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ESTADO DO MUNDO
Transformando Culturas
Do Consumismo à Sustentabilidade
TH E
WOR LDWATCH
I NSTITUTE
UMA
Editora
IaXXVII_intro_val:A 6/24/10 10:41 AM Page I
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ESTADO DO MUNDO
Transformando Culturas
Do Consumismo à Sustentabilidade
THE
WORLDWATCH
INSTITUTE
apoio:
Baía de Todos
os Santos
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Sinais vitais 2000 e 2010 - Tendências Ambientais que Determinarão nosso Futuro
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ESTADO DO MUNDO
Transformando Culturas
Do Consumismo à Sustentabilidade
Todos os direitos da edição em língua portuguesa são reservados à UMA - Universidade Livre da Mata Atlântica.
Avenida Estados Unidos, 258/nº1010, CEP 40010-020, Salvador, Bahia, Brasil.
www.worldwatch.org.br
As marcas registradas The STATE OF THE WORLD e WORLDWATCH INSTITUTE estão registradas no U.S.
Patent and Trademark Office.
As opiniões expressas são as dos autores e não representam, necessariamente, as do Worldwatch Institute,
dos membros de seu conselho, diretores, de sua equipe administrativa ou de seus financiadores.
A composição do texto deste livro é em Galliard, com fonte ScalaSans. Projeto do livro, capa e composição por Lyle
Rosbotham; produzido por Victor Graphics.
Primeira Edição
ISBN xxx-x-xxx-xxxxx-x
Agradecimentos
Este livro foi concebido no outono de 2008 e opiniões ao relatório. Meu muito obrigado
durante uma conversa em um jantar com o ex- a estes autores por seu tempo e contribuições
Presidente do Conselho do Worldwatch, prestimosas: Yann Arthus-Bertrand, Eduardo
Øystein Dahle. Enquanto saboreávamos a Athayde, Almut Beringer,Michael Braungart,
massa em Oslo, discutíamos o quanto as cultu- Raj Chengappa, Patrick Curry, Øystein
ras de consumo precisarão mudar para que a Dahle, Anne H. Ehrlich, Paul R. Ehrlich,
espécie humana prospere verdadeiramente. Ao Gregory C. Farrington, Satish Kumar, Serge
voltar para Washington, propus a ideia de LaTouche, William McDonough, Julie
enfrentar essa questão no Estado do Mundo Ozanne, Lucie Ozanne e Alexander Rose.
2010. Com alguma surpresa, recebi da equipe Aqueles que ajudaram na pesquisa duran-
administrativa e do Conselho de Administração te o ano passado merecem aqui especial aten-
do Worldwatch o sinal verde para prosseguir. ção. Sou grato pelas ideias compartilhadas e
Em primeiro lugar, gostaria de agradecer a ajuda prestada para tornar este livro possí-
todos eles por acreditarem que esse assunto vel. Obrigado a Franny Armstrong, Diane
seria um tema valioso para nossa principal Assadourian, Andrew Balmford, Mark Beam,
publicação, mesmo que se mostre controverso. Guy P. Brasseur, Gene Brockhoff, Brian Burke,
Tony Carr, Robert Corell, Joel Cowan, Scott
Agradeço especialmente ao Presidente do
Denman, Nancy Durkee, Duane Elgin, Hilary
Worldwatch, Christopher Flavin, por confiar
French, Jim Freund, Nina Frisak, Marcin
em que eu pudesse levar essa ideia adiante.
Gerwin, Alex Hallatt, Harry Halloran, Jody
Após esse breve momento de júbilo,
Heymann, Yene Iren, Chris Jung, Hayrettin
começou o longo processo de criação deste Karaca, William Kilbourne, Lynne LaCarrubba,
livro. Formou-se um comitê Estado do Shawna Larson, Kalle Lasn, Annie Leonard,
Mundo, e a orientação de seus integrantes Ling Li, Lisa Lucero, Jan Lundberg, Mia
revelou-se essencial durante todo o processo. MacDonald, Michael Maniates, Susanne
Muito obrigado a todos vocês pelas horas Martikke, Marc Matthieu, Jim McDonough,
consumidas em discussões sobre as ideias mais Krystal McKay, BillMcKibben, Olivier
recentes que surgiam, por sugerirem autores e Milhomme, Molly O’Meara Sheehan, Pete
temas, e por ajudarem o projeto a ir adiante. Palmer, Nadina Perera, Barbara Petruzzi,
Boa parte da última primavera foi dedica- Andrea Prothero, Paul Reitan, Joan Roberts,
da ao recrutamento do altamente talentoso Regina Rowland, Peter Sawtell, Vernon
grupo de autores, relacionado na página do Scarborough, Blair Shane, David Stoesz,
Sumário. Gostaria de agradecer especialmen- Robert Welsch, e, na UNESCO, Aline Bory-
te a essas pessoas – todas elas concordaram Adams, Bernard Combes, Hans d’Orville,
em dividir sem ônus seu conhecimento e Mark Richmond e Ariana Stahmer. Muito
impressões com os leitores do Estado do obrigado a todos vocês!
Mundo. Sem sua generosidade, esse livro não Gostaria também de agradecer a
teria sido possível. Muhammad Yunus, que gentilmente parti-
Este ano, contamos também com diversos lhou conosco sua sabedoria e história na
pequenos Quadros, que complementam os Introdução da edição deste ano. Seu apoio a
artigos mais longos e acrescentam mais vozes nosso humilde livro é uma grande honra.
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Watch Institute em Taiwan; Yesim, Erkan, do O Estado do Mundo 2010 não existiria sem
TEMA na Turquia; Professor Marfenin e as contribuições generosas de muitas pessoas
Anna Ignatieva, do Center of Theoretical físicas que apoiam o Instituto na condição de
Analysis of Environmental Problems da Amigos do Worldwatch. Essas doações repre-
International Independent University of sentam aproximadamente um terço do orça-
Environmental and Political Sciences na mento operacional anual do Instituto e são
Rússia; e Jonathan Sinclair Wilson, Michael indispensáveis ao nosso trabalho. Somos pro-
Fell, Gudrun Freese e Alison Kuznets, do fundamente gratos a todos os Amigos do
Earthscan no Reino Unido. Worldwatch por seu compromisso com o
Nosso excelente serviço de atendimento Instituto e por em um mundo sustentável. E
nosso muito obrigado aos apoiadores do
ao cliente na Direct Answer, Inc. colabora
Worldwatch que investiram diretamente no
também para assegurar que nossos leitores
relatório deste ano, quando tomaram conhe-
sejam bem atendidos e que suas perguntas
cimento de sua existência através de uma
sejam respondidas com presteza. Somos gra- campanha para angariar fundos realizada na
tos a Katie Rogers, Katie Gilroy, Lolita primavera. Sua generosidade, ainda quando
Harris, Cheryl Marshall, Valerie Proctor, este projeto era ainda apenas um conceito, é
Ronnie Hergett, Marta Augustyn, Heather recebida com grande apreço.
Cranford, Colleen Curtis, SharonHackett e Por fim, deixando o agradecimento mais
Karen Piontkowski por prestarem um serviço importante para o final, quero agradecer a
de primeira linha no atendimento ao cliente. você. Se você estiver lendo isto agora, posso
Gostaríamos de expressar nossa grande supor que está interessado em se aprofundar
estima às diversas fundações e instituições neste assunto – afinal, quem mais persistiria
cujo apoio no ano passado viabilizou o Estado ao longo de quatro páginas de nomes? O
do Mundo 2010 e diversos outros projetos do objetivo deste livro é ajudar a trazer as cultu-
Worldwatch: Heinrich Böll Foundation; ras humanas de volta ao eixo antes que arrui-
Casten Family Foundation do Chicago nemos os sistemas ecológicos do qual nós,
Community Trust; Compton Foundation, enquanto espécie, dependemos. Sua ajuda
Inc.; Del Mar Global Trust; Bill & Melinda para mudar culturas é essencial. Como indica-
Gates Foundation; Goldman Environmental do pelo livro, há incontáveis maneiras de se
Prize; Richard and Rhoda Goldman Fund; envolver. Muitas mais serão discutidas em
Good Energies Foundation; Hitz Foundation; nosso site, blogs.worldwatch.org/transfor-
W. K. Kellogg Foundation; Steven C. Leuthold mingcultures/. E quando visitar o site, pense
em começar um grupo de discussão sobre o
Family Foundation; Marianists Sharing Fund
relatório ou mobilizar sua própria rede de
dos EUA; Ministério do Meio Ambiente da
relacionamentos para fazer acontecer a
Holanda; V. Kann Rasmussen Foundation;
mudança que você quer ver. É assim que
Ministério Real de Relações Exteriores da novas culturas começam!
Noruega; Shared Earth Foundation; Renewable
Energy & Energy Efficiency Partnership; Erik Assadourian
Shenandoah Foundation; Stonyfield Farm; Diretor de Projeto
TAUPO Fund; Programa das Nações Unidas
para o Meio Ambiente; Fundo de Worldwatch Institute
População das Nações Unidas; UNIVER- 1776 Massachusetts Ave., NW
SITY Foundation; the Wallace Genetic Washington, DC 20036
Foundation, Inc.; Wallace Global Fund; www.worldwatch.org
Johanette Wallerstein Institute; Winslow blogs.worldwatch.org/transformingcultures
Foundation; e World Wildlife Fund–Europa. eassadourian@worldwatch.org
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abrangentes, muitas vezes inéditos, de exten- um mundo sustentável que, dessa forma,
são planetária, capazes de municiá-los em seu poderá passar do sonho à realidade.
empenho não só pelo necessário cumprimen-
Eduardo Athayde
to das metas do milênio como também por
Worldwatch Institute-Brasil
uma mudança imediata, aprofundada a cada
dia, em favor de uma vida mais saudável, Helio Mattar
ambiental e socialmente responsável, rumo a Instituto Akatu
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O Instituto Akatu
Criado em 15 de março de 2001 (Dia Nesse sentido, o consumidor consciente
Mundial do Consumidor), o Instituto Akatu busca o equilíbrio entre a sua satisfação pes-
pelo Consumo Consciente é uma organização soal, a preservação do meio ambiente e o bem
não governamental sem fins lucrativos, com estar da sociedade, refletindo sobre o que
sede em São Paulo, que tem como missão consome e prestigiando empresas comprome-
conscientizar e mobilizar o cidadão brasileiro tidas com a responsabilidade social.
para o seu papel de agente transformador, O Akatu tem a convicção da necessidade
enquanto consumidor, na construção da sus- de aprofundar a discussão sobre os impactos
tentabilidade da vida no planeta.
do consumo – positivos e negativos — e
A palavra “Akatu” vem do tupi e significa, ao
mesmo tempo, “semente boa” e “mundo sobre as mudanças no comportamento dos
melhor”, traduzindo a ideia de que o mundo consumidores, dentro de uma perspectiva de
melhor está contido nas ações de cada indiví- troca global de experiências com outras orga-
duo. Para o Instituto Akatu, o ato de consumo nizações, desta forma contribuindo para que
deve ser um ato de cidadania, por meio do qual o consumidor deixe de ser um espectador dos
qualquer consumidor pode contribuir para a problemas decorrentes dos atos de consumo e
sustentabilidade da vida no planeta, seja na com- passe a ser um agente das soluções. Este é o
pra, uso ou descarte de produtos ou serviços. principal objetivo do Instituto Akatu.
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Índice
Agradecimentos ......................................................................................................................VII
Introdução ..............................................................................................................................XX
Muhammad Yunus – Fundador do Banco Grameen e Prêmio Nobel da Paz em 2006
Prefácio ................................................................................................................................XXII
Christopher Flavin – Presidente do Worldwatch Institute
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XVI WWW.WORLDWATCH.ORG.BR
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NOTAS ..................................................................................................................................207
QUADROS
XVII
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13. Melhorando o Estatuto Social, por Kevin Green and Erik Assadourian ....................108
15. Índice de Carbono para o Mercado Financeiro, por Eduardo Athayde ....................115
19. A Expansão do Papel do Jornalismo Ambiental na Índia, por Raj Chengappa ......175
XVIII WWW.WORLDWATCH.ORG.BR
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TABELAS
3. Acesso aos Meio de Comunicação por Grupo de Renda Global, 2006 ......................15
11. Iniciativas de Alguns Países para Promover a Educação para a Mídia ..................173
FIGURAS
XIX
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Introdução
Muhammad Yunus
Fundador do Grameen Bank e Prêmio Nobel da Paz em 2006
Sinto-me satisfeito com o fato de que o crédito, e sim que os bancos convencionais
Worldwatch Institute tenha escolhido tratar não são dignos das pessoas.
da difícil questão da mudança cultural no Então, partimos para criar um tipo dife-
Estado do Mundo 2010. Nos últimos trinta rente de banco, voltado ao atendimento de
anos, no cerne do meu trabalho com micro- gente pobre. Os bancos convencionais são
crédito, tive que desafiar a crença centenária constituídos com base no princípio de que
de que mulheres pobres e analfabetas não “quanto mais você tem, mais pode ganhar”.
conseguem ser agentes de sua própria prospe- Revertemos esse princípio “para quanto
ridade. O microcrédito rejeita essa concepção menos você tem, maior sua prioridade em
cultural fundamental equivocada. receber um empréstimo”. Assim começou
Falácias enraizadas culturalmente são difí- uma nova cultura de financiamento e mitiga-
ceis de eliminar. Meus pedidos iniciais a ban- ção da pobreza, em que os mais pobres são
queiros estabelecidos para que concedessem atendidos em primeiro lugar e um punhado
de capital pode transformar a pobreza abjeta
empréstimo a mulheres pobres foram atendi-
em meio de sustento.
dos com objeções claras e contundentes: “Os
Depois de anos cultivando esses ideais
pobres não são aceitáveis aos bancos. Eles não
com zelo, eles se transformaram no Banco
são dignos de crédito”, insistiu um banqueiro
Grameen, que hoje concede anualmente
local, e acrescentou reiterando: “Pode dizer
empréstimos no valor de um bilhão de dóla-
adeus a seu dinheiro”. A experiência inicial foi res a 8 milhões de tomadores. A média de
altamente alentadora e acabamos por desco- nossos empréstimos é de US$ 360, sendo que
brir que nossas devedoras eram clientes exce- 99% dos recursos são pagos pontualmente.
lentes que pagavam as dívidas em dia. Os ban- Os programas de hoje incluem empréstimo
queiros convencionais não ficaram impressio- para mendigos, contas de micropoupança e
nados, chamando os resultados de feliz coin- apólices de microsseguro. E sentimos orgulho
cidência. Quando tivemos êxito em diversas de ver que o microcrédito se expandiu no
vilas, deram de ombros. mundo todo.
Percebi que suas premissas culturais sobre Um setor financeiro para pessoas depau-
os pobres não se modificariam com facilidade, peradas, principalmente mulheres. Isso é uma
apesar dos muitos êxitos que obtivemos. Eles mudança cultural.
tinham ideias preconcebidas – Pobres não são Hoje sei que pressupostos culturais,
dignos de crédito! Meu trabalho, percebi, era mesmo os bem enraizados, podem ser rever-
plantar as sementes de uma nova cultura tidos, sendo esse o motivo de minha empol-
financeira, invertendo essa noção falsa: a ver- gação com o Estado do Mundo 2010. Ele faz
dade não é que os pobres não são dignos de um chamado a uma das maiores mudanças
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culturais imagináveis: de culturas de consu- o que é ensinado nas salas de aula, até a forma
mismo para culturas de sustentabilidade. O como os casamentos são celebrados e o modo
livro vai bem além de receitas padronizadas como as cidades são organizadas. Talvez haja
para energia limpa e políticas esclarecidas. Ele leitores que não concordem com todas as
defende que repensemos os fundamentos do ideias aqui apresentadas, mas dificilmente dei-
consumismo moderno – as práticas e valores xarão de se impressionar com a ousadia do
considerados “naturais” que, paradoxalmen- livro: sua premissa inicial é que é possível uma
te, arrasam a natureza e colocam a prosperida- transformação cultural em larga escala. Eu
de humana em risco. acredito que isso seja possível após ter viven-
O Worldwatch assumiu uma plataforma ciado a transformação cultural de mulheres
ambiciosa nesta publicação. Nenhuma gera- em Bangladesh. A cultura, afinal de contas, é
ção na história atingiu uma transformação para facilitar às pessoas a liberação de seu
cultural tão vasta como a invocada neste tra- potencial, e não para ficar estagnada como
balho. Os vários artigos do livro demonstram um muro que as impede de progredir. Uma
que tal mudança é possível se revirmos as pre- cultura que não deixa as pessoas crescerem
missas centrais da vida moderna, desde o em uma cultura morta, e a cultura morta deve
modo como os negócios são administrados e ficar no museu, não na sociedade humana.
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Prefácio
Christopher Flavin
Presidente do Worldwatch Institute
Os últimos cinco anos testemunharam uma que no cerne de muitas culturas tradicionais
mobilização sem precedentes em termos de existe respeito e proteção aos sistemas natu-
esforços no combate ao avanço da crise eco- rais que sustentam as sociedades humanas.
lógica mundial. Desde 2005, milhares de Infelizmente, muitas dessas culturas já se per-
novas políticas governamentais foram imple- deram, juntamente com as línguas e práticas
mentadas, centenas de bilhões de dólares que cultivaram, e foram colocadas de escan-
foram investidos em negócios e infraestrutura teio por uma cultura de consumo global que,
ecológicos, cientistas e engenheiros acelera- em um primeiro momento, se apoderou da
ram enormemente o desenvolvimento de Europa e América do Norte, mas que hoje
uma nova geração de tecnologias “verdes” e está arremetendo para os recônditos mais dis-
os meios de comunicação de massa converte- tantes do mundo. Essa nova orientação cultu-
ram problemas ambientais em uma preocupa- ral é não somente sedutora, mas também
ção preponderante. poderosa. Os economistas acreditam que ela
Nesse alvoroço de atividades, uma dimen- vem desempenhando um papel importante
são de nosso dilema ambiental continua, em no estímulo ao crescimento e redução da
boa parte, negligenciado: suas raízes culturais. pobreza nas últimas décadas.
À medida que o consumismo foi se enraizan- Mesmo que esses argumentos sejam acei-
do em uma cultura depois da outra nos últi- tos, não pode haver dúvida de que as culturas
mos cinquenta anos, tornou-se um vigoroso de consumo estão por trás daquilo que Gus
propulsor do aumento inexorável da deman- Speth denominou a “Grande Colisão” entre
da por recursos e da produção de lixo que um planeta finito e as demandas aparentemen-
marca nossa era. Naturalmente, impactos te infinitas da sociedade humana. Mais de 6,8
ambientais dessa magnitude não seriam possí- bilhões de seres humanos estão hoje exigindo
veis sem uma explosão demográfica inédita, quantidades cada vez maiores de recursos
aumento de riqueza e as descobertas científi- materiais, dizimando os ecossistemas mais
cas e tecnológicas. Mas as culturas de consu- ricos do mundo e despejando bilhões de tone-
mo sustentam, e exacerbam, as demais forças ladas de gases que bloqueiam o calor na
que têm permitido às sociedades humanas atmosfera ano a ano. Apesar de um aumento
crescer mais do que seus sistemas de sustenta- de 30% na eficiência de recursos, o uso de
ção ambiental. recursos globais aumentou 50% nos últimos
As culturas humanas são diversas e diversi- 30 anos. E esses números poderiam continuar
ficadas e, em muitos casos, têm raízes profun- a aumentar rapidamente por décadas à frente,
das e antigas. Elas permitem que as pessoas considerando-se que mais de 5 bilhões de pes-
extraiam sentido de suas vidas e lidem com soas, que atualmente consomem um décimo
relacionamentos com outros e com a nature- dos recursos per capita do europeu médio,
za. Os antropólogos relatam de forma notável tentam seguir o caminho aberto pelos ricos.
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mudando-se para casas menos grandiosas e trabalham para redefinir o relacionamento dos
revendo a ocupação desordenada em áreas seres humanos entre si e com o planeta.
suburbanas que caracterizou a era pós-guerra. Embora o consumismo permaneça pujante
E nos países pobres do mundo todo, as des- e entranhado, de modo algum poderá ser tão
vantagens do “modelo americano” estão durável como a maioria supõe. Nossas culturas
sendo discutidas abertamente. Em Blessed estão, de fato, plantando as sementes de sua
Unrest [Bendita Inquietação], Paul Hawken própria destruição. No final, o instinto huma-
documentou a recente proliferação de diversos no de sobrevivência deverá triunfar sobre a
movimentos não-governamentais que hoje compulsão para consumir a qualquer custo.
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Estado do Mundo:
Um Ano em Retrospecto
Compilado por Lisa Mastny e Valentina Agostinelli
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Miracet
Photodisc
fortemente ameaçado de crustáceos. climática.
BIODIVERSIDADE ÁGUA
A IUCN [União Internacional Um esboço de um
para a Conservação da FLORESTAS
tratado das Nações
Natureza] alerta que uma Unidas faz um chamado O Brasil inicia uma forte
“crise de extinção” está em aos países com aquíferos repressão a atividades ilegais
curso, sendo que um em cada compartilhados para que com madeira na região
quatro mamíferos corre o risco colaborem na proteção amazônica após madeireiros
de desaparecer devido à dessas águas e pilharem escritórios
destruição de habitat, caça e prevenção e controle governamentais e roubarem
mudança climática. de sua poluição. madeira contrabandeada.
O U T U B R O N O V E M B R O
2008 ESTADO DO MUNDO: UM ANO EM RETROSPECTO
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CLIMA ENERGIA
RELIGIÃO O Vaticano ativa um
Estudo diz que a perda
Editor norteamericano lança a de gelo nos polos pode sistema de energia solar
Bíblia Verde para difundir a ser mais bem explicada para fornecer eletricidade
mensagem de Creation Care pelo acúmulo de gases aos edifícios centrais e
[Cuidados com a Criação] a de efeito estufa causado compromete-se a usar
FLORESTAS
leitores religiosos e não pelo homem do que por energia renovável para
religiosos. Governadores de mudanças naturais. o atendimento de 20%
províncias concordam de suas necessidades
em proteger florestas até 2020.
ameaçadas na Sumatra,
um avanço que pode
ajudar a cortar gases SISTEMAS MARINHOS
de efeito estufa na Estudo alerta que pesqueiros
Indonésia, o terceiro que criam “peixe forrageiro”
maior país emissor. de pequeno a médio porte
para alimentação de peixes
de viveiro, porcos e aves
NSIDC
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BIODIVERSIDADE
CLIMA Relatório informa que cerca
de 15.000 das 50.000
A União Europeia aprova um espécies de plantas
pacote para reduzir em 20% medicinais estão hoje em
as emissões de gás de efeito processo de extinção,
estufa, aumentar a eficiência ameaçadas por destruição
energética em 20% e para que de habitat, cultivo predatório
as fontes renováveis e poluição.
representem participação de
Jessica Flavin
CLIMA
DESASTRES NATURAIS Pesquisadores afirmam
Veneza, na Itália, sofre sua que a perda de gelo na
D E Z E M B R O J A N E I R O
2009
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POLUIÇÃO
Um estudo relata que
CLIMA
a “poluição leve”
A Califórnia assume provocada por arranha-
o primeiro plano céus, carros e outras
norteamericano de superfícies refletoras
Camilla Sharkey
XXVII
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PRESERVAÇÃO
ALIMENTOS
O presidente
A Casa Branca, nos norteamericano Barack
EUA, inova criando Obama assina lei
sua primeira horta protegendo área de cerca
desde a Segunda de 8.000 km2 em nove
DESASTRES NATURAIS Guerra Mundial, numa estados, então declarada
Autoridades afirmam que iniciativa de dar mata virgem, excluindo-a
mais de 4 milhões de destaque a hábitos dos limites permitidos
NASA
pessoas e 2 milhões de alimentares saudáveis. para exploração e
cabeças de gado no norte utilização de recursos.
da China enfrentam falta CLIMA
de água potável devido à O satélite da NASA
pior seca ocorrida em Observatório Orbital de
Samantha Appleton
cinquenta anos. Carbono, cuja intenção é
ajudar a mapear as fontes
e absorção de dióxido
de carbono, caiu no
Oceano Pacífico.
F E V E R E I R O M A R Ç O
2009 ESTADO DO MUNDO: UM ANO EM RETROSPECTO
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CLIMA CLIMA
Estudo alerta que a A NASA informa que o
mudança climática devida carbono negro é
ao aumento de dióxido de responsável por 50%
DESASTRES
carbono na atmosfera do aumento do
NATURAIS
será em grande parte aquecimento do Ártico
irreversível por 1.000 anos entre 1890 e 2007. A África do Sul é
Unkky
100 pessoas e
GOVERNANÇA desabrigando
milhares.
Ministros do Meio
Ambiente de mais de
140 países concordam
em criar um novo
tratado internacional
para enfrentar emissões e
propagação de mercúrio.
XXVIII WWW.WORLDWATCH.ORG.BR
IaXXVII_intro_val:A 6/22/10 3:44 PM Page XXIX
FLORESTAS
Serra Leoa e Libéria
anunciam um novo Parque
SAÚDE da Paz Transfronteiriço para
Relatório revela que 6 em proteção da Floresta de
cada 10 americanos, ou 186 Gola, que pertence a
DESASTRES
milhões de pessoas, vivem ambos os países e é uma
NATURAIS ÁGUA
em áreas onde a poluição do das maiores florestas
Um terremoto de ar coloca vidas em risco. Cientistas relatam que, tropicais da África
magnitude 6,3 em aproximadamente ocidental.
dilacera L’Aquila, na um terço dos maiores
região central da rios do mundo, a
Itália, destruindo diminuição no fluxo
cidades de de água supera o
A B R I L M A I O
0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 22 24 26 28 30 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 22 24 26 28 30
funcionar em Sevilha,
na Espanha, com
capacidade de 20
megawatts.
XXIX
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CLIMA ALIMENTOS
Estudo informa que cerca de A FAO afirma que a fome
160 vilarejos no norte da Síria mundial atingirá uma alta
foram abandonadas entre histórica em 2009,
2007 e 2008 devido a uma quando mais de um
bilhão de pessoas – FLORA E FAUNA
seca severa, indicando
futuros impactos da aproximadamente um Em resposta a
Harmen Piekema
sétimo da raça humana – preocupações com a
mudança climática no
passará fome segurança de animais
Oriente Médio.
diariamente. envolvendo caça de
foca, ministros da União
FLORESTAS Europeia aprovam um
Residentes nativos regulamento que proíbe
BIODIVERSIDADE a União Europeia de
protestando contra
exploração de petróleo Estudo afirma que o comércio comercializar produtos
e gás em suas terras global de venda de sapos derivados de foca.
enfrentam a polícia; como animais de estimação e
segundo o noticiário, alimento está espalhando
duas doenças graves,
Jared Tarbell
9 policiais e
25 manifestantes responsabilizadas por levar
foram mortos. esses anfíbios à extinção.
J U N H O J U L H O
2009 ESTADO DO MUNDO: UM ANO EM RETROSPECTO
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atmosfera.
XXX WWW.WORLDWATCH.ORG.BR
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CLIMA
ALIMENTOS Relatórios de agência
Pesquisadores no dos EUA informam que
Japão identificam dois a temperatura da
genes que fazem com superfície dos oceanos
que as plantas do arroz em nível mundial foi a
USDA NRCS
produzam caules mais mais alta registrada para
longos e sobrevivam a o período de junho a
inundações, permitindo, agosto desde 1880.
em tese, que os SEGURANÇA
agricultores cultivem AGRICULTURA O Conselho de
espécies de alto Estudo revela que Segurança da ONU
rendimento em áreas aproximadamente metade das comprometeu-se
sujeitas a inundação. terras cultiváveis do mundo unanimemente com a
todo tem pelo menos 10% da meta de um mundo sem
área coberta por árvores – mais armas nucleares, agora
de 10 milhões de km2 no total que Estados Unidos e
– o que sugere amplo uso de Rússia prometeram
reduzir seus arsenais.
NOAA
sistemas agroflorestais.
A G O S T O S E T E M B R O
0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 22 24 26 28 30 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 22 24 26 28
GOVERNANÇA
Os países da FAO
avançam no primeiro
tratado global com a
CLIMA finalidade de fechar
portos pesqueiros a
Estudo relata que a
embarcações
Austrália ultrapassou os BIODIVERSIDADE
envolvidas em pesca
Estados Unidos na
ilegal, clandestina e não Relatórios do WWF
emissão per capita
regulamentada. informam a descoberta ENERGIA
de carbono, passando
de 163 novas espécies
a ser a maior emissora Encontro de líderes do
na região do Grande
do mundo. G-20 em Pittsburgh, na
Mekong em 2008,
muitas das quais correm Pensilvânia, compromete-se
risco de extinção devido a reduzir perto de US$ 300
à mudança climática. bilhões em subsídios ao
combustível fóssil, ao
mesmo tempo em que
oferece ajuda às famílias
ogwen
Rodotrem australiano
XXXI
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Erik Assadourian é Pesquisador Sênior do Worldwatch Institute e Diretor de Projeto do Estado do Mundo
2010.
3
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sociedades sustentáveis – remodelaria radicalmen- mais carne). Entre 1950 e 2005, por exemplo, a
te o modo como as pessoas entendem e agem no produção de metais cresceu seis vezes, a de petró-
mundo. leo, oito, e o consumo de gás natural, 14 vezes.
Transformar culturas não é, obviamente, No total, 60 bilhões de toneladas de recursos são
uma tarefa pequena. Isso exigirá décadas de hoje extraídas anualmente – cerca de 50% a mais
esforço em que os pioneiros culturais – aqueles do que há apenas 30 anos. Hoje, o europeu
que conseguem se descolar de suas realidades médio usa 43 quilos de recursos diariamente, e o
culturais o suficiente para examiná-las critica- americano médio, 88 quilos. No final das contas,
mente – trabalharão sem trégua para o redire- o mundo extrai o equivalente a 112 edifícios
cionamento das principais instituições que dão Empire State da Terra a cada dia. 4
corpo à cultura: educação, empresas, governo e A exploração desses recursos para a manu-
mídia, bem como dos movimentos sociais e tra- tenção de níveis de consumo cada vez mais altos
dições humanas arraigadas. Explorar esses ele- vem exercendo pressão crescente sobre os siste-
mentos de impulso à mudança cultural será cru- mas da Terra, e esse processo vem destruindo
cial se a humanidade pretende sobreviver e pros- com grande impacto os sistemas ecológicos dos
perar por séculos e milênios adiante e provar quais a humanidade e incontáveis outras espé-
que, de fato, “vale a pena salvá-la”. cies dependem.
O Indicador de Pegada Ecológica, que com-
para o impacto ecológico humano com a quanti-
A Ausência de Sustentabilidade dos dade de terra produtiva e área marítima disponí-
Atuais Padrões de Consumo veis para o abastecimento de ecossistemas centrais,
mostra que hoje a humanidade usa recursos e ser-
Em 2006, pessoas no mundo todo gastaram viços de 1,3 Terra . (Veja Figura 1). Em outras
US$ 30,5 trilhões em bens e serviços (em dólares palavras, as pessoas estão usando quase um terço a
de 2008). Esses dispêndios incluíram necessidades mais da capacidade da Terra do que a efetivamen-
elementares, como alimentação e moradia; no te disponível, afetando a regeneração dos próprios
entanto, com o aumento da renda discricionária, ecossistemas dos quais a humanidade depende. 5
as pessoas passaram a gastar mais em bens de con- Em 2005, a Avaliação Ecossistêmica do
sumo: alimentos mais pesados, moradias maiores, Milênio (MA), uma análise detalhada de pesqui-
televisões, carros, computadores e viagens de sas científicas envolvendo 1.360 especialistas de
avião. Só em 2008, pessoas no mundo todo com- 95 países, corroborou esses resultados.
praram 68 milhões de veículos, 85 milhões de Concluiu-se que aproximadamente 60% dos ser-
geladeiras, 297 milhões de computadores e 1,2 viços providos por ecossistema – regulação do
bilhão de telefones móveis (celulares). 2 clima, abastecimento de água doce, tratamento
O consumo teve um crescimento tremendo de detritos, alimentos de pesqueiros e muitos
nos últimos cinquenta anos, registrando um outros serviços – estavam sendo degradados ou
aumento de 28% em relação aos US$ 23,9 tri- usados de modo não sustentável. Os resultados
lhões gastos em 1996 e seis vezes mais do que os foram tão inquietantes, que o Conselho da MA
US$ 4,9 trilhões gastos em 1960 (em dólares de emitiu um alerta informando que a “atividade
2008). Parte desse aumento é resultante do cres- humana está deformando de tal modo as fun-
cimento populacional, mas o número de seres ções naturais da Terra, que a capacidade de os
humanos cresceu apenas a uma razão de 2,2 entre ecossistemas do planeta sustentarem futuras
1960 e 2006. Sendo assim, os gastos com consu- gerações não pode mais ser dada como certa”.6
mo por pessoa praticamente triplicaram. 3 As mudanças em um dos serviços do ecossiste-
Como o consumo aumentou, mais combustí- ma em particular – regulação do clima – são espe-
veis, minerais e metais foram extraídos da terra, cialmente alarmantes. Depois de permanecer em
mais árvores foram derrubadas e mais terra foi níveis estáveis nos últimos 1.000 anos, aproxima-
arada para o cultivo de alimentos (muitas vezes damente 280 partes por milhão, as concentrações
para alimentar gado, visto que pessoas com pata- atmosféricas de dióxido de carbono (CO2) estão
mares de renda mais elevada começaram a comer hoje em 385 partes por milhão, como consequên-
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cia de uma parcela crescente da Figura 1. Pegada Ecológica da Humanidade, 1961 – 2005
população consumir cada vez mais
combustíveis fósseis, comer mais
carne e converter mais terra em Fonte: Global Footprint Network
áreas agrícolas e urbanas. O Painel
Intergovernamental sobre Mudança
5
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des quantidades de eletricidade, comem mais 6,8 bilhões de pessoas, os padrões de consumo
carne e alimentos industrializados e compram moderno, mesmo em níveis relativamente básicos,
mais produtos – tudo isso com um impacto eco- não são sustentáveis. 12
lógico significativo. É ponto pacífico que as ren- Uma análise feita em 2009 sobre padrões de
das mais altas nem sempre equivalem a consumo consumo em diferentes classes socioeconômicas
elevado, mas onde o consumismo é a norma da Índia deixou isso particularmente claro. Bens
cultural, a probabilidade de se consumir mais de consumo são amplamente acessíveis na Índia
sobe quando as pessoas têm mais dinheiro, hoje. Mesmo com níveis de renda anual na
mesmo para consumidores ecologicamente ordem de US$ 2.500 por pessoa em termos de
conscientes. 11 paridade do poder de compra (PPC), muitas
Em 2006, os 65 países de renda alta onde o residências têm acesso a iluminação básica e um
consumismo é prevalecente representaram 78% ventilador. Ao atingirem aproximadamente a
dos gastos de consumo, mas apenas 16% da popu- PPC de US$ 5.000 ao ano, o acesso à televisão
lação mundial. Considerando-se apenas os passa a ser padrão e o acesso a aquecedores de
Estados Unidos, houve um gasto de US$ 9,7 tri- água cresce. Com a PPC de US$ 8.000 ao ano,
lhões em consumo naquele ano – cerca de US$ a maioria das pessoas dispõem de ampla gama
32.400 por pessoa, o que representa 32% dos dis- de bens de consumo, como máquinas de lavar
pêndios globais feitos por apenas 5% da população roupa, aparelhos de DVD, utensílios de cozinha
mundial. São esses países que precisam mais e computadores. Conforme a renda aumenta
urgentemente redirecionar seus padrões de consu- ainda mais, ar condicionado e viagens de avião
mo, dado que o planeta não tem condições de passam a ser comuns. 13
suportar níveis tão elevados. De fato, se todos Não é de surpreender que o 1% mais rico dos
vivessem como os americanos, a Terra poderia indianos (10 milhões de pessoas), que ganha
sustentar apenas 1,4 bilhão de pessoas. Com mais de US$ 24.500/PPC ao ano, é atualmen-
níveis de consumo ligeiramente mais baixos, te responsável por mais de 5 toneladas de emis-
embora ainda altos, o planeta poderia sustentar sões de CO2 por ano – ainda assim, apenas um
2,1 bilhões de pessoas. Mas mesmo com níveis de quinto das emissões per capita americana, mas o
renda média – o equivalente ao que as pessoas na dobro do nível médio de 2,5 toneladas por pes-
Jordânia e Tailândia ganham em média por dia soa necessário para manter o aumento de tem-
hoje – a Terra consegue sustentar menos gente do peratura abaixo de 2ºC. Mesmo os 151 milhões
que o número de pessoas vivas hoje. (Veja Tabela de indianos que ganham mais de US$
1.) Esses números expressam uma realidade que 6.500/PPC per capita estão vivendo acima do
poucos desejam confrontar: no mundo atual, com patamar de 2,5 de toneladas per capita, enquan-
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to os 156 milhões de indianos que ganham US$ padrões de consumo são confortáveis e lhes pare-
5.000 estão se aproximando disso, produzindo cem “naturais”, em grande parte devido aos
2,2 de toneladas per capita.14 esforços constantes e metódicos para que elas se
Como mostrado pelo Indicador de Pegada sintam exatamente assim. 17
Ecológica e demonstrado pela pesquisa indiana, Ao se considerar como as sociedades podem
com níveis de renda que a maioria dos observa- ser colocadas em caminhos que levem a um
dores classificaria como de subsistência – cerca futuro sustentável, é importante reconhecer que
de US$ 5.000 a US$ 6.000/PPC per capita os comportamentos humanos cruciais para as
anualmente – o consumo já está em níveis não identidades culturais e sistemas econômicos
sustentáveis. E hoje, mais de um terço da popu- modernos não são escolhas que estão totalmen-
lação mundial vive acima desse patamar. 15 te sob o controle dos consumidores. Eles são
A adoção de tecnologias sustentáveis deveria sistematicamente reforçados por um paradigma
permitir que níveis básicos de consumo permane- cultural cada vez mais dominante: consumismo.
cessem ecologicamente viáveis. Da perspectiva da
Terra, contudo, o modo americano de viver, ou
mesmo o europeu, simplesmente não é viável. O Consumismo em
Uma recente análise concluiu que, para se produ- Diferentes Culturas
zir energia suficiente nos próximos 25 anos de
modo a substituir a maior parte do que é forneci- Para entender o que é consumismo, é neces-
do por combustíveis fósseis, o mundo precisaria sário primeiramente entender o que é cultura.
construir no transcorrer desse período 200m2 de Cultura não são simplesmente as artes, ou valo-
painéis solares fotovoltaicos por segundo, mais res, ou sistemas de crença. Não é uma institui-
100m2 de painéis solares térmicos por segundo, ção distinta funcionando ao lado de sistemas
mais 24 turbinas eólicas de 3 megawatt por hora econômicos ou políticos. Ao contrário, são
funcionando continuamente. Tudo isso deman- todos esses elementos – valores, crenças, costu-
daria energia e materiais tremendos – ironica- mes, tradições, símbolos, normas e instituições –
mente, aumentando as emissões de carbono jus- combinados para criar as matrizes abrangentes
tamente quando elas mais precisam ser reduzidas que forjam o modo como os homens percebem
– e ampliaria o impacto ecológico total sobre a a realidade. Em função de existirem sistemas
humanidade a curto prazo. 16 culturais distintos, uma pessoa pode interpretar
Acrescente-se a esse fato que a projeção de um ato como insultante e outra pode considerá-
crescimento populacional é da ordem de 2,3 lo amável – como por exemplo, fazer um sinal
bilhões até 2050, e, mesmo com estratégias efica- com o “polegar para cima” é um gesto extrema-
zes para conter o crescimento, haverá um prová- mente vulgar em certas culturas. A cultura leva
vel aumento de, no mínimo, mais 1,1 bilhão algumas pessoas a crer que os papéis sociais são
antes de se chegar ao patamar máximo. Portanto, designados pelo nascimento, determina onde os
fica claro que, embora a mudança em tecnologias olhos da pessoa devem focar ao conversar com
e a estabilização populacional sejam essenciais outra, e até mesmo dita que formas de relacio-
para se construir sociedades sustentáveis, nada namentos sexuais (como monogamia, polian-
disso terá êxito sem mudanças consideráveis nos dria, ou poligamia) são aceitáveis. 18
padrões de consumo, inclusive no que se refere à As culturas, como sistemas mais amplos, são
redução e mesmo eliminação do uso de determi- provenientes de interações complexas entre
nados produtos, tais como carros e aviões, que se muitos elementos diferentes de comportamen-
tornaram parte importante da vida de hoje para tos sociais e guiam os homens em um nível
muitos. Hábitos que estão firmemente estabeleci- quase invisível. Elas são, nas palavras dos antro-
dos, como o lugar onde as pessoas moram e o pólogos Robert Welsch e Luis Vivanco, a soma
que elas comem, precisarão todos eles ser modi- de todos os “processos sociais que fazem com
ficados e, em muitos casos, simplificados ou mini- que aquilo que é artificial (ou construído pelos
mizados. No entanto, essas não são mudanças homens) pareça natural”. São esses processos
que as pessoas desejarão fazer, porque seus atuais sociais – a interação direta com outras pessoas e
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Quadro 1. Será que Níveis Elevados de Consumo Melhoram o Bem-Estar dos Homens?
