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Joseph S. Nye Jr. Prefécio de Henrique Altemani de Oliveira, autor, professor de relagées internacionais da PUC/SP e especialista em poltica externa Cooperagao e conflito nas relagoes internacionais Uma leitura essencial para entender as principais questdes da politica mun ‘Traducio: Henrique Amat Rego Monteiro Revisto técnica: Janina Onuki Caro leiter, saber sua opinido sobre nossos livros. Apés sua leitura, a editoragente.com.br), cadasire-se € contribua com sugest Corie Existe uma Logica Permanente do Conflito na Politica Mundial? sos na Guerra do Peloponeso em mérmore homenageando os aenienst mundo esta encolhendo. © Mayflower levou trés tneses para cruzar 0 Adlantco. em 1924, o voo transatlantico de Charles Lindbergh demorou trinta e trés ho- 125, Cinguenta anos depois, o Concorde repetiu a travessia em trés horas. Os misseis: balsticos podem fazer 0 mesmo em trinta minutos. No inicio do século XI, um voo transailantico custa um tergo do que custava em 1950 e uma ligacéo de Nova York pata Londres custa apenas uma pequena porcentagem do que custava em meados do século passado. AS cotsunicagdes mundiais pela internet s80 praticamente instant neas e 0s custos de transmissto sto despreziveis. Um ambientalista da Asia ou um 2 Coors eons ws RACs NTERCIOKAS Curio 1 Exe unk Lace Pee 00 Conta na Pouca Moxos? 3 ativista dos direitos humanos na Africa atualmente tém um poder de comunicagao que antes era uma prertogativa apenas de grandes organizagdes como governos ou corporagdes transnacionais. Numa nota mais sombria, as armas nucleares acrescen- taram uma nova dimensio & guerra que um escritor chama de “morte dupla’, signi- ficando que nao s6 as pessoas podem morrer, mas sob algumas circunstancias toda a espécie humana poderia estar ameacada. E como os ataques terroristas de setembro de 2001 contra Nova York e Washington ilustraram, a tecnologia poe nas mios de pprotagonistas nao estatais poceres destrutivos que antes eram reservados unicamente ‘208 governs. Como consequéncia do encolhimento das distincas, condigoes em paises pobres distantes como o Afeganistio de repente tommamse altamente relevantes para @ América e « Europa Anda assim, alguns outros tragos da politica internacional permaneceram os mesmos ao longo das eras. O relato de Tucidides sobre a luta entre Esparta e Atenas nna Guerra do Peloponeso, 2.500 anos atts, revela semelhanas impressionantes com. ‘0 conflito arabe-israclense posterior a 1947.0 mundo no inicio do século XX1 ¢ um estranho coquetel de continuidade e mudanga. Alguns aspectos da politica interna- ional ndo mudaram desde Tucidides, Ha uma certaldgicana hostilidade, um dilema quanto a seguranca que acompanha a politica entre os estados. Aliancas, equilfbtios de poder e escolhas na politica entre a guerra e um compromisso permaneceram se melhantes a0 longo dos milénios. Por outro lado, Tucidides nunca precisou se preocupar com armas nucleares, HIV/Aids ou com o aquecimento global. A tarefa para cs estudantes das relacoes internacionais é usar 0 passado, mas nao se deixar enganar por ele, compreender as continuidades assim como as mudancas. Devemos aprender as teorias tradicio- nis e depois adapté-las as circunstancias do momento. Os primeiros capitulos deste livro apresentam um contexto historico e teérico em qus situar os fendmenos da revolucao nas informagbes, da globalizacio, da interdependéncia e dos protagonistas transnacionais que sio discutidos nos ihtimas capitulos. Em minha passagem pelo governo, descobri que ndo poderia ignorar nem as antigas nem as novas dimensoes da politica mundial, A politica internacional se transformaria se fosse abolida a separacdo entre 0s estados, mas 0 governo mundial ndo esta muito préximo. E embora os protagonistas ‘no estatais como as corporacées transnacionais, organizeg8es néo governamentais € grupos terroristas apresentem novos desafios aos governos, eles no substituem os estados. As pessoas que vivem nos praticamente duzentos estados no planeta que- rem sua independéncia, cultura separada e idioma diferente. Na verdade, em vez de desaparecerem, o nacionalisino ea exigencia de estados separados aumentaram. Em. vez de menos estados, este novo século provavelmente vers mais. O governo mun- dial nao resolveria automaticamente © problema da guerra. A maiotia das guerras da atualidade sto guerras civis ou étnicas. Entre o fim da Guerra Fria em 1989 e 0 infeio do século XX1, aconteceram 116 conflitos armados em 78 locais ao redor do mundo, Sete eram guerras entre estados e 20 eram guerras dentro dos estados com intervencio estrangeira* Na verdade, as guerras mais sangrentas do século XIX nido foram entre os estadas belicasos da Europa, mas a rebelido de Taiping na China e a Guerra Civil americana. Continuaremos a viver em um mundo de comunidades rivais « estados separados ainda por um bom tempo, ¢ ¢ importante compreender o que isso significa para nossas perspectivas. (© QUE E POLITICA INTERNACIONAL ‘O mundo nem sempre esteve dividido em um sistema de estados separados. Ao longo das séculos, houve trés formas hasicas de politica mundial No sistema mundial imperial, um governo controla a maior parte do mundo com que ele tem contato. O maior exemplo no mundo ocidental foi o Império Romano. A Espanha no século XVI ea Franga no final do século XVII tentaram obter uma supremacia semelhante, tmas no conseguiram. No século XIX, o Império Britanico espalhou-se pelo planeta, ‘mas até mesmo os britanicos precisaram dividir o mundo com outros estados fortes. Os impérios do mundo antigo — os sumérios, os persas, os chineses — foram na realidade impérios regionais. Eles pensavam que governavam 0 mundo, mas eram protegidos do conflito com outros impérios pela falta de comunicagao. Suas tutas contra barbaros nas periferias do império nao eram o mesmo que guerras entre esta- dos praticamente iguais. Una segunds forma bie de poltica internacional tema feudal, no qua as lealdades humanas e as obrigacées politicas nao so fixadas primariamente pelos limites territoriais. O feudalismo foi comum na Europa depois do colapso do Império Romano, Uma pessoa tinha obrigagses com tum senhor local, mas também poderia dever obediéncia a algum nobre ou bispo distante, assim como ao papa em Roma. [As obrigacdes politicas eram determinadas em grande parte pelo que acomtecia aos superiores de alguém, Se um governante se casasse, umna drea e seu povo poderiam ter suas obrigacdes rearranjadas como parte de umn dote matrimonial, Cidadaos nascidos franceses poderiam de repente se descobrir convertidos em flamengos ou até mesmo ingleses. Cidades ligas de cidades as vezestinham tuma condido semi-independente ‘especial. A colcha de retalhos de guerras que acompanhou a situacao feudal nao era o que consideramas hoje guerras territoriais modernas, Flas poderiam acontecer tanto dentro como através de terrtérios e estavam relacionadas com aquelas lealdades e conflitos entrecruzados ¢ nao terrtoriais TheNew te Wind, rom oor Dec, 13 pgs 73 years ag", ernaioal etal Te, 13 de, 198, Canna 1 Bsr ia Lica Peer 0 Censua xe Pouca Menon? as polticas internas ¢ internacionais que a humanidade vai evoluir para um mundo sem fronteiras, Por exemplo, todo mundo sera afetado sem consideracio de fronteiras se 0 esgotamento do ozdnio na atmosfera superior causar cancer de pele, Se 0 aci- rmulo de gis carbénico aquecer o clima e derreter as calotas polares, a elevacéo dos ‘mares afetara todas os estados costeros. Alguns problemas como a Aids e as drogas, atravessam as fronteiras com tal facilidade que podemos estar @ caminho de umm mun- do diferente, © professor Richard Falk, de Princeton, sustenta que esses problemas valores transnacionais vio alterar a orientacio estatal do sistema internacional que predominou nos tkimos quatrocentos anos. As forcas transnacionais estio desfazen- do a Paz de Westfalia, e a humanidade esta evoluindo para uma nova modalidade de politica internacional, Em 1990, os realistas replicaram: “Diga isso a Saddam Hussein!”. O Traque de- rmonstrou que @ forca e a guerra sio onipresentes quando invadiu seu pequeno vizi- tho, o Kuwait. Os liberais reagiram argumentando que a politica no Oriente Medio € a excegao. Ao longo do tempo, dizem eles, o mundo esta avancando para alémn da anarquia do sistema de estados soberanos. Essas opinides divergentes sobre a natu- reza da politica internacional e como ela esta mudando nao serio reconeiliadas tao cedo. Os realists enfatizam a continuidade e os iberaisenfatizam @ mudanga, Ambos reivindicam o terreno elevado do realismo com r mintsculo, Os liberais tendem a vet 0s realists como cinicos cuja fascinacdo pelo passado os deixa cegos para a mudanca. (Os realistas, por sua vez, chamam os liberais de sonhadores utopistas rotulam seu pensamento de “globobagem’ ‘Quem est certo? Amos esto certos ¢ ambos estdo errados, Uma resposta bem definida poderia ser interessante, mas também seria menos exata € menos interessante ‘A mistura de continuidade e mudanca que caracteriza o mundo atual impossibilita ‘que se chegue a uma explicagao sintética simples (Uma vez que envolve comportamentos humanos mutaveis, a politica interna- cional nunca sera como a fisica: ela nfo tem uma forte teoria determinista. Mais que ‘sso: o realismo € 0 liberalismo ndo sio as tinicas abordagens. Durante grande par- te do século passado, o marxismo foi uma alternativa popular para muitas pessoas. Oniginalmente desenvolvido por Karl Marx e Friedrich Engels, e subsequenterente melhorado e adaptado por outtos te6ricos, o marxismo concentra-se na estrutura econdmica intema dos estados capitalists. A concentracio sobre a classe economica, a producio e as relacbes de propriedade tém sido as vezes chamadas de reducionismo econdmico ou materialismo hist6rico. Os marsistaslimitaram sua andlise as motivos econdmicos ¢ & globalizacho capitalista e dessa maneira subestimaram o nacionalis- mo, 0 poder do Estado e a geopolitca, A fata de atencao a importancia da diplomacia € a0 equilibrio de poder levaram a uma compreensao deficente da politica interna- cional e a previsdes erradas. Mesmo antes do colapso da Unido Soviética, em 1991, entretanto, 0 fracasso da teoria marxicta em responder pela paz entre os principais estados capitalistas e a guerra entre alguns estados comunistas deixou-a defasada na competicao explanatéria, Por exemplo, o Vietna invadiu. o Camboja em 1978, houve 8 Coorecho Eero mas AGES ATERMACONA Carmo Enste wa Licca mare 20 Cena Pouca Menon? 