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1.

DA HISTÓRIA DA PEDAGOGIA À HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

Pesquisa histórico-educativa nas três últimas décadas: profunda transformação metodológica = transição da
história da pedagogia para a história da educação.

História da pedagogia:
Nasceu entre os séculos XVIII e XIX associada a pesquisas de pessoas ligadas à escola - uma instituição cada
vez mais central na modernidade - e empenhadas em sua organização.
Foco dessas pesquisas à sublinhar aspectos mais actuais da educação–instrução e ideias mestras que nortearam
o desenvolvimento histórico da escola.
Daí se conclui que essa história da Pedagogia surge ideologicamente orientada = valoriza a continuidade dos
princípios e dos ideais = ênfase nos ideais e na teoria, representada, sobretudo pela filosofia.
Perfil: história persuasiva e teoricista = distante dos processos educativos reais, referentes às diversas
sociedades; distante das práticas de educação e de instrução, das contribuições das ciências para o
conhecimento dos processos formativos.
Existência de histórias da pedagogia com profunda influência filosófica à diversidade de orientações
filosóficas (positivismo, idealismo, espiritualismo) = várias histórias da pedagogia que veiculavam entre os
docentes um princípio ideal.
Uma perspectiva nova que fundamenta a transição: novos estudos preocupados em focar aspectos mais
concretos, praxistas, contingentes da pedagogia. Objectivo à Desvelar as problemáticas da educação nas
diversas sociedades, além da história das ideias pedagógicas.
A transição:
Novas orientações historiografias são difundidas desde o segundo pós-guerra, contemplando também o campo
pedagógico.
A pedagogia:
à Perde a exclusiva conotação filosófica e torna-se um saber interdisciplinar, com a colaboração de diversas
ciências, especialmente as humanas;
à Assume o papel de formar o indivíduo socializado por meio de múltiplas vias institucionais e técnicas.
O fazer história = construção de uma história total capaz de contemplar os diversos aspectos da vida social e
dos vários momentos históricos. No que isso resulta? À história das ideias perde toda exclusividade, tornando-
se um momento da história da cultura.
Transformação radical da metodologia histórica: acolhe uma multiplicidade de fontes, organiza-se em sectores
especializados etc.
História da Educação:
A partir dos anos 1950: ruptura com o modelo teoricista, unitário e continuísta do passado (história das ideias
pedagógicas) e fortalecimento da pesquisa problemática, pluralista, articulada e diferenciada.
A história da educação toma a noção de educação como conjunto de práticas sociais e feixe de saberes.
Consequência da transição: redefinição do domínio histórico da educação e todo o arsenal da sua pesquisa.
A transformação amadureceu acompanhando a mudança historiográfica.
2. TRÊS REVOLUÇÕES EM EDUCAÇÃO
Novas orientações historiográficas à transformaram a compreensão de história e o modo de desenvolver sua
pesquisa científica.
Orientações:
· Marxismo: Há foco na compreensão do papel da estrutura económico-social sobre os eventos históricos,
propondo estudar as complexas mediações entre economia e política, política e cultura, cultura e sociedade;
Entende a história como luta de classes e de ideologias, que se articulam em torno de sistemas de produção e
que visam a hegemonia histórica, influenciando cada âmbito da vida social; A pesquisa histórica =
investigação complexa, atenta às genealogias dos vários fenómenos, sobretudo económico-sociais.
· Escola dos Annales/ História total:
à Revista nascida na França em 1929 = teve papel fundamental na renovação pesquisa histórica e notoriedade
mundial; há Inspiração no marxismo = observou permanências e estruturas referentes aos acontecimentos,
introduziu o estudo de estruturas (infra-estruturas) não só económicas, como a mentalidade, visando uma
história por inteiro (capaz de dar conta de todos os factores e aspectos de um momento ou de um evento
histórico).
· Psicanálise: Aplicação da psico-história americana à pesquisa histórica; há Psico-história = estudo crítico das
mentalidades colectivas e individuais, legíveis (fundamentação freudiana: atenta a conceitos como:
inconsciente, repressão e conflito do eu etc.). Atenção voltada sobre a família, na sua dimensão espiritual e no
seu papel de conexão nas diversas sociedades.
· Estruturalismo/ Pesquisas quantitativas: há Foco sobre as estruturas (impessoal na história, como instituições
ou mentalidades) que regulam os comportamentos individuais em profundidade. Estas estruturas foram lidas
como variáveis quantitativas, sujeitas a análises sociais, a reconstruções estatísticas.
A historiografia contemporânea passa por três revoluções por conta do cruzamento entre essas orientações:
dos métodos, do tempo e dos documentos.
2.1. A revolução dos métodos
O trabalho histórico se realiza em torno de muitas histórias e segundo múltiplas metodologias. Uma
metodologia única, como o narrativo-explicativo, é incapaz de enfrentar todo tipo de fenómeno histórico e de
ler sua estrutura.
Âmbitos diferentes de pesquisa (história estrutural, económica, social, das mentalidades, dos eventos, local,
oral vivida, psico-história, etno-história, história do quotidiano) demandam métodos ad hoc e uma reflexão
metodológica (gestão reflexiva: metametodológica) que exalte suas autonomias e sua variedade, além das
intersecções e convergência na “história total”.
Historiografia actual à perdeu a certeza do método = assumiu a dos métodos e a intensa dialéctica
metodológica.
2.2. A revolução do tempo
Revisão da temporalidade histórica por Braudel: o tempo histórico é diferente do tempo artificial, dos relógios
ou do tempo vivido, da praxis quotidianas. O tempo histórico é plural, poli estruturado, problemático; está
ligado ao ponto de vista, à intencionalidade que guia seu uso e sua estruturação.
Os tempos da história para Braudel são:
· O tempo da história-narração, tempo dos acontecimentos, próximo do vivido e do cronológico; tempo
fraccionado e ligado ao caleidoscópio daquilo que acontece, medido pelo instante.
· O tempo da curta duração (conjunturas, instituições), das permanências relativas – ligado a estruturas
políticas, sociais ou culturais, presentes nas entrelinhas dos acontecimentos e que os coordena e sustenta;
· O tempo da longa duração – geográfico, económico e antropológico – tempo que acolhe as permanências
profundas, as estruturas quase invariantes.