Em última análise, é irrelevante conjecturar se roupa e panelas elétricas para fazer arroz como
níveis elevados de consumo fazem as pessoas produtos essenciais para um padrão de vida
estar em melhores condições se isso acarretar a satisfatório. Passado um tempo, um carro, um
degradação dos sistemas terrestres, porque o ar-condicionado e uma televisão colorida foram
declínio ecológico subverterá o bem-estar acrescentados à lista dos “essenciais.”
humano da maior parte da sociedade a longo E em 2006 nos Estados Unidos, 83% das
prazo. Mas mesmo supondo que essa ameaça pessoas consideravam secadoras de roupa uma
não seja iminente, há fortes indícios de que níveis necessidade. Mesmo produtos que ficavam
mais elevados de consumo não aumentam disponíveis por um curto período passaram a ser
significativamente a qualidade de vida além de vistos como necessidades. Metade dos americanos
um certo ponto, podendo até mesmo diminuí-la. hoje está convencida de que precisa ter um
Em primeiro lugar, fundamentos psicológicos telefone celular, e um terço considera conexão de
sugerem que os relacionamentos íntimos, uma alta velocidade com a Internet essencial.
vida intensa, segurança econômica e saúde são Um estilo de vida com consumo elevado pode
aquilo que mais contribui para o bem-estar. ainda ter muitos efeitos colaterais que não
Embora haja melhoras notáveis na felicidade melhoram o bem-estar – aumento do estresse no
quando as pessoas de nível de renda mais baixo trabalho, dívidas, mais doenças e maior risco de
ganham mais (porque sua segurança econômica morte. A cada ano, cerca de metade de todos os
aumenta e seu leque de oportunidades se óbitos no mundo são causados por cânceres,
amplia), à medida que a renda aumenta, esse doenças cardiovasculares e pulmonares, diabetes
poder de compra extra se converte de forma e acidentes com automóvel. Muitos desses óbitos
menos marcante em aumento de felicidade. Em são causados, ou em grande parte influenciados,
parte, é possível que isso decorra da propensão por escolhas pessoais de consumo, como cigarro,
das pessoas a se habituar ao nível de consumo a vida sedentária, ingestão de pouca fruta e verdura
que estão expostas. Produtos que até então eram e sobrepeso. Atualmente, 1,6 bilhão de pessoas
tidos como de luxo podem, com o passar do no mundo estão acima do peso ou são obesas, o
tempo, ser encarados como merecidos ou mesmo que diminui a qualidade de vida e a encurta,
necessários. sendo que, no caso dos obesos, entre 3 e 10 anos
Nos anos 60, por exemplo, os japoneses já em média.
encaravam um ventilador, uma máquina de lavar Fonte: Veja nota final 22.
embora não fossem capazes de distinguir a letra ostensiva – uma mudança que vem tendo um
M, muitas conseguiam identificar os arcos dou- impacto tremendo sobre as taxas mundiais de
rados que moldam o M do McDonald’s. 24 obesidade. Hoje, vendedores ambulantes de fast
As normas culturais – como as pessoas usam o food e máquinas que vendem refrigerante podem
tempo de lazer, a frequência com que atualizam o ser encontrados em escolas, forjando as normas
guarda-roupa e mesmo a forma de educar os alimentares das crianças desde bem pequenas e,
filhos – estão hoje cada vez mais voltadas à com- sucessivamente, reforçando e perpetuando essas
pra de bens e serviços. Uma norma de particular normas em todas as sociedades. De acordo com
interesse são os hábitos alimentares. Ao que pare- um estudo feito pelos Centros para Controle e
ce, agora é natural ingerir alimentos superadoça- Prevenção de Doenças dos EUA, perto de dois
dos e altamente industrializados. Desde muito terços das áreas administrativas contendo escolas
cedo, as crianças são expostas a balas, cereais açu- públicas nos EUA recebem uma porcentagem da
carados e outros alimentos não saudáveis, mas receita das máquinas de venda automática, e um
altamente lucrativos e veiculados por publicidade terço recebe recompensas de empresas de refrige-
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sas, mídia, governos e estabelecimentos educacio- moda ou móveis para casa – dois dos primeiros
nais – continuem a sustentar essa orientação cul- bens de consumo. Os trabalhadores cujo aumen-
tural. Essas instituições estão também trabalhan- to de produtividade resultasse em remuneração
do ativamente para expandir mercados mundiais mais alta tendiam a privilegiar mais tempo de lazer
para novos bens e serviços de consumo. Entender e não a riqueza que um dia inteiro de trabalho
o papel desses estímulos institucionais será essen- com remuneração maior pudesse lhes trazer. 31
cial para que se cultivem novas culturas de susten- Mas, com o passar do tempo, a incipiente
tabilidade. inclinação consumista foi sendo internalizada
por um número crescente de pessoas – com a
Raízes Institucionais do Consumismo ajuda contínua de comerciantes e negociantes –
redefinindo o entendimento do que era consi-
Desde a última década do século 17, derado natural. O universo de “necessidades
mudanças sociais na Europa começaram a criar básicas” aumentou de modo tal, que, à época da
os fundamentos para o surgimento do consu- Revolução Francesa, os operários parisienses ale-
mismo. O aumento populacional e uma base gavam que vela, café, sabão e açúcar eram “bens
fundiária fixa, aliados ao enfraquecimento de de primeira necessidade”, ainda que todos esses
fontes tradicionais de autoridade, tal como a produtos, exceto a vela, tivessem sido itens de
igreja e estruturas sociais comunitárias, fizeram luxo menos de 100 anos antes. 32
com que o percurso usual de um jovem rumo ao No início da década de 1900, uma tendên-
progresso social – herdar o pedaço de terra fami- cia consumista já estava cada vez mais arraigada
liar ou o ofício do pai – deixasse de ser o cami- em muitas instituições sociais dominantes, em
nho óbvio. As pessoas passaram a buscar novos diversas culturas – empresas, governos, meios de
canais de identificação e autossatisfação, sendo comunicação e educação. E, na última metade
que a aquisição e uso de bens passaram a ser do século, novas inovações como televisão, téc-
substitutos admirados. 29 nicas publicitárias sofisticadas, corporações
Enquanto isso, os empreendedores rapida- transnacionais, franquias e a Internet ajudaram
mente tiraram proveito dessas mudanças para as instituições a disseminar o consumismo em
estimular a compra de seus artigos: utilizando todo o planeta.
novas modalidades de propaganda e aprovação de O elemento mais intenso de estímulo a essa
gente de prestígio, expondo produtos à venda, mudança cultural foram, ao que parece, os interes-
vendendo produtos abaixo do preço de custo ses comerciais. Em diversas frentes, os negócios
como forma de atrair clientes para a loja, recor- encontraram caminhos para induzir mais pessoas a
rendo a opções criativas de financiamento, inclu- consumir. O crédito, por exemplo, foi flexibiliza-
sive pesquisa com o consumidor, e atiçando do com pagamento em prestações, e o cartão de
novas modas passageiras. Por exemplo, um cera- crédito foi bastante estimulado nos Estados
mista britânico do século 18, Josiah Wedgwood, Unidos, o que acarretou um aumento de quase
conseguiu que os vendedores incutissem entu- 11 vezes do crédito do consumidor entre 1945 e
siasmo por novos designs de cerâmica, criando 1960. Os produtos passaram a ser projetados para
demanda por novas linhas de produto, mesmo ter menor duração ou para sair de moda logo
por parte dos clientes que já dispunham de um (estratégias denominadas, respectivamente, obso-
jogo de cerâmica realmente bom, mas que, ao lescência física e psicológica). E os trabalhadores
que parece, tinham ficado fora de moda. 30 passaram a ser incentivados a aceitar aumento de
No entanto, costumes arraigados bloqueavam remuneração em vez de privilegiar mais tempo
o rápido avanço de uma forma de pensamento livre, para assim elevar sua renda. 33
consumista. Os camponeses com renda extra nor- Talvez a maior ferramenta comercial para ati-
malmente aumentavam suas propriedades fundiá- çar o consumo seja o marketing. Os gastos glo-
rias ou pagavam despesas de trabalhos comunitá- bais com publicidade chegaram a US$ 643
rios em vez de comprar algo novo que estivesse na bilhões em 2008, sendo que em países como
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resse em um bem ou serviço específico. Juntas, 2006 no mundo todo, e fica claro que a exposi-
essas iniciativas diversas estimulam uma cultura ção à mídia consome, em parte considerável do
generalizada de consumismo. Como explicado mundo, algo entre um terço e metade do tempo
pelo economista e analista Victor Lebow no em que as pessoas estão acordadas. 39
Journal of Retailing há mais de 50 anos: “Uma Durante essas horas, boa parte da produção
campanha publicitária ou promocional específica da mídia reforça normas de consumo e incenti-
para um produto em particular, em um momen- va aspirações materialistas, seja diretamente,
to em particular, não tem sucesso garantido auto- exaltando a vida de alto consumo das celebrida-
maticamente, embora possa contribuir para a des e ricos, seja mais sutilmente por meio de his-
pressão geral por meio da qual os desejos são esti- tórias que reforçam a crença de que a felicidade
mulados e mantidos. Sendo assim, seu próprio provém de uma melhor situação financeira, da
fracasso poderá servir para fertilizar esse solo, tal compra do apetrecho de consumo ou acessório
como ocorre com várias outras coisas que dão a de moda mais recente, e assim por diante.
impressão de estar indo embora pelo ralo”. Os Existem claros indícios de que a exposição aos
diferentes setores, mesmo quando têm por fim meios de comunicação tem impacto sobre as
planos limitados de expansão de vendas, desem- normas, valores e preferências. Estudos socioló-
penham um importante papel no estímulo ao gicos têm verificado conexões entre tal exposi-
consumismo. E seja ou não intencionalmente, ção e violência, tabagismo, normas reprodutivas
transformam, no decorrer do processo, normas e vários comportamentos não saudáveis. Um
culturais. (Veja Tabela 2). 37 dos estudos constatou que para cada hora adi-
A mídia é a segunda mais importante insti- cional de televisão a que as pessoas assistiam
tuição social com um papel dinâmico no estímu- semanalmente, US$ 208 a mais eram gastos
lo ao consumismo, e não um mero veículo para anualmente em coisas (mesmo que as pessoas
marketing. tivessem menos tempo diário para usá-las). 40
Os meios de comunicação são uma ferra- O governo é outra instituição que, em geral,
menta possante para a transmissão de símbolos, reforça a tendência ao consumismo. O estímulo
normas, costumes, mitos e histórias culturais. ao comportamento consumista ocorre de inú-
Como explica Duane Elgin, escritor e ativista da meras formas, sendo talvez a mais famosa delas
mídia: “Para controlar uma sociedade, você não a ocorrida em 2001, quando o presidente nor-
precisa controlar seus tribunais, não precisa con- teamericano George W. Bush, o primeiro-
trolar seu exército; você só precisa controlar suas ministro britânico Tony Blair e vários outros
histórias. E são a televisão e a Madison Avenue líderes do mundo ocidental estimularam seus
[centro do poder publicitário dos EUA] que cidadãos a sair comprando, após os ataques ter-
contam a maior parte das histórias, a maior parte roristas de 11 de setembro. Mas ele também
do tempo, para a maioria das pessoas”. 38 ocorre de forma mais sistêmica. Subsídios para
Passando pela televisão, cinema e cada vez indústrias específicas – especialmente nos seto-
mais a Internet, os meios de comunicação são res de transporte e energia, onde petróleo ou
uma forma dominante de atividade de lazer. Em energia baratos têm efeitos em cadeia em toda a
2006, algo em torno de 83% da população economia – também operam para atiçar o con-
mundial tinha acesso a televisão e 21%, a sumo. E quando não há exigências para que os
Internet. (Veja Tabela 3). Nos países integran- fabricantes internalizem os custos ambientais e
tes da Organização para a Cooperação e sociais da produção – por exemplo, com ausên-
Desenvolvimento Econômico, 95% das residên- cia de regulamentação da poluição do ar ou
cias têm, no mínimo, uma televisão e as pessoas água – o custo dos produtos é artificialmente
assistem em torno de três a quatro horas diárias, baixo, estimulando seu uso. Entre esses subsí-
em média. Acrescentem-se a isso duas a três horas dios e as externalidades, a contribuição total
online todo dia, além de rádio, jornais, revistas e dada às atividades poluidoras ficou na marca de
os 8 bilhões de ingressos de cinema vendidos em US$ 1,9 trilhão em 2001. 41
13
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Algumas dessas ações governamentais são influência pôde ser observada nos Estados Unidos
impulsionadas pela “captura regulatória”, isto é, através dos US$ 3,9 bilhões gastos em doações de
quando interesses especiais exercem influência empresas para campanhas (71% do total de contri-
indevida sobre os reguladores. Em 2008, essa buições) e dos US$ 2,8 bilhões despendidos por
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Tabela 3. Acesso aos Meio de Comunicação por Grupo de Renda Global, 2006
Consumo das
Residências
Dispêndio Residências Usuários de
Grupo de Renda População Per Capita com Televisão Internet
(milhão) (PPC em dólares de 2008) (por cento) (por 100 pessoas)
Mundial 6.538 5.360 83 21
Renda alta 1.053 21.350 98 59
Renda média-alta 933 6.090 93 22
Renda média-baixa 3.619 1.770 80 11
Renda baixa 933 780 16 4
Fonte: Veja nota final 37.
empresas em lobby junto a políticos (86% do total Por fim, a educação desempenha um papel da
gasto em lobby, em dólares). 42 maior importância no cultivo do consumismo. Tal
Um claro exemplo de incentivo oficial ao como no caso de governos, em parte isso ocorre
consumo ocorreu nos anos 40, quando os gover- porque a educação está cada vez mais suscetível à
nos começaram a promover ativamente o consu- influência dos negócios. Hoje, as escolas aceitam
mo como um veículo para o desenvolvimento. materiais para uso em sala de aula patrocinados
Por exemplo, os Estados Unidos, que saíram da por interesses comerciais, como é o caso dos
Segunda Guerra Mundial relativamente ilesos, materiais educacionais “imparciais” sobre energia,
haviam mobilizado uma potente economia de provenientes de grupos que representam empresas
guerra, que estava pronta para recuar quando a de petróleo no Canadá. É também o caso do
guerra terminasse. O estímulo intencional a níveis Channel One News, um programa noticioso diá-
elevados de consumo era visto como uma boa rio com duração de 12 minutos, 2 dos quais vei-
solução para lidar com isso (especialmente com a culando comerciais e alguns trechos patrocinados
lembrança ainda fresca da Grande Depressão). por produtos ou empresas, e que é hoje exibido
Como explicou Victor Lebow em 1955: “nossa em 8.000 escolas de ensino fundamental e médio
economia tremendamente produtiva exige que nos Estados Unidos, expondo 6 milhões de alu-
façamos do consumo nosso modo de vida, que nos – perto de um quarto de todos os adolescen-
convertamos a compra e uso de produtos em tes norteamericanos – a marketing e colocação de
rituais, que busquemos no consumo a satisfação produtos, com o apoio tácito de educadores. 45
espiritual e do ego”. 43 Talvez a crítica mais forte às escolas seja o
Atualmente, essa mesma atitude em relação fato de que elas representam um enorme des-
ao consumo está disseminada muito além dos perdício de oportunidade para combater o con-
Estados Unidos, sendo o principal projeto de sumismo e educar alunos em relação a seus efei-
muitos governos. Com o recrudescimento da tos sobre as pessoas e o meio ambiente. Poucas
recessão econômica global em 2009, países ricos escolas ensinam educomunicação para ajudar os
não enxergaram nisso uma oportunidade para alunos a interpretar o marketing; poucas ensi-
mudar para uma economia sustentável “sem cres- nam ou servem de modelo de alimentação ade-
cimento” – essencial, se pretendem refrear emis- quada, inclusive ao propiciarem acesso a produ-
sões de carbono, o que também está na ordem do tos de consumo não saudáveis ou não sustentá-
dia global – mas, em vez disso, injetaram US$ 2,8 veis; e poucas ensinam uma compreensão básica
trilhões de novos pacotes de incentivo governa- das ciências ecológicas, em especial, que a espé-
mental, apenas uma pequena porcentagem do cie humana não é distinta e que, para sobreviver,
que é dedicado a iniciativas verdes. 44 é tão dependente de um sistema terrestre que
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funcione quanto qualquer outra espécie. A falta consumismo, as premissas que precisam ser alte-
de integração desse conhecimento básico ao radas incluem a de que mais coisas fazem as pes-
currículo escolar, aliada à repetida exposição a soas mais felizes, o crescimento perpétuo é bom,
bens de consumo e publicidade, além de um os homens estão separados da natureza e a natu-
lazer voltado em grande parte à televisão, ajuda reza é uma reserva de recursos a serem explora-
a reforçar a ideia fantasiosa de que os seres dos para os objetivos dos homens. 47
humanos estão separados da Terra e a ilusão de Embora seja difícil mudar paradigmas e as
que o aumento perpétuo de consumo é ecologi- sociedades resistirão a esforços para fazê-lo, o
camente possível e mesmo vantajoso. resultado de tal mudança pode ser uma transfor-
mação de grande efeito no sistema. Sim, alterar
as regras de um sistema (com legislação, por
Cultivando Culturas exemplo) ou o ritmo de fluxos (com impostos
de Sustentabilidade ou subsídios) também pode mudar um sistema,
mas não de forma tão fundamental. Esses meios
Considerando os custos sociais e ecológicos trarão apenas mudanças de estímulo. Hoje, são
trazidos pelo consumismo, faz sentido mudar necessárias mais mudanças sistêmicas. 48
intencionalmente para um paradigma cultural Os sistemas culturais são amplamente varia-
em que as normas, símbolos, valores e tradições dos, como já observado, assim como o seriam as
estimulem apenas o consumo suficiente para a culturas sustentáveis. Algumas poderão usar
satisfação do bem-estar do ser humano, ao normas, tabus, rituais e outras ferramentas
mesmo tempo em que direcionam mais energia sociais para reforçar escolhas de vida sustentável,
humana para práticas que ajudem a recuperar o outras poderão apoiar-se mais em instituições,
bem-estar do planeta. leis e tecnologias. Mas, sejam quais forem as fer-
Em uma entrevista de 2006, o padre católico ramentas usadas e o resultado específico obtido,
e filósofo da ecologia Thomas Berry observou haveria temas em comum em todas as culturas
que “poderíamos resumir a atual situação da sustentáveis. Assim como o paradigma do con-
humanidade com a simples afirmação: No século sumismo incentiva as pessoas a definir bem-estar
20, a glória do ser humano tornou-se a desolação por meio de padrões de consumo, um paradig-
da Terra. E agora, a desolação da Terra está se ma de sustentabilidade funcionaria para encon-
tornando o destino do ser humano. Daqui para trar um conjunto de aspirações alternativas e
frente, o bom senso fundamental de todas as ins- para reforçar isso através das instituições cultu-
tituições, profissões, programas e atividades rais e outros elementos de estímulo.
humanas será definido pelo grau com que ini- A recuperação ecológica seria o tema princi-
bam, ignorem ou fomentem um relacionamento pal. Passaria a ser “natural” encontrar valor e
mutuamente enriquecedor entre o homem e a sentido na vida através do quanto uma pessoa
Terra”. Berry deixou claro que, se o homem pre- ajuda a recuperar o planeta, e não de acordo
tende prosperar como espécie durante um bom com o que esse indivíduo ganha, o tamanho de
tempo no futuro, é necessário uma mudança sua casa, ou quantos utensílios ele tem.
enorme nas instituições sociais, e justamente em A equidade seria também um forte tema.
suas culturas. As instituições precisarão estar, Como são os mais ricos que causam alguns dos
acima de tudo, voltadas à sustentabilidade. 46 impactos ecológicos mais abrangentes e justamen-
Como isso pode ser feito? Em uma análise te os mais pobres aqueles que quase sempre são
sobre pontos para intervenção em um sistema, a forçados, por necessidade, a comportamentos não
cientista ambiental e analista de sistemas sustentáveis, como por exemplo, desmatamento
Donella Meadows explicou que o modo de se em busca de madeira para combustível, uma dis-
potencializar uma mudança em um sistema é tribuição mais justa dos recursos na sociedade
alterando seu paradigma, isto é, as ideias em poderia ajudar a coibir alguns dos piores impactos
comum ou premissas básicas em torno das quais ecológicos. Pesquisas recentes mostram ainda que
o sistema funciona. No caso do paradigma do as sociedades mais justas têm menor violência,
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Em terceiro lugar, os bens que de fato con- movimentos sociais e tradições sustentáveis, tanto
tinuem a ser necessários devem ser projetados as antigas quanto as novas.
para durar mais e ser “cradle to cradle” - isto é, Na esfera educacional, já existem sinais de
os produtos não devem produzir resíduos, que cada faceta está sendo transformada – da
devem usar recursos renováveis e ser totalmente pré-escola à universidade, dos museus ao cardá-
recicláveis no final de sua vida útil. Como expli- pio do almoço escolar. O próprio ato de ir e vol-
ca Charles Moore, que seguiu o trajeto de resí- tar a pé da escola está sendo usado para ensinar
duos plásticos no oceano: “Apenas nós, seres as crianças a viver de modo sustentável, como
humanos, produzimos resíduos que a natureza demonstram os “ônibus a pé” na Itália, Nova
não consegue digerir”, uma prática que terá que Zelândia e em outros locais. Em Lecco, Itália,
cessar. O cultivo à obsolescência psicológica e por exemplo, 450 alunos da pré-escola cami-
física precisará ser desestimulado de modo que, nham com um “motorista” e pais voluntários
por exemplo, um computador continue a ser percorrendo 17 trajetos para 10 escolas diferen-
funcional, possa ser atualizado e continue na tes diariamente. Não há ônibus escolares na
moda por dez anos, e não um. Em vez de rece- cidade. Desde sua criação em 2003, esses “pie-
ber elogios de amigos pelo fato de ter o último dibuses” impediram que mais de 160.000 km
lançamento de um telefone ou máquina foto- fossem percorridos de carro, assim reduzindo
gráfica, ter um “velho amigo fiel” que tenha emissões de carbono e outros poluentes auto-
durado vários anos é o que será comemorado. 52 mobilísticos. Além de reduzir o impacto ecoló-
Ter o discernimento sobre quais valores, gico das viagens casa-escola-casa, os ônibus a pé
normas e comportamentos devem ser entendi- ensinam segurança no trânsito (em um ambien-
dos como naturais será determinante para a reo- te supervisionado), propiciam exercício e aju-
rientação de culturas que visem a sustentabilida- dam as crianças a se relacionar com a natureza
de. Claro está que essa transformação cultural durante seu percurso para a escola. 54
não será fácil. Mudar sistemas culturais é um A função básica das empresas está também
longo processo medido em décadas, não em começando a ser encarada de outra maneira.
anos. Mesmo o consumismo, com avanços tec- Empresas de cunho social estão desafiando a pre-
nológicos sofisticados e muitos recursos a ele missa de que o lucro é a principal ou mesmo a
dedicados, levou séculos para se tornar domi- única finalidade dos negócios. Mais empresas – do
nante. A mudança para uma cultura de sustenta- Banco Grameen em Bangladesh à rede de restau-
bilidade dependerá de redes potentes de pionei- rantes na Tailândia chamada Repolhos e
ros culturais que iniciem, defendam e façam Preservativos – estão colocando sua missão social
avançar esse novo e urgentemente necessário no centro, ajudando as pessoas ao mesmo tempo
paradigma. (Veja Quadro 2). 53 em que têm sucesso financeiro. Novos contratos
Como demonstrado pela disseminação do societários – como a Empresa B (onde B significa
consumismo, as mais expressivas instituições Benefício) – estão sendo concebidos para assegu-
culturais podem ser utilizadas por agentes espe- rar que, ao tomar decisões de negócios, as empre-
cíficos e podem desempenhar um papel central sas fiquem legalmente obrigadas, a longo prazo, a
no redirecionamento de normas culturais – seja considerar o bem-estar da Terra, dos trabalhado-
o governo, a mídia ou a educação. res, de clientes e de outras partes envolvidas. 55
A boa notícia é que esse processo já começou, No que diz respeito a governos, algumas
como discutido nos 25 artigos que se seguem a mudanças inovadoras estão em curso. Uma fun-
este capítulo. Esforços significativos estão sendo ção governamental existente há muito tempo e
envidados para redirecionar a orientação cultural conhecida como “edição de escolhas”, em que
das sociedades através de seis poderosas institui- os governos promovem boas escolhas ao mesmo
ções: educação, empresas, governo e os meios de tempo em que desestimulam as más, está sendo
comunicação - que há tempos têm papéis deter- utilizada para impulsionar escolhas sustentáveis,
minantes no estímulo ao consumismo - além de por exemplo, questionando subsídios perversos
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ou proibindo terminantemente tecnologias não que sua comunidade passa a ter direitos funda-
sustentáveis, como a lâmpada incandescente. E mentais que deverão ser incorporados pelas leis
mais do que isso, todo um conjunto de ideias referentes aos seres humanos, começam a ser
está sendo reavaliado, desde segurança até leis. engendrados. Em setembro de 2008, o Equador
Novos conceitos, como os direitos da Terra, em chegou até mesmo a incorporar esse conceito em
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sua nova constituição, declarando que: “A muito limitada para descrevê-lo”. Juntos, eles
Natureza ou Mãe Terra, onde a vida se reproduz têm o poder de redirecionar o ímpeto consumis-
e existe, tem o direito de existir, perpetuar-se, ta e oferecer uma visão de um futuro sustentável
manter e regenerar seus ciclos, estruturas e fun- que interessa a todos. As iniciativas para que se
ções vitais, assim como seu processo evolutivo” e estimule trabalhar menos e viver de modo mais
que “cada pessoa, comunidade e nação poderá simples, o movimento Slow Food, Cidades em
exigir o reconhecimento dos direitos da nature- Transição e ecovilas estão inspirando as pessoas e
za perante as instituições públicas”. 56 conferindo-lhes poder de participação para que
O cinema, as artes, a música e outros veí- redirecionem as próprias vidas e amplos setores
culos de comunicação, todos estão começando da sociedade rumo à sustentabilidade. 58
a chamar mais atenção para a sustentabilidade. Por fim, as tradições culturais estão começan-
Até mesmo um segmento do setor publicitário do a se redirecionar no sentido da sustentabilida-
está se mobilizando para usar seu conhecimen- de. Por exemplo, novas formas ecologicamente
to para persuadir as pessoas a viver de forma simples de celebrar rituais estão sendo estabeleci-
sustentável. Esses “marqueteiros sociais” estão das e passam a ser aceitáveis socialmente. As nor-
criando anúncios, vídeos para a Internet e mas sobre o tamanho das famílias estão começan-
campanhas de conscientização sobre questões do a mudar. Tradições perdidas, como a sábia
tão diversas quanto os perigos do tabagismo, a orientação dos mais velhos, estão sendo redesco-
importância do planejamento familiar e os bertas e usadas para auxiliar na mudança para a
problemas relacionados à pecuária intensiva. sustentabilidade. E organizações religiosas estão
Uma campanha de marketing social criada começando a usar sua forte influência para lidar
pela Free Range Studios, The Meatrix, satiri-
com questões ambientais – imprimindo Bíblias
zava o blockbuster global The Matrix; nela,
Verdes, incentivando suas congregações a conser-
um grupo de animais de sítio era seguido
var energia, investindo fundos institucionais de
depois de se rebelar contra fazendas de produ-
forma responsável e assumindo uma postura con-
ção industrial e os males ecológicos e sociais
tra violações da Criação, como, por exemplo, des-
causados por esse tipo de atividade. Essa men-
sagem, quase sempre de difícil aceitação, foi truição de florestas e detonação de cumes de
tratada de forma humorística e espalhou-se montanhas para obter carvão. 59
como um vírus pela Internet, atingindo um Talvez em um ou dois séculos, ações abran-
número aproximado de 20 milhões de espec- gentes para liderar uma nova orientação cultu-
tadores até o momento, a um custo de apenas ral não sejam mais necessárias, quando as pes-
US$ 50.000, uma fração mínima do que um soas tiverem internalizado muitas dessas novas
anúncio de 30 segundos para a TV teria custa- ideias, enxergando a sustentabilidade – e não o
do para atingir um público do mesmo porte. 57 consumismo – como “natural”. Até então,
Um grande número de movimentos sociais redes de pioneiros culturais serão necessárias
está começando a se formar para, direta ou indi- para impelir as pessoas proativa e intencional-
retamente, tratar de questões de sustentabilidade. mente a acelerar essa mudança. A antropóloga
Centenas de milhares de organizações estão tra- Margaret Mead é muitas vezes citada por dizer:
balhando, não raro por conta própria e sem se “Jamais duvide que um pequeno grupo de
conhecerem, muitos aspectos essenciais referen- cidadãos comprometidos e sensatos consegue
tes à criação de culturas sustentáveis – como jus- mudar o mundo. De fato, é a única atitude que
tiça social e ambiental, responsabilidade corpora- sempre o mudou”. Com a interconexão de tan-
tiva, recuperação de ecossistemas e reforma tos cidadãos mobilizados, organizados e com-
governamental. “Esse movimento anônimo é o prometidos em difundir um modo de vida sus-
mais diversificado que o mundo já testemu- tentável, um novo paradigma cultural pode sur-
nhou”, explica o ambientalista Paul Hawken. gir, permitindo à humanidade viver vidas
“Creio que a própria palavra movimento seja melhores e mais longas no futuro. 60
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Antigas e Novas
Tradições
I
ncontáveis escolhas da vida humana cos, e até mesmo atos do dia-a-dia, que podem
são reforçadas, impelidas ou represadas ser redirecionados de um patamar que estimula
pelas tradições, sejam elas religiosas, o consumo para atos que restabelecem a cone-
rituais, tabus culturais, ou aquelas xão das pessoas com o planeta e relembram a
aprendidas com os mais velhos ou com as famí- elas a sua dependência da Terra para um bem-
lias. Obter vantagem dessas tradições e, em estar constante.
alguns casos, reorientá-las para reforçar formas As tradições orientam não só atividades coti-
sustentáveis de vida pode contribuir para que as dianas, mas também escolhas de vida importan-
sociedades humanas sejam um elemento restau- tes, tal como quantos filhos ter. Recorrer às tra-
rador de sistemas ecológicos mais abrangentes. dições – influência familiar, ensino religioso e
Como constatado por diferentes culturas duran- pressões sociais — para mudar normas do tama-
te a história, os caminhos tradicionais podem, nho da família para níveis mais sustentáveis será
com frequência, valorizar, em vez de deteriorar essencial aos esforços globais para estabilizar o
opções de vida sustentáveis. crescimento populacional. Robert Engelman,
Este capítulo analisa diversas tradições do Worldwatch, ressalta que o pré-requisito
importantes na vida das pessoas e na sociedade. para isso será o de assegurar que as mulheres
Gary Gardner, do Worldwatch, sugere que as tenham condições de controlar suas escolhas
organizações religiosas, que cultivam muitas das reprodutivas e que suas famílias e governos lhes
crenças arraigadas da humanidade, poderiam permitam fazer essas escolhas de modo a respei-
desempenhar um papel central no incentivo à tar suas decisões.
sustentabilidade e desestímulo ao consumismo. Outra força importante para a sustentabili-
Considerando os recursos financeiros dessas dade, infelizmente esvaecida, é a sabedoria dos
organizações, sua autoridade moral, e o fato de mais velhos. Ao longo de suas vidas e da vasta
que 86% das pessoas em todo o mundo dizem experiência, os idosos, tradicionalmente, ocu-
pertencer a uma religião organizada, encorajar o pam um lugar de respeito nas comunidades e
envolvimento das religiões na disseminação de servem como guardiões do conhecimento, líde-
culturas de sustentabilidade será inquestionavel- res religiosos e constituintes de normas comuni-
mente essencial. 1 tárias. Esses papéis, no entanto, têm-se enfra-
Rituais e tabus desempenham um papel quecido à medida que o consumismo e sua sub-
importante na vida humana e ajudam a reforçar sequente exaltação da juventude e rejeição à tra-
normas, comportamentos e relacionamentos. dição se espalharam pelo planeta. Reconhecer o
Por essa razão, Gary Gardner explora também poder dos mais velhos e beneficiar-se de tudo o
os ritos de passagem, festividades, rituais políti- que eles sabem, como descrito por Judi Aubel,
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do Grandmother Project, pode ser uma ferra- trando que 6,8 bilhões de pessoas vivem na
menta importante no cultivo das tradições que Terra, outra apontando para uma projeção de
fortalecem práticas sustentáveis. que mais 2,3 bilhões de pessoas farão parte dela
Finalmente, uma velha tradição, que tem até 2050, e a terceira constatando que os siste-
sido radicalmente alterada em diversas gerações mas ecológicos dos quais a sociedade depende
passadas, é a lavoura. Albert Bates, da The estão sob extrema pressão. No passado, as cul-
Farm, e Toby Hemenway, da Pacific University, turas também enfrentaram crises ecológicas.
descrevem como sociedades sustentáveis depen- Algumas delas, tal como a Rapanui, da Ilha de
derão de práticas sustentáveis de agricultura — Páscoa, não mudaram suas tradições. O povo
sistemas em que os métodos de lavoura não Rapanui continuou, por exemplo, a dedicar
muitos esforços em seus rituais de construção
mais exaurem o solo e poluem o planeta, mas
dos Moais — até que sua sociedade sucumbiu à
efetivamente ajudam a reabastecer o solo e rege-
pressão e a população da Ilha de Páscoa entrou
nerar paisagens deterioradas à medida que
em colapso. Outras se assemelham aos
provêm alimento saudável e subsistência.