9 uma guerra entre a China ¢ 0 Vietnd em 1979 e os choques entre a China e a Unio Sovitica ocorreram em 1968. Nas décadas de 1960 € 1970, a teoria da dependencia, que se baseia no marxis- ‘mo, foi popular. Ela previa que os paises ricos no “centro” do mercado mundial con- trolariam e impediriam o progresso dos paises mais pobres da *periferia”. A divisio econdmica e politica mundial entre os patses do Frimeiro Mundo e os do Terceito Mundo também foi chamada de divisdo Norte-Sul, que € 0 resultado tanto do im- perialismo histérico quanto da natureza da globalizacdo capitalista. Embora tenha ajudado a esclarecer algumnas casas estruturais da desigualdade econdmica, a teoria da dependéncia perdeu credibilidade quando nao foi sufciente para explicar pot que, nas décadas de 1980 e 1990, patses periféricos do Extremo Oriente como a Coreia do Sul, Cingapura e Maldsia cresceram mais rapidamente do que paises “centrais" como 0s Estados Unidos ea Europa, Essa perda de credibilidade foi sublinhada quando Fer- nando Henrique Cardoso, um lider académico entre os teicos da dependéncia na decada de 1970, voltou-se para as politcas lberais de aumento da dependéncia dos ‘mercados mundiais depois que foi eleto presidente do Brasil na década de 1990. Na década de 1980, analistas de ambos os lacos da divisao realista-liberal tenta- vam ctiarteotias mais dedutivas semelhantes a da mierotconomia. Os “neorrealistas" como Kenneth Waltz ¢ 0s “neoliberais” como Robert Keohane desenvolveram mode- los estruturais de estados como protagonistas racionais constrangidos pelo sistema internacional, Os neorrelistas ¢ os neoliberais aumentaram a simplicidade e a pre- cisio cientfica da teoria, mas o fizeram ao custo de descartar grande parte da fértil complexidade das teorias realista€ liberal classicas. “No fim da década de 1980, a ‘controvérsia que poderia ter acontecido foi reduzida a discérdias minguadas dentro de um modelo racionalista de elacbes internacionais centradas no estado.™* Mais recentemente, umn grupo diverso de tesricos rotulado de construtivistassus- tentou que o realismo eo liberalismo nao foram capazes de explicar adequadamente a ‘mudanga a longo prazo da politica mundial. Por exemplo, nenhuma das duas corren- tes conseguiu prever ou explicar o fim da Guerra Fria. Os construtivistas enfatizam a importancia das ideias e da cultura para moldar tanto a realidade quanto o discurso 4a politica internacional. Els saientam # subjtividade ssprema dos intevesses suas ligagdes com identidades em mutagdo. Existem muitos tipos de construtivistas, mas todas tendem a concordar que as duas principais teorias estio muito longe de ser retratos verdadeiros do mundo, ¢ que precisamos nao s6 de explicagées sobre como so as coisas, mas explicagdes sobre como se tornaram no que sao. Os consirutivstas cancentram-se em questdes importantes sobre identidades, normas, cultura, interes- ses nacionais e na governanca internacional. Eles acreditam que os lideres e outras Wieser “Teng nterratnal enons:cematona! lations theory ier 1043, Mechs We Dope € 6G. Joln etry (eds) New Ong tera ran fu Bote CO: Wise 1977p. 38, Emanuel diet. "Consractism serail on: owcs conn, debs we are dis lane, Wer Carers, Tomas Rare Sek Seon (ee) Hand ofnrtondl Relations, Thovsand (aks. Ch Sage. 2003, pessoas sto motivados nao s6 pelos interesses materiais mas também por seu sentido de identidade, moralidade e pelo que uma sociedade ou cultura considera adequa- do. Etais normas mudam com o tempo. A anarquia € a auséncia de uma autoridade global legitima, mas hi um espectro de anarquias variando da amnizade a inimizade que muda com as percepedes e normas que os estados tém sobre si mesmos ¢ sobre 0s outros. Ou, nas palavras de Alexander Wendl, a anarquia é o que os estados fazem dela, E por isso que os americanos se preocupam mais com um armamento nuclear rnorte-coreano do que com 500 armas nucleares briténicas, ou que a guerra entre a Franca e a Alemanha, que aconteceu das vezes no século passado, nto € mais con- siderada possivel na atualidade.* (Os neorrealistase os neoliberais dio como certo que os estados ager de acordo ‘com set interesse nacional, mas tém pouco a dizer sobre como esses interesses 50 ‘moldados ou mudam com 0 passar do tempo. Os construtivstas inspiram-se em campos e disciplinas diferentes para exatninar os processos pelos quais os lideres, (0s povos e as culturas alteram suas preferéncias, moldam sua identidade e adotam ‘um novo comportamento, Por exemplo, tanto 0 escravagismo no século XIX quanto © apartheid racial na Africa do Sul chegaram a ser admitidos pela maioria dos esta- dos, mas depois foram largamente rejeitados. Os construtivistas indagam: por que @ ‘mudanga? Que papel as ideias desemapenharam? A pratica da guerra vai pelo mesmo ‘aminho algum dia? E quanto ao conceito de estado-nacao soberanio? O mundo esta cheio de entidades politicas como tribos, nagdes € organizagdes ndo governamen- tais, $6 nos uiltimos séculos o estado soberano tem sido um conceito dominant Os construtivistas sugerem que conceitos como nacio e soberania, que dao sentido a nossa vida assim como as nossas teorias, sto construidos socialmente, nao sim- plesmente “existem de maneira independente” como uma tealidade permanente. Ou considere-se 0 conceito de seguranca, que em geral€ definido em termos ce ameacas aos interesses vita. As teoras das relagdes internacionaistradicionais consideravam, 4 seguranca em termos de violEncia ou guerta entre os estados, mas no mundo atual a seguranca humana pode ser simplesmente ameagada tanto por catastrofes econdmi- cas quanto ecol6gicas, como veremos nos Capttulos 7 € 8. (Os construtivistas feministas aerescentamn yue a linguagem ¢ o imaginatio da ‘guerra como instrumento da politica mundial tem sido fortemente influenciados pelo exo. O feminismo ganhou forca como um posicionamento critica no inicio da década de 1990, quando as preocupacées tradicionais com a seguranca perderam parte de sua preponderincia anterior na esteira da Guerra Fria, Concentrando-se nos proces- 10s sociais, em problemas nao elitistas e na estrutura transnacional, e rejeitando 0 foco estabelecido, limitado, sobre as relagbes entre os estados, o femninismo visa estu- dara politica mundial mais inclusivamente e revela “os processos pelos quai as iden- tidades e os interesses, nao meramente dos estados, mas de grupos partidarios sociais 7 Tap Wad, Render Winds “Conaricivsn, in Christopher Rese Duncan Sid, for hands ‘Sinernatnal lations Oxford: Oxford Unie Pess, 2008 10 Coorenciow cao us RACES EMCEE Carmuaa 1 Beste oss Lowes Penner no Como sa Pouce Movs? AL estratégicos, s8o moldados em nivel mundial”” Eles ressaltam as disparidades entre 15 sex0s. Por exemplo, de um total de 193 patses, apenas 12 tém chefes de Estado do sexo feminino. As crticasfeministas também esclarecem aspectos problematicos da globalizacio tais como a “exportacio" ou 0 trafico de mulheres e criancas, além do uso do sequestro como um instrumento bélico. (O construtivismo é um posicionamento que rejlta a busca de leis espectficas que caracteriza as duas teorias tradicionais do realismo e do liberalismo, e em vez disso bbusca generalizagdes contingentes e geralmente oferece uma classificagdo conturdente como uma forma de explicagao. Alguns dos debates mais importantes da politica mun- lal atualmente gitamn em torn dus siguificalos de teiruos como suberania,inverven- Ao humanitétia, direitos humanos e genocidio, e os construtivistas tém muito mais a dizer sobre essas quesives do que as teorias tradicionais* O construtvismo oferece tanto uma critica produtiva quanto um complemento importante as teorias tradicio- nais do realismo e do liberalismo. Embora as vezes malformuladas e carentes de uma capacidade de previsio, as filosofias construtivistas nos recordam do que geralmente as duas teorias principais deixam passar. Conforme veremos no proximo capitulo, é importante olhar além da racionalidade instrumental de perseguir metas atuaise per gontar como identidades e interesses em muta¢éo podem as vezes levar a mudancas sutis nas politicas dos estados,e as vezes a mudancas profundas nos assuntos interna- cionais, Os construtivistas nos ajudam a compreender como se formam as preferéncias € como o conhecimento ¢ gerado antes do exercicio da racionalidade instrumental. Nese sentido, 0 pensamento construtivista complementa as duas teorias principais em vez de se opor a elas. Vamos ifustrar as questées de compreensto das mudancas a longo prazo no proximo capitulo e voltar a esse assunto no tiltimo capitulo, (Quando eu estava trabalhando em Washington e ajudando a formular as poiticas exteriores americanas como sectetario-assistente no Departamento de Estado e no Pen- ‘égono, surpreendi-me tomando emprestados elementos dos tres tipos de pensamento: realismo, liberalism e construtivismo. Achei-os todos oportunos, muito embora de mo- dos diferentes ¢ em circunstancias diferentes, As vezes, os homens e as mulheres praticos imaginam por que devemos nos incomodar com teoria, afinal de contas. A resposta é que as teotias sto como mapas que nos permitem entender tum terreno desconkecido. ‘Sem elas, estamos perdidos, Mesmo quando pensamos que estamos apenas usando ‘senso comum, em geral ha uma teoria implicita guiando nossas agbes. Nés simplesmnen- te ndo sabemos ou nos esquecemos de qual ¢ Se estvermos conscientes das teoras que nos estdo guiando, seremos mais capazes de entender seus pontos fortes fracos e a me~ Thor ocasio de aplicélas. Conforme observou em uma ocasido o economista briténico John Maynard Keynes, os homens priticos que se consideram acima da teria em geral ‘estio ouvindo algumn escritor do passado cujo nome hé muito esqueceram ? 