As três temporalidades são necessárias para compreender a história.


2.3. A revolução dos documentos
O documento não é visto mais como monumento, mas como efeito de interpretação.
O novo documento é armazenado e manejado nos bancos de dados.
Há um pluralismo tipológico dos documentos. Há uma abertura dos arquivos para documentos marginais ou
ignorados, novos ou mais bem usados e uma interpretação como produtora de documentos novos no momento
em que se desenvolve o enriquecimento documental (ex: história oral).
As novas séries documentais dilatam nosso conhecimento dos eventos e das estruturas da história, fazendo-
nos ir às estruturas, às temporalidades profundas da história.

3. AS MUITAS HISTÓRIAS EDUCATIVAS


A história da educação é, hoje, um repositório de muitas histórias, dialecticamente interligadas e interactivas,
reunidas pelo objecto complexo “educação”, embora colocado sob ópticas diversas e diferenciadas na sua
fenomenologia. Não só: também os métodos (as ópticas, por assim dizer) têm características preliminarmente
diferenciadas, de maneira a dar a cada âmbito de investigação a sua autonomia/especificidade, a reconhecê-lo
como um “território” da investigação histórica. (p.29)
Caracterização aproximada das diversas histórias, de seus objectos e métodos = âmbitos dotados de
autonomia, sectorialidade e tradição de pesquisa:
Âmbito das teorias:
à As visões de mundo e as ciências orientam a pesquisa, como fazia a história da pedagogia na pesquisa
tradicional. Objectivo: sondar as contribuições que a reflexão filosófica trouxe à elaboração pedagógica, a
estreita colaboração que ocorreu entre os dois saberes (filosofia e pedagogia), a função crítica e projectiva
exercida pelas filosofias da educação por meio da construção de modelos e a indicação de ideais.
A história do pensamento pedagógico foi delineada por meio de uma conexão de autores e de textos, de
elaborações ligadas às correntes, de filiações de ideias e de modelos.
As ideologias e as ciências somaram seus esforços aos da filosofia para redesenhar e enriquecer o terreno da
teorização pedagógica na história.
Com o processo de enriquecimento das teorias pedagógicas como objecto de pesquisa histórica, houve
desenvolvimento dos métodos: da análise conceitual da filosofia (teoricismo) a uma análise mais contextual
das teorias, relacionando-a com o social e o político; das investigações lógico-sistemáticas a análises
genealógicas e estruturais, fixando uma intersecção ou simetria ente actividade social e pensamento.
Das instituições educativas:
Sector extremamente autónomo e organicamente desenvolvido. Abrange a escola em primeiro lugar, como
também a família, o botequim, a fábrica, as associações e organizações dedicadas ao tempo livre (=
instituições às quais é confiado um papel formativo preciso nos diversos tipos de sociedade e que devem ser
pesquisados como instrumentos sociológicos, históricos e teóricos);
Constitui um mapa complexo de campos de pesquisa, articulados em torno de metodologias bastante diversas
(ora quantitativas e seriais, ora narrativas e qualitativas) e a serem usadas de maneira entrelaçada para restituir
aos âmbitos institucionais a sua relevância sociológica e a sua determinação histórica e vivida.
Das políticas educativas, escolares, formativo-profissionais:
à Encontra-se em estreita simbiose com a história dos Estados e dos movimentos políticos, das estruturas
administrativas das várias sociedades.
Seus objectos de investigação são: os projectos colectivos de conformação ou de alfabetização; planos
precisos que tendem a provocar efeitos desejados no comportamento social, tornando mais compacta e
homogénea a vida social.