Tikopianos, que vivem em uma pequena ilha no
Diversos Quadros destes artigos abordam sudoeste do Oceano Pacífico. Quando viram os
também tradições importantes, incluindo a perigos que se apresentavam à medida que os
necessidade de os sistemas éticos internalizarem sistemas ecológicos ficavam mais limitados, eles
a dependência humana dos sistemas da Terra, o realizaram mudanças drásticas nos papéis
valor de recuperar um entendimento do tempo sociais, nas estratégias de planejamento familiar,
em uma escala geológica e a importância de reo- e até mesmo nas dietas. Ao compreenderem o
rientar normas dietéticas para estimular escolhas significado do uso intenso de recursos da natu-
saudáveis e sustentáveis. reza para a criação de porcos, interromperam a
Essas são apenas algumas das diversas tradi- sua criação, totalmente. Por esse motivo, o povo
ções que precisam ser criticamente analisadas e da Tikopia permaneceu estável e continua a
reavaliadas para refletir três facetas importantes prosperar até hoje. 2
de uma realidade mutante — uma delas mos- —Erik Assadourian
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Hoje, quando Pan Yue, vice-ministro do a se comunicar precisamente por meio deste
Ministério da Proteção do Meio Ambiente da velho, mas ainda novo vocabulário”. 2
China, deseja promover o ambientalismo, ele Os taoistas chineses não estão sozinhos em
frequentemente faz uso de uma ferramenta seu ativismo. Bahaístas, cristãos, hindus, judeus e
incomum: a herança espiritual da China. O mulçumanos – apoiados por uma parceria das
Confucionismo, o Taoísmo e o Budismo, diz Nações Unidas com a Aliança de Religiões e
Pan, podem ser armas poderosas na “preven- Conservação (uma entidade sem fins lucrativos
ção da crise ambiental” em virtude da tradição do Reino Unido) — desenvolveram planos climá-
de cada uma delas de respeito à natureza. ticos e de meio ambiente para um horizonte de
Mary Evelyn Tucker, uma estudiosa de tempo de sete anos, que foram anunciados em
Confúcio da Universidade de Yale, explica: novembro de 2009, logo antes do início da con-
“Pan reconhece que a crise ecológica é tam- ferência climática da ONU em Copenhagen. Os
bém uma crise da cultura e do espírito huma- planos são os mais recentes esforços religiosos
no. É um momento de reconceituação do para tratar das crises de sustentabilidade de nosso
papel do ser humano na natureza”. 1 tempo, incluindo a mudança climática, desmata-
Grupos religiosos têm respondido com inte- mento, escassez de água e perda de espécies. Ao
resse às propostas de Pan. Em outubro de 2008, tornarem suas atividades mais verdes e revelarem
um grupo de mestres taoistas se reuniu para for- ou re-enfatizarem as dimensões verdes dos textos
mular uma resposta formal à mudança climática, sagrados, os grupos religiosos e espirituais estão
com iniciativas que variavam de templos com ajudando a criar culturas sustentáveis. 3
energia solar até uma rede ambiental taoista. A O valor da influência desses esforços não está
inspiração veio do conceito taoista do yin e yang, claro — na maioria das crenças, o ativismo
a interação dos opostos para criar um todo balan- ambiental geralmente envolve uma pequena
ceado, que incute à crise climática um significado minoria. Mas, em princípio, pessoas que profes-
transcendental. “O equilíbrio de carbono entre o sam uma religião — hoje, quatro dentre cinco
Céu e a Terra não está funcionando adequada- pessoas se identificam como tal – podem se tor-
mente”, explica um representante da ONU que nar um fator importante na criação de novas cul-
participou da reunião, interpretando a visão taois- turas de sustentabilidade. Existem diversos pre-
ta. “É extremamente importante que os atuais cedentes. Os movimentos do antiapartheid e
mestres do Taoísmo na China tenham começado dos direitos civis dos EUA, a revolução
Gary Gardner pesquisador sênior do Worldwatch Institute com foco em economias sustentáveis.
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Sandinista na Nicarágua, a iniciativa de redução pública realizada cinco vezes em dezenas de paí-
da dívida proposta pela coligação Jubileu 2000, ses desde o início dos anos 80, relata que 62%
a iniciativa de congelamento de armas nucleares das pessoas em todo o mundo sentem que é
apresentada pelos Estados Unidos nos anos 80 adequado que líderes religiosos falem sobre
— todos eles tiveram contribuição e apoio de questões ambientais, o que aponta para uma
pessoas e instituições religiosas. E povos nativos, maior amplitude do ativismo religioso. 5
que mantêm um relacionamento íntimo e recí- Dados mais específicos dos Estados Unidos
proco com a natureza, ajudam pessoas de todas sugerem que, potencialmente, comunidades
as culturas a se religar, com frequência de forma religiosas são um caminho influente para discus-
espiritual, ao mundo natural que apóia a ativida- sões sobre proteção ambiental. Uma pesquisa de
de humana como um todo. 4 opinião realizada em 2009 revelou que 72% dos
americanos dizem que as crenças religiosas
Religião e Prática Ecológica desempenham, no mínimo, um papel de “relati-
va importância” em seu pensamento sobre a
Nos últimos vinte anos, o grau de engaja- questão da mudança ambiental e climática. 6
mento das religiões e tradições espirituais nas Outro sinal da influência cultural da religião e
questões ambientais aumentou de modo expres- tradições espirituais é o surgimento de importan-
sivo, e diversas pesquisas de opinião revelam o tes trabalhos de referência que tratam de religião
crescimento do interesse nesse sentido. A The e sustentabilidade, acrescentando legitimidade ao
World Values Survey, uma pesquisa de opinião tema. Nos últimos dez anos, uma enciclopédia,
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dois periódicos e um expressivo projeto de pesqui- árvores de uma floresta ameaçada, conferindo a
sa sobre dimensões ambientais de 10 religiões essas árvores um status sagrado perante aldeões e
mundiais expressão o crescimento das religiões no gerando um esforço de conservação da floresta.
campo do meio ambiente (Veja Tabela 4). Para potencializar os esforços desses religiosos,
Dezenas de universidades oferecem atualmente um monge praticante de ordenação de árvores
cursos sobre o nexo religião/sustentabilidade, e o criou uma organização não governamental com o
Parlamento de Religiões Mundiais realizou pai- intuito de coordenar as atividades ambientais de
néis importantes sobre a questão. 7 grupos locais de aldeões, agências governamen-
O ativismo religioso em favor do meio tais e demais organizações interessadas. 10
ambiente é agora comum — em alguns casos, a E o terceiro, a Interfaith Power and Light
ponto de se tornar popularizado, organizado e (IPL), uma iniciativa do Regeneration Project,
institucionalizado. Três exemplos nas esferas da sediado em São Francisco, auxilia comunidades
conservação da água, preservação da floresta, e religiosas dos EUA a tornar seus edifícios “ver-
da energia e do clima ilustram esse impacto des”, a conservar energia, a dar orientaçao sobre
abrangente. energia e clima e a defender políticas climáticas
No primeiro deles, Sua Santidade, o e energéticas em nível estadual e federal.
Patriarca Bartolomeu, líder ecumênico de mais Liderada pela Reverenda Sally Bingham, uma
de 300 milhões de cristãos ortodoxos, fundou, sacerdotisa episcopal, a IPL atua hoje em 29
em 1995, a Religion, Science and the estados e trabalha com 10.000 congregações. A
Environment (RSE), para o aprofundamento do organização criou diversos programas inovado-
diálogo religioso e científico sobre problemas res para auxiliar comunidades religiosas a tornar
ambientais de grandes rios e dos mares. A RSE seu trabalho e culto “verdes”, incluindo as Cool
organizou simpósios, a bordo de um navio, para Congregations, que disponibilizam uma calcu-
cientistas, líderes religiosos, estudiosos, jornalis- ladora de carbono online – em 2008, concede-
tas e gestores políticos para estudarem os pro- ram US$ 5.000 em prêmios para a congregação
blemas dos Mares Egeu, Negro, Adriático e com as menores emissões por congregado e para
Báltico, dos Rios Danúbio, Amazonas e a congregação que atingiu o maior volume em
Mississipi, e do Oceano Ártico. 8 redução de emissões. 11
Além disso, para aumentar a consciência Essas e outras iniciativas institucionalizadas,
sobre os problemas de certas vias navegáveis, os junto com os milhares de projetos religiosos de
simpósios geraram iniciativas para a educação, base atuando localmente em congregações em
cooperação e construção de rede entre as comu- todo o mundo — da educação ambiental e tec-
nidades locais e os gestores políticos. Dentre os nologia solar do bahaísmo entre camponesas na
patrocinadores, um foi o Príncipe de Gales; den- Índia a esforços de grupos religiosos apalachia-
tre os participantes, figuraram políticos das nos para interromper mineração no cume das
Nações Unidas e do Banco Mundial e dentre os montanhas e os diversos esforços ambientais das
colaboradores, uma das personalidades foi o Papa “freiras verdes”— sugerem que tradições reli-
João Paulo II, que assinou uma declaração con- giosas e espirituais são parceiras atentas, e mui-
junta com o Patriarca Bartolomeu sobre a neces- tas vezes líderes, no esforço para a construção de
sidade da humanidade de proteger o planeta. 9 culturas sustentáveis. 12
O segundo exemplo, “monges da ecologia”
— defensores budistas do meio ambiente na Silêncio sobre Falsos Deuses?
Tailândia — assume uma clara posição contra o
desmatamento, a criação intensiva de camarão e a Em contraposição ao seu envolvimento ativo
cultura agrícola comercial. Em diversos casos, em questões ambientais, as tradições religiosas
fazem uso de um ritual budista para “ordenar” no mundo parecem manter uma posição para-
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doxal sobre consumismo: embora elas estejam tecnologia — a afluência, uma procuração para
bastante aptas para abordar a questão, e sua o consumo, é o campo no qual as instituições
ajuda seja extremamente necessária, o envolvi- seculares têm obtido menos sucesso no estímu-
mento religioso no consumismo está basica- lo à contenção. O consumo pessoal continua a
mente restrito a declarações ocasionais de líde- crescer, mesmo em países ricos, e estilos de vida
res religiosos. consumista estão se propagando a passos rápi-
Advertências religiosas sobre excesso e liga- dos para as nações que vêm prosperando recen-
ção exagerada ao mundo material são numero- temente. Na maioria das sociedades, existem
sas e datam de milênios (Veja Tabela 5). Desde poucas instituições que promovem um modo de
longa data as tradições religiosas vinculam vida mais simples, e, aquelas que o fazem, têm
riqueza e posse — características essenciais da pouca influência. Assim, os defensores da sus-
sociedade de consumo à ganância, corrupção, tentabilidade têm buscado ajuda das religiões,
egoísmo e outros defeitos de caráter. Ademais, tal como na histórica declaração de 1990
grupos de fé possuem ferramentas espirituais e “Preserving and Cherishing the Earth — An
morais que conseguem abordar as raízes espiri- Appeal for Joint Commitment in Science and
tuais do consumismo — incluindo a persuasão, Religion” liderada por Carl Sagan e assinada por
as escrituras sagradas, os rituais e práticas litúr- 32 ganhadores do Prêmio Nobel. 14
gicas — além de argumentos ambientalistas usa- Apesar da lógica para o engajamento, a
dos por grupos seculares. E congregações locais, intervenção religiosa nessa questão é esporádica
templos, paróquias e retiros espirituais [shrams] e retórica em vez de ser contínua e programáti-
são, em geral, comunidades muito unidas que ca. É difícil encontrar iniciativas que promovam
servem de possíveis modelos e grupos de apoio uma vida mais simples ou que ajudem os con-
para membros interessados em alterar seus gregados a contestar a orientação consumista
padrões de consumo. 13 das economias mais modernas (De fato, em um
Além disso, dentre os três propulsores do contra-exemplo extremo, o “evangelho da pros-
impacto ambiental — população, afluência e peridade” estimula os cristãos a considerarem
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Ensinamento ou Descrição
Princípio Econômico
Economia budista Enquanto as economias de mercado focalizam a obtenção de níveis de produção e
consumo o mais alto possível, “a economia budista”, conforme adotada por E. F.
Schumacher, foca uma meta espiritual: atingir a iluminação. Isso exige libertação
do desejo, um determinante central das economias consumistas, mas para os
budistas, a fonte de todo o sofrimento. Dentro desta perspectiva, o consumo, em
si, é irracional. Na realidade, a pessoa racional busca atingir o mais alto nível de
bem-estar com consumo mínimo. Neste ponto de vista, acumular bens materiais,
gerar montanhas de lixo e criar bens para serem descartados — todas elas,
características de uma economia de consumo — são ineficiências absurdas.
Ensinamentos Pelo menos meia dúzia de encíclicas papais e incontáveis documentos episcopais
católicos sobre afirmam que as economias deveriam estar voltadas para servir o bem comum e
economia criticam o capitalismo desenfreado que enfatiza o lucro a todo custo. A encíclica de
julho de 2009, A Caridade na Verdade, é um bom exemplo recente.
Práticas Como a interação de povos nativos com a natureza é relacional, e não
econômicas nativas instrumental, o uso de recursos é algo feito com o mundo, e não para o mundo.
Assim, as atividades econômicas nativas quase sempre se caracterizam pela
interdependência, reciprocidade e responsabilidade. Por exemplo, o povo Tlingit,
do sul do Alasca, antes de colher a casca de árvores de cedro (um recurso
econômico fundamental), realiza uma apologia ritual aos espíritos das árvores e
promete usá-las somente na medida do necessário. Essa atitude cria uma ética
consciente e minimalista de consumo do recurso.
Política financeira A política financeira islâmica é guiada por regras voltadas para a promoção do bem
islâmica social. Como o dinheiro é intrinsecamente improdutivo, a política financeira
islâmica considera eticamente errado ganhar dinheiro a partir do dinheiro (isto é,
cobrar juros), o que confere grande ênfase econômica à economia “real” de bens e
serviços. A política financeira islâmica reduz o risco do investimento — e promove
a estabilidade financeira — dividindo riscos e ganhos de forma mais ampla. Além
disso, o investimento em cassinos, pornografia e armas de destruição em massa
também são proibidos.
Economia sabática Os livros bíblicos do Deuteronômio e do Êxodo declaram que, de sete em sete
anos (“Ano Sabático”), as dívidas devem ser perdoadas, os prisioneiros devem ser
libertados e a lavoura deixada em pousio, como uma forma de proporcionar um
novo começo aos pobres, aos prisioneiros e à terra exaurida. Subjacentes a essas
obrigações econômicas, sociais e ambientais estão três princípios: o excesso de
consumo deve ser evitado; o excesso de riqueza deve circular, e não se concentrar;
e os crentes devem descansar regularmente e agradecer a Deus por suas bênçãos.
Fonte: Veja nota final19.
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cas ao consumo e economias voltadas para aten- meio ambiente e, tradicionalmente, um campo
der ao bem comum (Veja Tabela 6). Hoje, de força religiosa — tem recebido atenção rela-
muito dessa sabedoria seria particularmente útil, tiva até agora. Ironicamente, a maior contribui-
uma vez que as economias estão sendo reestru- ção que as religiões em todo o mundo poderiam
turadas e as pessoas estão abertas a novas regras fazer ao desafio da sustentabilidade seria a de
de ação econômica e a um novo entendimento levar a sério sua própria sabedoria antiga sobre
das economias ecológicas. 19 materialismo. Sua dádiva especial — uma per-
cepção milenar paradoxal de que a felicidade
reside no auto-esvaziamento, de que a satisfação
Voltando para Casa é encontrada mais facilmente nos relacionamen-
tos do que em coisas, e de que a simplicidade
Não raro consideradas como instituições pode levar a uma vida mais plena — é mais do
conservadoras e imutáveis, muitas religiões que nunca necessária hoje. Combinada à paixão
estão, cada vez mais, abraçando a causa contem- recente de diversas religiões pela busca da cura
porânea da proteção ambiental. Mesmo assim, o do meio ambiente, essa antiga sabedoria pode
consumismo — o lado oposto da moeda do ajudar a criar civilizações novas e sustentáveis.
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“Manter-se kosher”, a antiga prática judaica específicos — poderiam também ajudar a banir
de observância de leis alimentares, tem grande atividades humanas em um mundo ambiental-
valor prático e simbólico para muitos judeus. mente degradado. 2
Essa prática favorece a evolução da consciência a Embora comumente associados a práticas
respeito da generosidade abundante do divino e espirituais, os rituais e os tabus são tanto um
prescreve uma relação especial e respeitosa com fenômeno secular quanto religioso. Por exem-
os frutos da criação de Deus. Alguns judeus pra- plo, um primeiro-ministro ou presidente can-
ticantes estão agora trabalhando para estabele- tando o hino nacional com a mão no coração
cer uma tradição “eco-kosher”: alimentação e está usando um comportamento ritualista pode-
consumo corretos para preservar a saúde do roso que fala profundamente aos compatriotas;
meio ambiente. A filosofia eco-kosher atribui ao mesmo tempo, o desrespeito à bandeira ou a
aos mandamentos judaicos um significado con- outro símbolo nacional é um tabu comum em
temporâneo: Bal Tashchit, o preceito do não diversos países.
desperdício, pode ser aplicado ao excesso de Quer sejam seculares ou religiosos, políticos
embalagem ou embalagens de alimento não ou pessoais, os rituais e tabus em uma cultura de
recicláveis; Tzaar Baalei Chayyim, o manda- consumo não raro reforçam problemas dessa
mento de se evitar crueldade com os animais, cultura e as mazelas ambientais por ela trazidas.
pode dialogar com a questão da criação do gado Mas, cada vez mais, essas práticas estão sendo
em confinamento; e Shmirat Haguf, a exigência usadas para trazer consciência aos hábitos
de que as pessoas cuidem de seus corpos, pode- modernos de consumo, como por exemplo, as
ria proibir alimentos pulverizados com pestici- sugestões eco-kosher. Se forem acima de tudo
das. A formulação dos antigos rituais e proibi- intangíveis, os rituais e tabus podem vir a ser fer-
ções kosher dentro de uma perspectiva ambien- ramentas poderosas para a construção de cultu-
tal confere uma dimensão transcendental de ras de sustentabilidade.
grande peso à proteção do meio ambiente. 1
A transformação de culturas de consumo em O Poder do Ritual
culturas de sustentabilidade precisará de um
conjunto amplo de ferramentas, inclusive, talvez A comunicação ritual há tempos desempenha
surpreendentemente, rituais e tabus. Os rituais um papel importante na proteção do meio
— aqui definidos como atos formais, repetidos ambiente natural. O ecologista cultural E. N.
regularmente e que têm significado profundo Anderson observa que, em sociedades nativas que
para uma comunidade de pessoas — ajudam a manejam bem os recursos por períodos duradou-
internalizar e comunicar valores arraigados. Os ros, o crédito, em geral, vai para a “representação
tabus — a proibição cultural de atos e produtos religiosa ou ritualística do manejo do recurso”.
Gary Gardner é pesquisador sênior do Worldwatch Institute e realiza estudos com foco em economias sustentáveis.
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Isso se deve, em parte, à natureza do ritual. O za sofisticados festivais do porco, que compreen-
antropólogo Roy Rappaport, entre outros, sugere dem ritos de matança e rituais para comer a carne
que o ritual é uma forma de comunicação mais do animal com a finalidade de atingir o equilíbrio
potente do que até mesmo a linguagem, e que ecológico. O rito de matança dos porcos, que
essa vantagem é útil para a proteção ambiental, ocorre quando a população suína cresce muito,
em particular nas culturas nativas, que estão pro- diminui pressões ecológicas, redistribui a terra e
fundamente amalgamadas ao meio ambiente os porcos entre as pessoas e assegura que os mais
natural. Os rituais expressam verdades profundas e necessitados sejam os primeiros a receber supri-
culturalmente aceitas de uma formas que a lingua- mentos limitados dessa carne. 6
gem, facilmente manipulada e muitas vezes usada Etnógrafos contam histórias semelhantes.
a serviço da mentira, não consegue. 3 Em Gana, as crenças e tabus tradicionais do
Como exemplo do poder do ritual, a histo- povo Ningo protegem as tartarugas, que são
riadora sueca Anne-Christine Hornborg, pes- vistas como deuses, e os moluscos, cujo habi-
quisadora de religião, cita o esforço do povo tat é uma lagoa sagrada. A criação dessas espé-
Mi’kmaq na Ilha do Cabo Breton, Nova cies é proibida, mas tais tabus não existem nas
Escócia, para interromper a instalação de uma culturas costeiras vizinhas de Gana. Por esse
pedreira em uma montanha sagrada Mi’kmaq motivo, cerca de 80% das áreas de ninhos de
no início dos anos 90. Embora diversos grupos, tartaruga ao longo da costa de Gana locali-
inclusive os ambientalistas, afirmassem ser con- zam-se em áreas Ningo protegidas, e no caso
tra o projeto, a maioria deles apenas fez uso de dos moluscos, sua população chega a ser até
dados, análises e retóricas para enfatizar os sete vezes maior nas áreas protegidas pelo tabu
impactos ambientais e outros danos que seriam do que em áreas fronteiriças. 7
causados pela pedreira. A empresa exploradora Esses exemplos não são casos isolados de con-
da pedreira contestou facilmente esses argumen- servação. Uma análise feita em 1997 sobre tabus
tos com estatísticas e análises próprias. 4 envolvendo espécies específicas constatou uma
O povo Mi’kmaq, no entanto, teve uma forte sobreposição entre tabus e avaliações ofi-
conduta diferente, baseada no ritual, inclusive ciais de espécies ameaçadas: 62% dos répteis e
usando suadouros, rufar de tambores e ceri- 44% dos mamíferos protegidos pelos rituais e
mônias ritualísticas como “argumentos”, além tabus autóctones também foram identificados
de documentação atestando que a montanha como espécies ameaçadas e constavam como
era um local Mi’kmaq sagrado e tradicional. A espécies em extinção na Lista Vermelha da
companhia enfrentou dificuldades para con- World Conservation Union – uma indicação de
testar os rituais porque, como explica que os povos nativos são monitores qualificados
Hornborg, os ritos são “imunes ao controle de espécies ameaçadas. E, como sugerem os
burocrático”. Ou, conforme outro estudioso exemplos acima citados, os povos nativos tam-
resume de forma eloquente, “não dá para dis- bém desenvolveram estratégias para a proteção
cutir com uma música”. No final, a companhia das espécies, talvez usando processos co-evoluti-
abriu mão da licitação. Ainda que as diferentes vos que possibilitam às práticas humanas, incluin-
partes apresentem motivos diversos para a do os tabus, fazer mudanças em sincronia com
decisão da companhia, os rituais Mi’kmaq, diz ameaças ao bem estar das diversas espécies. 8
Hornborg, tiveram uma influência enorme, ao
que tudo indica, decisiva. 5 Rituais de Consumismo
Rappaport e outros estudiosos citam diversos
exemplos de culturas que usam rituais e tabus Os rituais em culturas consumistas podem ser
para proteger o meio ambiente. O povo portadores formidáveis de significado, do mesmo
Tsembaga, da Nova Guiné, por exemplo, organi- modo que em culturas nativas, porém, muitos
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McKay Savage
cobrem ampla gama de produtos e
serviços — convites, presentes,
refeições, produtos de papelaria,
flores, anéis, viagem de convida- Menos tóxico do que a maioria: Em Chennai, Índia, a estátua do Ganesh é
dos e vestimenta, só para citar feita quase que inteiramente de frutas e vegetais.
alguns exemplos — cada um deles
com sua própria pegada ecológica. Os convida- creto e metal usados no país. Porém, muitas das
dos que viajam de avião para o evento, por características dos funerais de hoje são inovações
exemplo, têm uma pegada de carbono extraor- recentes totalmente desnecessárias. Afinal de con-
dinária. A recepção pode ter um grande impac- tas, há poucas gerações atrás, mesmo em países
to também, particularmente se o cardápio con- industrializados, o corpo do falecido era prepa-
tiver carne e se o alimento não tiver sido produ- rado em casa — embrulhado em uma mortalha
zido localmente. Além do que, as duas novas
ou colocado em um caixão simples de madeira.
alianças trocadas entre os nubentes implicam a
Hoje, em certas culturas, o ritual quase não tem
remoção de toneladas de minério e terra, além
de fluxos tóxicos de produtos químicos prove- impacto ambiental: no “enterro celestial” tibe-
nientes da extração do ouro. 9 tano, o corpo do falecido, que se acredita ser um
Os funerais contemporâneos têm também recipiente vazio agora destituído de alma, é cor-
uma pegada ecológica desnecessária. Atualmente, tado em pedaços para serem comidos pelos abu-
os funerais em países ocidentais envolvem, em tres. Embora desagradável para a mente ociden-
geral, um caixão sofisticado, embalsamento, flo- tal, esse ritual é ambientalmente restaurador e
res, lote em cemitério com divisão de concreto, não dissemina valores consumistas. 10
e uma lápide de mármore. Os materiais necessá- Dias santos e celebrações tradicionais podem
rios para os funerais nos Estados Unidos — ser ocasiões de alto consumo e impacto ambien-
cerca de 1,5 milhão de toneladas de concreto e tal. O Natal é um exemplo comumente citado,
14.000 toneladas de aço para jazigos e 90.000 mas outras celebrações também marcam presen-
toneladas de aço e aproximadamente 3.000 ça. Na Índia, o festival do Ganesh Chathauri —
toneladas de cobre e bronze para caixões — não que homenageia Ganesh, o deus meio elefante,
representam grande proporção no total do con- meio homem — sempre envolve o uso de milha-
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res de grandes ídolos pintados de cores vibran- te, eliminam o embalsamamento, usam um cai-
tes. No final da celebração, eles são imersos em xão simples de madeira ou mesmo uma morta-
rios, lagos e no mar, onde as tintas e outros lha para o falecido, evitam o uso de jazigo, e em
materiais contaminam a água. alguns casos, marcam a sepultura com arbustos,
Na área de Bangalore, onde cerca de 25.000 árvores ou uma pedra nativa da área, deixando o
a 30.000 ídolos foram usados nas celebrações jazigo ou floresta em um estado totalmente
recentes, um teste realizado em quatro lagos natural. De acordo com o Centre for Green
revelou aumento da acidificação, o dobro de Burial, no Reino Unido, funerais verdes estão
dispersão de sólidos, uma elevação dez vezes sendo oferecidos agora na Austrália, Canadá,
maior no teor de ferro e crescimento de 200% a Europa e nos Estados Unidos. 13
300% nos sedimentos de cobre. Muitos observa- As celebrações de dias feriados são outra
dores têm exigido formas alternativas para a rea- oportunidade para rituais comuns e ecológicos.
lização do Ganesh Chathauri — usando mate- O Dia do Ano Novo, por exemplo, é celebrado
em diversas culturas, quer sigam o calendário gre-
riais biodegradáveis para os ídolos, por exemplo,
goriano, chinês, hebraico, islâmico ou outro. Para
ou borrifando-os ritualmente em vez de emergi-
muita gente, a entrada em um novo ano marca,
los em água. 11
acima de tudo, a passagem do tempo. E nesta era
Fazer compras, por si, tornou-se um ritual
de transição de civilização — semelhante à época
importante próximo de alguns feriados. Nos da mudança de sociedades de caçadores-coletores
Estados Unidos, a “Sexta-Feira Negra” — o dia para sociedades de agricultores, ou de sociedades
após Ação de Graças e feriado para a maioria das agrícolas para industriais — o ano novo pode ser
pessoas — é uma extravagância de movimento um tempo para refletir numa perspectiva de
nas lojas e marca a abertura da temporada de longo prazo (Veja Quadro 4). 14
compras do Natal. Um site que promove negó- Mas o Dia do Ano Novo é também um
cios da Sexta-Feira Negra está aberto meses momento para estabelecer uma nova direção. No
antes, e as pessoas fazem fila no lado de fora dos Peru e em outros países latino-americanos, por
shoppings e grandes lojas, muitos dos quais exemplo, as pessoas fazem efígies, que represen-
abrem suas portas antes do amanhecer. A Sexta- tam tudo de ruim ocorrido no ano anterior, para
Feira Negra tornou-se um ritual de compras depois queimá-las à meia-noite. No Japão,
popular por si mesmo, com intensa cobertura da Bonenkai ou “festas para esquecer os aconteci-
mídia, sendo hoje considerado um símbolo de mentos do ano” são realizadas em dezembro para
excesso e criando inclusive oportunidade para preparar o ano novo e vincular o adeus às preo-
que várias lojas sejam palco de violência, injúrias cupações do ano anterior. Será que rituais anuais
e até mesmo mortes no momento em que os de limpeza poderiam ser um momento apropria-
compradores se lançam para as portas no horá- do para rever fracassos pessoais e comunitários no
rio da abertura. 12 respeito e preservação da natureza — e prometer
fazer melhor no novo ano?
O Dia da Terra é um ritual baseado em um
Rituais e Tabus para o Consumo calendário mais ou menos novo, estabelecido
Sustentável especificamente para favorecer a aquisição de
consciência ambiental e de cuidado com o pla-
Rituais contemporâneos pautados pela sus- neta. Desde sua criação, em 1970, o Dia da
tentabilidade podem ser criados a partir de pra- Terra tornou-se uma celebração global, com
ticamente qualquer aspecto da experiência mais de um bilhão de pessoas participando, de
humana. “Funerais verdes”, cada vez mais acordo com a Earth Day Network. O grupo
comuns, nos quais as famílias podem escolher afirma trabalhar com mais de 15.000 organiza-
um rito de fim de vida benigno ambientalmen- ções em 174 países para criar “o único evento
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celebrado simultaneamente em todo o mundo nar um lugar poderoso a partir de onde toda a
por pessoas de todas as origens, crenças e nacio- humanidade seria levada a um apreço ritualísti-
nalidades”. Tal plataforma global poderia se tor- co do planeta. 15
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O jejum, uma obediência ritualística praticada seculares, conferindo a essas práticas um signifi-
em várias religiões, está sendo usado por diversas cado e impacto mais profundos. 18
pessoas para incitar a consciência sobre práticas Em caráter pessoal, existem diversas oportu-
pessoais que podem ser usadas para um mundo nidades para também atribuir um caráter ritual
mais sustentável. Em 2009, os bispos de ao consumo e aumentar a consciência sobre
Liverpool e Londres conclamaram os cristãos a hábitos consumistas. Práticas nativas podem ser
fazer um jejum de carbono como forma de um modelo útil neste caso, especialmente o
demonstrar restrição de consumo e solidariedade ritual de se oferecer uma pequena ação de arre-
para com as pessoas afetadas pela mudança climá- pendimento ou gratidão antes de usar um recur-
tica. O chamamento foi apoiado por Ed so. O povo Tlingit do Alasca, por exemplo, que
Milliband, ministro da Energia e de Mudança usa a casca de árvores de cedro para fazer roupas
Climática do Reino Unido, e promovido por e outros itens, pede permissão aos espíritos da
uma agência de desenvolvimento, Tearfund, que árvore antes de retirar a casca e promete usar
registrou mais de 2.000 pessoas para o jejum de somente o necessário. Imagine dizer uma prece
2008. Do mesmo modo, os mulçumanos, em silenciosa de agradecimento e fazer um voto de
Chicago, estão sendo conclamados a fazer um não desperdício antes de cada ato do consumo
“Ramadan verde”, assim expandindo seu enten- moderno. Esse tipo de ritual privado provavel-
dimento do jejum ritualístico anual de modo a mente traria consciência sobre o uso que essa
incluir alimentos cultivados localmente, reduzin- pessoa faz do recurso. 19
do sua pegada ecológica doméstica em 25% e Um exemplo de uma abordagem mais cons-
substituindo-a por fontes mais limpas de energia, ciente para o consumo pessoal vem de Peter
e intensificando as práticas de reciclar e andar. 16 Sawtell, um pastor do Colorado que explora o
O jejum pode ser concebido de forma mais elo entre a espiritualidade e o ambientalismo.
ampla, de modo a incluir uma vasta gama de ati- Ele propôs que viagens de longa distância, par-
vidades das sociedades de consumo modernas. ticularmente aéreas, convertam-se em experiên-
Já existem muitas possibilidades para se deixar cia ritualizada – tal como o exemplo clássico do
de lado hábitos consumistas. O Dia Mundial ritual mulçumano do Hajj, que prega a peregri-
sem Carro, por exemplo, criado no ano 2000 nação a Meca ao menos uma vez na vida.
para ajudar as pessoas a ter uma experiência de Reconhecendo que viagens cumprem uma fun-
vida sem o automóvel, é agora celebrado em ção de esclarecimento, expansão e até mesmo de
mais de 40 países. O dia da Bicicleta para o mudança de vida, Sawtell sugere, no entanto,
Trabalho é um esforço semelhante. A Hora da que, em virtude do alto impacto ambiental das
Terra, que envolve apagar as luzes em um horá- viagens aéreas, andar de avião seja agora um ato
rio preestabelecido, tornou-se um fenômeno intencional e sagrado. E, ainda que viajar uma
mundial nos últimos anos. E a Semana da TV única vez na vida talvez seja um padrão muito
Desligada estimula famílias a assistir menos tele- restrito para muita gente, Sawtell sugere que
visão e passar mais tempo juntas. 17 uma ideia útil seria considerar uma viagem de
Enquanto isso, nos Estados Unidos, o Dia longa distância uma vez a cada década ou “uma
Sem Compras é agora encarado como uma con- vez em cada estágio da vida” (adolescência,
tra-oferta à Sexta-Feira Negra, enquanto o Dia idade adulta, aposentadoria). No processo, ele
Recupere seu Tempo dá às pessoas a chance de sugere, as pessoas podem descobrir que menos
dizer não ao excesso de trabalho e de compro- é mais: elas podem valorizar a viagem e usar esse
missos, e de outro lado, recuperar o tempo para prazer de forma mais consciente do que quando
atividades mais significativas. É plausível pensar era barato e o impacto ambiental era ignorado.
que qualquer um desses “jejuns” poderia ser Ademais, a viagem intencional poderia ser facil-
convertido em ritual por grupos religiosos ou mente ritualizada, diz Sawtell. “Imagine como
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seria em nossas igrejas se celebrássemos o valor resistentes a manipulações cínica, essas práticas
de viagens excepcionais com bênçãos especiais humanas podem encontrar um lugar para o
para aqueles que embarcam nesse tipo de pere- desenvolvimento de novas culturas de sustenta-
grinação única na vida”. 20 bilidade. Em uma época que clama por uma
Em resumo, o ritual e o tabu estão presentes transformação cultural rápida e generalizada, as
em muitos aspectos da vida humana e ajudam a sociedades humanas precisam usar todos os
transmitir e moldar os valores culturais. Embora itens de caixa de ferramentas cultural.