1 jeegar rein ent Burchill Andrew kates (eds) This of matin eli, 3,e, New {et ale acral, 1098, 9.233 Michael arnt. “Sei costo Joka Bye Seve Se (es) The obtain of worl pots, 3. Onion: Oxford Unie Pres, 200, p. 260 John Mase Keyes. The penta hry of empliyment nesta my London: Maca, 1936p, 389 Elementos Fundamentais rotagoists, metas e instruments sto tres conceitos basicos para teorizar sobre a politica internacional, mas cada umn deles esta sempre mudando, Na visio realista tradicional da politica internacional, os tnicos “protagonistas” importantes sto os. ‘estados, ¢ apenas os grandes estados realmente importam. Mas isso esta mudando. ‘mamero de estados aumentou enormemente no iltimo meio século: em 1945, havia cerea de cinguenta estados no mundo, € no inicio do século XXI havia quatro vezes. {sso ¢ mais ainda por vir. Mais importante do que o mimero de estados é o surgimen- to de protagmistas nao estatais. Atualmente, as grandes corporacbes multinacionais. passam por cima das frontetras iternacionais ¢ as vezes controlain mais recursos €co- nomicos do que muitas nacdes-estados (Tabela 1.1). Pelo menos doze corporacées. transnacionsis tem vendas anuais que sto maiores do que o Produto Interno Bruto- (PIB) de mais da metade dos estados do mundo." As vendas de empresas como @ Shell, IBM e Wal-Mart sio maiores do que o PIB de paises como Hungria, Equador € Senegal. Embora essas corporacées multinacionais caregam de alguns tipos de poder como uma forga militar, elas sio muito relevantes para as metas econdmicas de um pais, Em termos da economia, a IBM é mais importante para a Bélgice do que Burun- di, urna ex-colénia belga TABELA 1.1 _Vendas de Corporacdes Multinacionais, Selecionadas, 2007 (em USE) Wal-Mart Stores $3351 bilhées Royal Dutch Shell (GB-Holanda) 319 bilhies General Motors (EUA) 207 bilhoes Toyota (Japio) 205 bilhses| DaimlerChrysler (Alemanha/EUA) 190 bilhoes General Electric (EUA) 168 bilhoes Toual (Franca) 168 bilhoes Siemens (Alemania) 107 bilhdes IBM (EUA) 91 bilhes Nestle (Sutca) 80 bilhoes Sony Gapao) 71bilhoes Fonte: “The Fortune Global 300°, Forte ‘WWertas Fibs medidas ees, que de lms fares ayer papel das corporates, Nioobstane,& comparacao¢neressnte 12 Coceercha¢ conruto nis acts wreRceNs ‘Um quadro do Oriente Médio sem os estados antagonicos e as poténcias de fora sera absolutamente tolo, mas também seria deploravelmente inadequado se nto inclutsse uma variedade de protagonistas no estatais. As compankias rultinacio- nais de petréleo, como a Shell, a British Petroleum e a Exxon Mobil, sto urn tipo de Drotagonistas ndo estatais, mas ha outros. Existem grandes instituicdes intergoverna- ‘mentais como a Organizacao das Nacoes Unidas e outras menores como a Liga Arabe € a Organizacdo dos Paises Exportadores de Petréleo (Opep). Existem organizagdes nao governamentais (ONGs), incluindo a Cruz Vermelha e a Anistia Internacional. Existe também uma variedade de grupos étnicos transnacionais, como os curdos, que vivern na Turquia, Siria, Irie Iraque, e os armenios, espalhades por todo o Oriente Médio ¢ no Caucaso. Os grupos terroristas, cartéis de droges e organizagdes mafiosas transcendem as fronteiras nacionais e geralmente dividem seus recursos entre varios estados. Os movimentos religiosos internacionais, particularmente o Isla politico no Oriente Médio e Norte da Africa, acrescentam uma dimensio a mais & série de possi- ‘eis protagonistas ndo estatais, ‘A questio nao € se 0s grupos estatais ou nao estatais so mais importantes — ern geral os estados sto —, mas como as novas coalizdes complexas afetam a politica de ‘uma regiao de um modo que as visses realistas tradicionais nao conseguem descobrir. Os estados sio os protagonistas na politica internacional do momento, mas nao tém © palco s6 para si E quanto as metas? Tradicionalmente, a meta dominante dos estados em um sistema anarquico € a seguranca militar. Obviamente, os pafses atuais se preocupam com a seguranca militar, mas geralmente se preocupam tanto ou mais com sua rique- za econdmica (Tabela 1.2), com os problemas sociais como conter o trafico de drogas ou a disseminagéo da Aids, ou com as mudancas ecologicas. Além disso, como as ameacas mudam, a definicdo de seguranca muda e a seguranga militar ndo é a unica ‘meta que os estados perseguem. Observando as relagbes entre os Estados Unidos ¢ 0 Canada, onde as perspectivas de guerra sio imensamente reduzidas, um diplomata canadense uma vez comentou que seu receio ndo era que os Estados Unidos invadis- sem 0 Canadé e caprurassem Toronto de novo, como aconteceu em 1813, mas que ‘Toronto fosse programada como irrelevante pelos computadores do Texas — um dilema bem diferente do tradicional entre os estadas em um sistema anarquico. O ppoderio econdmico nao substtuiu a seguranca militar (conforme o Kuveait descobriv, com a invasio iraquiana em agosto de 1990), mass interesses da politica internacio- nal tornam-se mais complexos @ medida que os estados perseguem uma gama mais ampla de metas, Os problemas de direitos humanitérios ¢ humanos tomaram-se mais importantes e alguns analistas referem-se & seguranca individual humana em lugar da seguranga dos estados. Cura 1 Beste uu Lecce Femuente 20 Conca wa Pounca Mca? TABELA 1.2 PIB Estimado de Patses Selecionados, 2006 (em US$ em Paridade de Poder Aquisitivo) Estados Unidos $13.1 wilhoes China 10.2 wilhoes Tndia 4.2 cithoes Tapa, 42 thoes ‘Alemania 2,6 tribes Brasil Rissia Tndonésia 984 bilhoes “Argentina 1609 bilhoes ‘Afsica do Sul 588 bilhoes: Aribia Saudita 366 bilhes: Views 263 bilhoes: Traque SB bilhoes ‘Guatemala 61 bilhoes ‘Albania 20 bilhoes, Jamaica TS bilhes Enureia Sbilhoes Fonue: CIA Word Factbook, 2007. Juntamente com as metas, 0s instrumentos da politica internacional também es- tio mudando. A perspectiva realista € de que a forga militar sejao tinico instrumento que realmente importa. Comentando sobre 0 mundo antes de 1914, o historiador britanico A.J. P Taylor definiu uma grande poténcia como aquela capaz de prevalecer na guerra. £ dbvio que os estados usam a forca militar atualmente, mas o tiltimo meio século testenumbou mudangas em seu papel. Muitos estados, em especial us grandes, descobriram que estava mais caro usar a forca militar para alcancar suas metas do que ‘em outras epocas, Conforme observou o professor Stanley Hoffmann, da Universidade de Harvard, aligagdo entre o poderio militar e conquistas positivas se afrouxou. Quals sto as razbes? Uma € que os meios supremos da forca militar, as armas ‘nucleate, sio irremediavelmente poderosas, Embora tivessem chegado a mais de 50 mil, as artras nucleares nfo sto usadas desde 1945. A desproporcéo entre a imensa devastacio que as armas nucleares podem infligit € quaisquer metas politicas razoé- veis tornou 0s lideres pouco inclinados a empregi-las. Portanto, a forma suprema de forca militar € por todos os propésitos priticas custosa demais para que os lideres nactonals a usem na guerra coneUTO nas CDE EMS Carmo Basve au Locca Prete 90 Connuro na Pouinca Mia? 15 Mesmo a forga convencional tornou-se mais cara do que quando era usada para governar populacdes nacionalistas. No século XIX, os paises europeus con- quistavam outras partes do planeta colocando em campo um punhado de soldados Tunidos com armament moderno e depois administravam suas possessées colo- niais com guarnigdes relativamente modestas. No entanto, em uma époce de popu- lagdes socialmente mobilizadas, ¢ dificil governar um pais ocupado cujo povo tem fortes sentimentos quanto a sua identidade nacional. Os americanos descobriram. isso no Vietna nas décadas de 1960 e 1970, ¢ os soviéticos descobriram o mesmo no Afeganistao na década de 1980. © Vietnd e o Afeganistéo néo se tornaram mais poderosos do que as superpotencias nucleares, mas tentar governar aquelas popula- ‘des nacionalisticamente conscientes era caro demais tanto para os Estados Unidos quanto para a Unido Sovitica. O govemno no exterior é muito dispendioso em uma €poca de nacionalismo. No século XIX, os britanicos foram capazes de governar a {ndia com um punhado de sldadosefuncionis evs, mas iso sera smpossvel no mundo atual ‘Uma terceira mudanca no papel da forga relaciona-se as limitagoes intemas. Com o tempo, tem havido uma crescente ética antimilitarista, particularmente nas democracias. Esses pontes de vista nao impedem o uso da forca, mas a tornam uma escolha arviscada em termos politicos para os lideres, sobretudo quando 0 uso extenso e prolongado, As vezes, considera-se que as democracias no aceitardo as. baixas, mas isso ¢ simples demais, Os Estados Unidos, por exemplo, esperavamn umas 10 mil baixas quando planejaram entrar na Guerra do Golfo em 1990, mas nao se dis- /puseram a admitir baixas na Somalia ou em Kossovo, onde seus interesses nacionais estavam menos profundemente envolvides. E se 0 uso da forca € visto como injusto ou ilegitimo aos olhos das outras nacées, isso pode torni-lo dispendioso para os Ii- deres politicos em politicas democriticas. A forca nao ¢ obsoleta,e os protagonistas terroristas nao estatais sto menos constrangidos do que os estados por essas preocu- pacées morais, mas a forya atualmente ¢ mais dispendiosa e mais dificil de ser usada pela maioria dos estados do que no passado. Finalmente, uma série de problemas simplesmente ndo se presta a solugbes ps ne pac tea Fat 0 Japao. Em 1853, 0 comodoro Perry navegou até um porto japonés e ameacou bonbarde-lo a menos geo Japlosbisee os portos wo cometc, Eos nao sa uma maneira muito produtiva ou politicamente aceitavel de resolver as divergéncias comerciais atuais americino-japonesas, Assim, embora a forca continue sendo um instrumento decisivo na politica intemacional, nfo € o dnico instrumento. O uso da interdependéncia econdmica, das comunicagées, das insttuigdes intemacionais ¢ dos protagonistas transnacionais as vezes desempenha ura papel mais significative do que a forga. A forca militar nao é obsoleta como um instrumento de estado — veja 0 conflito no Afeganistao, onde o governo taliba abrigou a rede terrorista que executou 0s ataques em setembro de 2001 contra os Estados Unidos, ou 0 uso da forga pelos americanos ¢ britinicos para derrubar Saddam Hussein em 2003. No entanto, era ‘mais ficil vencer a guerra do que conquistar a paz no Iraque, €a forca militar sozinha rndo ¢ suficiente para ofetecer protecdo contra o terrorismo. Embora a forca militar continue sendo o instrumento supremo da politica internacional, as mudancas em seu custo e sua eficdcia tornam a politica internacional atual mais complexa (© jogo bésico da seguranca continua. Alguns cientistas politicos sustentam que o.equilibrio de poder é em geral determinado pelo estado dominante, ou hegem@nico —a exemplo da Espanha no século XVI, a Franga sob Luis XIV, a Gra-Bretanha na maior parte do século XIX e os Estados Unidos na maior parte do século XX. Final- mente, 0 pais de cima € desafiado, e esse desafio leva ao tipo de vastas conflagracdes que chamamos de guerras hegeménicas ou mundiais. Depois das guerras mundiais, ‘um novo tratado esiabelece uma nova estrutura de ordem: o Tratado de Utrecht em 1713, 0 Congresso de Viena em 1815, a Organizacio das Nacoes Unidas depois de 1945. Se nada basico mudau na politica internacional desde o conflto pela suprema- cia entre Atenas e Espanta, seré que um novo desafio levard a outra guerra mundial, (ou o ciclo de guerras hegemonicas terminou? Seré que a China em ascensto desafiard ‘0s Estados Unidos? Sera que a tecnologia nuclear tornou a guerra mundial devasta- dora demais? Sera que a interdependéncia econdmica tornoua dispendiosa demais? ‘Sera que 0s protagonistas ndo