(...) Sobretudo na modernidade, as políticas educativas se tornaram mais explícitas, já que mais dinâmicas,
menos confundidas com a transmissão inconsciente d cultura, mais intencionais e programáticas. Não só, mas
também produzidas por múltiplos agentes: pelo Estado e pela Igreja, também pelos partidos, por grupos
sociais, culturais e profissionais etc. Deste pluralismo de projectos toma corpo um processo complexo,
caracterizado por exclusões e interferências, mas que estrutura em profundidade os processos de socialização
e de formação dos indivíduos. (p.31)
Da história social: = história do costume e de algumas figuras sociais, como história da cultura e das
mentalidades. Há Múltiplos aspectos da história social: história das mulheres, da infância, do costume
educativo etc. Há sectores de desenvolvimento recente, que estás se tornando cada vez mais central.
à Está ligada à etno-história e à psico-história, mostrando a formação de mentalidades educativas, de valores
pedagógicos, de práticas formativas que agem como modelos inconscientes (ou quase) no âmbito de uma
sociedade, mas que são sempre produtos históricos, efeitos de um processo sociocultural diacronicamente
definido e definível.
à Métodos: diferenciados, pois devem permitir o alcance dos fenómenos ou eventos fugidios que na educação
envolvem aspectos do inconsciente colectivo ou práticas que lhe são muito próximas. Métodos que vão do
estatístico ao narrativo.
à As fontes: devem ser ampliadas com o intuito de atingir o fragmentário e o ausente, dando voz a achados
submersos e isolados, desafiando os próprios silêncios da documentação directa.
Do imaginário: Sector ainda pouco desenvolvido e que veio definir-se como uma fronteira da história social,
porém mais autónomo pela sofisticação de seu objecto e mais complexo pela problemática de sues métodos, é
o do imaginário. é trabalhado especialmente pelos medievalistas e de raríssima incidência no âmbito
educativo.
A história da educação hoje é plural, articulada em muitos níveis, mais “macro” ou mais “micro”, que se
relacionam e se entrecruzam para formar um saber magmático, mas rico tanto de sugestões como de
resultados para o conhecimento das sociedades na sua história. E trata-se de um “paradigma” (um modelo) de
pesquisa histórica que é preciso compreender e explorar em toda a sua amplitude, variedade e complexidade.

4. DESCONTINUIIDADE NA PESQUISA E CONFLITO DE PROGRAMAS


à Característica estrutural da pesquisa histórica hoje: a descontinuidade interna de objectos, métodos e âmbitos
que é activado sobre o pluralismo das frentes de pesquisa e sobre a divergência. Há Pluralismo e
conflitualidade, indecisão e incerteza são características fundamentais do fazer história hoje. Há a
possibilidade de ler a história segundo a verdade, deixando sempre espaço para aprofundamentos posteriores,
para aproximações emerge da integração dinâmica e crítica das diversas perspectivas de leitura.
Por meio destas múltiplas frentes de pesquisa, da liberalização dos métodos e pluralismo das leituras, da
coexistência, do conflito e do diálogo entre os diversos “programas de pesquisa” (ou orientações de pesquisa
relacionadas como objectos, métodos, com cortes interpretativos coerentes e lineares, mas diferenciados entre
si) consegue-se constituir o trabalho histórico orientado no sentido abrangente, ou seja, capaz de ler os
processos históricos – educativos, no caso – sem comprimir sua complexidade e variedade constitutiva, mas
elegendo-a como critério semântico da pesquisa histórica, portanto como estrutura de sentido (faz-se história
se, e somente se, se conseguir fazer reaparecer a complexidade dos eventos e suas agitadas inter-relações, seu
perfil instável, múltiplo e, ao mesmo tempo, unitário). (p.34)