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Embora a ideia pareça pessimista e seja assim, como isso poderia ser alcançado de forma
pouco discutida, é possível que a população ética e aceitável?
mundial — hoje com 6,8 bilhões e com cresci- A influência da cultura moderna na vida repro-
mento diário de 216.000 pessoas— já tenha dutiva varia bastante, e a atual taxa de fertilidade
ultrapassado os níveis sustentáveis, mesmo se humana sugere essa diversidade. Mulheres na
todas as pessoas na Terra chegassem aos níveis Bósnia e Herzegovina e na República da Coreia
de consumo europeus, apenas modestos, em vez têm apenas um filho cada, em média, enquanto
da opulência norte-americana. 1 mulheres no Afeganistão e Uganda têm em média
As estimativas de qual seria uma população mais de seis. Contudo, é também variável no
“ótima” em termos ambientais são especulativas e mundo todo o acesso das mulheres ao planeja-
controversas. Seria até arriscado sugerir um núme- mento familiar, o que poderia ajudá-las a decidir
ro, uma vez que algumas pessoas poderiam consi- se qualquer ato sexual pode ou não estar aberto à
derá-lo uma meta que vale a pena atingir, necessá- concepção e gravidez. 2
ria de qualquer maneira, seja voluntária ou não. Sendo assim, não está claro qual é o maior
No entanto, está claro que, com seu atual reper- determinador da fertilidade: a cultura e a repos-
tório de padrões de comportamento, a humanida- ta da mulher (e do homem) à sua influência, ou
de está aumentando perigosamente a capacidade simplesmente o acúmulo de gravidez não plane-
de aprisionamento de calor na atmosfera, dizi- jada decorrente de atividade sexual sem a efeti-
mando a diversidade biológica do planeta e cor- va proteção. Porém, com a notável exceção da
rendo o risco de uma futura escassez de alimentos China, onde a redução dos recursos naturais é
em função da exaustão do abastecimento de água invocada algumas vezes para justificar a política
doce e degradação dos solos. governamental de filho único, seria difícil iden-
E o que aconteceria se as atuais taxas de con- tificar uma cultura importante onde famílias
sumo per capita, hoje bastante diversas no mundo pequenas são incentivadas a assegurar a susten-
todo, atingissem um índice reduzido e modesto e, tabilidade ambiental.
mesmo assim, a mudança climática e deterioração Paradoxalmente, de acordo com pesquisas
ambiental continuassem? Seria então o momento, da ONU, muitos governos de países em desen-
ou será que já é tempo, de desenvolver culturas volvimento acreditam que o crescimento popu-
que estimulem com empenho um número médio lacional está ocorrendo rápido demais em suas
de filhos, por mulher, tão baixo, que a população áreas. Dentre os 41 Programas de Ação de
mundial diminuiria no futuro próximo? E se for Adaptação Nacional apresentados por países em
Robert Engelman é vice-presidente dos programas do Instituto Worldwatch e autor de More: Population,
Nature, and What Women Want.
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USAID
mulheres e seus parceiros, e nin-
guém mais, que devem escolher o
momento para ter um filho e assim Merenda faz parte do programa educacional de meninas afegãs.
fazê-lo com boa saúde.
A coisa mais próxima de um consenso sobre nho da família dentro de suas fronteiras. 5
o eternamente controverso tema da população Desrespeito os direitos reprodutivos tem
humana é um princípio – colocado pela primei- sido mais exceção do que regra nos sessenta
ra vez por escrito em uma conferência da ONU anos, ou mais, de experiência mundial com pla-
sobre direitos humanos realizada em Teerã, em nejamento familiar. No entanto, os abusos — de
1968 – segundo o qual “os pais têm o direito pagamentos de incentivo para esterilização ao
humano fundamental de determinar livre e res- aborto forçado, registrado na Índia, China e em
ponsavelmente o número de seus filhos e os um punhado de outros países — irritaram polí-
intervalos entre seus nascimentos”. O advérbio ticos e provedores de serviços de assistência
“responsavelmente” deflagrou alguns debates, médica em relação a políticas demográficas, pro-
embora não nos últimos tempos. Mesmo assim, gramas, ou mensagens de mídia que buscavam
esse tema poderia vir a ser a base para a discus- convencer as mulheres e casais a terem menos
são do que a palavra pode significar em um filhos do que os que eles teriam escolhido se não
mundo onde a sustentabilidade ambiental é estivessem sob esse tipo de influência. Na ausên-
desafiada pelas atividades humanas. 4 cia de alterações relevantes na cultura e nas polí-
Em 1994, vinte e seis anos após a conferên- ticas em todo o mundo, é difícil imaginar que
cia de Teerã, outra reunião da ONU abordou um apoio significativo de profissionais ou do
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setor público evolua para um estímulo firme espaço de ação para uma mudança cultural que
para que as famílias tenham um único filho ou consiga fazer com que os casais mudem de opi-
no máximo dois. O espaço para novas iniciativas nião sobre o tamanho da família, embora este
culturais com a meta de convencer os casais a caminho para uma fertilidade menor exija vigilân-
renunciar a um segundo, terceiro ou quarto cia de forma que a escolha da gravidez acabe fican-
do com as mulheres e seus parceiros, e não com
outros membros da família, com o governo ou
com a sociedade em geral.
É surpreendente o fato de que talvez os
níveis globais de fertilidade caíssem o suficiente
para reduzir a população mundial se a gravidez
indesejada pudesse ser eliminada, embora algum
tempo ainda seria necessário para que a reversão
do crescimento ocorresse. De acordo com as
melhores estimativas disponíveis, duas entre
© 2006 Helen Hawkings, cortesia Photoshare
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Applied Systems Analysis, no mundo todo, as sionar a fertilidade ou, no mínimo, acelerar a ini-
mulheres sem escolaridade têm em média 4,5 ciação sexual e subsequente gravidez. O combate
filhos cada. Aquelas com nível primário têm 3 a essas influências culturais, então, pode desempe-
filhos em média, enquanto as que têm nível de nhar um papel importante na redução da fertilida-
escolaridade secundária têm, em média 1,9 de e contribuir para a diminuição do crescimento
filho. E após um ou dois anos de faculdade, a populacional. Além disso, há evidências de que
fertilidade cai para 1,7 filhos por mulher — uma meios de comunicação como a televisão e o rádio
taxa bem abaixo da fertilidade de “reposição” podem contribuir para reduzir a fertilidade tão
para manutenção populacional. 9 facilmente quanto para aumentar. 11
Tendo em vista que o acesso à contracepção e Quando se apresentam novelas concebidas
educação de meninas exerce grande força na para moldar o uso do contraceptivo e normas de
redução da fertilidade, parece óbvio que qualquer famílias pequenas, as percepções sobre o tamanho
restrição de natureza cultural nesses fatores deve- ideal da família podem mudar para menos. Por
ria receber atenção máxima em qualquer iniciati- exemplo, após a transmissão da novela de rádio
va de reforma. Infelizmente, esse tipo de restrição Apwe Plezi (derivado do ditado crioulo “depois
está profundamente enraizado no constrangi- do prazer, vem a dor”) em Santa Lúcia, 35% dos
mento humano com a sexualidade e igualdade ouvintes pesquisados ficaram mais propensos a
sexual. A transformação cultural deve lutar contra confiar nos atendentes do serviço de planejamen-
isso e fortalecer o princípio de que todas as to familiar, consideraram o sexo extraconjugal
mulheres devem ter o controle sobre seus corpos menos aceitável e foram favoráveis a famílias com
e fertilidade, e que todas deveriam ter oportuni- uma média de 2,5 filhos, em comparação com a
dades iguais às dos homens — conceitos esses média de 2,9 filhos defendida por aqueles que não
que devem ser veiculados através da educação e tinham ouvido o programa. Embora, é claro,
mensagens de mídia e pelo trabalho de gestores outros fatores — tal como aumentos simultâneos
de políticas em todos os níveis. As limitações do no acesso a recursos de planejamento familiar —
acesso à contracepção – tal como a permissão dos tenham também contribuído para esta norma
pais ou prescrição médica para escolhas rotineiras inconstante, sem dúvida a mídia pode desempe-
seguras – estão abertas à pressão pública para a nhar um papel de destaque na estruturação de
mudança legislativa ou reguladora. regras sobre o tamanho da família. 12
O uso do sexo e do corpo das mulheres para Uma outra área que está pronta para a trans-
a publicidade ou risos fáceis em seriados de tele- formação cultural é a visão política dominante
visão fortalece a baixa autoestima das mulheres e de que qualquer área onde a população inter-
torna ainda mais provável que uma gravidez não rompe o crescimento caminha para, nas palavras
desejada impulsione as taxas de crescimento de uma notícia recente no Washington Post, um
populacional — sem falar que complicarão a vida “desastre demográfico em câmara lenta”. Em
e destruirão pouco a pouco as aspirações das uma eleição nacional no final de 2008, no
jovens. Um estudo concluiu que o nível de expo- Japão, por exemplo, um dos principais focos das
sição a conteúdo sexual na televisão era uma forte discussões foi a proposta de um pagamento de
indicação de gravidez na adolescência, sendo que, US$ 276 mensais a pais, por cada filho abaixo
dentre as adolescentes mais expostas a sexo na da idade prevista para cursar o ensino médio. Na
televisão, 10% tinham o dobro de probabilidade Rússia, os políticos instaram os cidadãos a deixar
de engravidar no prazo de três anos a partir da de ir ao trabalho para ter relação sexual e ofere-
exposição, em comparação com os 10% daquelas ceram prêmios — de refrigeradores a um jipe —
com a menor exposição. 10 a mulheres que tivessem um bebê no Dia da
Esses resultados ilustram o poder da cultura — Rússia, 12 de junho. Ambos os países têm popu-
e da cultura da mídia em particular — para impul- lação decrescente. 13
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Há indícios de que incentivos como esses con- res do vilarejo entrevistados por Carr vincularam
seguem estimular de forma limitada a fertilidade explicitamente a intenção de tamanho modesto
de um país e apresentam maior resultado entre as de família, tão diferente daquela de seus pais e
mulheres de renda mais baixa. Incentivos fiscais avós, à importância da preservação do recurso
dirigidos a pais que tenham um só filho, como da pesca para seus filhos. 15
acontece nos Estados Unidos, podem ter um Talvez um elemento significativo a mencio-
impacto semelhante — e, de fato, a fertilidade nos nar seja que muitos moradores comentaram
EUA cresceu pouco nos últimos anos, assim também sobre a influência das novelas, que des-
como em outros países ricos (no caso dos Estados crevem famílias norte-americanas pequenas, em
Unidos, a fertilidade aumentou recentemente suas próprias ambições reprodutivas. Ainda que
para perto do valor de reposição que, nesse país, é muitos não considerem a televisão via satélite
de 2,1 filhos por mulher). 14 um agente positivo de transformação cultural,
Os políticos temem, justificadamente, que neste caso ela consegue desempenhar um papel
taxas de nascimento baixas demais acabem construtivo, disseminando uma ideia — o
criando um desafio maior ainda para o sustento padrão de uma família pequena — que contribui
de populações mais velhas. Mas este e outros para a sustentabilidade ambiental de forma mais
tipos de riscos semelhantes são desafios sociais potente do que mensagens sobre riqueza e con-
administráveis de menor importância em com- sumo – que poderiam deteriorar o meio
paração àqueles que o mundo enfrenta para tra- ambiente.
tar da mudança climática causada pelo ser A queda acentuada da fertilidade em todo o
humano, da exaustão do abastecimento de água mundo nas últimas décadas é prova de que com-
doce renovável e da destruição da diversidade portamentos reprodutivos influenciados por
biológica do planeta. Qualquer um que leve tais padrões culturais podem mudar surpreendente-
problemas ambientais a sério tem bons motivos mente rápido. Uma família com cerca de dois
para se opor aos esforços dos políticos, dos eco- filhos já é um ideal cultural na maioria dos paí-
nomistas e da mídia de estímulo a taxas de nas- ses industrializados, embora, sem dúvida, por
cimento mais altas — e também dos líderes reli- motivos que não colocam a sustentabilidade
giosos, membros de grandes famílias e de outros ambiental em primeiro lugar. Se as nações atin-
que incitam a gravidez de mulheres que não girem em breve um ponto em que as emissões
fizeram a escolha por si mesmas. de gases de efeito estufa de fato atinjam o limi-
Por fim, há que se mencionar o papel cons- te e os preços dos alimentos e de energia sejam
trutivo que a educação e a discussão franca altos em virtude de um crescente desequilíbrio
sobre a mudança ambiental e a relação da popu- de oferta e demanda, não há como dizer de que
lação com a sustentabilidade podem desempe- maneiras as normas culturais sobre gravidez e o
nhar para subsidiar a tomada de decisão sobre tamanho da família podem evoluir. No entanto,
questões reprodutivas. No estudo de uma é difícil imaginar que cidadãos preocupados
pequena vila que vive da pesca de lagosta em com o meio ambiente e que buscam refrear o
Quintana Roo, México, o geógrafo David Carr, crescimento demográfico obterão, em algum
da Universidade da Califórnia, Santa Barbara, momento, apoio público consistente para limi-
verificou que as atitudes culturais sobre gravidez tar os direitos reprodutivos. Mas o potencial
haviam mudado depois que o recurso da lagos- para a mudança cultural que diminuiria e, por
ta diminuiu. O uso do contraceptivo era univer- fim, reverteria o crescimento populacional —
sal, e as taxas de nascimento da comunidade apoiando ou, pelo menos, não enfraquecendo a
eram comparáveis às de países com baixa fertili- escolha reprodutiva individual — é relevante e
dade, como Itália, Estônia e Rússia. Os morado- vale a pena ser buscado.
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Existe uma discussão considerável nas valores fornecem as bases para o uso e desenvol-
sociedades industrializadas ocidentais sobre a vimento sustentáveis, pela sociedade, dos recur-
necessidade de reexaminarmos o paradigma sos naturais e humanos.
cultural do consumismo, predominante no
mundo todo e claramente não sustentável. No
esforço de abordar os atuais desafios de sobre-
Respeitando a Sabedoria dos
vivência, o foco tem sido interromper a degra- Idosos
dação ambiental e promover a sobrevivência
econômica das comunidades em todo o Um idoso de uma comunidade no sul do
mundo. Infelizmente, a degradação do meio Senegal lamentava, recentemente, o fato de os
ambiente social e a ruptura de vínculos sociais programas de desenvolvimento quase nunca
receberam muito menos atenção. 1 prestarem atenção aos valores culturais locais:
Outra questão considerada com menor fre- “Houve muitos programas implantados em
quência é a relevância do modelo cultural global nossa comunidade: para a construção de mais
do consumismo para outras sociedades que salas de aula; construção de um centro de saúde;
enfrentam não apenas os desafios ambientais e ensinamentos de como cultivar mais vegetais,
econômicos, como também problemas específi- como prevenir doenças, sobre a importância de
cos de sua história e concepção de mundo segun- mandar as meninas para escola e sobre plantio
do suas culturas. Sociedades não ocidentalizadas de árvores”. Esse testemunho reflete a tendência
e não industrializadas na África, Ásia, América dos programas de desenvolvimento elaborados
Latina e região do Pacífico estão ameaçadas por com esmero com a meta de produzir “resulta-
forças menos tangíveis que deterioram identida- dos tangíveis e quantificáveis”, que correspon-
des culturais e reduzem a coesão social. dem às prioridades de doadores e do governo,
Uma consequência negativa da globalização mas deixam de abordar outros parâmetros cul-
é que valores ocidentais individualistas, voltados turais menos tangíveis e possivelmente de igual
para o consumo, com foco na juventude — importância para a sobrevivência das comunida-
comunicados através de diversos canais institu- des amparadas pelo programa. Apesar da retóri-
cionais e de mídia, tanto internacionais quanto ca sobre a necessidade de enfoques “cultural-
nacionais — estão deteriorando tradições e valo- mente adaptados”, políticas e programas de
res positivos de sistemas socioculturais mais desenvolvimento, não raro e não de modo
coletivistas. Em muitos casos, essas tradições e voluntário, transferem um conjunto de valores
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ESTADO DO MUNDO 2010 Idosos: Um Recurso Cultural para Promover o Desenvolvimento Sustentável
renomados e criou um grupo chamado Os atraída, ludibriada ou forçada, por diversos fato-
Idosos. A ideia de Mandela foi inspirada pelo res, a modos de ser não tradicionais... e acaba
papel dos anciãos nas sociedades tradicionais: alienada de suas comunidades tradicionais. Essa
reunir as pessoas, estimular o diálogo e orientar desintegração cultural é a causa principal de pro-
com base na experiência. Os Idosos estão hoje blemas como o desaparecimento de tradições
trabalhando para ajudar na solução de diversos linguísticas, históricas e espirituais, a ruptura de
problemas complexos e de conflitos, inclusive a estruturas de suporte familiar e a ausência da voz
situação entre israelenses e palestinos. 5 política organizada localmente”. 7
Nas sociedades ocidentais individualistas, no Preocupação semelhante sobre os efeitos
entanto, as atitudes em relação aos mais velhos negativos da globalização nos jovens, particular-
são quase sempre prejudicadas por imagens mente, é exprimida por Akopovire Oduaran, da
negativas do envelhecimento. Com a globaliza- Universidade de Botsuana, que lamenta a perda
ção da cultura, atitudes que discriminam a idade “da rica tradição africana de relacionamentos
avançada são disseminadas, lentamente per- intergeracionais... enfraquecida dia a dia com a
meando também culturas não ocidentais. mudança galopante em nossos sistemas de valo-
Observou-se, ainda, que mulheres idosas sofrem res à medida que nossas comunidades se abrem
com o preconceito contra a idade até mais do para a globalização cultural”. Ele argumenta
que os homens: para muita gente, elas são tidas que, com o consumismo, vieram a perda das tra-
como má influência para as crianças e as famílias, dições culturais e o enfraquecimento dos laços e
analfabetas e, portanto, não inteligentes, ou da cooperação entre membros da família e da
muito velhas para aprender e mudar. 6 comunidade — tudo isso um sinal inquietante
da diminuição da coesão social. 8
Contudo, existem indicações de que os
Ameaças aos Relacionamentos jovens percebem os perigos da globalização.
Intergeracionais Alguns sócios de um clube juvenil ganense
observaram que a “globalização trouxe-nos uma
A globalização envolve uma disseminação vida permeada pela produção em massa e pelo
essencialmente de mão única das imagens e consumo em massa... Vemos nossas próprias
valores culturais ocidentais voltados às socieda- culturas dando lugar à monocultura consumista.
des não ocidentais. É recente a preocupação Existe uma necessidade urgente de rever, prezar
internacional, ainda modesta, sobre o papel da e participar da evolução de nossas próprias cul-
globalização na disseminação das imagens e turas, cuja visão de mundo tem como referência
valores culturais consumistas e a consequente valores comunitários, não materialistas, ecologi-
ruptura nos relacionamentos intergeracionais camente responsáveis e holísticos”. Mamadou,
em sociedades não ocidentais. um senegalês de 20 anos, afirmou: “Faço parte
O World Youth Report de 2005, publicado de toda uma geração de jovens que está perdida.
pela ONU, fez um alerta: “Os jovens estão cada Jogamos futebol e assistimos à televisão, mas
vez mais incorporando aspectos de outras cultu- não pertencemos efetivamente ao mundo oci-
ras do mundo todo em suas próprias identida- dental. Nossos pais nos mandam para a escola,
des. Essa tendência… provavelmente aumentará mas não aprendemos sobre nossa cultura, e nos-
a lacuna cultural entre as gerações mais jovens e sos pais também não nos ensinam de onde vie-
mais velhas”. Nessa mesma linha, uma análise mos. Estamos perdidos entre dois mundos”. 9
realizada pela Youth Commission on De que modo os valores consumistas são
Globalisation sobre o impacto da globalização comunicados à sociedade como um todo e,
chama a atenção para uma situação alarmante: especificamente, aos jovens em países em desen-
“A juventude do mundo em desenvolvimento é volvimento? Três grandes instituições são res-
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ponsáveis: a mídia e propaganda de massa, orga- res não refletem os valores culturais e o conhe-
nizações e programas de desenvolvimento e cimento das comunidades locais. Em Botsuana,
escolas formais. A mídia e a propaganda de por exemplo, Pat Pridmore, da Universidade de
massa são os principais veículos para difusão de Londres, analisou a estratégia “criança a crian-
valores ocidentais nas sociedades não ocidentais. ça”, utilizada em muitos países em desenvolvi-
Embora exista um aumento na produção mento – método em que a criança aprende na
nacional de programas de televisão, e aumento escola sobre práticas “modernas” de saúde e
maior ainda na programação de rádios locais, higiene, por exemplo, e depois ensina aos pais.
integrando opiniões e valores locais, a força pre- Esse enfoque é diametralmente oposto à atitude
dominante continua a ser a mídia global trans- das culturas não ocidentais hierárquicas e coleti-
mitida até mesmo no menor dos vilarejos. O vistas – onde a ideia é que os jovens aprendam
relatório da Youth Commission on Globalisation com os mais velhos – e corrói o papel atribuído
observa o papel prevalecente da mídia na disse- aos idosos pela tradição cultural. 12
minação de valores individualistas e consumis-
tas, estimulados pelas companhias transnacio-
nais: “Os jovens são bombardeados pela publi-
Programas que Envolvem os Idosos
cidade, programação e outras mídias que os Promovem Aprendizado
convidam a buscar a felicidade por meio do acú- Intergeracional
mulo da riqueza e produtos”. 10
Os programas de desenvolvimento buscam Incontáveis programas intergeracionais de
levar contribuições às comunidades. Contudo, os pré-escola nos Estados Unidos e no Canadá
planejadores nem sempre estão cientes dos valo- envolvem adultos mais velhos da comunidade,
res ocidentais subjacentes transmitidos por tais permitindo-lhes socializar seu conhecimento e
programas inadvertidamente. Uma anciã maline- oferecer apoio social voluntário às crianças meno-
sa, líder de sua comunidade, descreveu o que res. Os resultados mostram aumento de autocon-
acontece: “Antes de o funcionário das agências fiança por parte das crianças e sensação de mais
de desenvolvimento sair do carro com tração nas autoestima por parte dos idosos, entre os quais,
quatro rodas, sabemos com quem ele quer falar, vários são aposentados, mas possuem conheci-
é com aqueles que foram à escola e sabem escre- mento extenso e compaixão para partilhar. 13
ver, ou seja, os jovens. Eles quase nunca pedem Na província da Colúmbia Britânica, no
para falar conosco”. Embora trabalhem para Canadá, o programa Elders in Residence do
melhorar a higiene ou escolaridade, as atitudes Lelum’uy’lh Child Development Centre ajudou
desses funcionários das agências locais, como esse a integrar valores e tradições culturais das Tribos
mencionado, estão comunicando, de modo invo- Cowichan no currículo, com o apoio dos idosos,
luntário, valores alheios, em relação a quem tem por meio de atividades como contar histórias,
valor (os jovens) e quem não tem (os idosos). ensinar o idioma e confeccionar cestas. O progra-
Programas de saúde materna e infantil, por exem- ma contribuiu para valorizar a cultura Cowichan
plo, concentram-se, invariavelmente, em mulhe- e incutir respeito pelo conhecimento dos mais
res em idade reprodutiva e quase nunca envolvem velhos sobre as tradições das Tribos Cowichan. 14
as conselheiras escolhidas pela cultura local: as Mas na África, Ásia, América Latina e região
mulheres idosas (ou avós). 11 do Pacífico, poucas organizações ou programas
As escolas são também instituições funda- envolvem os idosos e promovem a comunicação
mentais para a transmissão de valores culturais intergeracional. Algumas iniciativas que usam
na sociedade. Em um relatório do Banco essa abordagem estão descritas aqui.
Mundial, Deepa Srikantaiah alega que, em um Em Gana, em um programa apoiado pelo
grande número de nações, os currículos escola- Fundo da População das Nações Unidas denomi-
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ESTADO DO MUNDO 2010 Idosos: Um Recurso Cultural para Promover o Desenvolvimento Sustentável
Judi Aubel
das com relação à assistência pré-
natal para mulheres e cuidados
com o recém-nascido. Uma análi- Um ancião do vilarejo de Olo Ologa, Mauritânia, conta uma história.
se do projeto mostrou que a
estratégia de inclusão do idoso contribui para o diversos aspectos da saúde e desenvolvimento
aprimoramento das práticas familiares referentes das mulheres e das crianças, contando com par-
à saúde, ao mesmo tempo em que melhora a ticipação ativa de mulheres idosas, ou avós, e
comunicação entre membros mais jovens e mais cobrem áreas como nutrição, cuidados com o
velhos da comunidade. Este é o primeiro pro- recém-nascido, atendimento domiciliar para
grama no qual os idosos foram ativamente crianças doentes, desenvolvimento da primeira
envolvidos, e eles dizem que isso restaurou seu infância e mutilação genital feminina (MGF). O
lugar na sociedade como “professores das gera- GMP desenvolveu uma metodologia na qual
ções mais jovens”. 16 grupos multigeracionais analisam problemas da
Nas comunidades aborígenes australianas, comunidade e identificam ações coletivas que
anciãs da tribo Yolngu inspiram-se no papel tra- podem levar a mudanças positivas e sustentáveis
dicional do ensinamento dos mais velhos para o dentro de seus próprios sistemas culturais. 18
trabalho junto a adolescentes alcoólatras ou Em Mali (junto com a Helen Keller
viciados em droga, com o intuito de trabalhar o International) e no Senegal (junto com o
orgulho pela identidade cultural desses jovens, Christian Children’s Fund), o GMP prestou
ensinando-lhes a história e as práticas Yolngu, assessoria em atividades informais de educação
tais como a caça e tecelagem. 17 em saúde que incluíam as avós. Em ambos os
Nos últimos 10 anos, estratégias intergera- casos, essas iniciativas valorizavam o aconselha-
cionais e de inclusão de avós têm sido trabalha- mento que as idosas proporcionam às grávidas
das pelo Projeto Avó [Grandmother Project] em relação à dieta e a descanso durante a gravi-
(GMP), uma pequena entidade sem fins lucrati- dez e a práticas de alimentação infantil. Na
vos dos EUA implantada em diversos países, Mauritânia, tanto em áreas rurais como em
incluindo Laos, Uzbequistão, Djibuti, Senegal, regiões da periferia urbana, o GMP trabalhou
Mali e Mauritânia. Os programas tratam de em colaboração com a World Vision para ofere-
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cer um treinamento a avós que fossem lideran- tir à televisão diminuiu. O programa de avós
ças informais, com o intuito de capacitá-las para contando histórias na estação de rádio local
a divulgação de práticas positivas de nutrição e aumentou também a autoestima das mulheres e
saúde em suas comunidades. 19 o interesse dos jovens pelo conhecimento das
No Senegal, em um programa com a World tradições. Uma garota chamada Fatoumata
Vision, concebido para inibir a mutilação geni- disse: “Estamos felizes porque agora estamos
tal feminina [MGF], a realização de atividades aprendendo as histórias tradicionais. Se não pas-
educacionais com participação das avós e o diá- sarmos um tempo com nossas avós, estaremos
logo intergeracional são elementos primordiais vazios quando formos adultos”. 21
de um enfoque que estimula o desenvolvimento À medida que os desafios globais aumentam,
holístico das jovens. A maioria dos programas a Unesco conclama para que se dê mais atenção
que tem por objetivo a redução da mutilação às realidades e recursos culturais existentes:
genital feminina focaliza apenas as jovens e não “Quando o desenvolvimento reconhece a cultu-
envolve as avós, que, em geral, são quem realiza ra, ele gera uma mudança enraizada nos valores,
a incisão. Sob a perspectiva do GMP, as avós são conhecimento e estilo de vida próprios da
agentes da maior importância para promover o comunidade e, portanto, tende a ser mais bem-
abandono dessa prática; ao mesmo tempo, esse sucedido. Quando o desenvolvimento impõe
enfoque reconhece o papel positivo que essas valores culturais externos, prejudica o sistema de
avós têm dentro da família como guardiãs da funcionamento porque desvaloriza o conheci-
mento nativo e a capacidade local que servem de
tradição e um fator de estabilização dentro da
fundamento da sociedade... o desafio é desco-
comunidade. Uma líder no Senegal observou,
brir formas de liberar os recursos e bens cultu-
ao final de um seminário de dois dias, que
rais da comunidade para que se conectem com
“nunca praticamos a incisão de forma mal-
as formas de ser das próprias pessoas e possibili-
intencionada, mas sim, para educar as meninas.
tem a elas o uso dessas capacidades criativas
Agora entendemos que, como avós, temos a res-
como um caminho para eliminar a pobreza, a
ponsabilidade de por um fim nessa prática”. 20 exclusão e a dependência”. 22
Mesmo em vilarejos rurais no Senegal, valo- Os programas que explicitamente envolvem
res ocidentais relacionados a consumismo e os mais velhos e promovem o aprendizado
sexualidade são apreendidos através da televisão intergeracional desfrutam de dois bens valiosos
e filmes produzidos no ocidente, e pela internet. de sociedades não ocidentais. Os modestos
As atividades do GMP incentivam o uso de esforços em países em desenvolvimento que aca-
meios de comunicação tradicionais – como con- bamos de descrever mostram que os programas
tar histórias, música e dança – nas escolas e formulados e implantados com base nesses
comunidades, com a finalidade de estimular prá- recursos culturais contribuíram com mudanças
ticas que congreguem jovens e idosos. O reco- positivas e sustentáveis na nutrição, saúde e edu-
nhecimento da competência das avós para con- cação e, ao mesmo tempo, coibiram a dissemi-
tar histórias fez com que esse costume, usual- nação do consumismo e fortaleceram as identi-
mente praticado após o jantar, aumentasse de dades culturais e a coesão social das famílias e
modo considerável, enquanto o hábito de assis- comunidades.
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Acima do lintel das portas do museu cultural gens profundamente, desmatando florestas para
de Tlaxcala, a capital de estado mais antiga do criar áreas de plantio, construindo vilas e cidades
México, existem murais representando a ascen- maiores e redirecionando os rios para irrigação e
são da civilização. Primeiro, veem-se os caçado- controle de inundação. Há cerca de 7.000 anos,
res vestidos com peles e portando arcos e lanças. em todo o mundo, muitas pessoas, se não a
Uma mulher descobre uma pequena planta gra- maioria, eram agricultoras. 2
mínea e começa a cultivá-la, e, na sequência, Isso talvez pudesse ter continuado até que
todos já a estão plantando, e a recém domestica- humanidade ingressasse na próxima Era do Gelo
da planta cresce tão alta quanto uma pessoa. — um mundo de desertos gelados, istmos conec-
Aparecem ferramentas especiais para preparar o tando continentes, e montanhas maciças de gelo.
terreno, plantar, colher e processar o grão. Nos Mas, a civilização mudou essa trajetória utilizan-
painéis que se seguem, surge a civilização, em do carvão, gás e o petróleo que alimentaram a
toda a sua complexidade. Revolução Industrial. Uma vez mais, o homem
Algo semelhante a essa história é contado alterou os ritmos do planeta de uma forma que
em muitas, se não em todas, as culturas. No não poderia compreender totalmente.
Crescente Fértil do alto dos Rios Tigre e No espaço de um único século — o atual —
Eufrates, existem moedas antigas com imagens é possível que o clima da Terra se aqueça mais
de um arado puxado por bois. Cenas de jardi- rapidamente e em maior grau do que nos
neiras e arados aparecem na cerâmica do Egito e 20.000 anos anteriores. Os sistemas agrícolas
Anatólia e no papel arroz do Japão e da China, serão profundamente desafiados, assolados por
alguns deles, com mais de 14.000 anos. 1 uma absoluta intempérie que irá gerar redução
Com o recuo do gelo e o aquecimento cli- do fornecimento de combustível, por causa de
mático, há 20.000 anos, a área de solo fértil e seu uso em tratores, fertilizantes e transporte;
estações adequadas para o cultivo aumentaram, destruição de safras devido a ondas de calor,
e junto com esses fenômenos, a caça selvagem resultando na expansão de pragas e diminuição
diminuiu e os mamutes e outros animais de do abastecimento de água para irrigação; cresci-
grande porte foram extintos. Há 8.000 anos, a mento e migração de populações clamando por
criação de animais domésticos começou a cres- comida, em particular, carne e alimentos proces-
cer em função da domesticação da fécula de sados (veja Quadro 5); e instabilidade financeira
trigo, trigo selvagem, cevada, linho, grão-de- trazida pela ultrapassagem dos limites da Terra,
bico, ervilha, lentilha e ervilhaca amarga. Os forçando a humanidade a um recuo para um
humanos tinham começado a alterar suas paisa- estágio anterior ao desenvolvimento industrial. 3
Albert Bates é diretor do Global Village Institute for Appropriate Technology e do Ecovillage Training Center
na The Farm. Toby Hemenway é estudioso residente na Pacific University e biólogo consultor para o
Biomimicry Guild.
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Em meados do século 20, Howard envol- negativos exemplificados por culturas que usam
veu-se em um embate. De um lado estavam dis- 10 calorias de energia de combustível para a pro-
cípulos de químicos como Carl Sprengel e dução de uma caloria de energia de alimentos. 9
Justus von Liebig, que apoiavam ativamente a A agricultura do século 20 degradou de
fertilização, em especial com nitrogênio, fósforo forma drástica quase todo o ecossistema à sua
e minerais de potássio, e defendiam o uso da frente, ao mesmo tempo em que consumiu
mecanização, argumentando que o crescimento perto de 20% da produção energética mundial.
da planta é potencializado pelo acréscimo de O funcionamento do chamado estilo “conven-
uma quantidade mínima de minerais. cional” depende quase que inteiramente dos
Rapidamente, isso foi amplamente aceito e ser- combustíveis fósseis que estão hoje escasseando
viu de base para a Revolução Verde. Do outro
e custando cada vez mais. 10
lado estavam os defensores orgânicos, que ade-
A agricultura sustentável, por outro lado,
riram ao ponto de vista de Howard, segundo o
pode ser uma proposta por um prazo indetermi-
qual a saúde da agricultura depende da manu-
nado porque não degrada nem exaure os recur-
tenção da ecologia do solo, o que passa por
devolver-lhe não apenas o mineral perdido no sos de que necessita para continuar. Como a
maior parte do solo arável da Terra já está sendo
cultivado e as populações humanas continuam a
aumentar, uma meta muito mais positiva seria a
de melhorar a capacidade produtiva da terra.