estatais como 0s tertoristas forcario 0s governos @ cooperar? Sera que a sociedade mundial tornou a guerra social e moralmente impen- savel? Precisamos esperar que sim, porque a proxima guerra hegem@nica poderia set ‘ultima. Mas primeiro ¢ importante compreender as razbes do cendrio, ‘A GUERRA DO PELOPONESO ‘Tucidides € o pai do realismo, a teoria que a maioria das pessoas usa ao pensar na politica internacional, mesmo quando nao sabe que esta usando uma teoria. AS teorias sto instrumentos indispenséveis que usamos para organizat 0s fatos. Muitos dos lideres atuais e redatores editoriais ussm as teorias realistas mesmo que nao te rnham ouvido falar de Tucidides. Integrante da elite ateniense que viveu durante @ epoca mais importante de Atenas, ele participou de alguns acontecimentos descritos ‘em sua Historia das Guerras do Peloponeso. Robert Gilpin, um tealista,afirmou: “Fran- camente, deve-se perguntar se os estudantes de relacdes internacionais do século XX salem alguma coisi que Tucidides e seus compatriotas do século V a.C. nao sabiam sobre o comportamento dos estados”. Entéo ele respondeu & propria pergunta: “Em ‘ltima andlise, a Foitica internacional ainda pode ser caracterizada como era por Tucidides”."” A proposicao de Gilpin é discutivel, mas, para discuti-la, devemos co- ihecer os argumentos de Tucidides — e qual melhor introducio & teoria realista do ‘que uma das maiors historias de todos os tempos? Entretanto, a exemplo de muitas ‘grandes historias, la tem seus limites, Uma das coisas que aprendemos com a Guerta do Peloponeso é como evitar uma interpretacao simplista demais da historia Bae ie Wand change in nord pats Cambie: Cambridge ivesty Pres, 1981, 27-228, 16 _Cooreachoeconmuro mis Each NTERCONAS ‘Uma Versio Abreviada de uma Longa Hist6ria No inicio do século V a.C., Atenas e Espana (Figura 1.1) eram aliados que linham cooperado pata derrotar o Império Persa (480 a.C.), Fsparta era um estado territorial conservador que se voltou para dentro de si mesmo depois da vitoria con- traa Pérsia e Atenas era um estado comercial ¢ maritimo que se voltow para fora. Na metade do século, Atenas tinha cinquenta anos de crescimento que levaram a0 de- senvolvimento de um império ateniense. Atenas formou a Liga de Delos, uma alianga entre os estados ao redor do mar Egeu, para protecio mitua contra os persas. Espar- 1, por sua vez, organizou seus vizinhos na peninsula do Peloponeso em uma alianca defensiva. Os estados que tinham se unido a Atenas livremente pela protecio contra 0s persas logo tiveram de pagar impostos pata os atenienses, Por causa do fortaleci- ‘mento crescente de Atenas ¢ da resistencia de alguns a seu impétio crescente, eclodiu tuma guerra em 461 a.C,, cerea de vinte anos depois da derrota dos persas perante os segos. Em 445 a.C.,a primeira Guerra do Peloponeso terminou e foi seguida por um tratado que prometia paz por trinta anos. Assim, a Grécia desfrutou de um perfodo de paz estavel antes da segunda e mais importante Guerra do Peloponeso, Em 434 a.C,, eclodiu uma guerra civil na pequena cidade-estado periférica de Epidamno. A exemplo de um seixo que da inicio a uma avalancha, esse acontecimento estimulou uma série de reacdes que acabou levando & Guerra do Peloponeso. Grandes conflitos em geral sio precipitados por crises relativamente insignificantes em lugares ‘marginais, como veremos quando discutirmos a Primeira Guezra Mundial Em Epidamno, os democratas lutaram contra os oligareas para resolver como 0 pals seria governado. Os democratas apelaram a cidade-estado de Corcira, que tinha ajudado a fundar Epidamno, mas foram rejeitados. Entio eles se voltaram para outra cidade-estado, Corinto, os cotintios decidiram ajudar. sso enraiveceu os corciteus, que enviaram uma armada para recapturar Epidamno, sua ex-colénia. No processo, 08 corciteus derrotaram a armada corintia. Corinto centiu-se ultrajada e declarou guerra contra Corcira, que, temendo o ataque de Corinto, voltou-se para Atenas em, busca de ajuda. Tanto Corcira quanto Corinto enviaram representantes a Atenas. Os atenienses, depois de ouvir os dois lados,ficaram em um dilema. Nao que- iam romper a trégua que durara uma década, mas se 08 corintios (que eram prox- ‘mos dos peloponenses) conquistassem Corcira e assummissem o controle de sua pode- rosa marinha, o equilibrio de poder entre os estados gregos se inclinaia desfavora- velmente a Atenas. Os atenienses acharam que nao poderiam cortero risco de deixar a marinha de Corcira cair em poder dos Corintios, ento decidiram tornar-se “um ouco envolvidos”. Lancaram um pequeno esforco para amedrontar os corintios, enviando dez navios com instrucoes para nao lular a menos que fossem atacados, No entanto, a intimidacdo fracassou, os corintios atacaram e, quando 0s cotcireus comecaram a perder a batalha, os navios atenienses se envolveram no combate mais do que 0 pretendido, O envolvimento ateniense enfureceu Corinto, o que por sa vez preacupou os atenienses, Em particular, Atenas preocupava-se que Corinto pto: vvocasse problemas com Potideia, que, embora fosse um aliado ateniense, tinha lacos i Pouca Mina? 17 Carita 1 Ene wat Loca Pat 90 Co Grecia Classica Figura LL A Grecia Classica historicos com Corinto, Esparta prometeu ajudar Corinto se Atenas atacasse Potideia, Quando ocorreu: uma revolta em Potideia, Atenas enviou forgas para sufocé-la, ‘Aessa altura, ocorreu um grande debate em Esparta. Os atenienses apelaram 20s espartanos para que permanecesserm neutros, Os corintios insistiram com 0s espar- tanos para entrar na guerra e advertiram-nos por deixar de refrear o poder crescente de Atenas. Mégara, outra cidade importante, estava de acordo com Corinto porque, contra o tratado, 08 atenienses the haviam imposto um bloqueio comercial. Esparta estava dividida, mas os espartanos votaram em favor da guerra, temendo que, se 0 poder ateniense nao fosse contido, Atenas poderia controlar toda a Grécia. Esparta entrou na guerta para manter o equilibrio de poder entre as cidades-estados gregas, 18 ‘Bustede Tucidies Atenas rejeitou o ultimato de Esparta e guerra eclodin em 431 aC. Oestado de Animo ateniense era de grendeza imperial, orgulho ¢ patriotismo por sua cidade e seu. sistema social, e otimismo de que prevaleceriana guerra. A primeira etapa da guerea terminou empatada, Declarou-se uma trégua depois de dez anos (421 aC), mas a ‘régua era fragile a guerra eclodiu novamente. Em 413.a.C., Atenas empreendew uma aventura muito arriscada, Enviou duas armadas e infantaria para conquistar a Sictia, a grande tha ao largo da costa no sul da Itlia, que tinha mumerosas colonias gregas aliadas a Esparta. O resultado foi uma derrota terrvel para os atenienses. Ao mesmo tempo, Esparta recebeu uma ajuda financeiraadicional dos persas, para quer era mo- tivo de satisfagdo ver Atenas castigada. Depois da derrota na Sictia, Atenas dividiu-se internamente. Em 411 a.C. 05 oligarcas derotaram os democratas € 400 oligarcas ten: taram governar Atenas. Esses acontecimentos nao foram o fim, mas Atenas realmente nunca mais se recobrou. Uma vitria naval ateniense em 410 a. foi seguida cinco anos depois por uma vitéria naval espartana, e em 404 a.C. Atenas foi forcada a reque rera paz. Esparta exigiu que Atenas derrubasse as longas muralhas que a protegiam de um ataque de forcas terestes. O poder de Atenas estava areuinado, Causas ¢ Teorias Essa é uma historia dramética e formidavel. O que causou a guerra? Tucidides € muito claro, Depois de narrar minuciosamente os diversos acontecimentos em Epi- damno, Corcirae assim por diant, ele diz que aquelas nao foram as causas verdadeiras, Carmo 1 Easte we Lecce Fumut 99 Conruro na Pouca Monae? 19 (© que tornow a guerra inevitavel foi o aursento do poderio ateniense e o temor que iss0 causou em Esparca, ‘Atenas teve escolha? Com uma estinativa melhor, Atenas poderta ter evitado o desastre? Pericles, 0 lider ateniense nos primeiros dias da guerra, apresentow ura resposta interessante para seus concidadios.“E certo e adequado que apoiem a digni- dade de Atenas. Seu império ¢ hoje como ma tirania: pode ter sido errado tomé-lo, mas € certamente perigoso abandond-lo™."Em outras palavras, Pericles disse aos ate nienses que eles ndo tinham escolha. Talvez nao devessem chegar aonde che; ‘mas uma ver que possuiam tum império, nao havia muita coisa que pudessem fazer quanto a iss0 sem riscos ainda maiores, Assim, Péricles foi favoravel a guerra. Mas cuviam-se outras vozes em Atenas, como as dos enviados para debater em Esparta em 432 a.C que disseram aos esparcanos: ‘Pensern também na importancia do papel que o imprevisivel desempenha em uma guerra: pensem nisso agora antes de s prometerem verdadeirarente com a guerss. Quanto mais extensa for uma guerra, ‘mais coisas tendem a depender de acidentes’." Esse acabou se revelando um born conselho — e por que os atenienses néo o.viram o proprio conselho? Talvez os ate~ hienses fossem levados pelo patriotismo emnocional ou a raiva toldou sua razao. No entanto, ha uma possbilidade mais interessante: talver os atenienses tenham agido tacionaliente mas ficaram presos em um dilema de seguranca, Os dilemas de seguranca estio relacionados com politica internacional: a organizacao andrqica, a auséncia de um governo superior. Sob a anarquia, ume aco independente promovida por um estado para aumentar sua seguranca pode tomar todos os estados mais inseguros. Se um estado aumenta sua forca para se assegurar de que outro nao pass ameagé-lo, o outro, vendo o primeiro fortalecerse, pode aumentar sua forca para se proteger contra o primeiro, O result do € que os esforcos independentes de cada um para aumentar a propria forga esegu- ranca tornam ambos mais inseguros. E um resultado irOnico, e ainda assim nena dos dois agiu irracionaliente, Nenhum des dois agiu por raiva ou orgulho, mas pelo temor causado pela ameaga percebida no crescimento do outro, Afinal de contas aumentar as defesas € uma resposta racional 2 uma ameaca percebida. Os estados poderiam cooperar para evitar esse dilema de seguranca, quer dizer, eles poderiam concordar que nenhum dos dois deveria zumentar suas defesas e todos se dariam melhor. Parece dbvio que os estades devam cooperar; par que nao o fazera? Uma tesposta pode ser encontrada no ogo chamadi Dilema do Prisioneiro. (Os dilemas de seguranca s4o um tipo espectfico do Dilema do Prisioneiro.) A situagao que envolve o Dilema do Prisioneiro é mzis ou menos a seguinte: imagine que em algumn lugar @ policia prenda dois homens com uma pequena quantidade de droga em seu poder, o que provavelmente resutaia em uma sentenca de um ano de prio. A policia