisatrocidades” 5 ( logos também tem suas limitagées. Nao pode aliviar ador ou osofrimento, Argumentosracionaisnéo explicam uma tragédia. Ologesnio sabe responder per- funtas sobre ovalorda vida humana, O cientista pode tornar as coisas maiseficien- tes descobrir fatos maravilhosos acerca do universo fisico, porém no consegue deciftar o sentido da vida.’ Isso compete a0 mito e ao culto. No século xvi, todavia, europeus ¢ americanos alcangaram tamanho suces- sono campo da ciéncia e da tecnologia que comecaram a ver o lagos como o tinico cio de se chegar a verdade eo mythos como falso e supersticioso. Também é ver- dade que 0 mundo novo que estavam construindo contradizia a dindmica da anti- ga espirituaidade mitica. Nossa experiencia religiosa no mundo modernomudou, ¢, considerando verdadeiro unicamente 0 racionalismo cientifico, um nimero cada vez maior de individkios com freqiiéncia tem tentado transformar em loges 0 mythes desta fé, Os fundamentalistas vém fazendo a mesma tentativa. Essa confu- so tem gerado mais problemas. Precisamos entender como nosso mundo mudou. Assim, a primeira parte deste livro focaliza o final do século xv € 0 inicio do xv1, quando os europeus oci- cientais passaram a desenvolver sua nova ciéncia, Examinaremos também a devo- ‘cio mitica da civilizagao agréria pré- moderna a fim de compreender omecanismo das velhas formas de fé. No admirivel mundo novo a religigo convencional est ficando muito dificil. A modernizac3o sempre foi um processo doloroso. As pes- soas se sentem alinadas e perdidas quando ocorrem em sua sociedade mudangas fundamentais que tornam o mundo estranho e irreconhecivel. Estudaremos 0 ‘impacto da modernidade sobre oscristiosna Europa ena América, sobre osjudeus sobre os muculmanos do Egito e do Ira. Entao estaremos em condigdes de ava- liar o que os fundamentalistas pretendiam quando se puseram a criar essa forma de fé no final do século xix. ‘Os fundamentalistas acreditam que estio combatendo forcas que ameacam seus valores mais sagrados. No decorrer de uma guerra dificilmente uma das par- tesem luta tem uma visio clara da posigao da outra. Veremos que a modernizaci0_ levou 2 uma polarizagdo da sociedade, mas is vezes, para evitar uma escalada do conflito, precisamos tentar compreender o sofrimento ¢ as percepgbes do outro Jado. Para quem, como eu, aprecia as liberdades e as conquistas da modernidade, io é facil entender a angustia que elas causam nos fundamentalists religiosos. Contudo a modernizacio muitas vezes implica agressio, em vez de libertacio. Pouca gente sofreu mais que os judeus no mundo moderno; assim, comecaremos 6 RI as Pa ae ae as a por seu doloroso embate com a sociedade modernizadora da cristandade ociden- tal, nofinal do século xv, que lerou alguns deles arecorrer a muitos dos estratage- ‘mas, das posturas ¢ dos principios que posteriormente se generalizariam no ‘mundo novo,

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