Temos visto o surgimento de algumas abor-
Cortesia de Maya Mountain Reasearch Farm
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Uma comparação de longo prazo feita pelo duzem óleo de sementes para alimento, com-
Rodale Institute de 1981 a 2002 revelou que bustível e lubrificantes. Essas policulturas imi-
sistemas orgânicos produziam safras com rendi- tam as comunidades vegetais que compõem a
mento equivalente ao dos métodos convencio- pradaria selvagem. 14
nais. Os ensaios mostraram que, quando a pre- “Aqui é onde devemos pensar mais profunda-
cipitação pluvial era 30% menor que o normal mente”, diz Jackson. “A agricultura teve início há
— nível típico de seca — o rendimento dos 10.000 anos. Como eram os ecossistemas 10.000
métodos orgânicos era 24% a 34% superior ao atrás, após o recuo do gelo? Esses ecossistemas
dos métodos convencionais. Os pesquisadores reciclavam matérias e eram movidos a luz deste
atribuíram o aumento do rendimento a uma mesmo sol de hoje. O ser humano ainda precisa
melhor retenção de água em virtude de níveis construir sociedades desse tipo. Seria possível
mais altos de carbono no solo. 12 que, bem lá no fundo do sistema econômico da
Os dados coletados do ensaio constataram natureza, estejam incorporadas sugestões para
que o solo sob manejo de agricultura orgânica uma economia humana na qual a conservação é
consegue acumular cerca de 1.000 libras de car- uma consequência da produção?” A riqueza eco-
bono por acre/pé por ano. Isso equivale a lógica, argumenta Jackson, é patrocinador mais
3.667 libras de dióxido de carbono por acre confiável dos sistemas de alimentação humana do
(4.118 quilogramas por hectare ao ano) retira- que os combustíveis fósseis, empréstimos bancá-
dos do ar e sequestrados para a matéria orgâni- rios ou subsídios governamentais. 15
ca do solo. Além disso, os métodos orgânicos Pesquisas do Land Institute mostram que,
utilizaram de 28% a 32% menos energia e foram comparadas às plantas anuais, as plantas alimen-
mais rentáveis do que os métodos industriais. tícias perenes oferecem maior proteção contra a
Esses resultados sugerem que os sistemas orgâ- erosão do solo, aproveitam a água e nutrientes
nicos representam uma grande promessa na de forma mais eficiente, sequestram mais carbo-
redução do uso do combustível fóssil e das no, são mais resistentes a pragas e intempéries e
emissões de gases de efeito estufa. O estudo precisam de menos energia, trabalho e fertili-
indica que, se os 64 milhões de hectares das ter- zante. O rendimento por enquanto ainda é
ras cultiváveis dos EUA, atualmente com plan- menor em comparação com o das safras anuais,
tação de milho e soja, fossem convertidos em mas está aumentando. Estudos realizados na
lavoura orgânica, haveria sequestro de 264 África sugerem que diversos grãos, frutas e
milhões de toneladas de dióxido de carbono; vegetais hoje cultivados em monoculturas
isso é equivalente a fechar 207 usinas de carvão anuais produzirão resultados semelhantes aos
para produção de energia (225 megawatts), obtidos em policulturas perenes. 16
aproximadamente 14% da capacidade instalada
de energia elétrica gerada por carvão nos Sistema Agroflorestal
Estados Unidos ou na China. 13
O sistema agroflorestal combina árvores e
Policulturas Perenes arbustos com culturas agrícolas anuais e criação
de animais de forma a amplificar e integrar o
Wes Jackson e seus colegas do The Land rendimento da safra e os benefícios para além do
Institute em Salina, Kansas, estão desenvolven- que cada componente oferece separadamente.
do novas culturas perenes para a substituição de Da mesma maneira que outros métodos de agri-
grãos que precisam ser replantados anualmente. cultura sustentável, este sistema tem como base
Esses grãos são cultivados em sistemas de poli- observar os ecossistemas naturais produtivos e
culturas, misturados a outras espécies perenes imitar os processos e relações que os tornam
que fixam o nitrogênio para a fertilização e pro- mais resilientes e regenerativos.
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plantio direto que utilizam forrageiras com gran- poníveis na propriedade agrícola e asseguraria
de quantidade de resíduos desenvolvem matéria que a produção trazida pelas galinhas atendesse
orgânica no solo e reduzem a movimentação da as necessidades de outros elementos do planeja-
água sobre sua superfície, permitindo que ela mento, tal como o cultivo de certas espécies ou
penetre em maior quantidade. Em Nova Gales um sistema de aquicultura.
do Sul, Maurice relata sua mais importante des- Logo depois de começar a funcionar, o pro-
coberta: os níveis de carbono no solo eram signi- jeto de permacultura evolui naturalmente, capta
ficativamente mais altos em áreas de gramíneas sinergias e produz uma grande quantidade de
perenes na vegetação remanescente — cerca de alimento e de outros produtos, com decréscimo
4%, em contraposição a 1,5% em áreas do sistema de mão de obra e recursos energéticos ao longo
tradicional de cultivo contínuo. 21 do tempo. Um exemplo de uma estratégia de
permacultura é a combinação de culturas em
Permacultura alianças sinergéticas chamadas associação, tal
como a tradicional combinação de milho, feijão
O termo permacultura, uma contração de e abóbora. Pesquisadores constataram que essas
“agricultura permanente”, foi criado pelos aus- combinações conseguem gerar o dobro, ou
tralianos Bill Mollison e David Holmgren e mesmo o triplo, de rendimento do que se con-
refere-se a um enfoque dos sistemas agrícolas segue com monoculturas. 23
para o planejamento de ecologias humanas, Um dos exemplos mais conhecidos de per-
incluindo todas as suas dimensões – proprieda- macultura bem-sucedida é encontrado em um
de agrícola, domicílio, cidade – e que imita as dos locais da Terra menos propícios para a agri-
relações encontradas nos biomas naturais. Este cultura. A área de Kafrin no vale da Jordânia, a
sistema integra conceitos de agricultura orgâni- 10 km do Mar Morto, é praticamente só deser-
ca, sistema sustentável de agrofloresta, plantio to e recebe apenas duas ou três chuvas leves no
direto e técnicas de projeto de aldeias inspiradas inverno. O sedimento fluvial é fino e salgado, e
nos povos nativos. A permacultura aplica a teo- mesmo os poços na região são muito salinos
ria ecológica para entender as características dos para serem usados na irrigação.
diferentes elementos do projeto e as possíveis Foi lá que Geoff Lawton e uma equipe de
relações entre eles. 22 permaculturistas montaram um pequeno sítio
Esse método usa ainda um conjunto de prin- de 5 ha, e, em 2001, começaram o projeto: ini-
cípios trazidos da ciência dos ecossistemas. Um cialmente, cavaram valas em linha sinuosa acom-
desses princípios é o uso do modelo “do berço panhando todo o perímetro da propriedade, e,
ao berço” que prega a reciclagem de todos os com a terra retirada da escavação, fizeram mon-
recursos sem geração de lixo; e uma outra pre- tes com largura de 2 metros. Depois, plantaram
missa que pode ser mencionada é a busca de leguminosas nos montes, para fixação do nitro-
interações entre os componentes de modo que gênio e utilização como forrageiras. Cada árvo-
as necessidades e os rendimentos estejam inte- re recebeu então um nódulo que gotejava água
grados dentro do planejamento. Por exemplo, enviada por um duto proveniente de uma repre-
uma galinha precisa de alimento, água, habitat sa construída para captar água lixiviada; o lago
seguro e de outras galinhas, e ela produz ovos, formado pela represa estava repleto de tilápias e
penas, carne e adubo, além de comer ervas dani- gansos, que contribuíram com fertilizantes
nhas e auxiliar no controle de insetos. Um pla- orgânicos para as árvores. 24
nejamento que integre as galinhas atenderia as Nas valas úmidas, plantaram-se azeitona,
necessidades do animal usando os recursos dis- figo, mandioca, tâmara, romã, uva, frutas cítri-
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P
ara romper com o padrão do consu-
mismo, todos os aspectos da educa- ou uma escola pública de ensino fundamental,
ção – do horário de almoço e inter- ou por meio de instituições educacionais menos
valos ao trabalho em classe e até a formais como museus, zoológicos e bibliotecas
volta a pé para casa - terão de ser pautados pela – maior será o número de pessoas que internali-
sustentabilidade. Hábitos, valores, preferências zarão os ensinamentos da sustentabilidade
– todos são, em grande medida, formados na desde a infância, e assim, essas ideias, valores e
infância. E durante a vida, a educação pode ter hábitos irão se tornar “naturais”. Se conseguir-
um efeito transformador sobre quem aprende. mos fazer uso da educação, ela será uma ferra-
Portanto, explorar essa instituição poderosa será menta poderosa para criar sociedades sustentá-
essencial para redirecionar a humanidade para veis.
culturas de sustentabilidade. Este capítulo investiga uma amostra do que
Nenhum sistema educacional é isento de está acontecendo no mundo à medida que edu-
valores, pois todos ensinam e são orientados por cadores trabalham para sair de um padrão cultu-
um determinado conjunto de ideias, valores e ral de consumismo e entrar no padrão da susten-
comportamentos, quer seja o consumismo, tabilidade. Ingrid Pramling Samuelsson, da
comunismo, crenças religiosas ou sustentabili- Universidade de Gothenburg, e Yoshie Kaga, da
dade. Conforme afirma a Unesco: “A educação Unesco, descrevem o papel de formação que a
não constitui um fim em si. É um instrumento educação precoce pode ter para ensinar as crian-
essencial para possibilitar as mudanças necessá- ças a viver de forma sustentável, incorporando
rias no conhecimento, valores, comportamentos concretamente lições fundamentais de meio
e estilos de vida para alcançar a sustentabilidade ambiente nos currículos escolares. Susan Linn,
e a estabilidade dentro dos países e entre eles, a da Campanha por uma Infância Livre de
democracia, a segurança humana e a paz. Sendo
Comerciais, focaliza como será importante res-
assim, o redirecionamento dos sistemas e currí-
gatar a infância das mãos dos marqueteiros e dar
culos educacionais para tais necessidades deve
às crianças tempo para brincadeiras criativas e
ser de alta prioridade. A educação, em todos os
não estruturadas, que não estimulem valores ou
níveis e em todas as suas formas, constitui uma
desejos consumistas.
ferramenta vital para tratar de praticamente
Kevin Morgan e Roberta Sonnino, da
todos os problemas mundiais importantes para
Universidade de Cardiff, explicam que as refei-
o desenvolvimento sustentável”.1
ções na escola são uma parte especialmente
Quanto mais a sustentabilidade puder estar
importante do dia escolar que poderiam ser mais
integrada aos sistemas escolares atuais – seja em
bem usadas para ensinar consciência ambiental e
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ajudar a criar padrões de alimentação saudáveis de acadêmica para investigar a melhor forma de
e sustentáveis. E David Orr, do Oberlin mudar o rumo das culturas humanas.
College, faz considerações sobre os dois impor- Incorporar a educação sobre sustentabili-
tantes papéis destinados às universidades na reo- dade na formação de professores e nos currí-
rientação da aprendizagem sobre sustentabilida- culos escolares e criar oportunidades para
de: ensinar o pensamento ecológico e ser um aprender sobre sustentabilidade ao longo da
modelo de sustentabilidade, tanto para os alu- vida toda serão essenciais para engendrar
nos quanto para as comunidades vizinhas. sociedades que sobrevivam com sucesso por
Os artigos aqui apresentados incluem ainda muitos anos no futuro. O primordial agora é
diversas discussões mais breves sobre outros des- expandir programas como os descritos aqui e
dobramentos importantes: os benefícios, para integrá-los de forma profunda às principais
adultos e crianças, de se promover uma volta à instituições educacionais. Isso ajudará a trans-
natureza; as brinquedotecas que foram montadas formar o papel da educação – que muitas vezes
em dezenas de países; a iniciativa de um museu reforça comportamentos de consumo não sus-
para tornar-se um centro de educação em susten- tentável – atribuindo-lhe um lugar de coadju-
tabilidade; o papel das faculdades no fomento de vante no estímulo ao conhecimento essencial
uma ética de sustentabilidade e a proposta da para viver uma vida sustentável.
Avaliação Milênio de Comportamento Humano, —Erik Assadourian
que poderia ser usada para mobilizar a comunida-
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Em vista dos desafios sem precedentes familiar e do crescente número de mulheres que
impostos pelo contínuo crescimento populacio- trabalham. Cerca de um terço das crianças
nal, pela destruição do meio ambiente e por pequenas nos países industrializados do ociden-
recursos cada vez mais escassos, a educação em te estão sendo cuidadas fora de casa desde um
todos os níveis deve ser revista de modo a enfa- ano de idade ou menos, e a maioria das crianças
tizar mais intensamente seu papel de incentiva- frequentam cursos de educação infantil durante
dora de valores, atitudes, práticas, hábitos e esti- pelo menos dois anos antes de ingressarem no
los de vida que promovam a sustentabilidade. ensino fundamental. Entre 1999 e 2006, o per-
Como parte desse esforço, a educação de crian- centual de crianças no mundo com idade entre
ças pequenas merece atenção especial. um e cinco anos matriculadas no jardim de
As pesquisas mostram que o cérebro humano infância ou curso equivalente cresceu de 33%
e os caminhos biológicos se desenvolvem rapida- para 40%. Entretanto, a parcela de crianças em
mente e que as experiências das crianças antes do tais contextos educacionais varia bastante no
início do ensino fundamental moldam suas atitu- mundo todo. Em 2006 os números eram 14%
des, valores, comportamentos, hábitos, habilida- na África Subsaariana, 18% nos países árabes,
des e identidade para a vida toda. Portanto, os pri- 45% na Ásia Oriental e Pacífico, 65% na América
meiros anos de vida proporcionam uma brecha de Latina e Caribe, e 81% na América do Norte e
oportunidade para alimentar o amor das crianças Europa Ocidental. 2
pela natureza e os hábitos, práticas e estilos de vida
que favoreçam a sustentabilidade (Veja Quadro
6). Competências básicas para a vida, como A Educação Infantil Pode Ajudar
comunicação, cooperação, autonomia, criativida- na Mudança
de, resolução de problemas e persistência, são
adquiridas nesses primeiros anos de vida, quando A educação infantil pode ajudar a construir
também surge a motivação para o aprendizado. 1 uma cultura de sustentabilidade se for estrutura-
Vivemos uma época ideal para analisar for- da com base no desenvolvimento sustentável, se
mas de vínculo entre os programas de educação as diretrizes pedagógicas e curriculares estiverem
infantil e prioridades no campo da sustentabili- voltadas para a educação para a sustentabilidade,
dade, como atestado pela expansão significativa se o treinamento dos professores e funcionários
desses programas nos últimos anos, o que nesse campo for reforçado e se os pais e comuni-
decorre, em parte, de mudanças na estrutura dades forem envolvidos no processo.
Ingrid Pramling Samuelsson é professora de educação infantil na Universidade de Gothenburg, Suécia. Yoshie
Kaga é especialista no programa de cuidados e educação infantil na Unesco.
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Educação Infantil para Transformar Culturas para a Sustentabilidade ESTADO DO MUNDO 2010
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Educação Infantil para Transformar Culturas para a Sustentabilidade ESTADO DO MUNDO 2010
crianças, permitindo que examinem os funda- nas, comum nas escolas, não proporciona os
mentos de suas opiniões, ideias e pressupostos. melhores resultados na aprendizagem de ques-
Essa estratégia ajudará as crianças a examinar os tões relacionadas ao desenvolvimento sustentá-
vel, que são interdisciplinares por nature-
za. Ademais, ser um modelo de comporta-
mento é mais eficaz do que o ensino dire-
to ou teórico para ajudar crianças peque-
nas a internalizarem valores e desenvolve-
rem atitudes e inclinações desejáveis. As
crianças devem ter modelos que possam
tornar esses valores e características visíveis
e "vividos" em situações do dia-a-dia, o
que inclui centros e escolas de educação
infantil, famílias, assim como diversos
Courtesy Earth Sangha
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ESTADO DO MUNDO 2010 Educação Infantil para Transformar Culturas para a Sustentabilidade
ver os pequenos nas questões acerca do desenvol- parte das crianças no sentido de cuidar da natu-
vimento sustentável. Em um caso na Austrália, reza e do meio ambiente, buscando também
por exemplo, as crianças têm inúmeras oportuni- que compreendam que fazem parte do processo
dades de atuar como agentes de mudança para a de regeneração da natureza. O currículo pede
sustentabilidade. Trabalham em miniprojetos que os professores tratem de dilemas éticos e vê
como almoços que produzem menos lixo, limpe- a igualdade de gêneros como precondição para
za responsável, reutilização e reciclagem de coi-
uma sociedade sustentável. 13
sas, uma horta, um registro das plantas nativas,
embelezamento do meio ambiente, uso eficiente
dos recursos naturais e construção de um viveiro Desafios Atuais da Educação Infantil
de rãs. Trabalharam também questões sobre esti-
lo de vida, tais como gestão do lixo e o caráter Embora a capacidade de aprender de um
“ecologicamente correto” de seu ambiente exter- indivíduo seja mais receptiva nos primeiros anos
no. Os professores projetam as atividades com de vida, este é o período que tradicionalmente
habilidade, levando em conta os interesses das recebe o menor suporte no mundo educacional.
crianças; trabalham em cooperação e garantem Os gestores de políticas deveriam prestar mais
que a prática bem fundamentada e com reflexões atenção a essa área, dada a importância crucial
propicia interações e debates.ß de uma educação infantil de qualidade, que
Outro exemplo é um estudo de caso do
conte com uma equipe de educadores compe-
Japão, onde o trabalho com projetos foi pratica-
do em uma pré-escola com o tema do ciclo do tentes, para formar membros da sociedade ati-
bicho-da-seda, um inseto fascinante. A seda e o vos e responsáveis. 14
bicho-da-seda são usados há muito tempo e têm Outras áreas e níveis de ensino podem
um grande significado cultural na vestimenta aprender muito com os pontos pedagógicos
tradicional do Japão; no entanto, as amoreiras – sólidos da educação infantil, tais como o enfo-
que fornecem o alimento natural do bicho-da- que da experiência prática, uso do espaço ao ar
seda – estão desaparecendo do bairro da escola. livre como ferramenta de ensino, interdisciplina-
As crianças aprenderam todo o ciclo ecológico ridade, trabalho com projetos completos, incen-
relacionado ao bicho-da-seda, conferindo, na tivo às iniciativas e interesses das crianças e cria-
prática, o crescimento dos casulos que se trans- ção de vínculos com os pais e a comunidade.
formaram em larvas em menos de 25 dias, Com a crescente preocupação em criar uma
observando como as larvas comem e quando as força de trabalho competitiva em uma economia
fibras de seda são produzidas. Embora o foco
onde o conhecimento é globalizado, as institui-
principal do projeto fosse a natureza, aspectos
culturais e econômicos foram inseridos também ções de educação infantil são cada vez mais pres-
quando as professoras abordaram o tema das sionadas a colocar a prontidão escolar e a aqui-
roupas de seda e da indústria da seda na socie- sição de habilidades formais como seus objetivos
dade japonesa. 12 centrais. Mas essas escolas e outras entidades
O último exemplo vem da Suécia. O currícu- pré-escolares precisam resistir às pressões que
lo nacional sueco referente a cuidados com a tentam abarrotá-las de currículos concebidos
criança e educação infantil explicita claramente apressadamente e programados com metas pre-
que os professores são responsáveis pela promo- definidas para implementação através de um
ção do respeito aos valores intrínsecos de cada aprendizado de segunda mão. Vivemos uma
pessoa, bem como ao meio ambiente que todos época ideal para que as crianças desenvolvam
usufruem. Esse parâmetro também focaliza um amor pelo meio ambiente e aprendam os
especificamente a aquisição de uma postura por 7Rs básicos para dele cuidar. 15
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O marketing está ligado a um grande século 21, a brincadeira criativa e prática é uma
número de problemas sociais e de saúde pública espécie em extinção. Talvez a ameaça mais
que as crianças enfrentam atualmente. A insidiosa e poderosa ao direito que cada criança
Organização Mundial da Saúde e outras institu- adquire ao nascer seja a escalada do comercialis-
ições de saúde pública identificam o marketing mo na vida dos pequenos. 3
dirigido ao público infantil como um fator sig- Poder brincar de forma criativa é essencial
nificativo na epidemia mundial de obesidade para a capacidade humana de experimentar, agir
infantil. Além disso, a propaganda e o marketing em vez de reagir, e diferenciar-se do entorno. É
têm sido associados a distúrbios alimentares, assim que as crianças lutam com a vida e dão
sexualização, violência juvenil, estresse familiar e sentido a ela. A espiritualidade e os avanços
uso de álcool e cigarro por menores de idade. 1 científicos e artísticos têm suas raízes no brincar.
Dentre os efeitos mais perturbadores do aces- O brincar promove atributos essenciais para
so irrestrito do marketing às crianças está o uma população democrática, tais como curiosi-
declínio das brincadeiras criativas, essenciais para dade, raciocínio, empatia, compartilhamento,
o desenvolvimento saudável. As forças comerciais cooperação e um sentido de competência – a
que impedem o desenvolvimento da capacidade crença de que o indivíduo pode fazer diferença
infantil natural de brincar são assustadoras. Mas no mundo. A resolução construtiva de proble-
existe um movimento em franca expansão para mas, o pensamento divergente e a capacidade de
resgatar a infância das mãos dos marqueteiros e autorregulação são adquiridos por meio das
um ressurgimento do interesse em proteger e brincadeiras criativas. 4
promover o "faz-de-conta" prático, não estrutu- Quando as crianças brincam, conseguem,
rado e desenvolvido pelas crianças. 2 animadas, fazer surgir biscoitos do nada ou con-
versar com criaturas que mais ninguém vê,
Por que Brincar é Importante enquanto permanecem com os pés no mundo
“real". Depois que as crianças desenvolvem a
O brincar tem um aspecto cultural universal habilidade de reconhecer simultaneamente um
e é fundamental para o bem-estar das crianças – objeto pelo que ele é e pelo que poderia ser, são
o que levou as Nações Unidas, em sua capazes de alterar o mundo ao redor de si para
Convenção sobre os Direitos da Criança de concretizar seus sonhos e esperanças e dominar
1989, a incluir esse item na lista de direitos seus medos. Quando as crianças têm tempo e
garantidos. Brincar é essencial para um desen- oportunidade, mudam espontaneamente para os
volvimento saudável, e garantir o direito de jogos de “faz-de-conta" para entender suas
brincar das crianças é um componente básico experiências, lidar com adversidades e experi-
para um mundo sustentável. No entanto, no mentar e ensaiar novos papéis. Desenvolvem,
Susan Linn atua na Campanha por uma Infância Livre de Comerciais e na Harvard Medical School.
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ainda, a capacidade de usar o jogo de faz-de- recursos internos para resistir às mensagens que
conta como ferramenta para cura, autoconheci- as empurram para o consumo excessivo.
mento e crescimento. Nenhum estudo longitudinal foi feito para
De modo geral, pressupomos que quando as examinar as implicações de longo prazo que afe-
crianças têm tempo livre, participam de algum tam crianças privadas dos jogos criativos. Mas
tipo de brincadeira autocentrada, ou “livre”, uma pesquisa junto a 400 dos principais empre-
cuja motivação vem de dentro, e não de forças gadores dos EUA revelou que muitos de seus
externas. Mas pela primeira vez na
história, essa tese é desmentida. Entre
1997 e 2002, em cinco anos apenas, o
número de horas que as crianças de 6 a 8
anos usaram em jogos de faz-de-conta nos
Estados Unidos – como fantasiar-se ou
brincar recorrendo a transformações da
imaginação – caiu cerca de um terço. Mais
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para crianças venha dos EUA, a tendência é dis- gramação específica traz também consequências.
seminada mundialmente pelas multinacionais Em 1994, logo após a chegada da programação
(Veja a Tabela 7). Somente as empresas do ramo de TV do World Wrestling Entertainment em
alimentício gastam cerca de US$ 1,9 bilhões por Israel, cientistas sociais documentaram o que foi
ano no mundo todo com o marketing voltado descrito por eles como uma epidemia de danos
diretamente para as crianças. 7 aos pátios das escolas causados por crianças que
O entretenimento comercial criado nos imitavam os movimentos da luta livre. 8
Estados Unidos tem sido há muito um de seus As duas companhias que dominam mundial-
produtos de exportação mais rentáveis. O mente a indústria de brinquedos, Hasbro e
Mickey Mouse já era reconhecido no mundo Mattel, criam filmes e programas de TV para
todo muito antes da propaganda e marketing promover seus produtos no mundo todo. Em
dirigido ao público infantil se intensificarem nos 2009, a Hasbro anunciou planos de criar sua
anos 80. Mas a combinação da globalização, própria estação de TV a cabo infantil em parce-
tecnologias sofisticadas de mídia e políticas ria com o Discovery Channel, apresentando
norte-americanas contrárias à regulamentação marcas de sucesso como Tonka e My Little
converteram as crianças do mundo todo em um Pony. Em um recente estudo internacional
alvo muito mais viável. Os avanços tecnológicos, sobre atividades de lazer das crianças, os
como vídeo, DVDs, as estações de TV a cabo e pesquisadores ficaram surpresos com a pouca
por satélite, aumentam o acesso dos mar- diferenciação atual na maneira como as crianças
queteiros às crianças. Agora que a Internet e os no mundo todo passam seu tempo livre. 9
videogames podem ser acessados nos tocadores Os críticos da globalização caracterizam a
de MP3 e telefones celulares, os caminhos que comercialização da infância como um veículo
levam às crianças estão aumentando. poderoso para incutir valores capitalistas em cri-
A mera introdução da mídia eletrônica com anças desde muito cedo. A mensagem subja-
tela em uma cultura pode influenciar profunda- cente de praticamente todo o marketing, seja
mente as normas da sociedade, como por exem- qual for o produto anunciado, é que comprar
plo, padrões de beleza, hábitos alimentares e coisas faz as pessoas felizes. Além do fato de as
interações interpessoais. Um estudo clássico pesquisas sobre felicidade mostrarem que isso é
mostrou o aumento dos distúrbios alimentares falso, mergulhar as crianças na mensagem de
entre as mulheres em Fiji após a televisão ter que os bens materiais são essenciais para a autor-
chegado à ilha em 1995. A introdução de pro- realização promove a aquisição de valores mate-
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rialistas, que já foram associados à depressão e todas as plataformas, as telas eletrônicas são o
baixa autoestima. As pesquisas mostram que cri- meio principal usado pelo marketing para atingir
anças com valores mais materialistas são também as crianças. Personagens adoráveis, tecnologia de
menos propensas a desenvolver comportamen- ponta, apresentação em cores vivas e estratégias
tos ecologicamente sustentáveis tais como reci- de marketing bem fundamentadas combinam-se
clagem ou economia de água. 10 em campanhas coordenadas para conquistar o
coração, a mente e a imaginação das crianças –
O Impacto do Comercialismo ensinando-lhes a dar mais valor ao que pode ser
comprado do que a suas criações de faz-de-conta.
sobre o Brincar Hoje, mais do que nunca, as crianças pre-
cisam de tempo, espaço, ferramentas e silêncio,
Hoje, a atividade de lazer preferida das cri-
essenciais para desenvolverem suas aptidões para
anças, seja em países industrializados ou em
curiosidade, criatividade, autorreflexão e
desenvolvimento, é ver televisão. Nos Estados
Unidos, as crianças passam mais tempo na
frente das telas de TV do que em qual-
quer outra atividade que não seja dormir:
cerca de 40 horas por semana, quando
não estão na escola. Dezenove por cento
dos bebês norte-americanos com menos
de 1 ano de idade têm uma TV no quar-
to. No Vietnã, 91% das mães relatam que
seus filhos veem TV com frequência,
assim como 80% das mães na Argentina,
Brasil, Índia e Indonésia. 11
As pesquisas indicam que quanto mais as
crianças pequenas ficam na frente das telas,
menos tempo passam brincando de forma
Leonid Mamchenkov
criativa. Diferentemente de outros meios de
comunicação como a leitura e o rádio, que
exigem que as pessoas imaginem sons ou
representações visuais, a tela faz todo esse
trabalho. Embora haja algumas indicações
de que determinadas mídias com tela pos- Assistindo a TV com o ursinho, em Chipre.
sam incentivar as crianças a brincar de forma
criativa e melhorar alguns tipos de apren-
envolvimento com significado no mundo. Mas
dizagem específicos, quando as telas dominam a
quando o consumismo e o materialismo domi-
vida das crianças – não importando o conteúdo –
elas ameaçam, em vez de intensificar, a criativi- nam a sociedade, os jogos criativos deixam de
dade, o brincar e o faz-de-conta. 12 ser valorizados. Os brinquedos que incentivam a
A possibilidade de assistir a programas em imaginação – blocos, material de arte, bonecas e
DVD, tocadores de MP3, celulares, TIVO e out- bicho de pelúcia sem chips e conexões com
ros aparelhos de gravação domésticos que per- meios de comunicação – podem ser usados
mitem a programação “sob encomenda” traz inúmeras vezes e de diversas maneiras, dimin-
uma nova realidade para a vida das crianças: assi- uindo a necessidade de gastar dinheiro com
stir ao mesmo programa diversas vezes. Dentre brinquedos novos. As brinquedotecas são outra
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Quadro 7. Brinquedotecas
Uma forma inteligente adotada por muitos pais a influência do mercado sobre seus filhos.
para reduzir o consumismo na infância é o uso Muitos pais consideram a experiência de procurar
das brinquedotecas. Elas são como bibliotecas, e comprar itens para crianças em lojas de
com a diferença que as crianças emprestam brinquedos muito estressante e conflituosa.
brinquedos e jogos, em vez de livros. Pegar um brinquedo emprestado da brinquedoteca
Localizadas no centro da comunidade, as oferece às crianças opções abundantes e uma
brinquedotecas aproximam as famílias para profusão de brinquedos desafiadores.
compartilhar bens coletivos. Uma estimativa revelou Dividir bens coletivos também ensina às
que há 4.500 brinquedotecas espalhadas por 31
crianças lições importantes, como generosidade,
países. Na Nova Zelândia, por exemplo, 217
brinquedotecas atendem mais de 23.000 crianças. empatia e valores ecológicos. Ao que tudo indica,
essas experiências positivas de compartilhar
Ao fornecerem brinquedos e jogos, as contaminam todos, e os pais acabam expandindo
brinquedotecas ajudam os pais a economizar.
seu conceito para outras experiências, como
Adotando os valores da comunidade, as
doação de brinquedos, trocas de roupas infantis,
brinquedotecas também podem deixar de fora
brinquedos que não tenham valor educativo ou que dar itens de segunda mão de presente, participar
reforcem valores de consumo negativos, como de cooperativas de livros, organizar caronas e
bonecas Barbie e carrinhos e armas de brinquedo. participar de bancos de horas.
As brinquedotecas resolvem ainda um importante — Lucie Ozanne, Professora de Marketing,
dilema enfrentado pelos pais: como atender o Universidade de Canterbury, Nova Zelândia
direito básico da criança de brincar com —Julie Ozanne, Professora de Marketing,
brinquedos variados e estimulantes e ao mesmo
tempo evitar o consumo excessivo e o desperdício? Universidade Virginia Tech
Além disso, a brinquedoteca ajuda os pais a reduzir Fonte: Veja nota 13
forma de reduzir o gasto com mais um item e personalidades já estão determinadas roubam
novo (Veja o Quadro 7).13 das crianças a oportunidade de exercer sua própria
A parafernália eletrônica que caracteriza os criatividade – especialmente se as crianças con-
brinquedos campeões de vendas de hoje dá hecerem o programa que originou o person-
margem a grandes campanhas de marketing. agem. A menos que se encontre uma maneira de
Eles parecem divertidos, mas são criados com evitar que os marqueteiros atinjam as crianças,
uma certa obsolescência planejada. De modo as brincadeiras delas nutrirão a imitação, reativi-
geral, não são projetados para entreter as cri- dade e dependência das telas, em vez da criativi-
anças durante anos, ou mesmo meses, são pro- dade, iniciativa própria e exploração ativa.
jetados para vender. Se o interesse for embora,
tanto melhor: uma nova versão será lançada em Estimulando o Brincar em um
breve. Brinquedos que falam, gorjeiam e dão Mundo Comercialista
saltos para trás sozinhos roubam muito da cria-
tividade e, portanto, do valor das brincadeiras. A proteção do direito de brincar da criança
Brinquedos com marcas licenciadas são um está inextrincavelmente ligada ao seu direito de
negócio especialmente vultoso e renderam em crescer e se desenvolver sem ser prejudicada
2007 cerca de US$ 6,2 bilhões, só nos Estados por interesses comerciais. As leis que protegem
Unidos. 14 Brinquedos que representam per- as crianças do marketing empresarial variam
sonagens conhecidos na mídia cujas vozes, ações bastante, sendo que muitos países contam
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ecológicos – em cooperação com o Ministro da livre para brincar. Mas isso não é mais verdade.
Agricultura, Natureza e Segurança dos O brincar é uma espécie em extinção, e precisa
Alimentos - insistem para que o Parlamento haver um esforço consciente e concentrado para
apoie iniciativas importantes para ajudar na salvar o faz-de-conta para as gerações futuras. A
conexão das crianças com a natureza. Na consequência de milhões de crianças crescerem
Alemanha, as Waldkindergärtens – pré-escolas sem brincar é um mundo carente de alegria,
onde crianças pequenas passam o tempo escolar criatividade, pensamento crítico, individuali-
junto à natureza – estão se multiplicando. 20 dade e significado – muitas das coisas que fazem
Para as gerações anteriores, era um pressu- valer a pena ser humano. Precisamos deixar as
posto óbvio que as crianças usavam seu tempo crianças brincarem.
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Para a grande maioria das crianças em país- Embora o poder de compra tenha sido
es industrializados, a alimentação escolar é empregado com muita eficácia para atender
para ser engolida e não saboreada – um rito de prioridades estratégicas – em particular, para a
passagem para um mundo adulto onde ali- criação de tecnologia militar nos Estados
mentação saudável é a exceção, e não a regra, Unidos ou energia nuclear na França– rara-
conforme demonstrado pelo rápido cresci- mente é usado para coisas prosaicas como ali-
mento de doenças relacionadas a hábitos ali- mentos frescos nas escolas, nos hospitais e em
mentares. Milhões de crianças em países em outras instituições de cuidados intensivos de
desenvolvimento têm de engolir algo bem saúde. Felizmente, cada vez mais gente
pior, é claro, pois a falta de merenda escolar começa a perceber que uma alimentação
ainda é flagrante em muitos casos. saudável deve ser uma prioridade estratégica
Atualmente, as coisas estão mudando em em si para que se possa dar o devido valor à
saúde da população, justiça social e integri-
parte da Europa, América do Norte e África.
dade ambiental – os princípios básicos do
As pessoas já foram além dos debates que
desenvolvimento sustentável.
questionam se os órgãos públicos são capazes
O serviço de alimentação nas escolas é um
de oferecer uma alimentação mais saudável nas
termômetro do compromisso de uma
escolas. O veredito já foi dado: é totalmente
sociedade com o desenvolvimento social
possível – os órgãos públicos já estão fazendo porque atende um público jovem e vulnerável
isso. Quando empregadas adequadamente, as cujos gostos físicos e modos de pensar ainda
compras públicas – o poder de compra – estão em formação. Mas oferecer uma alimen-
podem produzir um serviço de alimentação tação sustentável nas escolas é mais difícil do
escolar sustentável que proporciona dividen- que parece. Na realidade, apesar do
dos sociais, econômicos e ambientais, ao estereótipo de um serviço simples, a alimen-
mesmo tempo em que promove a cultura da tação escolar é parte de uma ecologia bastante
sustentabilidade. A alimentação saudável na complexa que exige sincronismo de diversas
escola quase sempre está também associada a variáveis. Para ser eficaz, a reforma da meren-
melhoras de comportamento, especialmente da escolar exige mudanças em todo o sistema,
em termos do grau de concentração e capaci- dada a interdependência do processo que traz
dade de aprendizagem das crianças. 1 o alimento da terra até a mesa.