tem uma boa razlo para acreditar que aqueles dois so na verdade trafican- acteristica essencial da sl * dp Thee, any 20 Cooreucko econo us ACoEs nTERUCIRAS Canirao 1 exert ona Loties Panu 90 Cow wa Pouca MUNA? 2 tes de drogas, mas nfo dispée de provas suficientes para uma condenagio. Como traficantes, os dois poderiam facilmente receber uma sentenca de 25 anos de prisio. A policia sabe que o testemunho de um contra 0 outro seria suficiente para condenar cada um como traficante. Os policiais dizem entéo aos detentos que, se ambos tes- temunharem, receberdo uma sentenca de dez anos. Assim, a policia imagina que os traficantes se ausentem do trafico por dez anos, de outra maneira, depois de apenas ‘um ano de prisio, logo estariam vendendo drogas de novo, (Os suspeitos sdo postos em celas separadas e sem capacidade de comunicagdo ‘um com 0 outro, Cada preso vive o mesmo dilema: pode assegurar a prépria liber- ade delatando o outro, 0 que o mandaria para a prisio par 25 anos, ¢sair livre, a ‘pode permanecer em silencio e passar um ano na prisio. No entanto, se cada preso éelatat, ambos passario dez anos na prisio. Cada detento pensa: “Vou me sair melhor sentregando o cara. Se ele fcar calado e se eu nao falar, passarei um ano na pristo. Mase se o cara me entregar? Se eu entregar também, pego dez anos, mas se calar, vou ‘yassar 25 anos atrés das grades, e ele sai live e sere! um otéio, Se o ajudarficando ‘alado, como posso ter certeza de que ele nao vai me entregat?” Essa € a estrutura bisica do dilema da acao racional independente. © melhor resultado para um individuo é demunciar 0 outtoe sair livre. O segundo melhor re- sultado ¢ ambos permanecerem calados e passarem urn ano na cadeia. Um resultado ‘rior € ambos denunciarem o outro e passar dez anos atras das grades. O pior resul- tudo de todos é passar por idiota, permanecendo calado enquanto 0 outro denuncia, ‘eassim passar 25 anos na cadeia. Se cada pessoa fizer 0 que € melhor para si mesma, as duas acabardo com um mau resultado, Escolher o melhor resultado, liberdade, é a ‘expresso de uma preferéncia racional, mas se ambos buscarem independentemente seu melhor resultado, ambos obtero um mau resultado. A cooperacao é dificil na auséncia da comunicacao. Se os dois pudessem conversar, poderiam fazer um acordo ‘Fara permanecer em silencio ¢ ambos passariamn un ano na cedeia ‘Noentanto, mesmo se a comunicacio fosse possivel, ha outro problema: a con- fanca.e a credibilidade. Continuando com a metéfora do Dilema do Prisioneiro, cada suspeito pode dizer para si mesmo: “Somos ambos traicantes de drogas, Tenho visto ‘@ maneira como os outros agem, Como vou saber se, depois que fizermos 0 acordo, ele ndo digs: ‘Otimot Consegui convencé-lo a ficar calado, Agora posso ter 0 melhor resultado, sem o risco de permanecer preso”. De maneira semelhante, na politica faternacional a auséncia de comunicacao e de confianca encoraja os estados a cuidar 2 propria seguranca, muito embora 20 fazer isso reduzam todos os estados& insegu- tanga mutua. Em outras palavras, um estado poderia dizer ao outro: “Nao aumente stu armamento, eeu ndo vou aumentar 0 meu, e ambos viveremos felizes com isso”, mas o segundo estado pode imaginar se pode confiar no primeiro estado {A posicio ateniense em 432 a.C. € muito parecida com o Dilema do Prisioneivo. Em meados do século, atenienses e espartanos concordaram que ficariam melhor se fizessem uma trégua, Mesmo depois dos acontecimentos em Epidamno e da disputa ‘entre Corcira e Corinto, os atenienses relutaramm em romper a trégua. Os corcireus fmalmente convenceram os atenienses com o seguinte argumento: “Existem tr6s po- tencias navais considerdveis na Hélade: Atenas, Corcira € Corinto, Se Corinto conse- gir nos controlar primeiro, e vocés permitirem que nossa marinha seja incorporada & deles, entao terdo de Tutar contra as armadas combinadas de Corcira edo Peloponeso. Mas se nos receberem em sua alianca, entdo entrardo na guerra com nossos navios além dos seus”. ‘Atenas deveria ter cooperado com os peloponenses, mantendo o tratado e re~ jetando Corcira? Se o fizessem, o que teria acontecido se os peloponenses os enga- rassem e capturassem a armada de Corcra? Entdo 0 equilibrio naval seria de dois contra um em prejuizo de Atenas, Atenas deveria tet confiado que os peloponenses ‘manteriam suas promessas? Os atenienses decidiram romper com 0 tratado, 0 equi- valente a denunciar 0 outro preso. Tucidides explica por qué: “A crenca gerl era de que, acontecesse o que acontecesse, a guerra com os peloponenses estava fadada a acontecer’. Nesse caso, Atenas ndo poderia correr o risco de deixar a poderosa mna- rinha de Coreira passar para o controle de Corinto. Inevitabilidade e a Sombra do Futuro Ironicamente, a crenca em que a guerra era inevitivel desempenhou um papel importante em desencadeé-la, Atenas achou que, se a guerra deveria acontecer, era melhor ter uma superioridade naval de dois para um em vez de uma inferioridade na- val de um para dois. A crenca em que a guerra era irminente ¢ inevitavel fot defiitiva para a decisio, Por que deveria ser assim? Considere novamente o Dilema do Prisio- neito. A primeira vista, ¢ melhor para cada preso mentire fazer 0 outro de idiota, mas como cada um conhece a situacdo, eles também sabem que, se puderem confiar um no outro, ambos deveriam procurar a segunda melhor safda e cooperar, mantendo-se «em silencio. A cooperacao ¢ dificil de conseguir quando se joga o jogo apenas uma, vez. Jogando o jogo varias vezes seguidas, as pessoas aprendem a cooperar, mas se for um jogo de uma vez apenas, quem mentir pode ser recompensado ¢ quem confia sera, um idiota. O cientista politico Robert Axelrod jogou o Dilema do Prisioneiro em wm. computador com diferentes estratégias. Fle descobriu que, depois de muito jogar, em. rmédia os melhores resultados eram obtidos com uma estratégia que ele chemou de: tho por olho, dente por dente — “Farei com voc® o que fizer comniga”. Se da primeira vez vocé mentir, eu devo ment. Se voc€ mentir de novo, eu devo mentit de novo, Se voce cooperar, eu devo cooperar. Se vocé cooperar de novo, eu coopero de novo, Finalmente, os jogadores descobrem que o beneficio total do jogo € maior quando: se aprende a cooperar. No entanto, Axelrod adverte que a estratégia “olho por olho” 56 & boa quando se tem a possibilidade de continuar a jogar por um longo periodo, quando acontece o “prolongamento da sombra do futuro”. Quando vocé sabe que vat jogar com a mesma pessoa por muito tempo, entio aprende a coopera. hep "ape 22 Cooremcto co Carma 1 Enste ums Lecce Pus 20 ovruro a Poumica Meno? 23 E por isso que a crenga em que a guerra é inevitavel € to corrosiva na politica internacional, Quando acreditames que a guerra ¢ inevitavel, estamos muito proxi- ‘mos da iltima jogada, Quando chegamos a dltima jogada (que pode envolver nossa sobrevivencia — em outras palavras, se vamos volar a jogar 0 jogo de novo), entio ‘hos preocupamos se ainda podemos confiar em nosso oponente. Se suspeitamos que nosso oponente vai mentir,é melhor confiar em nés mesmos e correo risco de nos Insurgir em ver de coopera. Isso foi o que os atenienses fizeram. Em face da crenca em que a guerra vitia, eles decidiram que nto poderiam correr o sco de confiar nos Corfntios nem nos espartanos. Era melhor tet a marinha de Corcra a favor do que ‘wautsa quando pareceu que aquele seria o tlumo movimento do jogo, ¢ a guerra, inevitavel. A Guerra do Peloponeso era realmente inevitivel? Tucidides tinha uma opiniao ppessimista em relagdo a natureza humana e afirmou: ‘A minha obra ndo ¢ um trabalho destinado a satisfazer ao paladar de um pubblico imediato, mas fi feta para durar para sempre’. A historia dele mostra a natureza humana presa ao Dilema do Prisioneiro naquele momento e para todo o sempre. Tacidides concluiu que a causa da guerra era o aumento do poderio de Atenas e o temor causado em Esparta, No entanto, © classcista Donald Kagan, da Universidade de Yale, sustenta que o poder ateniense a realidade ndo estava aumentando: antes da eclosio da guerra, em 431 a.C., 0 equil- brio de poder comecara a se estabilizar, « embora se preocupassem com a ascens4o do poder ateniense, sustenta Kagan, os espartanos tinham um temor ainda maior de uma rebelido dos escravos, Tanto Atenas quanto Espartaeram estados escravagisas ¢ 0s dois cemiam que a entrada na guerra pudesse oferecer a oportunidade para que os escravos se rebelassem. A diferenga era que os escravos, ou hilotas, em Esparta const tulam 90 % da populacio, muito maior do que o porcentual de escravos de Atenas, € 0s espartanos tinham passado por uma rebeliéo dos hilotas em 464 a.C. Assim, as causas imediatas ou precipitantes da guerra, de acordo com Kagan, fo- zam mais importantes do que a teoria da inevitabilidade de Tuctdides admite. Corin- to, por exemplo, pensava que Atenas nao lutariae foi um mau julgamento da resposta steniense, em parte por causa de sua ira contra Corcra, Pericles exagerou na reacio, ele cometeu erros em dar win uhimato a Potideia e em punir Mégara com a inter- rupgiio do comércio. Esses etros politicos fizeram os espartanos pensar que a guetra poderia valer a pena afinal de contas. Kagan sustenta que o crescimento ateniense causou a primeira Guerra do Peloponeso, mas que a Trégua dos Trinta Anos apagou a chama. Portanto, para comecar a segunda Guerra do Peloponeso, "a centelha do problema epidamiense precisava pousar sobre um dos raros pontos inflamaveis que do tinham sido completamente aplacados. Depois disso, ela precisou ser continua e vigorosamente abanada pelos corintios, logo auxiliados pelos megarenses, potideios, ceginetas e os espartanos partidarios da guerra. Mesmo entio a centelha poderia ter sido extinta, nao fosse os atenienses fornecerem um combustive adicional no mo- Thee mento crucial”” Em outras palavras, a guerra néo foi causada por forgas impessoais, ‘mas por mas decisbes em circunsténcia dificeis. ‘Talvez seja impertinente questionar Tucidides, um personagem que assoma ‘como pai dos historiadores, mas muito pouica coisa é sempre verdadeiramente ine- vitével na historia, O comportamento humano € voluntario, embora haja sempre limitagdes externas, Karl Marx observou que os homens fazem a historia, mas nao nas condigdes de sua propria escolha. Os antigos gregos fizeram escolhas erradas porque foram pegos na situacdo bem explicada por Tucidides e pelo Dilema do Prisioneiro. O dilema da seguranga tornou a guerra altamente provavel, mas altamente provdvel nao € 0 mesmo que inevitavel. A guerra ilimitada de trinta anos que devastou Atenas no era inevitavel. As decisdes humanas