5. ATIVAR A MEMÓRIA PARA COMPREENDER O PRESENTE


(...) A história é o exercício da memória realizado para compreender o presente e para nele ler as
possibilidades do futuro, mesmo que seja de um futuro a construir, a escolher, a tornar possível (...) a
actividade da memória, a focalização do passado que anima o presente e o condiciona, como também o
reconhecimento das suas possibilidades sufocadas ou distantes ou interrompidas, e portanto das expectativas
que se do passado-presente para o futuro, que estabelece o horizonte do sentido de nossa acção, de nossa
escolhas. (...) (p.35)
A memória: Não é: o exercício de uma fuga do presente; a justificação genealógica daquilo que é; o
inventário mais ou menos sistemático dos monumentos de um passado encerrado e definitivo a ser reactivado
pela nostalgia.
É: imersão na fluidez do tempo e o traçado de seus múltiplos itinerários; recomposição de um desenho que,
retrospectivamente, actua sobre o hoje o projectando para o futuro, por meio da indicação de um sentido, de
uma ordem ou desordem, de uma execução possível ou não. É categoria importante do fazer história, com
seus condicionamentos e seus esquecimentos, seus desvios e o peso da tradição, com seu trabalho não linear,
sempre incompleto, mas necessário. Aplicada ao passado histórico significa o reconhecimento/apropriação de
todas as formas de vida que povoam aquele passado; o reconhecimento das suas identidades, suas condutas,
suas contradições; a reapropriarão de seu estilo, de sua funcionalidade interna, de sua possibilidade de
desenvolvimento. Permite repovoar aquele passado com muitas histórias entrelaçadas e em conflito e restituir
ao tempo histórico o seu pluralismo de imagem e a sua problemática. Possibilita o distanciamento do puro
presente e de sua rigidez, para relê-lo sobre o fundo do qual ele emerge, relativizando-o na autoridade que lhe
vem do fato de ser presente (evidente, necessário, logo verdadeiro).
(...) Através do passado criticamente revisado, o presente (também criticamente) se abre para o futuro, que se
vê carregado dos impulsos não realizados do passado, mesmo o mais distante ou o mais marginalizado e
sufocado. (...) (p.36)

6. A HISTÓRIA QUE ESTÁ POR TRÁS: A ANTIGUIDADE E A IDADE MÉDIA, A


MODERNIDADE E A CONTEMPORANEIDADE
(...) A história é um organismo: o que está antes condiciona o que vem depois; assim, a partir do presente, da
contemporaneidade e suas características, seus problemas, deve-se remontar para trás, bem para trás, até o
limiar da civilização e reconstruir o caminho complexo, não-linear, articulado, colhendo, ao mesmo tempo,
seu processo, seu sentido. O processo feito de rupturas e de desvios, de inversões e de bloqueios, de
possibilidades não maturadas e expectativas não realizadas; o sentido referente ao ponto de vista de quem
observa e, portanto, ligado à interpretação: nunca dado pelos “fatos”, mas sempre construído nos e por meio
dos “fatos”, precário e sub Júdice. (p.37)

A Antiguidade, em termos de educação e pedagogia, consigna ao Ocidente as suas estruturas mais profundas:
identidade da família, organização do estado, instituição-escola, mitos educativos e ritos de passagem,
modelos socioeducativos.
Na Antiguidade surge o conceito de Paidéia = formação humana = formação cultural e universalização da
individualidade. (cultivo do sujeito, produzindo a individualidade).
No período Medieval, os processos e princípios educativos são revisados = a Paidéia organiza-se agora em
sentido religioso, transcendente, teológico, ligado aos saberes da fé e no modelo da pessoa do Cristo. Os
processos educativos acontecem dentro das instituições religiosas e são permeados pelo espírito cristão.
A Modernidade é o interlocutor mais directo da nossa Contemporaneidade. É uma época histórica com
características orgânicas complexa que investem na reorganização do poder e dos saberes, fazendo-os assumir
conotações novas e específicas. É o nascimento e desenvolvimento de um sistema organizativo social que tem
como eixo o indivíduo, mas que o alicia por meio de fortes condicionamentos por parte da colectividade,
dando vida a um “mundo moderno” em cujo centro estão a eficiência no trabalho e o controle social.

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