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tores locais de alimentos. Até o momento, mais hor benefício – tendência essa que os fun-
de 1.000 escolas em 38 estados compram pro- cionários públicos responsáveis por compras e
dutos in natura de propriedades rurais locais. A os gerentes de alimentos sempre atribuem ao
"alimentação escolar com produtos nacionais" marco regulatório mais amplo de seu trabalho.
também se tornou uma prioridade em muitos Na Itália, em contrapartida, como veremos adi-
países em desenvolvimento, onde o Programa ante, o melhor benefício engloba atributos cul-
Alimentar Mundial da ONU tenta substituir ali- turais e financeiros, permitindo que as autori-
mentos importados (nos quais os programas dades locais contemplem as características qual-
tradicionais de merenda escolar se baseavam) itativas do serviço ao decidirem quem será con-
por alimentos cultivados localmente. O princi- tratado.
pal objetivo dessa iniciativa revolucionária, que No Reino Unido, as normas europeias para
tem sido particularmente bem-sucedida no compras públicas são, não raro, encaradas como
Brasil e em Gana, é gerar mercados para os pro- uma barreira à reforma da alimentação escolar.
dutores locais no transcorrer do processo de Mas, quando comparamos a postura britânica
promoção da saúde e educação das crianças com aquela adotada tradicionalmente na Itália,
envolvidas. 3 que está sujeita às mesmas normas da União
Sistemas de alimentos sustentáveis não são Europeia, fica claro que o problema é de inter-
inteiramente sinônimos de sistemas de alimen- pretação. Onde o Reino Unido foi conservador,
tos locais. Embora não haja motivo para supor a Itália foi arrojada, onde o Reino Unido enfati-
que alimentos produzidos localmente sejam zou o custo-benefício em um sentido econômi-
intrinsecamente superiores aos importados, não co restrito, a Itália buscou benefícios no sentido
há dúvida de que a demanda por uma alimen- mais amplo do termo. A explicação para essas
tação escolar mais saudável cria oportunidades interpretações divergentes está na interação
importantes de desenvolvimento econômico se entre valores culturais e vontade política, que no
os fornecedores locais tiverem a produção ade- caso da Itália valoriza muito a compra inovado-
quada e a infraestrutura para distribuí-la. Sendo ra de produtos agrícolas, fortemente associada à
assim, a reforma da alimentação escolar desem- sazonalidade e territorialidade. Resumindo, as
penha um papel importante na criação de novas normas de compras da União Europeia não
oportunidades para pequenos produtores, tan- constituem barreiras se os órgãos públicos
tas vezes marginalizados ou até excluídos pela tiverem competência e confiança para empregar
globalização do sistema de alimentos. 4 o poder de compra dentro dessas normas. 5
Nos Estados Unidos, as normas de compras
Aproveitando o Poder de Compra também são interpretadas como uma barreira, o
que tem impedido as diretorias regionais de
As compras públicas são o instrumento mais ensino de comprar alimentos produzidos local-
poderoso para criar um sistema de alimentação mente para o programa de almoço na escola. O
escolar sustentável, mas o seu potencial foi blo- Departamento de Agricultura dos EUA inter-
queado em alguns países devido a interpretações preta as normas de forma muito conservadora,
limitadas do que vem a ser "custo-benefício". alegando que as regionais de ensino não têm
Nas culturas que fazem contratações com base permissão para especificar preferências geográfi-
no preço, como as do Reino Unido e dos cas locais quando elaboram seus editais – uma
Estados Unidos, a maior barreira às compras interpretação veementemente contestada por
sustentáveis tem sido uma tendência sistêmica outros especialistas da área jurídica. Nada será
em que o baixo custo vem disfarçado como mel- tão eficaz para promover a causa das compras
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locais de gêneros alimentícios para alimentação de US$ 104 milhões) para reformular o serviço
escolar nos Estados Unidos do que um de refeições nas escolas. Esse processo começou
esclarecimento das normas, possibilitando, em 2002 com a publicação de Hungry for
então, que o fornecimento local seja incentiva- Success [Fome de Sucesso], um relatório
do de forma positiva e explícita pela legislação encomendado pelo governo escocês que pro-
estadual e federal. 6 movia abertamente a concepção de escola inte-
gral. Além de enfatizar a necessidade de fazer
Pioneiros da Revolução da ecoar na cantina a mensagem dada em sala de
aula, esse relatório revolucionário apresentou
Alimentação Escolar novos padrões baseados em nutrientes para mel-
horar a qualidade da comida servida nas escolas,
Cada uma das reformas descritas acima – a
e sugeriu que a refeição escolar se aproximasse
concepção de escola integral, a criação de
mais de um serviço de saúde e menos de um
cadeias de alimentos sustentáveis e compras
serviço comercial. 7
públicas inovadoras – representa um grande
O condado rural de East Ayrshire, na região
desafio por si só. Mas o maior desafio de todos
central da Escócia, foi mais longe na implemen-
é sincronizar as reformas para que tenham um
tação das recomendações do governo. Tirando
efeito de reforço e sinergia mútuos. Isso é o que
o máximo proveito do poder de compra
os pioneiros da reforma da alimentação escolar
adquirido com o Hungry for Success, em 2004,
têm em comum: todos eles reconhecem o
caráter ecológico e interdependente do serviço East Ayrshire iniciou um programa piloto em
de alimentação escolar. uma de suas escolas de ensino fundamental pau-
Muito embora cresça no mundo todo a con- tado pelo uso de alimentos frescos, orgânicos e
scientização sobre o papel da alimentação esco- locais. A iniciativa fez tanto sucesso com as cri-
lar na promoção dos objetivos do desenvolvi- anças, pais e merendeiras, que, um ano depois, a
mento sustentável, dois países podem ser con- Câmara Municipal decidiu estender a reforma
siderados pioneiros na revolução da alimentação para mais 10 escolas de ensino fundamental.
nas escolas: Escócia e Itália. De fato, nesses país- Atualmente, todas as escolas de ensino funda-
es os três aspectos fundamentais do processo de mental no condado participam do programa. 8
reforma escolar foram considerados, refletindo A adoção de um programa de compras difer-
uma nova visão do serviço que começa a trans- enciadas visando ajudar os pequenos fornece-
formar valores culturais em todos os estágios da dores e os fornecedores de alimentos orgânicos
cadeia alimentar da escola – entre as crianças e a participar do sistema de refeições servidas na
seus pais, funcionários da escola, funcionários escola também foi fundamental para o processo.
públicos responsáveis por compras, fornece- Por exemplo, algumas das diretrizes de
dores e gestores de políticas. “limpeza” para vegetais de Classe 1 foram flexi-
A Escócia foi pioneira na reforma da alimen- bilizadas para atrair fornecedores de produtos
tação escolar britânica muito antes do surgi- orgânicos; o contrato foi dividido em lotes
mento de A Cantina Escolar de Jamie, um seri- menores para ajudar os fornecedores de menor
ado de TV de sucesso, que, em 2006, expôs ao porte a lidar com o tamanho dos pedidos, e os
público em geral os problemas do serviço de ali- critérios para contratação foram baseados igual-
mentação escolar britânico. Nessa época, a mente em preço e qualidade. Ao mesmo tempo,
Escócia acabara de concluir a primeira etapa de a Câmara engajou-se intensamente para que
sua reforma da alimentação escolar, que contou todos os envolvidos na cadeia de alimentos
com um investimento de £ 63,5 milhões (cerca tivessem o mesmo comprometimento em
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relação aos ideais da reforma. Mais especifica- públicos municipais. E o que talvez seja mais
mente, foram organizados treinamentos sobre importante, é que a revolução da alimentação
nutrição e alimentação saudável para gerentes escolar nesse condado rural carente criou uma
de alimentos e cozinheiros. Os produtores nova visão de desenvolvimento sustentável com-
foram convidados a entrar nas salas de aula para partilhada por todos e que está conseguindo per-
explicar onde e como produziam os alimentos e mear as instâncias do consumo, produção e com-
os pais também foram convidados a participar pras, desafiando concepções errôneas amplamente
por meio de uma série de “demonstrações de disseminadas sobre o potencial existente para
adquirir alimentos de qualidade. 10
dicas de culinária saudável”.9
Na Itália, a concepção de escola integral já
Em East Ayrshire, a reforma da alimentação
faz parte do serviço de refeições escolares por
escolar trouxe importantes resultados do ponto de
tradição, que são consideradas parte integrante
vista do desenvolvimento sustentável. Em decor- do direito à educação e saúde dos cidadãos. Por
rência da postura da Câmara Municipal em conseguinte, como mencionado anteriormente,
relação à escolha de serviços, o trajeto percorridoo melhor benefício lá não é de forma alguma
pelos alimentos foi reduzido em 70% e o lixo ger- sinônimo de custo baixo; na realidade, as carac-
ado pelas embalagens diminuiu. Abriram-se novas terísticas qualitativas do serviço e sua compati-
bilidade com o currículo (especi-
ficamente, as tradições locais) são
sempre levadas em consideração
no processo de licitação. Não é
surpresa, portanto, que as escolas
italianas já estejam comprando de
fornecedores locais há décadas,
muitas vezes complementando
sua ênfase em produtos locais
com uma ampla gama de iniciati-
vas educacionais para as crianças e
seus pais, enfatizando os benefí-
cios da sazonalidade e territoriali-
dade. Diferentemente do que
acontece na maioria dos outros
Peiling Tan
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Cerca de 150.000 crianças que comem na esco- 44% veem de cadeias de alimentos “biodedica-
la em Roma consomem aproximadamente 150 dos” que priorizam exclusivamente produtos
toneladas de alimentos por dia. Para evitar o orgânicos, 26% são produzidos localmente, 14%
choque que essa enorme demanda teria sobre o dos alimentos tem o selo de Comércio Justo, e
mercado de alimentos orgânicos, a prefeitura 2% vêm de cooperativas sociais que empregam
optou por um programa de compras progressi- ex-detentos ou que cultivam terras confiscadas
vas. No início, as empresas que forneciam da Máfia. À medida que o processo de reforma
refeições foram obrigadas a oferecer apenas fru- prossegue, começa a surgir um novo tipo de sis-
tas e verduras orgânicas, mas criou-se um sis- tema de alimentação baseado na qualidade – e
tema de incentivos para que aumentassem a com ele, novos valores culturais que educam a
gama de produtos orgânicos para as escolas. Ao sociedade civil para os valores e significados da
mesmo tempo, foram criados critérios de lici- sustentabilidade. 14
tação para estimular os participantes a melhorar
a qualidade socioambiental dos produtos e Da Alimentação na Escola para a
serviços oferecidos – incluindo, por exemplo, Alimentação para a Comunidade
critérios que premiavam iniciativas para melho-
rar o ambiente de alimentação dos alunos ou
Os exemplos da Escócia e Itália demonstram
fornecer produtos certificados como Comércio
que, quando bem concebida e bem feita, a
Justo (usados como ferramenta para ensinar às
reforma da alimentação escolar pode ter um
crianças o valor da solidariedade para com os papel crucial na criação de novas formas de
países em desenvolvimento). 12 “cidadania ecológica” que levem as pessoas a
Assim como East Ayrshire, Roma compreen- pensar de forma mais crítica sobre suas inter-
deu a importância de criar uma nova cultura ações com o meio ambiente, participar dos
coletiva de sustentabilidade em torno da ali- problemas coletivos e assumir responsabilidade
mentação escolar. Os fornecedores contratados por sua conduta. Simplificando, a reforma da
têm a garantia de um diálogo constante com a alimentação escolar está criando novas gerações
prefeitura expresso na forma de uma mesa- de cidadãos-consumidores conscientes. 15
redonda permanente, cujo intento é promover Muito mais seria conseguido se o poder de
“uma vontade comum de caminhar numa deter- compra fosse utilizado em todo o espectro do
minada direção”, conforme explicou o diretor setor público – em hospitais, asilos, faculdades,
de uma empresa fornecedora de refeições. Ao universidades, prisões, repartições públicas e
mesmo tempo, foi pedido às empresas que locais afins. No contexto de mudança climática
introduzissem iniciativas de educação alimentar e segurança alimentar, conferir aos benefícios da
para os usuários do serviço, que tiveram, assim, reforma da alimentação escolar uma dimensão
a oportunidade de participar da reforma através mais ampla e maior importância social e geográ-
das Comissões de Cantinas. Essas comissões são fica torna-se cada vez mais uma obrigação, não
formadas por dois pais que podem inspecionar apenas uma opção.
as instalações da escola e apresentar comentários Muitas cidades no mundo começam a movi-
sobre a reação das crianças frente às mudanças mentar-se nessa direção, formulando diversas
que estão sendo introduzidas. 13 estratégias alimentares pensadas para garantir
Depois de anos de esforço e melhora con- que todos os cidadãos tenham acesso a alimen-
tínua, Roma está na vanguarda da revolução na tos saudáveis. À medida que os especialistas em
alimentação escolar. Hoje, 67,5% dos alimentos planejamento e legisladores começam a redesen-
servidos nas escolas da cidade são orgânicos, har o cenário alimentar urbano de cidades como
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Nova York, Londres, Belo Horizonte e Dar es política suficiente para uma nova “ética do
Salaam, entre outras, novos desafios continuam cuidado” com alcance local e mundial, como foi
a surgir nas áreas de criação de infraestrutura, feito em Roma e East Ayrshire, o planejamento
transporte, utilização do solo e educação da alimentar da comunidade poderia ter um papel
população, para citar apenas algumas. 16 inigualável na promoção da saúde, justiça social
Nesse contexto, uma lição fundamental e integração com o meio ambiente - os pilares
pode ser aprendida com a reforma da alimen- do desenvolvimento sustentável.
tação escolar. Se pudéssemos angariar vontade
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A Educação não ocorre no vácuo. Ela se ini- como se pensa o papel da humanidade em rela-
cia através de premissas culturais “pré-analíticas” ção aos ecossistemas. Se admitirmos isto, con-
diversas e geralmente implícitas sobre como, por cluiremos que os problemas ecológicos têm sua
que e o que as pessoas aprendem e o tipo de apti- origem no modo como as pessoas pensam e,
dões e habilidades necessárias para manter e fazer portanto, são, antes de mais nada, problemas de
avançar uma determinada sociedade – seja ela educação relativos ao processo e essência da
teocrática, democrática, industrial ou aquela a escolarização formal e ensino superior.
que se tem denominado sustentável. Os objeti- Reconhecer tal fato, por sua vez, requer com-
vos específicos da educação, bem como da arte e preensão dos problemas causados pela educa-
ciência da instrução, dependem muito ainda de ção, e não apenas dos problemas existentes na
dois pressupostos distintos. O primeiro deles educação. As ideias nas quais se fundamenta o
compara aqueles que estão se educando a reci- ensino superior moderno mundial refletem um
pientes vazios a serem preenchidos pelo conheci- mundo que há muito tempo deixou de existir.
mento, e o segundo considera que eles possuem Quando Locke e Rousseau desenvolveram
qualidades inatas que podem ser extraídas e dis- suas influentes análises sobre educação nos sécu-
ciplinadas. De modo geral, os ensinos médio e los 18 e 19, a população mundial era de talvez
superior nos Estados Unidos foram moldados 800 milhões. Atualmente, aproxima-se dos 7
segundo a primeira crença: as pessoas nascem bilhões. Quando Thomas Jefferson concebeu
ignorantes e, por isso, devem ser aprimoradas a sua “vila acadêmica”, o meio de transporte mais
fim de elevar a virtude pública, amparar a demo- veloz era um belo cavalo ou uma fragata movi-
cracia, suprir as habilidades necessárias para o da a vento forte. Quando, em 1916, John
crescimento econômico e, mais recentemente, Dewey publicou seu tratado sobre democracia e
servir à economia da informação e ao desenvol- educação, as primeiras aeronaves eram aviões
vimento de uma tecnologia de ponta cada vez biplanos capazes de funcionar em uma velocida-
mais avançada. Este modelo tornou-se dominan- de de 200 quilômetros por hora.
te em praticamente todo o mundo. Mas a acelerada transformação tecnológica
Hoje, aceita-se, entretanto, que o projeto atual começa a redefinir o cenário social, cultu-
moderno de crescimento econômico e domina- ral e ecológico em todo o mundo. Os homens
ção da natureza fracassou gravemente. Os exces- estão criando a passos rápidos um planeta dife-
sos inerentes ao sistema industrial ameaçam os rente e, ao que tudo indica, uma natureza
ecossistemas do planeta, movendo-se em dire- humana diferente e uma cultura global que evo-
ção a um enorme empobrecimento biótico e a lui antes que as pessoas consigam adaptar-se a
mudanças climáticas potencialmente catastrófi- ela ou mesmo compreendê-la. Em outras pala-
cas. É razoável supor que a desordem nos siste- vras, os desafios de conceber e construir uma
mas ecológicos e nos ciclos biogeoquímicos da civilização duradoura são amplos. Porém, o diá-
Terra reflete uma desordem anterior sobre logo sobre sustentabilidade tem se focado quase
David Ore é Professor Benemérito Paul Sears de Estudos e Políticas Ambientais no Oberlin College, em Ohio.
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que exclusivamente em como deter a degrada- mas não levaram a mudanças condizentes com a
ção ambiental – como se a evolução das máqui- escala dos problemas de que tratam.
nas e de aparelhos protéticos ocorresse de forma Praticamente tudo no modelo educacional
isolada ou simples. moderno - dos programas de formação para
Sob tais circunstâncias, seria apropriado per- professores à rigidez das disciplinas e procedi-
guntar: Para que serve a educação? Que tipo de mentos para garantir permanência na vida aca-
educação capacitará a geração que vem aí a lidar dêmica – conspirava pelo enfraquecimento das
com questões globais cada vez mais complexas e mudanças ou a favor de que essas mudanças se
cruciais? O que esta geração precisa saber e tornassem insignificantes. Os propósitos não se
como deve se dar seu aprendizado? E qual o ajustavam às estruturas organizacionais e profis-
papel dos profissionais da educação e das insti- sionais estabelecidas ao longo de muitas déca-
tuições de ensino superior para preparar os das. Além disso, as premissas subjacentes relati-
jovens para viver vidas plenas e produtivas e que vas à educação em geral expressavam velada-
sejam relevantes em um escopo mais abrangen- mente a crença de que o meio ambiente era não
te de seu tempo? Sejam quais forem as especifi- apenas vasto demais para ser afetado significati-
cidades, a resposta deve ser o tipo de educação vamente pelas ações humanas, mas principal-
que possibilita aos estudantes viver de forma mente um recurso muito vantajoso a ser explo-
sustentável, competente e honrada, reconhecen- rado para fins de crescimento econômico.
do sua dependência da rede da vida. Seria um Ainda que enfrentando resistência considerá-
tipo de educação que expandiria a noção de vel, um progresso significativo pôde ser observa-
obrigações e possibilidades destes estudantes a do nos últimos trinta anos. Porém, os propósitos
um horizonte mais distante. Isto demanda da educação ambiental permanecem extrema-
mudanças fundamentais no currículo escolar, mente controversos, refletindo muita da ambi-
mudanças no projeto e na construção de escolas guidade inerente às tentativas de se definir sus-
e campi, além de uma visão mais ampla do papel tentabilidade e traçar um caminho plausível em
das instituições educacionais. direção a um futuro mais firme, honrado e justo.
Muitas questões referentes a propósitos gerais e
assuntos específicos permanecem pendentes (veja
O Desenvolvimento da Quadro 9), mas não há dúvida de que a presença
Educação Ambiental humana na natureza traz efeitos cada vez mais
incertos e que a biosfera se encontra perigosa-
A ideia de que a educação deve ser trabalhada mente perto do limiar de mudanças irreversíveis
de modo a promover as causas relacionadas a sus- nos ecossistemas. Mesmo assim, não se chegará a
tentabilidade ambiental e justiça ganhou força um consenso imediato quanto ao significado de
considerável nos últimos anos. Na Declaração de inúmeras palavras tendenciosas e complicadas
Tbilisi de 1977, organizada pela Unesco e pelo como “sustentabilidade”, ou a um acordo sobre
Programa das Nações Unidas para o Meio como colégios, faculdades e universidades devem
Ambiente (UNEP), representantes de 66 países proceder, seja qual for a definição que possamos
reivindicaram a inclusão de educação ambiental atribuir a seu significado. 2
nos programas educacionais nacionais. Dentre as Uma ampla diversidade de programas edu-
recomendações, havia 12 princípios norteadores cacionais em meio ambiente pode ser encontra-
para se efetivar a educação interdisciplinar e trans- da em faculdades e universidades dos Estados
formá-la em um processo permanente que incluís- Unidos, algumas das quais enfocam ciências
se ciências e questões ambientais do começo ao ambientais, enquanto outras priorizam as ciên-
fim de todo o currículo. 1 cias sociais e humanas (Veja Quadro 10). Várias
Desde então, os princípios de Tbilisi e de instituições atualmente oferecem cursos com
documentos similares têm sido claramente habilitação em meio ambiente; outras oferecem
enunciados, plausíveis e bem intencionados, a matéria apenas como especialização secundá-
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ria. Algumas, como o College of the Atlantic e incluir disciplinas relacionadas ao meio ambien-
a Universidade do Estado do Arizona, estão te no currículo de todos os cursos.
integrando questões ambientais a sistemas de Em outubro de 1990, Jean Mayer, reitor da
pensamento em todo o estabelecimento. Universidade de Tufts, organizou um encontro
Instituições como a Universidade Carnegie- com 22 reitores e diretores administrativos em
Mellon desenvolveram programas interdiscipli- Talloires, França, que culminou na Declaração
nares criativos em engenharia e arquitetura. Em de Talloires. O documento estabelecia 10
quase todos os lugares, as instituições estão apli- metas, dentre elas forjar lideranças para expandir
cando conteúdos ambientais em dois níveis: a consciência em relação aos desafios ambien-
projeto e atividades de currículo e de campus. 3 tais, promover a educação através da ecologia
em todo o campus e modificar procedimentos a
Currículo e Educação fim de reduzir impactos ambientais. Até 2008,
cerca de 360 reitores, em 40 países, haviam assi-
Nos Estados Unidos, a convicção de que o nado a Declaração. 4
meio ambiente deve receber prioridade especial Mesmo com este início promissor, poucos
no currículo do ensino superior surgiu entre observadores teriam imaginado o crescimento da
1960 e 1970, com a criação dos programas de educação ambiental nos campi de faculdades e
estudos ambientais nas instituições Williams universidades em escala mundial nas décadas
College, Middlebury College e Universidade seguintes. Hoje os cursos na área ambiental estão
Brown. No final dos anos 80, a Universidade de presentes, de uma forma ou outra, possivelmente
Tufts criou o primeiro programa de extensão na metade dos campi dos Estados Unidos e têm
universitária, encorajando os departamentos a destaque crescente nas universidades do mundo
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todo. A Chalmers University (em Gothenburg, a cada ano centenas de cientistas que discutem
Suécia) criou uma parceria com o Massachusetts tópicos relacionados ao meio ambiente. Campi
Institute of Technology, o Swiss Federal Institute específicos, como os da Technical University of
of Technology e a University of Tokyo, reunindo Catalonia (Espanha), TERI University (Índia) e
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o da Kyoto University desenvolveram currículos mestrado de April Smith pela UCLA em 1988,
ambientais variados e originais. A Unesco patro- intitulada “No nosso Quintal”, e com os primei-
cina cátedras de desenvolvimento sustentável ros estudos do Projeto Meadowcreek, conduzido
em 45 universidades em 27 países, bem como no campus em Hendrix, Carleton, e nas faculda-
conferências relacionadas a “Ensino Superior des St. Olaf em 1988-89, cujo objeto foram sis-
pela Sustentabilidade”. O sucesso da publicação temas de alimentação. 8
International Journal of Sustainability in Em meados da década de 90, os primeiros
Higher Education revela a maturidade crescente e estudos de ecologia no campus haviam evoluído
a autorreflexão que vem ocorrendo na área. 5 para estudos mais extensos dos fluxos de recur-
Entretanto, um estudo mostra que não há so alimentar, energético, de materiais, água e
uma rota comum no que se refere às transforma- lixo no campus, que se tornou um laboratório
ções. Pelo contrário, a educação pela sustentabi- para a educação e serviu de base para uma
lidade está prosperando devido a inúmeros fato- melhor administração nos ambientes universitá-
res, incluindo o comprometimento do corpo rios. O programa de ecologia no campus de The
docente, liderança criativa, ativismo estudantil, Nation Wildlife Federation, habilmente condu-
reação a oportunidades específicas e vastas zido por Julian Keniry, trouxe maior conscienti-
mudanças coletivas. 6 zação ambiental para os campi e desenvolveu
Apesar do grande progresso em educação materiais úteis no aprimoramento de eficiência e
ambiental, há indicações incontestáveis de que na integração entre currículo escolar e administra-
ela figure como contrapeso inadequado ao cur- ção de campus. Walter Simpson criou e dirigiu o
rículo convencional e como resposta ineficaz à primeiro programa bem sucedido de extensão
crescente crise ambiental. A National Wildlife universitária em eficiência energética, na
Federation, por exemplo, chegou à conclusão, Universidade do Estado de New York, Buffalo.
em sua publicação Campus Environment Outros, como Will Toor, na Universidade do
Report: 2008 que, entre 2001 e 2008 “os Colorado, criaram programas eficazes de reci-
números da educação relacionada à sustentabili- clagem e transporte de baixo impacto para a área
dade [nos Estados Unidos] não aumentaram e do campus. O surgimento de organizações como
podem até ter diminuído.” Esta conclusão é a Associação Norte-Americana de Educação
corroborada por dados de pesquisa global que Ambiental e a Associação Americana de
demonstram de modo confiável como a maioria Sustentabilidade em Ensino Superior (AASHE)
da população – incluindo graduandos de facul- expandiu e coordenou iniciativas antes discre-
dades – está de modo geral desinformada, oca- pantes de ecologia no campus. 9
sionalmente mal informada e, quase sempre, No final dos anos 90, dois fatores atraíram
confusa quanto aos princípios da ecologia e das atenção significativa para aquilo que Keniry
ciências naturais em geral. 7 denominara movimento de ecologia no campus
e planejamento do campus. O primeiro deles foi
o crescimento acelerado do movimento de edi-
Planejamento e Atividades ficações ecológicas nos Estados Unidos, Reino
do Campus Unido, Europa e Ásia. O resultado foi um pro-
grama de redução dos impactos ambientais das
Junto às iniciativas para aumentar a consciên- novas construções em faculdades e universida-
cia e educação ecológica, estão os programas para des. Aprimoramentos notáveis em energia e em
transformar o projeto dos campi através de efi- tecnologia de materiais, aliadas à aplicação do
ciência energética, redução de emissões de carbo- projeto necessário à construção de prédios de
no, diminuição de resíduos, reciclagem e constru- baixo impacto e alto desempenho, criaram gran-
ção de estruturas de alto desempenho que se tor- des oportunidades de se incorporar metas
naram recorrentes em praticamente todo lugar. ambientais em edificações no campus, ao
Esse tipo de iniciativa tem início com a tese de mesmo tempo reduzindo custos de operações e
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Negócios e Economia:
Prioridades de Gestão
O
s negócios não são apenas um e convertendo essa renda em aumento de con-
componente central da econo- sumo, ao passo que outras tentam conseguir tra-
mia global, são o motor das balho. Uma melhor distribuição da jornada não
sociedades, das culturas e até só contemplará o desemprego como também
mesmo da imaginação humana. Ainda que hoje proporcionará um padrão de vida aceitável e
os negócios estejam moldando uma visão cultu- mais tempo livre fora do ambiente de trabalho a
ral primordialmente centrada no consumismo, um maior número de pessoas. Além disso, essa
essa visão poderia facilmente estar centrada na redistribuição reduzirá o montante da renda dis-
sustentabilidade, dadas as novas prioridades de cricionária de que as pessoas dispõem e que hoje
gestão. as estimula a consumir além do necessário.
Outra prioridade será a reavaliação do papel
A prioridade número um será adquirir uma
das grandes corporações. Vamos analisar seu
melhor compreensão da finalidade da economia
amplo poder e alcance: em 2006, as 100 maiores
e questionar se o crescimento perpétuo é possí-
companhias transnacionais empregavam 15,4
vel ou até mesmo desejável. Como explica o
milhões de pessoas com um volume de vendas de
ambientalista e empreendedor Paul Hawken,
US$ 7 trilhões — o equivalente a 15% do produ-
“no momento estamos roubando o futuro e
to mundial bruto. Um sistema econômico susten-
vendendo-o no presente com o nome de produ- tável dependerá de convencer as companhias, por
to interno bruto. Podemos, com a mesma facili- meio de um conjunto de estratégias, de que a
dade, ter uma economia voltada para a cura do condução de seus negócios de maneira sustentável
futuro e não para seu roubo“. 1 é seu principal dever fiduciário. 2
Neste capítulo, Robert Costanza, Joshua Ray Anderson, da Interface, Inc., Mona
Farley e Ida Kubiszewski, do Gund Institute for Amodeo, do idgroup, e Jim Hartzfeld, da
Ecological Economics, descrevem inicialmente InterfaceRAISE, observam que algumas compa-
como é possível redirecionar a economia global de nhias estão se empenhando em colocar a susten-
várias maneiras, com a criação de novos parâme- tabilidade no âmago de suas culturas corporati-
tros econômicos sustentáveis, a expansão do setor vas, pois já perceberam a importância de uma
de bens comuns e a mobilização das principais ins- Terra próspera para os seus negócios. Entender
tituições econômicas e governamentais. como transformar as culturas empresariais e
Outra importante transformação econômica tomar a decisão de mudá-las será um passo
será a melhor distribuição de postos de trabalho essencial para a criação de um modelo econômi-
e da jornada de trabalho entre os trabalhadores co sustentável.
no mundo todo, afirma Juliet Schor, do Boston Além dos limites do sistema corporativo,
College. Hoje, muitas pessoas têm uma jornada existem oportunidades para uma completa rein-
de trabalho excessiva, recebendo mais dinheiro venção do propósito e da concepção dos negó-
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cios, o que também é uma prioridade essencial. enfrentar os transtornos globais por terem suas
Johanna Mair e Kate Ganly, da IESE Business raízes fincadas no local. Além disso, o surgimen-
School, mencionam empresas sociais que estão to de empresas sociais e empresas locais deverá
revertendo a missão dos negócios. Os negócios provocar mais pressão, estimulando mudanças
não têm que girar somente em torno dos lucros na cultura corporativa.
nem se concentrar primordialmente neles, mas o Ao longo deste capítulo, os Quadros apresen-
lucro poderá ser convertido no meio de finan- tam outras inovações a respeito de empresas sus-
ciar uma missão social mais ampla. No mundo tentáveis, como, por exemplo, uma redefinição do
todo, as empresas sociais estão lidando com pro- processo de manufatura, para que seja “cradle to
blemas urgentes, que vão da pobreza ao declínio cradle” [do berço ao berço], um novo estatuto
ecológico, e estão fazendo isso de forma rentá- social que vincula responsabilidade social direta-
vel. mente ao código de leis, e um índice de carbono
Estão surgindo, também, empresas locais, para o mercado financeiro. Há também um
como espécies pioneiras em ecossistemas desor- Quadro que demonstra o absurdo do conceito de
denados. Como a maior parte das companhias crescimento econômico infinito.
não consegue responder aos crescentes proble- Os negócios são uma instituição poderosa e
mas advindos da injustiça social e ambiental, as desempenharão um papel fundamental no nosso
futuro — seja esse futuro uma era de sustentabi-
pessoas estão criando alternativas locais — de
lidade ou de reação ao crescente declínio ecoló-
mercearias e restaurantes a fazendas e empresas
gico. Com a combinação da reformulação dos
produtoras de energia renovável. Michael
atuais interesses e o crescimento de novos
Shuman, da Business Alliance for Living Local
modelos empresariais voltados a questões de
Economies, observa que essas empresas locais
cunho social, a economia global poderá evitar a
conseguem ter melhor desempenho ambiental,
catástrofe e, ao contrário, marcar o início da era
tratar melhor os empregados, fornecer produtos de ouro da sustentabilidade.
mais saudáveis e mais variados e, no pior dos —Erik Assadourian
cenários, apresentam maior flexibilidade ao
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Robert Costanza e Ida Kubiszewski são membros do Gund Institute for Ecological Economics e do
Rubenstein School of Environment and Natural Resources da Universidade de Vermont. Joshua Farley é tam-
bém membro do Gund Institute e do Department of Community Development and Applied Economics da
Universidade de Vermont.
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Figura 3. Produto Interno Bruto comparado ao Indicador Genuíno de gerados por ecossistemas saudáveis.
Progresso – EUA – 1950-2004 Tais políticas incluem os mais de
US$ 2 trilhões em subsídios anuais
para as atividades de mercado e
Milhares de Dólares Norte-Americanos (Dólares de 2000)
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Expandir o “setor de bens comuns”. Durante rada com o leilão das licenças poderia, então, ser
a transição para o novo regime, é importante devolvida às pessoas do mundo todo sob a
expandir de forma substancial o “setor de bens forma de pagamento per capita. O saldo pode-
comuns” da economia, que é responsável pela ria ser usado para melhorar e restaurar a atmos-
gestão dos bens comuns já existentes e pela cria- fera, investir em inovações tecnológicas e
ção de novos bens. Alguns bens, como os recur- sociais, ajudar países em desenvolvimento e
sos criados pela natureza ou pela sociedade, administrar o Fundo.
deveriam ser de propriedade coletiva, porque Usar a Internet para remover as barreiras
isso é mais justo. Outros bens, como informa- de comunicação e melhorar a democracia. Ao
ções e estruturas de ecossistemas (por exemplo, contrário da televisão e outras mídias de trans-
as florestas), deveriam ser de propriedade coleti- missão, as barreiras financeiras e tecnológicas
va, porque isso é mais eficaz. E ainda, outros para a presença na Internet são pequenas. O
bens, como os recursos coletivos e os bens efeito disso é a descentralização da produção e
públicos, deveriam ser de propriedade coletiva, distribuição de informações devolvendo o con-
porque isso é mais sustentável. trole ao público, oferecendo um local para diá-
Uma opção para se expandir e gerir o setor logo em vez de monólogo. As opiniões e servi-
de bens comuns é criar “fundos de bens ços que anteriormente eram controlados por
comuns” em várias escalas. Fundos, como o pequenos grupos e companhias são agora mol-
Alaska Permanent Fund e fundos de áreas dados por toda a população. As redes de notícias
regionais, podem adquirir a posse dos bens da televisão, os seriados e as produções de
comuns sem privatizá-los. Numa maior propor- Hollywood estão sendo substituídos por e-mail,
ção, um Earth Atmospheric Trust [Fundo da Wikipedia, YouTube e milhões de blogs e
Atmosfera da Terra] poderia ajudar a reduzir fóruns — todos criados pelos mesmos milhões
enormemente as emissões mundiais de carbono de pessoas a quem são destinados os conteúdos.
e ao mesmo tempo diminuir a pobreza. Esse sis- A eleição presidencial de 2008 nos EUA foi
tema compreenderia um sistema cap-and-trade a primeira em que mais da metade da população
[sistema de comercialização de emissões em que adulta do país se envolveu no processo político
o total de emissões permitido é limitado] global usando a Internet como fonte de notícias e
para todas as emissões de gás de efeito estufa informações. Em vez de simplesmente receber
(preferível a um tributo, porque estabeleceria a notícias de fonte única, aproximadamente um
quantidade e permitiria a variação de preços); quinto das pessoas usaram sites na Internet,
um leilão de todas as licenças de emissão antes blogs, sites de relacionamentos sociais e outros
de permitir a negociação entre os detentores das fóruns para discutir, comentar e levantar ques-
licenças (para enviar aos emissores os indicado- tões relacionadas à eleição. 14
res de preço corretos); e uma redução do limite
ao longo do tempo, para estabilizar as concen- Conclusão
trações de gás de efeito estufa na atmosfera em
um nível equivalente a 350 partes por milhão de Serão necessárias mudanças nas visões de
dióxido de carbono. 13 mundo, nas instituições e nas tecnologias para
A receita procedente dessas iniciativas seria se alcançar estilos de vida mais adaptados ao
depositada no Earth Atmospheric Trust, gerida contexto de mundo cheio de hoje. Até certo
de forma transparente por administradores com ponto, as pessoas podem planejar o futuro que
mandato de longo prazo e com a missão de pro- desejam criando uma nova visão e novas metas.
teger a atmosfera e o sistema climático da Terra Se as metas da sociedade forem deslocadas da
em benefício da atual geração e das gerações maximização do crescimento da economia de
futuras. Uma fração especificada da receita apu- mercado para a maximização do bem-estar sus-
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tentável dos seres humanos, instituições diferen- seguido de reconstrução básica, ou a uma tran-
ciadas estarão mais aptas para atender a essas sição relativamente suave para um futuro susten-
metas. Entretanto, é importante admitir que a tável e desejável dependerá da capacidade das
transição ocorrerá de qualquer maneira e que pessoas de perceber as mudanças necessárias, e
certamente será impulsionada por crises. Se desenvolver novas culturas e novas instituições.
essas crises levarão ao declínio ou ao colapso,
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Juliet Schor é professora de sociologia no Boston College e autora de Plenitude: The New Economics of True
Wealth.