foram importantes. Acidentes e personalidades fazem a diferenga mesmo que ajam dentro de limites estabelecidos pela estrutura tmaior, @situacdo de inseguranca que lembra o Dilema do Prisioneiro, Na época moderna, que liodes podemos aprender com essa historia antiga? Pre- ‘isamos estar conscientes tanto dos cendrios quanto das mudancas. Alguns aspectos «struturais da politica intemacional predispoem os acontecimentos em uma dire¢lo ‘em vez de outra. £ por isso que ¢ necessirio compreender os dilemas da seguranca € ‘Dilema do Prisioneiro, Por outro lado, tai situagBes nao provam que a guerra ¢ ine- vitavel. Existem graus de liberdade,e as decisdes humanas podem as vezes impedir os piores resultados. A cooperacdo acontece nas assumntes internacionais, muito embora a estrutura geral da anarquta tenda a desencoraj-la, ‘Tambem € necessirio estar consciente de analogias historicas patentemente su- perficiais. Durante a Guerra Fria, era popular dizer que, porque os Estados Unidos ram uma democracia e uma poténcia maritima a0 passo que a Unio Soviética era ‘uma poténcia territorial e mantinha campos de trabalho escravo, os Estados Unidos ram Atenas a Unio Soviética era Esparta, fadados a repetir um grande conflito hist6rico. No entanto, essas analogias superfciais ignoravam o fato de que a Atenas antiga era um estado escravocrata, abalado por um tumuito intemo, e que os demo- cratas nem sempre estavam no comando. Além disso, diferentemente do que aconte- ceu com a Guerra Fria, Esparta venceu. ‘Outraligio & estar consciente da seletividade dos historiadores. Ninguém pode contar a historia completa de nada. Imagine-se tentando contar tuda o que aconteceu naultima hora—que did, entdo, a historia inteira de sua vida ou de toda uma guerra CCoisas demais aconteceramn, Antes de mais nada, um relato segundo por segundo em que tudo fosse replicado demoraria tanto para ser contado quanto foi preciso para os acontecimentos acontecerer. Assim, os historiadores sempre abstraem, Para escrever a historia, mesmo a histéria da dima hora ou do dia anterior, devemos simplifcar. Devemos selecionar. O que selecionamos obviamente ¢ afetado pelos valores, inclina~ ‘Ges e teorias presentes em nossos pensamentos, sejan explicitos, sejam incipientes. Doral arn, Teoh te erosion Wer hice NY: Corel Uninet Pr. 19607354 Pra fata espera dos consents da cxpn stenent wa. de Se. Ca, The arghes Pelpretn War hay, Cel Unie Fes, 1972p 2201-203, 24 Creveicias costa was Ace WrEMCENAS Cuno l Ene toaice Prpananne 20 Comuro ns Pounce Muwous? 25 Os historiadores sto influenciados por suas preocupacées contemporaneas. Tu- cidides estava preocupado sobte como os atenienses estavam aprendendo as ligdes da guerra, acusando Pericles e os democratas por calcularem mal, Portanto, ressaltou esses aspectos da situacao que mostramos como 0 Dilema do Prisioneito. Ainda s- sim, embora esses aspectos da guerra fossem importantes, eles nlo sio a hist6ria toda. Tucidides nto escreveu muito sobre as telagdes atenienses com a Pérsia, ou sobre @ decreto que cortou as relacdes comerciais com Mégara, ou sobre o aumento por Atenas da quantidade de tributos que 05 outros da Liga de Delos tinham de pagar. A historia de Tucfdides nao foi deliberadamente falseada ou preconceituosa, mas € um exemplo de como cada epoca tende a reescrever a historia porque as questoestrazidas 4 vasta pandplia dos fatos tende a mudar com o tempo. A necessidade de escolher ndo significa que tudo sejarelativo ou que a historia ‘eja um absurdo. Uma concluséo dessas¢ injustificada. Os bons historiadores e cien- Uistas sociaisfazem o melhor possivel para levantar questoes com franqueza,trazendo (9s fatos objetivamente para tratar em seus temas. No entarto, eles e seus estudantes devem estar conscientes de que o que ¢ selecionado € por néecessidade apenas uma parte da histéria. Sempre indaguem quais perguntas 0 autor est fazendo assim como se ele apresenta 05 fatos criteriosa e objetivamente, Cuidado com os preconceitos. A escolha é uma parte muito importante da historia e de escrever a historia. A cura para a incompreenséo da historia € ler mais, nfo menos. A ASCENSAO DA CHINA Desde explicagao de Tacs sobre « Guta do Felopontso, os hisriaores salem que o susmento de uma nova ptenca€scompahado de increase arsidades. Germert,embors nem sempre, egies conto vento, © umento do poderoecongiico miter da Chin. 9 pals as popula damon do, sera uma queso cenal va polis exera asta eaten no comes oseelo ques nia. Ao expicr por que a ena demote dei romp om ura tatado ie a vou agers, Tictidesmostono pode da expecta de um confit neue. “A ertga gel ea deque,aonteceseoqueaeonteces, 4 ue ca peop er ans one, ect, Aca Talnevtabiidade do eonfitacom a China peri er semchantesconsequenis de realizacao do esperado. . me —The Economist, 27 de juno de 1988 QUESTOES ETICAS E POLITICA INTERNACIONAL Dada a natuteza do dilema da seguranca, alguns realistas acreditam que as preo- coupagdes motais ndo desempenham papel nenhum nos conflits internacionais. En- FF TaeGHE MVE EAs Chia res, must cher bom, The Emit 27 jun, 1988, p23, tretanto, a ética, sim, deserspenha um papel nas relagdes internacionais, embora nao ‘mesmo papel que na polca interna. Os argumentes morais tém sido usados desde epoca de Tucidides. Quando Corcira procurou Atenas para pedir ajuda contra Co- Tinto, a cidade empregou allinguagem da ét(ca: “Em primeito lugar, vocés nao estarao ajudando os agressores, mas as pessoas que sio as vitimas da agressdo. Em segundo lugar, voces ganharao nossa gratidao eterna’.* Substitua Corcira por Bésnia ¢ Corinto por Sérvia e essas palavras se encaixam perfeitamente nos tempos modernos, (Os argumentos morais tocam e constrangem as pessoas. Nesse sentido, a mora- lidade € uma realidad poderosa, Entretanto, os argumentes morais também podem ser usados retoricamente como propaganda para disfarcar motivos menos elevados, e aqueles com mais poder geralmemte sto capazes de ignorar consideracdes moras, Durante a Guerra do Peloponeso, os atenienses navegaram até a ilha de Melos para reprimir uma revolta, Em 416 a..,o porta-voz ateniense disse aos melianos que eles poderiam Iutare morrer ou que poderiam tender-se. Quando os melianos protestaratn {que estavam Iutando pela liberdade, os atentenses responderam que “os fortes fazem o ‘que tém 0 poder de fazer os fracos aceitam o que precisam aceitar”” Essencialmente, ‘os atenienses declararam que, em um mundo realista, a moralidade tem pouco espaco, O poder prevalece sobre o direito, Quando o Iraque invade o Kuwait, ou os Estados Unidos invader Granada 20 0 Panama, ou os indonésios reprimerm uma revolta no ‘Timor Leste, todos até certo ponto empregam a mesma logica. No entanto, no mundo moderno, é cada vez mencs aceitavelalguém estabelecer seus motivos tao diretamen- te como Tucidides sugere que os atenienses fizeram em Melos. Isso significa que @ moralidade veio @ ocupar um lugar mais proeminente nas relagbes internacionais, cou simplesmente que os estados se tornaram mais adeptos da propaganda? A politi- internacional mudou tao radicalmente, com 0s estados mais sintonizados com as preocupagdes morais, ou hi uma continuidade evidente entre as agdes dos atenienses 2.500 anos atrise as acbes do Iraque ou da Sérvia no final do séclo XX? (Os argumentos mora's nda sio todos iguais. Alguns sto mais iresstveis do que outros. Perguntamos se cles so logicos e consistentes, Por exemplo, quando o ativista Phyllis Schlafly argumentcu que as armas mucleares sfo uma coisa boa porque Deus as deu ao mundo livre, devemos imaginar por que Deus também as deu & Unido So- viética de Stalin e 4 China de Mao. Os argumentos morais nao sto todos iguais. Uma pedra de toque de muitos argumentos morais € a imparcialidade — a perspectiva segundo a qual todos os interesses sio julgados pelos mesmos critéros. Seus interesses merecem a mesma atencao que os meus. Dentro dessa perspectiva de imparcialidade, porém, he duas tradigbes na cultura politica ocidental sobre como julgar os argumentos morais, Uma descende de Immanuel Kant, filésofo alemao do século XVIII, a outa dos uilitaristas britanicos do inicio do século XIX, a exemplo de Jeremy Bentham, Como uma ilustracio das duas filosofas, itagine-se caminhando pide Tay ofthe Felgen Wp 35, "ted p 402 26 Coceeucuo Lecnruro nis nL por urn vilarejo pobre e descobrindo que um oficial militar esta prestes a atirar em ‘ues pessoas alinhadas contra umn muro. Voce pergunta: “Por que voce vai atirar nesses civis? Eles parecer inofensivos". O oficial responde: “Ontem a noite, alguém deste vilarejo atizou em um de meus homens, Set que alguém aqui € culpado, portanto vou auirar nestes ts para dar 0 exemplo". Voce retruca: “Mas voc# nao pode fazer isso! ‘Vai matar pessoas inocentes. Mesmo que uma tena atirado, duas pelo menos s40 inocentes, talvez todas as és, Voce no pode fazer isso!” O oficial pega um fuzil dos homens dele e entrega pata voce, dizendo: “Atire em uma destas pessoas para mit ¢ deixo as outras duas lives, Voce pode salvar duas vidas se atiar em uma delas, Vou ensinar a voce que em uma guerra civil néo se pode ter essas atitudes piedosas”. O que voce faz? ‘Voce poderia tentar metralhar todos 05 soldados, como em um filme de guerra de terceira categoria, mas 0 oficial mantém um soldado com a arma apontada para vocé, Entéo sua escolha é matar uma pessoa inocente para salvar duas ou entregat @ arma e fcar com as mos limpas. A ttadicdo kantiana segundo a qual sé fazemos as coisas quando elas sao certas exigtia que voce se recusasse a perpetrar a aco malig- na A tradicdo utilitaria pode sugerir que, se voce pode salvar duas vidas, deve fazt-lo. Se voce escolher a solugdo kantiana, imagine se o numero fesse maior. Suponha que hhaja 100 pessoas contra o muro, Ou imagine que voce poderia salvar uma cidade cheia de pessoas de uma bomba terroista. Voce deveria se recusara salvar um milhao de pessoas para manter as maos e a consciéncia limpas? A certa altura, as consequei cas importam. Os argumentos morais podem ser julgados de trés modos: pelos mo- tivos ou intengdes envolvidos, pelos meios empreados e por suas consequencias ou efeitos reais. Embora essas dirnensdes nem sempre sejam facilmente reconciliaveis, a boa argumentacdo moral tenta levar em conta todas os 8. Limites a Ftica nas Relacdes Internacionais, A etica desempenha umn papel menos importante na politica internacional do que na politica interna por quatro razées. Uma éo fraco consenso internacional sobre valores. Existem diferengas culturaise religiosas acima da justca de alguns atos. A se- _gunda, 0s estados nao s4o como as pessoas. Os