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PASSOS MANUEL: um projecto de reabilitação arquitectónica de/num liceu histórico

A - ESPAÇO EDIFICADO.

Ontem…

O Liceu Nacional de Lisboa foi o primeiro do país criado na esteira da reforma de 1836,
levada a cabo pelo ministro do reino Passos Manuel, que pretendia a constituição de
uma rede pública de instrução secundária nacional, tendo entrado em pleno
funcionamento em 1840.
Depois de um périplo pela cidade, instalou-se definitivamente, em 1911, no edifício
que ainda hoje ocupa, nos terrenos entre as cercas dos Conventos de Jesus e dos
Paulistas, bem no centro da cidade de Lisboa.
O projecto arquitectónico, inspirado nalguns modelos europeus, mostrava, só por si,
as exigências mais apertadas da política de educação à época, que se procurava eleger
como exemplares. Assim, algumas preocupações fundamentais foram colocadas na
construção do primeiro edifício escolar do país:
- A da saúde pública, de pendor higienista, que se pode confirmar através da
volumetria das salas e dos seus sistemas de arejamento, pelos campos ao ar livre para
a prática do desporto e pela existência de um balneário, com caldeira;
- As preocupações de segurança levaram a que o laboratório de Química fosse
construído num corpo exterior ao corpo central, existindo mobiliário específico nas
diversas áreas científicas e redes de abastecimento de água e gás.
- A dignidade que o mobiliário em geral apresenta. Há peças que foram desenhadas e
mandadas fazer expressamente para algumas salas, tal é o caso do armário para os
modelos de desenho e os armários de arrumação para os quadros parietais;
- O apetrechamento das salas específicas com colecções pedagógicas de quadros
parietais das principais editoras europeias e os instrumentos de observação e
projecção que serviam de suporte às exigências do ensino experimental. E, também
um jardim que pretendia ser um jardim botânico.
- Por fim, a Biblioteca, de carácter monumental, com um fundo bibliográfico notável,
que era o coração da escola.

Hoje…
O edifício do Liceu Passos Manuel foi objecto de uma intervenção de fundo de
preservação e também, como já seria natural, de modernização.
O projecto de recuperação a cargo dos arquitectos Vítor Mestre e Sofia Aleixo prova
que conseguiram estabelecer um diálogo com o edifício.
Este projecto alia a mera conservação com a intervenção original. A intervenção
original não é invasiva ou descaracterizante dos espaços existentes, mas antes lhes faz
retomar a sua antiga dignidade, dando maior visibilidade aos diversos materiais, de
grande valor histórico para a memória da educação. Deste modo, permitiu repor a
“anima” do edifício e, ao mesmo tempo, criar novos espaços de trabalho e de lazer.
Por outro lado, a parte agora edificada de raiz, que tem de traduzir “ as novas
exigências” e “as novas normas”, não cedeu, contudo, a “modismos”, antes pelo
contrário realça a capacidade de convivência pacífica entre os novos espaços e os
antigos.

B – OS ARQUIVOS.

O acervo arquivístico e bibliográfico do liceu é de uma enorme importância histórica.


A consciência de tal facto levou a que nos anos 90 se criasse um Centro de
Documentação e Informação (C.D.I.), que pretendia dar a conhecer as componentes
do acervo: o arquivo histórico, a biblioteca, os reservados, a biblioteca histórica e o
centro de recursos.
Pretendia-se assim, e em primeiro lugar, levar a comunidade educativa a tomar
consciência do real valor deste património, desfazendo os preconceitos vulgares
quanto à falta de actualidade dos “antigos”; em segundo lugar, tornar disponível esses
recursos à comunidade em geral e aos investigadores.
O Arquivo Histórico permite reconstruir grande parte da história da educação em
Portugal desde o segundo quartel do século XIX. Aí encontramos documentos sobre a
organização e regulamentação de serviços e actividades, gestão financeira e
patrimonial, gestão de pessoal e de informação e documentação. Há já um número
significativo de situações em que tem sido reconhecido publicamente a proveniência
de informação decisiva para a elaboração de vários trabalhos de investigação.
Nos Reservados encontramos obras antiquíssimas provenientes, em grande parte, dos
“antigos conventos”.
A Biblioteca contém um grande número de obras de referência e de carácter clássico.
A Biblioteca Histórica, que funciona como uma extensão da Biblioteca, caracteriza-se
por um fundo diversificado: publicações periódicas nacionais e estrangeiras, anuários
de várias instituições escolares e outras, literatura pedagógica e científica em várias
línguas e uma colecção de antigos manuais escolares, entre outros.

C – AS COLECÇÕES.

A escola possui um património histórico didáctico e científico vasto e rico sobretudo


nas áreas da Física, da Química e das Ciências Naturais. As colecções de instrumentos
de observação e de experimentação, colecções de empalhados e formóis, de geologia
e mineralogia, mapas e quadros parietais.
Duas preocupações principais nortearam a actividade pedagógica: a do método - o
método é mais eficiente, quanto mais próximo estiver do real e tiver um carácter
activo e prático - e ir ao encontro dos interesses dos aluno. Para que tal fosse possível,
era necessário existir uma grande quantidade de materiais pedagógicos: materiais
auxiliares, quadros parietais, instrumentos científicos, modelos, diapositivos e cinema.
Uma boa parte destes materiais ainda estão no liceu, alguns deles ainda em uso.

D – CONCLUSÃO.

O grande problema que se coloca hoje nos liceus históricos é o de como fazer a gestão
e manutenção das colecções.
Não está só em causa a preservação do antigo mas também o de procurar fazer
coexistir o antigo com o moderno, sem que o antigo seja uma mera curiosidade. Para
que tal aconteça é preciso que se actualizem os inventários, se recuperem e restaurem
materiais. Mas tudo isto só terá sentido se for divulgado, em primeiro lugar aos alunos
e professores e também à comunidade, dando solidez à memória da educação.

Lisboa, 15 de Junho de 2010

Fernando faria

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