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significado de “excessivo” varia com o tempo, sofrera uma redução de mais de 600 horas, cain-
no entanto, depende, em parte, da evolução do do para 2.342. Nos anos 70, pelo menos mais
impacto tecnológico e da população. Do ponto 400 horas haviam sido cortadas. Esse total de
de vista da mudança climática, por exemplo, 1.000 horas equivale a um emprego de meio
está claro que o mundo ultrapassou o que o pla- período, considerando-se 40 horas por semana e
neta podia suportar. 50 semanas por ano. Mas, por uma série de
Nos Estados Unidos, parece que o aumento razões – em parte por causa das estruturas de
“excessivo” da produtividade foi canalizado para custo enfrentadas pelas empresas e pela ausência
a produção adicional. Desde o início dos anos 70, de pressão dos sindicatos em defesa da redução
a produtividade laboral praticamente dobrou. da jornada – nos anos 70, a tendência de redu-
Naquela época, os norte-americanos trabalha- ção das horas de trabalho nos Estados Unidos
vam, em média, cerca de 1.700 horas por ano. desapareceu. 2
(Isso representa uma média semanal de 32 horas, Em contrapartida, os europeus ocidentais
incluindo os trabalhadores de meio período e os preferiram usar o crescimento da produtividade
de período integral; os de período integral esta-
para reduzir as horas de trabalho, resultando em
vam mais próximos do modelo de 40 horas). Se
uma média anual muito mais baixa. Jornadas
os norte-americanos tivessem optado por trans-
menores não implicam austeridade: trata-se de
formar os prêmios do aumento de produtividade
sociedades ricas que desfrutam de muito confor-
em menos horas de trabalho, a média anual hoje
seria 850 horas, ou pouco mais de 20 horas sema- to material. Se essas diferenças parecerem pro-
nais por trabalhador. Em vez de diminuir, o fundamente culturais ou intransponíveis, vale a
número de horas trabalhadas aumentou, sendo pena lembrar que 50 anos atrás os Estados
que, por volta de 2006, chegava a 1.880 horas Unidos tinham uma jornada muito menor do
anuais. Além disso, mais pessoas estão exercendo que a da Europa. Atualmente, muitos europeus
atividades remuneradas, pois os Estados Unidos têm seis semanas de férias, folga nos feriados e
baseiam a sua economia cada vez mais no traba- uma jornada diária que lhes proporciona bastan-
lho e no mercado. Em 1970, ape-
nas 57,4% da população exercia Figura 4. Horas anuais de trabalho nos países selecionados, 2007
atividade remunerada. Em 2007,
antes da recessão, esse percentual
chegava a 63%. 1 Fonte: Conference Board
Essa experiência contrasta de
forma gritante com a história
anterior dos EUA. No século 19,
a jornada de trabalho era exte-
Horas por ano
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te tempo para a vida familiar, atividades de lazer optar por estilos de vida que consomem mais
e participação na comunidade (Veja Figura 4). recursos naturais. O meio de transporte para o
Jornadas menores também são comuns em trabalho consome mais carbono; elas comem
outras partes do mundo. 3 fora de casa com maior frequência. Um estudo
Esse estilo de vida no planeta é muito mais revelou que elas têm casas maiores, o que, por
fácil. Estudos da relação entre a jornada de traba- sua vez, consome mais energia. A falta de tempo
lho e a pegada ecológica revelam que o impacto também impede a participação em atividades de
ambiental cresce com o aumento de horas traba- baixo impacto e que consomem mais tempo,
lhadas. Essa relação também se apresenta no como cultivo de hortas ou projetos do tipo
âmbito doméstico, em que fica comprovado que “faça você mesmo”. Um estudo realizado pelo
Center for Economic and Policy Research revelou
as pessoas que diminuem sua jornada deixam
que, se os Estados Unidos adotassem os mes-
pegada ecológica menor. O mesmo se aplica às
mos padrões de uso do tempo que a Europa
nações. Países com menor média de horas de tra-
Ocidental, seu consumo de energia poderia cair
balho têm pegadas menores, mesmo com contro- 20%, mesmo sem mudanças tecnológicas. 5
le de renda e outros fatores. 4 Trabalhar menos também traz benefí-
cios aos seres humanos. Longas horas de
trabalho causam estresse, prejudicam a
dinâmica familiar e as relações sociais, além
de causar doenças físicas e emocionais. Os
empregados que trabalham demais são
mais propensos a depressão e estresse e
menos propensos a se cuidar. O excesso de
horas de trabalho também reduz horas de
sono, o que é prejudicial à saúde. As pes-
soas que trabalham demais não conse-
guem participar de outras atividades, prin-
cipalmente as sociais, que lhes proporcio-
nariam mais bem-estar. E, por fim, o
dinheiro adicional ganho com o aumento
Library of Congress
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Robert Scoble
ção de funcionários e de seu estado de espírito.
Além disso, a jornada reduzida pode ainda con-
tribuir para a diminuição do desemprego, que
atualmente atinge níveis de crise e esá crescendo
em muitos lugares. 8 Fábrica de discos rígidos da Seagate em Wuxi, China.
Nos Estados Unidos, o maior obstáculo à
redução da jornada é o fato de o plano de saúde cargos por outros que não sejam tão exigentes
ser pago por empregado, isso significando que em relação a horário. Essa tendência para a
para o empregador, custa muito menos contra- “vida mais simples” tem ajudado a aliviar o
tar menos empregados com jornada de trabalho extremo estresse que caracterizou a cultura
mais longa. Se houvesse um sistema de saúde de
norte-americana nos anos 90 e que explica, em
fonte pagadora única, ou mesmo, se as empresas
rateassem os custos dos planos de saúde e de parte, a desaceleração da escalada das horas
outros benefícios e o governo ajudasse a finan- anuais após seu rápido aumento nos anos 80 e
ciar o restante, a redução da jornada teria um início dos anos 90. Uma subdivisão interna do
custo-benefício muito maior. grupo que optou pela vida mais simples levou
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ainda mais longe a mudança do estilo de vida – na de trabalho e de folga obrigatória ou de tra-
adotou a simplicidade voluntária, um modo de balho não remunerado tornou-se generalizada.
vida que requer uma renda menor e que, por Um estudo da Hewitt Associates examinou 518
isso, normalmente está associado a um número grandes empresas e constatou que 20% delas
menor de horas de trabalho remunerado. 9 praticam a redução de horas de trabalho. Um
Os integrantes desse grupo relatam altos estudo da Towers Perrin registrou números
níveis de satisfação com o novo estilo de vida, ainda mais altos: 40% das empresas relataram ter
mesmo os que tiveram significativas reduções de instituído uma folga obrigatória e 32%, uma
renda. Uma pesquisa nacional realizada em semana mais curta de trabalho. Empresas do
2004 pelo Center for a New American Dream setor de alta tecnologia do noroeste do Pacífico,
constatou que 85% das pessoas que relataram como a Hewlett-Packard, Siltronic e Tektronic,
mudanças no estilo de vida com redução de reduziram as horas e a remuneração (mas, de
renda estavam felizes com a mudança. 10 modo geral, não reduziram os benefícios). 13
As mudanças também estão ocorrendo em Os governos municipais e estaduais também
um nível mais sistêmico. Os empregadores de estão encurtando a jornada para cortar custos. O
funcionários com cargos de maior nível de exi- caso mais conhecido é o do estado de Utah, que
gência tornaram possível manter carreiras bem mudou a jornada de 17.000 empregados para
sucedidas mesmo trabalhando menos horas do quatro dias de 10 horas. Embora não seja tecni-
que o normal. Acordos mais flexíveis tornaram- camente um corte das horas de trabalho, esse
se mais comuns no campo do direito, da medi- arranjo permitiu a redução do tempo gasto com
cina e da carreira acadêmica, embora ainda haja o deslocamento para o trabalho. A mudança
prejuízos para o desenvolvimento da carreira, e permitiu que o estado fechasse suas repartições
a redução da jornada seja menos comum em às sextas-feiras, o que representou uma redução
posições de destaque. As mudanças mais pro- de 13% em seus custos de energia e um declínio
fundas ocorreram na área de contabilidade. A nas emissões de gás de efeito estufa. As faltas ao
partir dos anos 90, todas as grandes multinacio- trabalho e as horas extras caíram. A mudança foi
nais instituíram horários que favoreciam a vida maciçamente aprovada pelos empregados, e 82%
familiar e, inclusive, reduziram os dias de traba- preferem manter a semana reduzida mesmo
lho na semana, em uma tentativa de reter o depois que a recessão acabar. 14
talento feminino para a alta produtividade. 11 Outros estados e cidades instituíram folgas
Em decorrência do colapso financeiro de obrigatórias e programas de licença não remu-
2008, a redução das horas de trabalho tornou- nerada. A cidade de Atlanta fecha boa parte dos
se comum nos setores privado e público e tam- serviços públicos às sextas-feiras; a Califórnia
bém no terceiro setor. Os empresários tentam instituiu dias de folga obrigatória sem remune-
evitar cortes de empregados instituindo redu- ração. Na Universidade da Califórnia, foram
ções de jornada e folga obrigatória em todos os introduzidas folgas de 11 a 26 dias. Se as reces-
níveis da empresa, além de outras medidas de sões passadas servirem de referência, muitos tra-
redução de horas de trabalho. Esse princípio de balhadores – principalmente os que têm final de
compartilhar o trabalho não era visto nos semana de 3 dias – se adaptarão a rendas mais
Estados Unidos desde os anos 30. Desde a baixas e optarão por não voltar à semana de 5
recessão, a média de horas semanais na econo- dias. 15
mia privada caiu cerca de uma hora. 12 Em termos de futuro, está cada vez mais
Pesquisas realizadas com grandes empresá- claro que a redução da jornada de trabalho
rios mostram que a prática de redução da sema- deveria ocupar o centro da agenda de sustenta-
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bilidade. Para isso, serão necessárias algumas são símbolos de status. E as competições com
mudanças nas políticas dos Estados Unidos, base no consumo precisarão ser desestimuladas.
principalmente na área da saúde, para alterar a Mas, se esses desafios puderem ser vencidos, o
estrutura de incentivos com que as empresas se resultado será um ritmo de vida mais lento e
defrontam. Haverá necessidade de um pouco de mais saudável, o que é bom para as pessoas e
flexibilidade para eliminar a cultura de que para o planeta.
excesso de ocupação e longas horas de trabalho
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Mudando as Culturas
Empresariais Internamente
Ray Anderson, Mona Amodeo e Jim Hartzfeld
A atual Era Industrial nasceu do Iluminismo das empresas para os seus clientes, acionistas e
e da descoberta da capacidade dos seres huma- outras partes interessadas.
nos de explorar o poder e a magnitude da natu- Cada vez mais as organizações estão se vol-
reza. A mentalidade que se desenvolveu no iní- tando para a sustentabilidade como fonte de
cio dessa era adaptava-se bem à época, quando vantagem competitiva. No entanto, muitas
havia relativamente poucas pessoas e a natureza empresas sentem-se imobilizadas e estão decep-
parecia não ter limites. Infelizmente, essa men- cionadas com sua limitada compreensão desse
talidade não se ajusta à realidade atual de quase desafio; muitas o veem apenas como um con-
7 bilhões de pessoas e de ecossistemas grave- junto de problemas técnicos a resolver ou uma
mente comprometidos. Hoje, está surgindo campanha inteligente de marketing a organizar.
uma nova e mais bem adaptada visão de mundo Talvez o maior perigo resida na falsa sensação de
e de economia global a partir de uma maior progresso que as abordagens superficiais dão às
compreensão sobre como é possível prosperar empresas e que, no longo prazo, provavelmente
dentro dos frágeis limites da natureza. irão conduzi-las ao fim.
No centro da transição da economia está a Por outro lado, as empresas que estiverem dis-
própria instituição que funciona como seu postas a enfrentar mudanças mais profundas em
motor principal: o comércio e a indústria. Para sua cultura terão oportunidade de adotar um
conduzir essa mudança, as empresas precisam ir novo paradigma edificado sobre os valores da sus-
muito além das tecnologias ecológicas ou limpas tentabilidade. Aquelas que estiverem dispostas a
que estão em voga, aprofundando-se nas cren- assumir a liderança obterão as vantagens de ser as
ças fundamentais que impulsionam as ações. “pioneiras”, ao apoiarem e anteciparem os movi-
Embora algumas empresas visionárias tenham mentos sociais fundamentais cada vez mais visí-
sido fundadas com base nos princípios de sus- veis. A jornada rumo à sustentabilidade será única
tentabilidade, a maior parte deverá passar por para cada empresa, mas um roteiro básico, usando
mudanças radicais. Nas próximas décadas, as o que foi aprendido com empresas e pesquisado-
mentalidades e modelos de negócios deverão ser res pioneiros, poderá ajudar os interessados a
totalmente transformados para preservar o valor empreender a jornada num ritmo mais veloz. 1
Ray Anderson é fundador e presidente da Interface, Inc. Mona Amodeo é presidente da idgroup, uma firma
de consultoria e criação de marcas, mudança organizacional e sustentabilidade. Jim Hartzfeld é fundador e
diretor-gerente da InterfaceRAISE.
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Integração Influência
Alinhamento
Plano de Ação
Visão COMPROMETIMENTO
RENASCIMENTO
METAMORFOSE
ENCASULAMENTO
idgroup, 2009. All rights reserved.
DESPERTAR
SISTEMAS DE CRENÇAS AO
LONGO DO TEMPO
Ceticismo Entendimento Crença Comprometimento Apoio Ativo
Interface passou por cinco fases evolutivas de gica atuava em conjunto com as decisões estra-
mudança, movidas por alavancas fundamentais tégicas (visão, plano de ação, alinhamento,
que impulsionaram seu progresso (Veja Figura integração e influência) com o objetivo de criar
5). Mudanças profundas de identidade, valores uma profunda mudança de cultura.
e concepções de “o modo como fazemos as coi- Ao longo do tempo, a transformação pode
sas por aqui” levaram a empresa a uma nova ser vista como um processo dinâmico em que
visão em relação a objetivo, desempenho e ren- novas e progressivas ligações, relacionamentos e
tabilidade dentro do contexto mais amplo de redes de comunicação passam a existir e prospe-
responsabilidade ambiental e social. 6 rar por meio de infusão de conhecimento, sabe-
O modelo de mudança de cultura da doria e experiência popular O antigo ceticismo
Interface representa uma jornada da razão e do rende-se ao entendimento à medida que uma
coração, promovida por decisões estratégicas e organização confirma a validade dos valores da
pelo aprofundamento da aproximação aos sustentabilidade que, ao fim e ao cabo, surgem
valores de sustentabilidade. Esses fatores inte- de sucessos efetivos alcançados. Com a mudan-
ragentes preencheram a lacuna inicial entre a ça da identidade coletiva da organização, novos
visão — uma futura empresa sustentável — e a comportamentos associados a esses valores são
empresa existente não sustentável, transfor- reforçados e se inserem cada vez mais na cultu-
mando gradualmente a cultura por meio de ra. O entendimento cresce com a crença e o
fases sucessivas em uma escala temporal contí- comprometimento.
nua. À medida que a empresa passava pelas eta- Surgem gradualmente novas formas de pen-
pas de mudanças transformadoras (despertar, sar, crer e fazer, à medida que as decisões estra-
encasulamento, metamorfose, renascimento e tégicas são validadas e a sustentabilidade é ple-
comprometimento), ocorria também uma evo- namente adotada como “o modo como fazemos
lução dos sistemas de crenças, indo do ceticis- as coisas por aqui”. Esse paradigma de mudança
mo ao entendimento, crença, comprometi- produz inovações tecnológicas, resulta em práti-
mento e apoio ativo. Essa progressão psicoló- cas de negócio sustentáveis e novas capacidades
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de liderança, bem como em senso de orgulho, significado para a organização e, a partir daí,
propósito e comprometimento por parte daque- propor uma visão possível do futuro. Durante
les associados à organização. Externamente, a essa fase, é importante estancar o ceticismo e
organização estabelece ligações e níveis de con- envolver os principais líderes em uma explora-
fiabilidade cada vez mais fortes com o mercado ção profunda e honesta das facetas da sustenta-
em que opera. bilidade — o que ela significa para cada pessoa e
para a organização. Investir tempo, energia e
As Fases da Mudança esforços na reflexão individual e organizacional
estabelecerá a tensão necessária para impulsionar
O despertar: definindo a visão. Para que a a mudança e determinar o nível de comprome-
mudança ocorra, a empresa deve, primeiramen- timento necessário para seguir adiante.
te, estar aberta para detectar e analisar sinais Um senso natural de curiosidade e a capaci-
anormais que podem sugerir ou revelar novos dade persistente de resistir às pressões dos para-
desafios ou oportunidades. A fonte do sinal digmas dominantes (e das estruturas existentes)
pode ser interna ou externa, sutil ou dissonante. são importantes para permitir que sinais novos e
Da mesma forma, a tomada de consciência pela não comuns sejam compreendidos e superem a
empresa da necessidade de caminhar para a sus- reação natural de defesa do status quo. A essa
tentabilidade pode ser estimulada de vários altura, a liderança posiciona-se contra ou a
modos: por uma liderança inspiradora, pelo favor. A partir daí, surge uma visão clara e come-
movimento interno das bases, por um desafio ça o processo de ampliação do engajamento de
técnico ou físico ou por um choque imprevisto outras pessoas da organização — com a lideran-
no custo ou na disponibilidade de recursos ça atuando como mensageiro, pregador, profes-
essenciais. Em algum momento, a magnitude sor e líder de torcida.
das oportunidades ou dos riscos emergentes Na Interface, a visão de sustentabilidade de
torna-se tão “real” que a organização é obriga- Ray Anderson para sua empresa foi inspirada no
da a buscar mais informações e orientação. revolucionário livro escrito em 1993, The
Na Interface, a voz persistente e agressiva de Ecology of Commerce, que propunha uma cultu-
um único cliente atraiu a atenção do fundador, ra empresarial em que o mundo natural podia
Ray Anderson. No Walmart, a força propulsora prosperar. Jeff Mezger, Diretor-Presidente da
foi a liderança inspiradora, estimulada por uma KB Home, empresa norte-americana de cons-
barreira de desafios externos de frentes múlti- trução de moradias, recentemente orientou sua
plas. Na Nike, foi a indignação provocada por equipe de líderes a explorar quais metas e com-
uma reportagem de 1996 da revista life sobre promissos deveriam estabelecer em relação à
mão de obra infantil no Paquistão, ilustrado sustentabilidade, contrariando a retração histó-
com a foto de um menino de 12 anos rodeado rica vivenciada pelo setor. Em julho de 2008,
de bolas de futebol da marca Nike que ele cos- ele apresentou essa visão no primeiro relatório
turava. Entre outros exemplos de estímulos de sustentabilidade da empresa. 8
externos para o aumento da conscientização No Walmart, o Diretor-Presidente Lee Scott
sobre sustentabilidade está a pressão do e os membros de sua equipe de liderança leva-
Greenpeace sobre a Electrolux e a pressão da ram um ano para explorar, conhecer e visitar
Rainforest Action Network sobre a Mitsubishi. 7 pessoalmente locais do mundo inteiro, desde o
Uma vez sugerida uma diretriz geral, um estado ecologicamente comprometido de
pequeno grupo de inovadores ou “escoteiros” Montana, descrito no livro Collapse, de Jared
poderá explorar a extensão do problema e o seu Diamond, até os campos de algodão na Turquia
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momento, a identidade da empresa deverá estar processo são contínuas e recorrentes, gerando
totalmente comprometida com a sustentabilida- grande aprendizado e inovação em cada nova
de, sendo que as crenças e comportamentos curva da espiral.
relacionados deverão estar impregnados no À medida que uma organização fica mais
DNA, ou nas concepções culturais, da organiza- comprometida com a sustentabilidade, educar e
ção. Se esse nível de integração cultural não for influenciar outras pessoas torna-se parte impor-
alcançado, a organização jamais alçará voo. tante do processo de mudança. Esse papel de
O comprometimento: influenciando outras apoio ativo é benéfico tanto para a empresa
organizações. Ainda que por muitos anos faça como para a causa social mais ampla. Além de
parte da jornada da empresa rumo à sustentabi- ajudar na construção da imagem da empresa e
lidade, o comprometimento é um esforço contí- de colaborar na jornada de outras, a comple-
nuo. Cada etapa do sucesso expõe novas ques- mentação do aprendizado e a expansão do
tões e desafios. Essa busca constante por respos- conhecimento são obtidos por meio da colabo-
tas move-se em forma de espiral, buscando ração conjunta e da transferência de conheci-
novos níveis de entendimento do que é possível. mento. A Interface, por exemplo, criou a
Em relação ao modelo apresentado, as etapas do InterfaceRAISE, uma subsidiária que oferece
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Empreendedores Sociais:
Inovando Rumo à Sustentabilidade
Joanna Mair and Kate Ganly
Em maio de 2009, o presidente dos EUA, como migrantes, jovens e portadores de defi-
Barack Obama, anunciou a criação de um ciência. Esse tipo de atuação tem sido incentiva-
Fundo de Inovação Social de 50 milhões de do pelo apoio do governo na França, na
dólares e de um novo departamento da Casa Espanha e em Portugal, onde essas iniciativas
Branca para coordenar os esforços do fundo contemplam a persistência do desemprego
“para identificar os mais promissores progra- estrutural entre grupos específicos. La Fageda,
mas sem fins lucrativos voltados para resulta- para citar apenas um exemplo, é uma empresa
dos, e ampliar seu alcance por todo o país”. O de laticínios na Catalunha que tem uma coope-
compromisso de apoiar e fomentar uma ampla rativa de 250 empregados, dos quais 140 sofrem
variedade de soluções alternativas descentrali- de doença mental. Tanto na Itália como no
zadas para os difíceis problemas sociais desper- Reino Unido, em 2005, foi introduzida uma
ta essa onda de popularidade global e de sensi- legislação específica para reconhecer e incentivar
bilização do público que vem sendo formada “empreendimentos com finalidades sociais”.
em torno do fenômeno do “empreendedoris- Por exemplo, uma “community interest com-
mo social” há vários anos. Os empreendedores pany” (empresa social) do Reino Unido é uma
sociais usam várias formas de organização sociedade de responsabilidade limitada cuja
social – de empresas sociais e cooperativas a finalidade é o benefício à comunidade: tem um
instituições beneficentes simples, híbridas e limite máximo estabelecido para distribuição de
sem fins lucrativos. Mas, todas elas têm uma dividendos e lucros individuais, garantindo que
coisa em comum: o uso inovador e a combina- receitas e ativos sejam retidos para fins sociais. 2
ção de recursos para buscar oportunidades
catalisadoras de mudança social. 1
As SEIs, sigla em inglês para iniciativas de Um Movimento Crescente
empreendedorismo social, são influenciadas
pelas condições locais tanto em relação às opor- Os empreendedores sociais existem muito
tunidades que elas têm de tratar de uma neces- antes de receberem esse nome. No entanto,
sidade ambiental ou social como em relação à desde que o Banco Grameen e seu fundador,
arquitetura regulatória que afeta sua forma. Na Muhammad Yunus, receberam conjuntamente o
Europa, uma das formas mais comuns de Prêmio Nobel da Paz em 2006, a cobertura feita
empreendedorismo social é promover a integra- pela mídia desse crescente fenômeno e dos elo-
ção no trabalho para grupos marginalizados, gios que o acompanham deu maior visibilidade
Johanna Mair é professora de gestão estratégica na IESE Business School. Kate Ganly é pesquisadora associa-
da da IESE Platform for Strategy and Sustainability.
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aos empreendedores sociais. O Grameen forne- cionado, o Reino Unido também promovia as
ceu um modelo inicial de uma SEI quando, no SEIs: a Pesquisa Anual de Pequenas Empresas
final dos anos 70, passou a oferecer crédito para de 2005 constatou que existiam 55.000 empre-
pessoas extremamente pobres da zona rural de sas sociais com um faturamento conjunto de
Bangladesh sem que essas pessoas oferecessem £ 27 bilhões, contribuindo com £ 8,4 bilhões
qualquer garantia pelos empréstimos. O progra- por ano para a economia da nação. O Reino
ma de microcrédito do Banco expandiu-se rapi- Unido é também um dos poucos países a medir
damente e, em meados de 2009, cerca de 8 a atividade de empreendedorismo social como
milhões de pessoas estavam recebendo emprésti- parte do seu programa anual de Monitoramento
mos, 97% das quais eram mulheres. 3 Global do Empreendedorismo. Dados a partir
Embora as definições variem, em geral, o de 2006 indicam que 3,3% da população do
empreendedorismo social pode ser visto como
Reino Unido está envolvida na criação ou admi-
um rótulo para iniciativas que abordam proa-
nistração de uma SEI em fase inicial, enquanto
tivamente questões sociais ou ambientais atra-
1,5% administra uma SEI já estabelecida. Isso
vés da entrega de um produto ou serviço que,
representa uma fatia significativa da população
direta ou indiretamente, sirva de catalisador
para a mudança social. Para garantir que a em comparação com o percentual de 5,8% do
mudança seja sustentável, grande parte do que empreendedorismo tradicional em estágio ini-
os empreendedores sociais fazem é desafiar ou cial. No Japão, onde foram introduzidos dispo-
romper as instituições existentes. Da maneira sitivos legais para entidades sem fins lucrativos
como é usado aqui, o termo instituições inclui em 1999, o número de SEIs cresceu de 1.176
comportamentos coletivos já estabelecidos, naquele ano para mais de 30.000 em 2008. Esse
como o consumo que domina as rotinas diá- setor contribuiu com cerca de 10 trilhões de
rias. O consumo excessivo, as práticas ambien- ienes para a economia em 2005, representando
talmente não sustentáveis e a cultura de ganho 1,5% do produto interno bruto do Japão. 4
privado individual sobrepondo-se ao
ganho compartilhado pela comuni-
dade ou ao benefício público, são
apenas alguns dos comportamentos
institucionalizados que os empreen-
dedores sociais procuram mudar.
Frequentemente, essas metas estão
amarradas a outros objetivos mais
específicos.
Dados comparativos confiáveis
sobre as iniciativas de empreendedo-
rismo social são difíceis de encontrar,
primeiramente porque os países têm
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podem exercer pressão indireta sobre as indús- Acontecimentos recentes destacaram a neces-
trias, criando consciência e estimulando a sidade de equilíbrio entre crescimento econômi-
mudança de comportamento e atitude. Para co – que está irrevogavelmente ligado não só ao
atingir esse tipo de mudança é preciso trilhar enriquecimento e consumo, mas também a uma
uma estrada longa e acidentada, mas uma das melhor qualidade de vida e desenvolvimento
características distintas dos empreendedores humano – e uma abordagem a mercados e gover-
sociais é a persistência. O desafio continua nança que se baseie em necessidades éticas e reco-
sendo ampliar a adoção dessas ideias para o setor nheça interligações e desigualdades globais. A boa
público e o privado e para toda a sociedade, para notícia é que a força do movimento do empreen-
que não se transformem em esforços isolados, dedorismo social nunca foi tão grande e que o
mas penetrem todos os domínios econômicos, momento nunca foi tão propício para impelir o
sociais e políticos. mundo a uma mudança cultural coletiva.
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Relocalizando as Empresas
Michael H. Shuman
Para ter uma ideia do que seja realmente dez moradores para que comprassem “energia
uma “cultura de sustentabilidade”, faça uma verde” da própria cidade, o segundo maior per-
visita a Bellingham, Washington, recentemente centual nos Estados Unidos. A quantidade de
classificada pelo Conselho Nacional de Defesa agricultores nos arredores do condado de
dos Recursos Naturais dos EUA como a cidade Whatcom, que vendem diretamente ao consu-
pequena “mais inteligente” do país. Essa cidade midor, aumentou 44% entre 2002 e 2007, o
costeira, que fica ao norte de Seattle, foi a pioneira dobro do índice estadual. O valor da venda dire-
de uma estratégia de desenvolvimento econômico ta, estratégia fundamental para impulsionar a
radicalmente diferente da tradicional preocupação renda dos agricultores, aumentou 125% no
com a atração e retenção de empresas globais. mesmo período, índice cinco vezes superior ao
Graças à liderança de uma organização sem fins índice estadual. 2
lucrativos denominada Sustainable Connections Bellingham pertence a um número crescen-
[Conexões Sustentáveis], Bellingham focalizou a te de comunidades do mundo todo que consi-
consolidação e organização de seus negócios deram que o futuro de sua sustentabilidade e
locais em uma poderosa rede de colaboração prosperidade depende de empresas locais. A
para reconstruir a economia da comunidade a BALLE, sigla em inglês para Aliança
partir do zero. 1 Empresarial das Economias Locais Vivas, conta
Eis o que a Sustainable Connections conse- com mais de 70 comunidades associadas na
guiu em menos de uma década. Sua campanha América do Norte. Outras 50 comunidades ou
Local First [Empresas Locais Primeiro] - agora mais são afiliadas à Aliança Americana de
amplamente copiada tanto no país inteiro como Negócios Independentes. Internacionalmente,
no Canadá – utiliza festivais, placas de lojas, pôs- mais de mil comunidades estão começando a
teres, propaganda e cupons para motivar os resi- realizar trabalhos semelhantes, através de orga-
dentes a comprar no município. Um estudo nizações como Cidades em Transição e Futuros
independente realizado pela Applied Research Pós-Carbono. 3
Northwest constatou que 69% dos consumido- Na visão dessas organizações, empresas
res de Bellingham agora estão se preocupando locais têm dois significados. Um deles é proprie-
com o caráter local das empresas, 58% começa- dade. Em uma empresa de propriedade local,
ram a “localizar” os seus hábitos de compra, e mais da metade dos proprietários vivem onde a
os proprietários de empresas consideram a Local empresa atua. Por essa definição, a propriedade
First uma das razões mais convincentes para a local, na realidade, caracteriza a grande maioria
sua prosperidade. O programa de energia da das empresas de propriedade individual, parce-
Sustainable Connections mobilizou um em cada rias, entidades sem fins lucrativos, cooperativas e
Michael Shuman é diretor de pesquisa e política pública da Aliança Empresarial de Economias Locais Vivas.
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parcerias público-privadas que atuam no que essa definição pode ser aprimorada com a
mundo. Até mesmo muitas companhias de capi- compreensão das particularidades locais: uma
tal fechado são locais. Na verdade, o único tipo comunidade deve atender às suas necessidades
de empresa claramente não local é uma compa- reais, no presente ou no futuro, sem comprome-
nhia de capital aberto. O outro significado de ter a capacidade de satisfazer as necessidades,
local é a proximidade de suas partes interessa- presentes ou futuras, das gerações futuras que
das, como fornecedores e consumidores. Como vivem em outras comunidades. Essa nova defini-
as empresas de propriedade local tendem a dar ção destaca a importância de cada comunidade
prioridade ao uso do trabalho, da terra e do maximizar seu nível de autossuficiência, suposta-
capital locais e a produzir bens e serviços para os mente através de uma gama diversificada de
mercados também locais, esses dois conceitos empresas que se comportam de forma sustentá-
estão intrinsecamente interligados. vel. A localização, obviamente, não é garantia de
Numa era de globalização, é fácil esquecer comportamento sustentável, mas aumenta sua
que as empresas locais têm realmente sido a probabilidade, no mínimo, por quatro motivos. 5
norma econômica durante a maior parte da his- Em primeiro lugar, uma economia altamen-
tória da humanidade e que, ao contrário da per- te dependente de empresas não locais está sem-
cepção pública, continuam a representar a maior pre comprometendo a sustentabilidade para
parte da economia mundial de hoje. Uma das evitar que suas empresas mais importantes dei-
características de países muito pobres é que xem o local. Por exemplo, o estado de
grande percentual da população pratica a agri- Maryland é altamente dependente do setor aví-
cultura de subsistência, ou seja, a agricultura cola (dominado por duas empresas, Tyson e
local. À medida que os países se desenvolvem, as Perdue) que continuamente ameaça mudar
famílias rurais migram para as cidades em busca para regiões mais propícias ao seu negócio,
de empregos nas indústrias. No entanto, uma como Arkansas e Mississipi. Apesar de seu
grande quantidade dessas pessoas continua impressionante desempenho em outras catego-
desempregada ou subempregada e, na verdade, rias de sustentabilidade, como o crescimento
acabam tornando-se microempresários do setor inteligente, esse estado considera politicamente
informal. Mesmo em economias industriais impossível regular a prática do setor avícola de
avançadas, como os Estados Unidos, cerca de lançar mais de um milhão de quilos de esterco
metade da economia em termos de emprego e na baía de Chesapeake, o maior estuário da
de produção decorre de indivíduos autônomos América do Norte. Se a economia de Maryland
ou de empresas de pequeno ou médio porte, fosse composta por empresas de propriedade
quase todas de propriedade local. 4 local, seus dirigentes poderiam elevar os
Portanto, a localização não é nova nem inco- padrões ambientais com a confiança de que as
mum. O que é novo e incomum é a percepção empresas fariam de tudo para se adaptar, em
de seu potencial para promover sustentabilidade vez de deixarem o local. 6
e prosperidade. A ausência de propriedade local significa que
as corporações não locais podem ditar os termos
Localização e Sustentabilidade de sustentabilidade nas comunidades em que
atuam. Sua capacidade de deixar a comunidade
Para uma geração, a definição de “sustentabi- em um piscar de olhos significa que elas têm
lidade” é a satisfação das suas necessidades sem maior facilidade de ignorar os problemas
comprometer a capacidade das gerações futuras ambientais. A estratégia de expansão do
de satisfazer suas próprias necessidades. No Walmart, a maior rede varejista do mundo,
entanto, há um crescente reconhecimento de incluiu o fechamento de lojas mais antigas
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(resistindo à revenda para concorrentes) e, ao local doaram 2,5 vezes mais dinheiro a institui-
mesmo tempo, a abertura de novos hipermerca- ções de caridade locais por empregado do que as
dos a poucos quilômetros de distância. Como empresas não locais. 8
resultado, cerca de 350 lojas Walmart abando- Em terceiro lugar, como as empresas locais
nadas nos Estados Unidos estão causando gra- tendem a usar materiais do local e vender nos
ves problemas ambientais decorrentes de vaza- mercados locais, suas operações de compra e
mento, inundação e deterioração urbana. 7 venda requerem menos transporte, consomem
Em segundo lugar, a presença de empresá- menos energia e emitem menos poluentes,
inclusive gases de efeito de estufa (GEE). Para
rios locais em uma comunidade pode levar a um
não deixar nenhuma dúvida, uma série de estu-
maior compromisso ambiental por meio da res-
dos argumenta que os alimentos produzidos
ponsabilização. Um empresário pode sentir-se
localmente nem sempre minimizam as emissões
pressionado a pensar duas vezes antes de poluir de carbono. Os habitantes do Alasca, por exem-
livremente, por exemplo, se as vítimas estiverem plo, podem descobrir que as bananas cultivadas
em suas estufas usam mais energia do que o
transporte de bananas da Guatemala. 9
Porém, a verdade é que a maioria desses
estudos não prova muita coisa. Por exemplo,
um relatório indicou que o fato de a população
do Reino Unido consumir carne de carneiro
produzido localmente gerava quatro vezes mais
gases de efeito estufa do que geraria se o carnei-
ro fosse importado da Nova Zelândia. Mas o
estudo, que foi financiado pela associação de
exportadores de carne de carneiro da Nova
Zelândia e passou despercebido, só levou em
Cortesia do Mercado de Agricultores de Bellingham
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sustentabilidade global e a redução da pobreza verão de 2003, por exemplo, dois economistas
(juntamente com o Comércio Justo e os progra- estudaram o impacto de uma possível livraria
mas de transferência de tecnologia) talvez sejam Borders em Austin, Texas, em comparação com
as plataformas de código aberto que divulgam as duas livrarias locais. Eles descobriram que de
sem custo, em especial às comunidades mais US$ 100 gastos na Borders, US$ 13 circulariam
pobres, os mais modernos modelos de negócios, na economia de Austin, e de US$ 100 gastos
tecnologias e práticas. 11 nas duas livrarias locais US$ 45 circulariam na
cidade, gerando três vezes mais empregos,
Localização e Prosperidade lucros e arrecadação de impostos. 13
Muitos outros estudos nos Estados Unidos e
Os impactos da localização sobre a sustenta- no Reino Unido apontam para a mesma dire-
bilidade seriam interessantes, mas pouco con- ção, por uma razão óbvia: empresas locais gas-
vincentes, se os negócios locais acabassem tam a maior parte do seu dinheiro localmente.
gerando poucos benefícios econômicos para a Ao contrário de uma livraria pertencente a uma
comunidade. No entanto, um conjunto cada cadeia, por exemplo, uma livraria local tem ges-
vez maior de evidências indica que a localização, tão local, usa os serviços de empresas locais, faz
se feita de forma adequada, pode aumentar a propaganda local e se beneficia de um fluxo de
prosperidade por três razões. lucros local. 14
Em primeiro lugar, a imobilidade das Em terceiro lugar, a singularidade de uma
empresas significa que os esforços de desenvol- empresa local se encaixa como uma luva em
vimento econômico centrados nessas empresas outras teorias do desenvolvimento econômico.
locais tendem a produzir resultados duradouros. Por exemplo, uma comunidade pródiga na cria-
Um relatório sobre a relação custo-benefício das ção de empresas locais atrai e retém empresários
reduções fiscais no condado de Lane, no e empreendedores jovens. Como argumenta
Oregon, constatou que 95% dos dólares prove- Richard Florida, do Grupo de Classe Criativa,
nientes de redução de impostos nos anos entre essas “economias criativas” têm sucesso porque
1990 e 2002 tinham ido para seis empresas não são tolerantes, diversificadas e divertidas e, por
locais – três das quais receberam os benefícios e fim, dependem da capacidade de semear e
fecharam as portas, mudando-se para outros expandir os negócios locais. 15
lugares. O restante foi para cerca de cem empre- A maioria dos economistas e planejadores
sas locais. O custo público de um emprego não econômicos tem apenas uma vaga consciência
local para a região, em termos de redução de desses resultados, uma vez que eles se baseiam
impostos, foi cerca de US$ 23.800. O custo em teorias e estudos novos. Mas, mesmo quan-
comparativo de um emprego local foi US$ do essas ideias estiverem difundidas, a resistên-
2.100, o mesmo custo por emprego relatado cia será profunda, porque a maioria dos planeja-
por várias microempresas no oeste dos Estados dores econômicos sabe que vai obter mais espa-
Unidos. O custo dos empregos não locais supe- ço na imprensa, dividendos políticos e recom-
rou, portanto, em mais de 10 vezes o de empre- pensas orçamentárias com um negócio de gran-
gos locais. No longo prazo, com base nos de vulto que criará 1.000 postos de trabalho do
empregos líquidos (levando-se em conta a saída que com 100 negócios que criarão 10 postos de
de grandes empresas), os empregos não locais trabalho cada um. Do ponto de vista econômi-
custavam 33 vezes mais. 12 co, entretanto, o veredito do júri é claro e con-
Em segundo lugar, uma empresa local tende vincente: as empresas locais são apostas signifi-
a gerar um multiplicador econômico maior em cativamente melhores em termos de renda,
comparação com uma empresa não local. No riqueza e postos de trabalho.