estados slo abstracdes, e embora seus lideres sejam pessoas, os homens de estado sto julgados cle maneira diferente quando aagem como pessoas, Por exemplo, ao escolher um colega de quarto, a maioria das pessoas quer alguém que acredite em “ido matarés. Mas a mesma pessoa pode votar contra um candidato presidencial que disse: “Sob qualquer circumstancia jamais fared qualquer coisa que leve a uma morte”. Os cidadios confiam em um presidente que Droteja seus interesses, e sob algumas circunstancias isso pode requerer 0 uso da for- a. Os presidentes que salvaram a propria alma e deixaram de proteger seu povo nao deveriamn ser de confianca, Na moralidade privada, 0 sacrifcio pode sera prova mais elevada de uma ado ‘moral, mas serd que 0s lideres devem sacrificar todo o seu povo? Durante a Guer- 1a do Peloponeso, os atenienses disseratn aos Iideres da ilha de Melos que, se eles resistissem, Atenas mataria a todos. Os lideres melianos resistiram, ¢ seu povo fot destrocado, Eles deveriam ter chegado a um acordo? Em 1962, 0 presidente Kennedy deveria correr o risco de uma guerra nuclear pata forcar os sovitticos a retirar os rmisseis de Cuba quando os Estados Unidos tinham misseis semelhantes na Turquia? ‘A resposta poderia ser diferente dependendo de cada individuo, A questao € que, quando os individuos ager como lideres de estado, suas acdes so julgadas de uma maneira diferente ‘Uma terceira razao pela qual a ética desempenha urn papel menor na politica intemacional é a complexidade da causalidade, J € bastante dificil imaginar as con- sequéncias das ages nos assuntos internos, mas as relacdes internacionais tém outra camada de complexidade: a interaco dos estados, Essa dimensio a mais dificulta prever com precisto as consequéncias. Um exemplo famoso ¢ o debate de 1933 entre os estudantes da Liga de Oxford, a associacto de debates da Universidade de Oxford, Preocupados com os 20 milhes de pessoas moras na Primeira Guerra Muncial, a maioria dos estudantes votou por uma resolucéo segundo 2 qual os estudantes ja- mais lutariam por nenhum rei ou pais. No entanto, alguém mais estava atento: Adolf Hitler, Ele concluiu que as democracias eram fracas e que poderia pressioné-las 0 maximo que pudesse porque nio reagiriam. No final, ee pressionou tanto que o te sultado foi a Segunda Guerra Mundial, uma consequéncia néo desejada ou esperada por aqueles estudantes que votarama para nunca mais tutar por um rei ow um pats. Muitos o fizeram depois, e muitos morreram, Um exemplo mais trivial é 0 “argumento do hambuirguer” do inicio da decada de 1970, quando as pessoas se preocupavam coma escassez de alimentos no mundo, Determinado nimero de estudantes de faculdades americanas disse: “Quando formos facer uma refeigdo, vamos nos recusar a comer carne, porque 1 quilo de carne equi- vale a 8 quilos de cereais, que poderiam ser usados para alimentar as pessoas pobres 40 redor do mundo”. Muitos estudantes pararam de comer hambirguer e sentiram-se bem consigo mesmos, mas nao ajudaram nem um pouco a acabar com a fome das pessoas na Africa ou em Bangladesh. Por que nao? Os cereais poupados pela falta de ‘consumo de hambuirgueres nos Estados Unidos nao chegaram as pessoas famintas ‘em Bangladesh, porque os famintos nao tinham dinheito para comprar os cereais. Os cereais tomaram-se simplesmente um excedente no mercado atnericano, 0 que signficou que os precos americanos cairam, ¢ 05 fazendeiros produziram menos. Para ajudar os camponeses de Bangladesh seria necessério mandar dinheiro para eles, de ‘modo que pudessem comprar parte da sobra dos cerezis, Ao lengar uma campanha contra o consumo de hambirgueres e deixar de considerat a complexidade da cadeia causal que relacionaria seu ato bem-intencionado com suas consequéncias, os estu~ damtes fracassaram, Finalmente, ha 0 argumento de que as instituigdes da sociedade internacional sto particularmente fracas e que a separacio entre orem e justica é maior na politica internacional do que na politica interna, Tanto a ordem quanto a justica sto importan- tes, Na politica intema, tendemos a considerar a ordem algo garantido, Na verdade, 28 Coormicloe commu mis euces cons Corti] Easre ma Louca Pntaaaie ns Ganrais sa Pinna Manoa? — 28 as vezes 05 manifestantes perturbam propositadamente a ordem no sentido de pro- mover sta visio da justica. No entanto, se houver a desordem total, seré muito diftel ter alguma justica,e veja os bomnbardeios, sequesttos € mortes por todas os lados no Libano na década de 1980 ow na Somélia atualmente. Algum grau de ordem é uma ‘+ Cooperarcom oars oganzagSes para 0 devemolvient internacional (Qrsansaco pra a Cooperacioe o Desenvolvimento Ezoniico (OCDE) (Fonte: OCDE) Localagao: Pars Franca Fn. 1960,come ua contapanid conti da Ou pce pela Grgeisato para a Cooperago Eeontmica Europe, funda depots da Segunda Guerra Mundial para coordenaro Plano Maral Membros: 30 paises (a mairia ages desenvolvidas) (Quudeo Peso: 2.560 (Pescal do Seretarado) Grgamento: 340 mies de eco ceca de 499 ete ede) (grado pelos pment dor membros om ase no tamanho dn economia de cada meebo) Estatura Organizciona '" Conslho, com um reeresentange de cada membr, que fomece ws iets com relasa0 4 aividales da OCDE ceatbelece oorgamen sal do enzo 1 Secreraragerl, que supervision 0 Corso eo Secretaria, que € responsive plas ‘operates dias do gupe Sistema de Voragto: ateado no consenso Mets Princip + Piomover uaa toa governanga { Condurr peequisnseccnémiaee ofrecer recamendapies de polities eeooimicat * Bromoveradesenvolvimenteecondmico {+ Disponibilcar um frum para dsewida multlatera de desis ecandanics, desenvolvimenistas, socials ede goveranga relacionados com a globalzagio Figura 7.2 continacdo| Cammao 7 GiomuurichoeIteraerescescn 263 3 criticos tém argumentado que as principais instituigBes econémicas inter- nacionais s4o mais inclinadas em favor dos paises ricos do que dos paises pobres. O FMle 0 Banco Mundial, por exemplo, tém um peso de votagdo que da uma influencia preponderante para Estados Unidos, Europa ¢ Japao. © Fundo sempre foi dirigido [por um europeu € o Banco por um americano, Os Estados Unidos sio capazes de superar deficits fiscais € comerciais com apenas a critica mais branda, mas quando paises pobres incorrem em dtvidas semelhantes, os burocratas do FMI insistem em lum tetomo a disciplina do mercado como uma condicto para a ajuda, Uma razto que os paises pobres geralmente precisam da ajuda do FMI para conseguir dinheito ‘emprestado, mas os Estados Unidos podem conseguir empréstimos sem o FMI. Em ‘outras palavra, as insttuigdes refleem o poder subjacente da interdependéncia assi- ‘meétrica dos mercades financeiros. Abolit o FMI nao mudaria essa realiade de poder subjacente nos mercados financeiros. No minimo, deixaria as questOes para os ban- ‘queiros privados e gerentes de fundos poderiam tomar as coisas ainda mais dificeis pata 05 patses pobres conseguirem empréstimos, A Organizacdo Mundial do Comércio néo tem votago por peso. Ela viabiliza um forum em que 151 patses poder negociar acordos comerciais sobre uma base nao discriminatotia, assim como painéis ¢ regras para ajudar a arbitrar sues desavencas ‘comerciais. Os criticos argumentam que os acordos que os paises negociam dentro de sua estrutura (como na atual “rodada de desenvolvimento” das conversacoes sobre comercio tultilateral de Doha) tem permitido que os paises ricos protejam setores ‘como a agriculturae 0s texteis da competigdo de paises er desenvolvimento e, assim, so injustos cotn os pobres. Os comentirios dos criticos estéo corretos, e as politicas protecionistas prejudicam os paises pobres. No entanto, as causas desse protecionis- mo residem nas politicas internas dos pass rcos, e ele poderia ser ainda maior se a OMC nao desempenhasse seu papel, De novo, as instituigdes internacionais podem aliviar, tas nao eliminar a realidades de poder subjacente. No minimo, o fato de que 0s Estados Unidos e a Europa tenham se conformadio com os altos custos das decisdes tomadas contra eles pelos painéis da OMC sugere que as insituigées podem fazer uma diferenga, mesmo que seja marginal. Mesmo entre 0s paises ticos ¢ poderosos, existem problemas em administrar 4 economia transtacional em um mundo de estados independentes. Na década de 1980 e novamente depois de 2001, os Estados Unidos tomnaram-se ura devedorliqui- do quando se recusaram a taxar asi mesmos para pagar suas contas Internas e em vez disso tomaram empréstimos no exterior. Alguns analisas acteditaram que isso estaria preparando 0 cendrio para uma repeticao da década de 1930, que os Estados Unidos passariam por umn declinio semelhante ao da Gra-Bretanha, No entanto, os Estados Unidos nao declinaram, e outros patses continuaram dispostos a emprestar dinheiro ppara eles porque tinham confianca em sua economia e isso Ihes rendia dividendos. A China, por exemplo, continua a manter grandes reservas de dolares como um meio de faciitar suas exportacoes para os Estados Unidos. A volatilidade financeira, porém, continua sendo um problema potencial. Em 1999, @ maioria dos membros da Unido Enropeia criou tnma unidade monetaria eu- ropeia com uma moeda tnica, o euro, que alguns pensam que possarivalizar com 0 dolar como outra moeda de reserva mundial, Alét disso, os mercados financeiros ‘mundiais cresceram drasticamente nos ultimos anos, ¢ sua volatlidade propoe riscos a estabilidade. Muitos dependerao da disposicio de seu governo de buscar politicas que mantenham a estabilidade no sistema econémico internacional, Em todo 350, © sistema politico e econdrico mundial esta mais complicado do que antes. Mais setores, mais estados, mais problemas e mais protagonistas privadas estao envolvidos na complexidade das relacées interdependentes, E cada vez mais irealista analisar politica mundial como uma ocorréncia unicamente entre um grupo de grandes esta- os, solidos como bolas de bilhar, chocando-se uns contra os outros nium equilbrio de poder. Realismo e Interdependéncia Complexa Como seria o mundo se trés pressupostos basicos do realismo fossem inverti- dos? Esses pressupostos sio que 0s estados sto os tnicos protagonistas importantes, a forca militar € 0 instrumento dominante e a seguranca ¢a meta dominante. Ao con- ttitio, podemos postular uma politica mundial muito diferente: 1) 0s estados nao sto ‘0s tinicos protagonists importantes — protagonistastransnacionais atuando através, das fronteiras de estados sto os maiores agentes, 2) a [orca néo é 0 tnico instrumenta importante — a manipulacdo econdmica ¢ 0 uso de instituigdes intemacionais sto 0s instrumentos dominantes, e 3) a seguranca mio ¢ a meta dominante — a guerra €a meta dominante, Podemos rotular esse mundo antirtealista de interdependencia complexa. Os cientistas sociais chamam a interdependéncia complexa de um “tipo ideal". Trata-se de um conceito imaginério que ndo existe no mundo teal, mas como ‘vimos, nem o realismo se encaixa perfeitamente no mundo real. A interdependencia complexa é tum experimento racional que nos permite imaginar um tipo de politica mundial diferente Tanto o realismo quanto a interdependéncia complexa so modelos simples ou tipos ideais. O mundo real situa-se em algum porto entre os dois. Podemos indagar onde as relagdes com determinado pas se encaixam no espectro entre o realisino e a imerdependencia complexa, O Oriente Médio esta mais proximo da extremidade realist do espectro, mas as relacdes entre os Estados Unidos e o Canada e as rlacies entre Franca e Alemanha atualmente ficam muito mais proximas da extremidade dda interdependéncia complexa do espectro. Polticas diferentes ¢ formas diferentes de Tura pelo poder ocorrem dependendo de onde esta localizada sobre espectzo ‘uma determinada relacio entre um conjunto de paises, Na verdade, os paises podem rmudar sua posigdo sobre o espectro, Durante a Guerra Fria, o relacionamento EUA- Unido Sovietica estava claramente proximo da extremidade realista do espectro, mas com o fim da Guerra Fria o relacionamenuy Réssia-EUA moveu-se para proximo do centro entre o realismo e a interdependencia complexa (ver Figura 7:3) Como 7 Gucaumciox eranerewricn 265 TbueVSiia___EUA/China__EUACanadé_Inerdependencia ‘Recdieno = eweVisda_EUA/Chins_EUA/Carait Tnia/Paquinio Franga/Alemanhs Complexa Figura 73. Gaio mondo epecuo die o realm a a nterdependeneia comploxa Um exemplo perfeito da interagao no mundo real entre interdependéncia com- plexa e realismo ¢ 0 relacionamento americano com a China (Figura 7.3). Assim ‘como 0 Japio, as importagdes americanas da China superam de longe as exportacdes americanas. O resultado ¢ um déficit comercial importante. Embora o relacionamen- to comercial bilateral entre os Estados Unidos ¢ a China seja assimétrico em favor dda China, os Estados Unidos ndo sao particularmente vulneraveis aos potenciais cembargos comerciais chineses porque poderiam compensar a potencial perda das ‘mercadorias chinesas pela compra delas em outros lugares, ¢ a China tem fortes incentives internos para exporiar para 0s Estados Unidos. Além disso, como vimios anteriormente, as ameagas chinesas de prejudicar os Estados Unidos vendendo as grandes retencdes de délares pelo que valem por suas exportacoes prejudicariam as ‘vendas chinesas para os Estados Unidos. Ao mesmo tempo, o tamanho potencial do mercado chines para as mercadorias americanas e a demands interna pelas mercado- ras chinesas nos Estados Unidos significa que a capacidade de o governo ameri- cano agir contra a China ¢ de certa forma limitada por protagonistas internacionais, incluindo as corporagées multinacionaisamericanas que tem pressionado o governo americano para nao implementar sangées contra a China por préticas comerciais injustas e violagoes de direitos humanos. Ao mesmo tempo, 0 répido crescimento da forca econémica e militar chinese teve um forte efeito sobre as percepyoes do equi- brio de poder no Excremo Oriente e coatribuiu para o revigoramento da alianca de seguranca entre os Estados Unidos € o Japao iniciada em 1995 Diante da Guerra do Iraque em 1993, o colunista Robert Kagan argumentou que muitos paises enropeus estavam menos dispostos a enfrentar ditadores perigosos. como Saddam Hussein porque tinham se acostumado com as condicdes pactficas da interdependéncia complexa que prevalecia dentro da Europa ¢ tendiamn a generaliza- las para o mundo realista ora da Europa, onde eram menos adequadas. Nas palavras: dele, “os americanos eram de Marte, a0 passo que os europeus eram de Venus’. E cla- ro que essa frase inteligente era simples demais (pense no papel da Gré-Bretanha na, Guerra do Iraque), mas ela captava percepe6es diferentes do outro lado do Atlantico, ‘Também esclarecia uma questdo maior. Em suas relagoes miituas, todas as demnocra- cias avancadas formam ilhas liberais de paz kantiana no mar do realismo hobbesiano, Em suas relagbes com 0 Canada, a Europa ¢ o Japao, até mestno os Estados Unidos sao de Venus. £ igualmente erroneo firgir que tedo © mundo seja tipificado pelo- realismo habbesiano e pela interdependéncia complexa kantiana, 266 Coorico x extrem ts eagtcs HoeMAaONAS AS POLITICAS DO PETROLEO Conforme mencionado anteriormente, o petréleo € a matéria-prima mais im- portante do mundo, tanto em termos politices quanto econémices, ¢é provavel que continue sendo a fonte principal de energia ainda neste século. Os Estados Unidos ‘consomem um quarto do petréleo mundial (em comparacao com 8% para @ China, embora o consumo chinés esteja aumentando rapidemente). Mesmo com o elevado ‘rescimento chinés, tdo cedo 0 mundo nao deve ficar sem petrdleo. Mais de um tnlhao de bans de reservas esta comprovado e provavelmente outro tanto seja en- contrado. No entanto, dois tercos das reservas comprovadas encontram-se no Golfo Persico e so portanto vulnerdveis a instabilidade politica, que podera ter consequin- cias devastadoras sobre a economia mundial. O petréleo nao foi a causa principal das on 2052-63 272 Coorengioeconrcro nv auger rence No entanto, depois de 2005, os precos do petréleo dispararam de novo, em parte como resposta as desestabilizacdes provecadas pela guerra, furacdes e ameacas terroristas, mas também por causa de projecdes elevando a demanda, A elevacao dos precos do petréleo e do gis deram um empurtao na alavancagem politica dos paises produtores de energia como Russia, Venezuela e Ira, que tinham sofrido com a baixa dos precos do petréleo da década de 1999. Dois novos consumidores gigantes in- fuenciaram 0 futuro dos mercados de enepia: China e india. Como as dias nacées mais populosas da Terra, ambas tem passado por sumentos crescentes na demanda de energia a medida que se modemnizam ese industrializam. Esses dois pases estao fazendo esforcos mercantilistas para comprar ¢ controlar suprimentos de petréleo no exterior, embora as lies da crise da década de 1970 devam ensiné-los que 0 petro- leo ¢ uma mercadoria fungivel e que os mercados tendem a disseminar a oferta e até ‘mesmo de maneira dolotosa, ndo importa quem detenha o petréleo. A China também possui imensas reservas de carvao assim como de gis natural em sua provincia oct dental de Xinjiang, mas vai depender cada vez mais das importagdes de petroleo para atender as suas necessidades crescentes. Os dois paises tamibém deparam com graves desafios ambientais por seu uso dos combustiveisfésseis que podem ter implicacoes slobais em termos de poluigdo do ar e mudanca climatica, como veremos no Capitulo 9. Sefa como for, seu rapido crescimento econsmico contribuira de maneira signficativa para a demanda mundial de petroleo. Os Estados Unidos provavelmente também continuardo a depender do petré- Jeo importado para atender a suas necessidades energtticas, apesar dos esforcos de contencdo, € isso significa que as maiores tegides produtoras de petréleo do mundo, como 0 Golfo Pérsico, continuario desempenhando um papel fundamental na geo- politica. Apesar das novas fontes de abastecimento como a Russia, 0s especialistas preveein que 2 Ardbia Saudita e seus vizinhos atenderao a dois tergos do aumento ‘mundial da demanda de petroleo que ocomreré entre a atualidade e 2030. Uma vez que a Arabia Saudita € 0 produtor mundiel namero 1, quaisquer mudangas impor tantes em sua estabilidade politica poderiam ter consequéncias radicais, (Os presos poderiam subir repentinamente tanto para os paises ricos quanto para os pobres se 0s suprimentos do Golfo Pérsico forem perturbados por conllitos. O dra- ma com relacdo ao pett6leo niéo acabou, Erbora as matérias-primas sejam menos es- senciais nas economias da era da informagao do que na era industrial, 0 petréleo ainda € importante. E embora as crescentes redes mundiais de interdependencia econdmica produzam ganhos conjuntos, elas também podem criar problemas politicos, Apenas a politica do poder toma-se mais complexa em uma era de globalizagio econmica. Lomizacho eBoommmoticn 27 1. Quais sto 0s principais tipos de globalizacao? A globalizacdo é um processo irreversivel? Em que a globalizacao contemporinea e diferente dos periodos de globalizacto no passado? 2. Quais sio as imolicagdes da globalizacao no campo cultural? A globalizagio re- sulta necessariamente em uma homogenetzacao cultural mundial? Mais especi- ficamente, a globalizacio acabaré levando a uma “americanizacao” universal? 3. Que tipos de reacdes politicas a globalizacao tem provocedo? Qual ¢a relagéo entre 0 sentimento de antiglobalizacio e a desigualdade economica no ammbito internacional? 4. O que e interdependéncia complexa? Ela é um modelo descritivo? Once en- contramos a intedependencia complexa mais desenvolvida atualmente? 5. © que toma a interdependéncia econémica uma fonte de poder? Quais 3s di- ferencas entre sensibilidade e vulnerabilidade? 6. Quais foram as causas subjacentes e imediatas da crise do petrdleo de 1973? Por que ela nto aconteceu antes — digamos, em 1967? Essa crise fol um even- to isolado ou o inicio de uma tevolucio na politica internacional? Por que a orca nao foi usada? Ela poderia ser usada hoje? 7. A tora liberal estava otimista 20 esperar que o aumento no comércio interna- ional diminuiriafortemente o poder de atracao da forca militar como tum ins- trumento da politica internacional, O que o regime intemacional do petréleo indica em apoio ou na contradigao dessa tese? 8, Segundo os pressupostos tealistas classicos, nao deveriamos esperar ver coo- ppezacdo entre 0s estados em uma situacdo de anarquia. Como voct expica 0 ‘rau de cooperacdo alcancado pelos estados nas relagdes econdmicas interna- Cionais? As instituigdes desempenhiam um papel importante nesse sentido? 1. KEOHANE, Robert .; NYE, Joseph S., Jr. Power and interdependence, 3. ed. Glenview, IL: Scott Foresman, 1989, caps. 1-3. 2. HELD, David, etal. Global transformations: politics, economics and culture. Stan- ford, CA: Stanford University Press, 1999, caps. 1-3 3, FRIEDMAN, Thomas. The world is flat: a brief history of the twenty-first century. ‘New York: Farrar, Straus & Giroux, 2005, caps. 1, 11-13. 4. NYE, Joseph S,, Jr; DONAHUE, John D. (eds) Governance im a globalizing ‘world, Washington, DC: Brookings Institution, 2000, caps. 1-2 5. YERGIN, Daniel, “Ensuring energy security”, Foreign Affairs, mar/abr. 2006, p. 28-36.

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