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negócios — receosos de seus concorrentes locais economias globais de grande escala, eliminando,
e subjugados pelo esforço diário de manter ati- assim uma possível vantagem competitiva de
vas suas firmas — deixam de criar parcerias algumas empresas globais. A Tucson Originals,
comerciais naturais que poderiam ser benéficas. no Arizona, por exemplo, permite que as
Os investidores são dissuadidos de investir seu empresas locais do setor de alimentação que
dinheiro em negócios locais rentáveis pelas leis participam do programa melhorem seu resulta-
obsoletas que regem os valores mobiliários que do final adotando a prática de compra e marke-
tornam esse investimento injustificadamente ting em conjunto. 19
dispendioso. E os gestores de políticas públicas O maior obstáculo para a localização talvez
no mundo todo, a despeito de sua retórica posi- seja a indisponibilidade de capital. Mesmo nas
tiva sobre pequenos negócios, parecem incapa- nações mais ricas, as complexas leis que discipli-
zes de romper o vício de subsidiar negócios glo- nam o mercado de capitais são um obstáculo
bais. O movimento de localização tem como para que pequenos investidores empreguem
objetivo demolir essas barreiras. suas economias em pequenas empresas. Na
Para ajudar os clientes a encontrar e comprar Austrália, por exemplo, as empresas locais res-
mercadorias e serviços locais competitivos, as pondem por cerca de 2/3 da economia e estão
campanhas da Local First, como a realizada em constantemente aumentando sua participação
Bellingham, informam quais produtos e serviços no produto interno bruto em comparação com
são realmente locais e comparam os preços e a as empresas globais, e mesmo assim, essas
qualidade com os de concorrentes globais. Essas empresas não podem contar com praticamente
iniciativas também estão usando inúmeras ferra- nenhuma parte dos 9% dos fundos de aposenta-
mentas para impelir os clientes a comprar pro- doria que os cidadãos são obrigados a depositar
dutos e serviços locais. Cupons dão aos clientes em suas contas de aposentadoria. A crescente
descontos iniciais nas empresas locais. Cartões missão do movimento de localização é desregu-
locais de débito, crédito, brinde e fidelidade lamentar a participação da sociedade civil nos
recompensam as compras locais com prêmios. mercados de capitais, ajudar as pequenas empre-
Os sistemas locais de permuta e gratificação sas a emitir ações locais de forma não dispendio-
induzem os participantes a usar seus créditos sa, oferecer liquidez a esses mercados através das
exclusivamente nas empresas locais. 18 bolsa de valores locais e criar novos profissionais
Para aprimorar as práticas competitivas das da área de investimento — consultores, correto-
empresas locais, alianças como a Sustainable res, operadores, gestores de fundos — especiali-
Business Network of Greater Philadelphia zados em investimentos locais. 20
[Rede de Empresas Sustentáveis da Grande Mudar as regras de investimento é, na verda-
Filadélfia] (afiliada da BALLE) estão organizan- de, mudar um subconjunto de uma vasta pauta
do conferências com a finalidade de apresentar de reforma das políticas vigentes. As alianças das
as melhores práticas de negócios, de estratégias empresas locais estão começando a demarcar
de marketing a tecnologias de redução de uso radicalmente as posições políticas em desacordo
de energia. As redes de comunicação, especial- com a comunidade empresarial tradicional. Por
mente aquelas organizadas por setor (gêneros exemplo, a Câmara do Comércio dos EUA está
alimentícios, energia, varejo e assim por diante), se opondo à legislação do cap-and-trade para
estão ajudando as empresas locais a aumentar conter a emissão de gases de efeito estufa,
sua competitividade. Elas estão aprendendo enquanto diversas associações comerciais locais
que, ao trabalhar em conjunto, conseguem estão fazendo lobby para aprovação das leis.
atuar da mesma maneira que a maior parte das Uma divisão semelhante pode ser observada
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acerca das propostas para eliminar brechas fiscais localização, ou seja, a sustentabilidade e a pros-
para as multinacionais dos EUA: a Câmara se peridade. 22
opõe a essas reformas e as redes de empresas A pauta relativa à localização contém cente-
locais as apoiam. 21 nas de pontos de ação para ativistas, empresários
A maior mudança em política pública pre- e gestores de políticas, porém muitos deles
tendida pelos defensores da localização é a revi- nunca chegam a um acordo. A localização está
são das prioridades do desenvolvimento econô- forjando alianças pouco prováveis entre os
mico. O alvo exclusivo do dinheiro público, defensores dos negócios verdes e os que são
argumentam eles, deve ser a consolidação das contra, e entre os conservadores do livre merca-
empresas locais. Cada dólar gasto no desenvol- do e os progressistas antiglobalização. E essa, no
vimento econômico e cada hora despendida final das contas, talvez seja a característica mais
para atrair ou manter empresas não locais é um convincente da localização e sua contribuição
dólar e uma hora que deixarão de ser revertidos mais duradoura — uma cultura de sustentabili-
em benefício do bem maior que representa a dade enraizada na democracia profunda.
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O Papel do Governo
nos Projetos
E
m uma sociedade sustentável, não será um crescente número de ecossistemas, ficará
difícil fazer escolhas ambientalmente cada vez mais evidente que as maiores ameaças
corretas. Em qualquer situação, seja a à segurança nacional não vêm dos exércitos
compra de uma nova lâmpada ou um externos ou grupos terroristas, e sim do estado
projeto de empreendimento imobiliário na peri- de debilidade do planeta. Michael Renner, do
feria, a escolha sustentável será a opção escolhi- Worldwatch, descreve como aplicar o quase
da de forma automática, e até mesmo natural – US$ 1,5 trilhão gasto anualmente com as forças
o caminho da menor resistência. Este capítulo armadas no mundo inteiro e, em vez desse uso,
atesta que os governos – que estabelecem leis, direcionar esse montante para sanar problemas
definem prioridades para as sociedades e proje- sócioambientais. Essa troca protegerá muito
tam cidades e municípios onde as pessoas vivem mais as pessoas do que um maior arsenal nuclear
– serão os principais agentes que ajudarão a e, ao longo do tempo, criará oportunidades eco-
desenvolver esta cultura da sustentabilidade. nômicas suplementares e novas possibilidades
Um papel importante dos governos, pratica- para melhorar as relações diplomáticas entre as
mente invisível quando bem feito, é o da “edi- nações. 2
ção de escolhas”, ou ingerência. Michael Para facilitar uma vida sustentável, será tam-
Maniates, do Allegheny College, observa que a bém preciso redefinir os locais onde as pessoas
ingerência nas escolhas dos cidadãos por meio vivem. Peter Newma da Curtin University of
de leis, tributos, subsídios, etc. é há muito Technolog descreve como e onde isso já acon-
tempo papel dos governos. A novidade do tece, demonstrando como as cidades e municí-
momento é que a ingerência nas escolhas está pios podem ter menores pegadas ecológicas ou
sendo usada para que a opção sustentável ocor- nenhuma pegada. As cidades poderiam eliminar
ra de forma automática – como projeto. Da o uso de carros e gerar parte significativa de sua
proibição do uso de sacolas plásticas em Ruanda energia usando seus telhados e espaços verdes
e a retirada gradual de lâmpadas incandescentes para a instalação de placas solares, turbinas eóli-
do mercado na Austrália, aos impostos radicais cas e jardins. E, ao se conectarem com redes
taxados sobre emissão de carbono na Suécia e os comunitárias, os moradores de uma cidade
subsídios à energia solar na China, muitos podem ser mobilizados como participantes ati-
governos no mundo inteiro estão tentando fazer vos para acelerar a mudança rumo a um projeto
com que as pessoas vivam vidas sustentáveis sem urbano sustentável.
fazer esforços para isso. 1 De acordo com Walter Bortz, da Stanford
A segurança nacional é outro conceito que University School of Medicine, serviços sociais
precisa ser reconsiderado urgentemente. Tendo imprescindíveis, como os de saúde, também
em vista que as atividades humanas destroem precisam ser reformulados. Atualmente, em
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muitas sociedades, o serviço de saúde concen- pelo desenvolvimento e propiciará aos cidadãos
tra-se no tratamento de sintomas, e não na pre- a possibilidade de recorrer a recursos jurídicos
venção de doenças e estímulo a uma vida saudá- sempre que a degradação ecológica se disfarçar
vel e sustentável. Ao transferir o foco do “cuidar em desenvolvimento econômico.
da doença” para “cuidar da saúde”, os governos Estes artigos contam ainda com dois
podem impedir milhares de mortes desnecessá- Quadros: um deles descreve como os serviços
rias e melhorar a vida de milhões de pessoas. sociais poderiam ser reformulados para oferecer
Podem também economizar bilhões de dólares mais por menos e de forma ecologicamente
e, reduzindo a necessidade de tratamentos que recuperativa; o outro apresenta o papel da
exigem altos recursos monetários, conseguem comunidade internacional para tornar sustentá-
veis os padrões de produção e consumo globais,
também cortar os impactos ecológicos e assim
conforme delineado no Processo Marrakesh das
manter uma população saudável.
Nações Unidas.
Outra reformulação primordial necessária é a
Não se pode exagerar a importância do papel
do sistema jurídico propriamente dito. Cormac do governo na criação de sociedades sustentá-
Cullinan, advogado ambientalista na Cidade do veis. Mas se os políticos fizerem da sustentabili-
Cabo, descreve de que maneira os sistemas jurí- dade sua prioridade, com o respaldo dos cida-
dicos atuais desconsideram os direitos da Terra dãos, a sociedade poderá passar por grandes
e como isso permite que os ecossistemas sejam transformações, e viver uma vida sustentável
convertidos, de forma imprevidente, em recur- será a opção natural – como projetado.
sos, em detrimento do homem e da Terra. O -Eric Assadourian
reconhecimento dos direitos da Terra pela lei
ajudará a tornar mais naturais as atuais opções
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Eliminando o Comportamento
Não Sustentável
Michael Maniates
No fim de 2010, os australianos terão dificulda- então, dúvidas filosóficas espinhosas que estão
des em achar uma lâmpada incandescente para a no âmago da questão: será que os produtos
luminária de seus criados-mudos ou escrivani- devem ser retirados da lista de escolhas do con-
nhas. O governo australiano, preocupado com a sumidor em função de suas características
possível escassez de energia e mudança no clima ambientais questionáveis ou de outras particula-
global, é o primeiro a proibir esse tipo de lâm- ridades socialmente duvidosas? Quem decide o
pada e incentivar o uso de lâmpadas fluorescen- que fica nas prateleiras e o que será retirado?
tes compactas de baixo consumo (CFLs) e Não deveria o consumidor ter o direito da livre
LEDs. O impacto será significativo: redução escolha? Será que um “fascismo da lâmpada”
anual de 4 milhões de toneladas de emissão de está interferindo no mercado? 2
gases de efeito estufa até 2012, e considerável
economia. E a Austrália não está sozinha. Até A Ingerência nas Escolhas não é
2012 a UE removerá gradualmente do mercado Novidade
as lâmpadas incandescentes. Os próximos da fila
são Canadá, Indonésia e até mesmo os EUA. 1 Bem-vindo ao mundo da “ingerência nas
Analistas ambientais como Lester Brown, do escolhas”, em que a contenda sobre as lâmpadas
Earth Policy Institute, estão extremamente não passa de uma salva de tiros inicial em uma
satisfeitos. Brown comentou que, se todos batalha mais ampla para forçar a eliminação de
seguissem o exemplo da Austrália, a “redução produtos prejudiciais ao meio ambiente e substi-
do uso de eletricidade no mundo inteiro permi- tuí-los por escolhas mais benignas. A ingerência
tiria o fechamento de mais de 270 usinas de nas escolhas em nome da sustentabilidade é mais
energia (500 megawatts) movidas a carvão. Nos do que simplesmente remover o que não funcio-
EUA, essa troca por outro tipo de lâmpada sim- na. Segundo o U.K. Sustainable Development
plificaria o fechamento de 80 usinas movidas a Council (Conselho do Reino Unido para
carvão”. Outros analistas, no entanto, não se Desenvolvimento Sustentável), “trata-se de
mostram tão seguros. Há inúmeros relatórios mudar o campo de escolha para a maioria dos
sobre pessoas que estão estocando lâmpada consumidores: cortar produtos desnecessariamen-
incandescente na Austrália, Alemanha e em te nocivos ao meio ambiente e apresentar nas pra-
outros países, e alguns especialistas questionam teleiras produtos efetivamente sustentáveis (Veja
se as lâmpadas incandescentes não estão sendo no Quadro 16 algumas iniciativas em nível inter-
expulsas do mercado rápido demais. E surgem, nacional sobre consumo sustentável). 3
Michael Maniates é Professor de Ciência Política e Ciência Ambiental no Allegheny College, Pensilvânia.
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Quadro 16 – O Processo Marrakesh das Nações Unidas sobre Consumo e Produção Sustentáveis
Ao reconhecer sua participação desproporcional com capacitação em consumo sustentável junto a
no consumo global e o impacto disso sobre a jovens; desenvolve CD-ROMs sobre
sustentabilidade, os países industrializados sustentabilidade em marketing e plataformas on-
concordaram, em 2002, em assumir a liderança line para comunicação sobre sustentabilidade. Há
para acelerar uma mudança voltada a padrões de projetos implantados em mais de 30 países, com
consumo e produção sustentáveis. material em mais de 10 idiomas.
Tendo isso em mente, foi lançado em 2003, em • Cooperação com a África (Alemanha).
Marrakesh, Marrocos, um processo informal, com Compromete-se, por um período de 10 anos, com
participantes de diferentes áreas de especialidade, uma estrutura de SCP na África (a primeira região
com a intenção de apoiar iniciativas regionais e que desenvolveu e lançou esse programa), dando
nacionais para acelerar a mudança na direção do suporte a um programa de Rotulagem Ecológica
consumo e produção sustentáveis (SCP). Essa em Toda a África, a uma rede de especialistas em
iniciativa pretende ainda elaborar uma estrutura Avaliação do Ciclo de Vida na África e iniciativas
de programas em SCP com alcance de 10 anos, a para saltar rapidamente rumo a fontes de energia
ter início depois que sua constituição e teor forem limpa.
negociados na reunião da Comissão das Nações • Compras Públicas Sustentáveis (Suíça).
Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, Desenvolve ferramentas de análise e de Avaliação
programada para maio de 2011. de Status, tendo a Internet como plataforma. Sua
Um elemento fundamental do Processo finalidade é prestar suporte às iniciativas de
Marrakesh é a formação de sete Forças Tarefas – organizações do setor público no escopo de
que são iniciativas voluntárias lideradas pelos justificativas, realização e avaliação de compras
governos junto a vários parceiros: sustentáveis.
• Estilos de Vida Sustentáveis (Suécia). Identifica • Produtos Sustentáveis (Reino Unido). Utiliza
e compara inovações sociais básicas para redes de especialistas em áreas de produtos
sustentabilidade em todo o mundo; descobre fundamentais, com a finalidade de
exemplos promissores e os divulga; cria aprimoramento de padrões, criação de rótulos e
ferramentas para formação dos que trabalham trabalho conjunto em planos políticos
Aqueles que exercem ingerência nas esco- cente. Em Los Angeles, os churrasqueiros de
lhas costumam desconsiderar os aspectos fim de semana, que foram proibidos de usar o
comerciais de produtos ambientalmente agres- fluido de isqueiro, tiveram como opção acender
sivos – como foi o caso, em Los Angeles, com lareira ou briquete usando acendedores elétri-
o fluido de isqueiro produzido com carvão cos. Na Irlanda, os compradores podem adqui-
vegetal que emite fumaça tóxica, ou na Europa rir sacolas de pano à vontade, algumas delas
e América do Norte em relação à gasolina com chiques ou sofisticadas. E, na Austrália, bem
chumbo. Ou tornam oneroso o uso de tais pro- como em um número crescente de outros paí-
dutos, como se deu com o imposto aplicado na ses que procuram eliminar o uso de lâmpadas
Irlanda sobre sacolas de plástico, que reduziu incandescentes, os consumidores terão mais
seu uso em 90%. Entretanto, como qualquer escolhas dentre as CFLs, LEDs e outras tecno-
bom editor, os editores de escolhas não podem logias de iluminação inovadoras. 4
apenas cortar determinados produtos. Eles Se a ideia do governo de ingerir-se nas esco-
devem oferecer opções ou, pelo menos – lhas irritar o público - talvez porque pareça
segundo o repórter ambiental Leo Hickman– manipuladora ou muito “Big Brother” - lem-
uma ilusão de escolha suficientemente convin- bre-se de que a ingerência nas escolhas não é
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O Papel do Governo
nos Projetos
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m uma sociedade sustentável, não será um crescente número de ecossistemas, ficará
difícil fazer escolhas ambientalmente cada vez mais evidente que as maiores ameaças
corretas. Em qualquer situação, seja a à segurança nacional não vêm dos exércitos
compra de uma nova lâmpada ou um externos ou grupos terroristas, e sim do estado
projeto de empreendimento imobiliário na peri- de debilidade do planeta. Michael Renner, do
feria, a escolha sustentável será a opção escolhi- Worldwatch, descreve como aplicar o quase
da de forma automática, e até mesmo natural – US$ 1,5 trilhão gasto anualmente com as forças
o caminho da menor resistência. Este capítulo armadas no mundo inteiro e, em vez desse uso,
atesta que os governos – que estabelecem leis, direcionar esse montante para sanar problemas
definem prioridades para as sociedades e proje- sócioambientais. Essa troca protegerá muito
tam cidades e municípios onde as pessoas vivem mais as pessoas do que um maior arsenal nuclear
– serão os principais agentes que ajudarão a e, ao longo do tempo, criará oportunidades eco-
desenvolver esta cultura da sustentabilidade. nômicas suplementares e novas possibilidades
Um papel importante dos governos, pratica- para melhorar as relações diplomáticas entre as
mente invisível quando bem feito, é o da “edi- nações. 2
ção de escolhas”, ou ingerência. Michael Para facilitar uma vida sustentável, será tam-
Maniates, do Allegheny College, observa que a bém preciso redefinir os locais onde as pessoas
ingerência nas escolhas dos cidadãos por meio vivem. Peter Newma da Curtin University of
de leis, tributos, subsídios, etc. é há muito Technolog descreve como e onde isso já acon-
tempo papel dos governos. A novidade do tece, demonstrando como as cidades e municí-
momento é que a ingerência nas escolhas está pios podem ter menores pegadas ecológicas ou
sendo usada para que a opção sustentável ocor- nenhuma pegada. As cidades poderiam eliminar
ra de forma automática – como projeto. Da o uso de carros e gerar parte significativa de sua
proibição do uso de sacolas plásticas em Ruanda energia usando seus telhados e espaços verdes
e a retirada gradual de lâmpadas incandescentes para a instalação de placas solares, turbinas eóli-
do mercado na Austrália, aos impostos radicais cas e jardins. E, ao se conectarem com redes
taxados sobre emissão de carbono na Suécia e os comunitárias, os moradores de uma cidade
subsídios à energia solar na China, muitos podem ser mobilizados como participantes ati-
governos no mundo inteiro estão tentando fazer vos para acelerar a mudança rumo a um projeto
com que as pessoas vivam vidas sustentáveis sem urbano sustentável.
fazer esforços para isso. 1 De acordo com Walter Bortz, da Stanford
A segurança nacional é outro conceito que University School of Medicine, serviços sociais
precisa ser reconsiderado urgentemente. Tendo imprescindíveis, como os de saúde, também
em vista que as atividades humanas destroem precisam ser reformulados. Atualmente, em
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nova nem tampouco original. O governo faz propostas para habitações, escolas e locais de
isso há muito tempo, de formas óbvias ou vela- trabalho para escolha da população.
das (Veja Tabela 8). Os padrões de segurança e A verdadeira preocupação não é com o
desempenho para tudo – do alimento que as envolvimento do governo na ingerência nas
pessoas consomem aos carros que dirigem– res- escolhas. Ao contrário, a preocupação decorre
tringem e moldam as escolhas. O mesmo se apli- da constatação de que décadas de ingerência nas
ca a políticas fiscais, tarifárias e de subsídios que escolhas fomentaram e apoiaram uma concep-
incentivam o desejo por certos produtos ao ção particularmente estreita de progresso, que
mesmo tempo em que tornam outros não considera o consumo de massa como a base da
atraentes ou indisponíveis. Em um nível mais felicidade humana, do igualitarismo e até
sutil, as decisões do governo referentes a um mesmo da própria democracia. Como diz a pre-
local para construção de estradas e ferrovias, miada historiadora Lizabeth Cohen em seu livro
quais escolas e hospitais devem ser construídos Consumers’ Republic, “Uma estratégia ... que
ou fechados, e quais programas de pesquisa e surgiu após a Segunda Grande Guerra para
desenvolvimento são subsidiados ou abandona- reconstruir a economia [dos EUA] e reafirmar
dos convergem na preparação de uma série de seus valores democráticos, estimulando a expan-
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são do consumo de massa”. A principal platafor- principal mola propulsora na maioria dos casos.
ma dessa estratégia era fazer com que opções Fabricantes, varejistas e órgãos de regulamenta-
por produtos de consumo de massa parecessem ção vêm decidindo eliminar produtos menos
escolhas naturais e inevitáveis: pense, por exem- sustentáveis levando em conta o benefício para
plo, naquela casa de uma única família repleta de os consumidores, e assim aumentando o padrão
produtos, um carro dessa família para chegar até de todos os itens produzidos”. 6
lá e pontos de venda abundantes espalhados ao Um exemplo clássico disso é o objetivo do
redor. Outras opções e padrões de consumo Protocolo de Montreal de, aos poucos, extinguir
mais sustentáveis ambientalmente - bondes e a produção de clorofluorcarbonetos (CFCs),
sistemas ferroviários interurbanos eficientes, por substâncias que destroem a camada de ozônio.
exemplo, ou uma rede para coleta de vasilhames “Fatores econômicos, políticos e técnicos de
de leite, refrigerante e outros produtos retorná- peso combinaram-se para eliminar gradualmente
veis - foram considerados retrógrados, torna- os CFCs”, escreveram James Maxwell e
ram-se mais difíceis de achar e menos confiáveis, Sanford Weiner do Massachusetts Institute of
e acabaram por desaparecer. 5 Technology. Eles observam que o fator crítico
O olhar penetrante de Cohen concentra-se foi a produção, pela DuPont, de um substituto
nos Estados Unidos, mas casos semelhantes são para o CFC e o desejo dessa empresa de criar
também encontrados na maior parte do mundo uma nova demanda do consumidor por esse pro-
industrializado, e histórias parecidas ocorrem duto e, ao mesmo tempo, estabelecer uma van-
hoje em países em desenvolvimento, principal- tagem competitiva em relação a seu maior con-
mente na Índia e China. Todos eles apontam corrente mundial, que não fabrica esses substitu-
para uma questão provocativa: se o crescimento tos. Atualmente, a camada de ozônio está mais
de culturas de consumo essencialmente não sus- saudável porque os consumidores passaram a
tentável foi facilitado pela ingerência nas esco- usar produtos menos prejudiciais nesse aspecto,
lhas - por uma elite que intencionalmente subs- mas essa mudança ocorreu principalmente em
tituiu o campo de escolha dos consumidores função da ingerência metódica nas escolhas,
tradicionais -, será que a transformação do con- pressionando os consumidores nessa direção. 7
sumismo em algo mais sustentável exigirá um Evidentemente, os consumidores ainda têm
grau semelhante de determinação e sofisticação papel importante quando optam por compras
por parte dos governos e das empresas? pautadas pela sustentabilidade. No entanto,
A resposta parece ser “sim”. Por exemplo, em Tim Lang, da City University London, que
2006, a Mesa Redonda para Desenvolvimento cunhou a ideia das “milhas de alimentos”, é o
Sustentável (SDR) - um projeto da Development porta-voz de muitos analistas do consumo sus-
Commission e do National Consumer Council tentável quando indaga “por que o consumidor
do Reino Unido — publicou uma análise sobre deve ficar a esmo nos corredores de um super-
as 19 transformações promissoras nas culturas mercado e se torturar com questões complexas
de consumo, que abarcavam desde produtos tais como bem-estar animal, pegadas de carbo-
florestais sustentáveis até linhas de produtos ali- no, direitos dos trabalhadores e empacotamento
mentícios orgânicos e certificados de acordo excessivo, quando a regra geral é a inexistência
com o comércio justo. A SDR concluiu que, de um rótulo que apresente dados explicativos
“historicamente”, o consumidor com consciên- que o ajudem a tomar uma decisão?” Por que,
cia ecológica não tem sido o ponto de inflexão em outras palavras, os produtores e os governos
que promove uma inovação em que a ecologia é não mudam suas atuais práticas de ingerência
a prioridade. Ao contrário, a ingerência do nas escolhas de modo que os consumidores
governo e de empresas nas escolhas que con- optem apenas dentre uma gama de produtos
templam qualidade e sustentabilidade tem sido a ambientalmente “bons”? Dessa maneira, fazer a
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Ingerência em Prol da
N-O-M-A-D
Sustentabilidade
Nova Deli: menos poluição pode ser apenas uma parte da batalha Se a meta é fazer com que os con-
sumidores caminhem para padrões de
consumo menos destrutivos ao meio
ma de rotulagem ecológica, esse tipo de infor- ambiente, a experiência contemporânea mostra
mação influencia apenas uma minoria de com- que a ingerência nas escolhas funciona. Em um
pradores – e isso é feito sem o conteúdo, rapi- crescente número de faculdades e universidades
dez ou constância suficientes para gerar o nível dos EUA, por exemplo, o café certificado pelos
de transformação de vida do consumidor que parâmetros de comércio justo e a eletricidade
um planeta sob pressão exige. 9 gerada por fontes renováveis constam cada vez
Pelo menos três fatores limitam a eficácia da mais das listas de opções – e, de modo geral, são
rotulagem: o diferente nível de compromisso a única alternativa disponível no campus. 11
ambiental por parte da população; a complexi- Na Califórnia, os consumidores podem esco-
dade das decisões referentes às escolhas do con- lher dentre uma ampla gama de opções de gera-
sumidor, que são estruturadas por intrincados ção de eletricidade, e os clientes com maior cons-
processos sociais e influências culturais; e uma ciência ambiental podem optar por placa solar nos
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telhados de acordo com as condições do local e vende madeira certificada com o selo do Forest
sua capacidade aquisitiva. Sejam quais forem as Stewardship Council. Mas o Home Depot tam-
preferências apontadas por consumidores em bém modificou aspectos significativos de sua
geral, até 2010, 20% da eletricidade do estado será cadeia de suprimento de produtos de madeira, e
gerada por fontes renováveis devido aos Padrões em decorrência disso, hoje é muito mais difícil
de Portfólio Renováveis impostos pelo governo comprar madeira ambientalmente “ruim” nas
estadual às companhias de serviços de eletricidade. lojas da rede do que 10 anos atrás. 14
Esses Padrões estão incentivando o desenvolvi- A B&Q, a equivalente do Home Depot no
mento de produtos obtidos por fontes renováveis Reino Unido, seguiu uma estratégia semelhante
muito mais rapidamente do que seria possível com e tem, talvez, o mais rígido sistema comercial
o consumo não coordenado. Haverá na Califórnia para identificação da proveniência dos produtos
um crescimento gradual da proporção da eletrici- de madeira comercializados por seus fornecedo-
dade renovável, e esse caminho será trilhado em res, superando facilmente os varejistas norte-
breve por mais 38 estados. 12 americanos. No fim dos anos 90, Allen Knight,
Em 2003, Londres implantou o primeiro Coordenador de Política Ambiental da empresa,
programa de “precificação de congestionamen- explicou em entrevista que a B&Q havia adota-
to de trânsito” para o centro da cidade: os do a política da madeira sustentável “mesmo
motoristas pagam um pedágio para entrar de não havendo indicação de demanda do consu-
automóvel nas áreas centrais durante períodos midor por produtos certificados”. Knight obser-
de pico. A receita dessa taxa é usada para melho- vou que “os clientes não pediam produtos certi-
ria do serviço de ônibus e financiamento de ficados porque não sabiam de sua existência: o
reformas do metrô. Tratado inicialmente com papel do varejista é criar mercados e a consciên-
ceticismo, esse programa hoje goza de apoio cia ecológica dos clientes. 15
público, sendo um modelo para grandes cidades Para não ficar para trás, no início de 2006, o
em todo o mundo. E na Índia, em resposta a Walmart comprometeu-se a comercializar ape-
um decreto sobre saúde pública publicado pela nas peixe proveniente de pesca selvagem ou
Suprema Corte, o governo exigiu que, nas prin- peixe congelado cujos fornecedores tivessem
cipais cidades, todos os ônibus, táxis e riquixás selo de certificação do Marine Stewardship
motorizados substituíssem combustíveis sujos Council (MSC), que atesta piscicultura susten-
pelo uso de gás natural comprimido, um recur- tável. Além disso, em vez de competir pelo aces-
so mais limpo. Apesar de alguns protestos ini- so aos fornecedores já existentes ou pelo contro-
ciais, Nova Deli liderou a iniciativa, e os passa- le desses fornecedores, o Walmart exigiu que
geiros agora fazem parte de um ambicioso pro- eles se abastecessem em um maior número de
grama de redução da poluição atmosférica. áreas de pesca com recursos renováveis. O selo
Esses exemplos, e muitos outros semelhantes, ecológico do MSC, de cor azul, aparece em des-
demonstram a eficácia e a viabilidade política da taque nos pescados provenientes de pesca selva-
ingerência nas escolhas. 13 gem vendidos pelo Walmart; mas, ao contrário
As empresas oferecem seus próprios exem- de outros programas com selos de certificação,
plos, embora ainda seja cedo para saber se essas este não pretende persuadir os compradores a
práticas persistirão e se conseguirão expandir-se escolher peixe proveniente de habitat natural
diante de ausência de regulamentos governamen- sustentável em vez de opções menos sustentá-
tais ou pressão constante por parte da sociedade veis, uma vez que a empresa aboliu completa-
civil. Reagindo à pressão de grupos ambientais, mente essa última possibilidade. 16
desde 1999, o Home Depot – a maior rede vare- Ainda no início de 2006, os Supermercados
jista de material para reforma de casas nos EUA – Hannaford, nos EUA, implantaram o programa
133
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“estrela guia” em 270 lojas, em que produtos dutores e publicitários sobre o que produzir e o
identificados como especialmente saudáveis ou que vender são pautadas somente por escolhas de
nutritivos recebem de uma a três estrelas. Cerca um consumidor não influenciado e independen-
de 28% dos produtos nas lojas recebem a classi- te. Em outras palavras, o consumidor decide, e o
ficação, sendo que os demais não são suficiente- produtor responde. Essa ideia nega o poder que
mente bons para receber estrelas. Dan o governo e as empresas têm sobre a gama de
Goleman, autor de Ecological Intelligence, relata opções e a arquitetura de escolhas do consumi-
que as “vendas de marcas com baixa classifica- dor. Tal perspectiva acaba embutindo uma sabo-
ção sofreram queda de 5%”, enquanto as vendas tagem do verdadeiro motivo da ingerência nas
de algumas marcas com três estrelas apresenta- escolhas. 19
ram aumento de 7%. “Os gerentes de marcas O Japão foi pioneiro em um melhor uso da
começaram a contatar a Hannaford para saber o rotulagem, adotando uma prática que pode
que precisariam fazer para obter classificações conduzir as culturas de consumo rumo à filoso-
mais elevadas”, disse Goleman. 17 fia da sustentabilidade. Desde 1998, o governo
O evidente sucesso da Hannaford deve-se ao divide os produtos em categorias e classes seme-
fato de a empresa considerar seu programa lhantes e, então, os classifica e rotula dentro de
muito mais do que um simples exercício de uma escala de 1 a 5 em termos de eficiência
rotulagem. Tratava-se de modificar os compo- energética. Os níveis um e dois representam o
nentes críticos da “arquitetura de escolhas” em padrão estabelecido para os produtos com
suas lojas. “Isso inclui sinalização, etiquetas em melhor desempenho, sendo esse o padrão que
prateleiras, campanha publicitária, materiais todo o setor deverá observar no prazo de cinco
suplementares, materiais de treinamento, site na anos. À medida que esses “top runners” [produ-
Internet e envolvimento da comunidade, entre tos incluídos no programa de otimização do
outros elementos”, explica Michael Norton, consumo de energia] se aprimoram, o padrão
porta-voz da Hannaford. E significava mudar o geral também aumenta, pressionando constan-
arranjo dos produtos e as estratégias de arruma- temente os fabricantes a melhorar suas linhas de
ção nas prateleiras para assim estimular hábitos produtos, sob o risco de terem seus produtos
de compras mais saudáveis. 18 proibidos. No curto prazo, os consumidores
conscientizados em relação ao problema energé-
Obstáculos à Mudança tico exercem mais poder de participação: a rotu-
lagem dos “top runners” oferece informações
Há um vasto potencial para que a ingerência importantes sobre os custos gerais com energia
nas escolhas impulsione mudanças fundamentais resultantes da escolha do consumidor. Em um
no consumo. Mas há pelo menos dois obstáculos horizonte de tempo maior, o campo das esco-
no caminho. Um deles é a crença persistente de lhas muda: a rotulagem passa a representar um
que apenas a rotulagem dos produtos pode levar parâmetro para regulamentação, impulsionando
à mudança necessária. A rotulagem, mesmo constantes inovações de produto, aumentando a
quando lógica e clara, implica que, quando os gama de opções entre as categorias que regis-
consumidores decidem comprar algo, o peso da tram melhor desempenho e eliminando os pio-
responsabilidade pela mudança social necessária res produtos. A Alemanha está considerando a
cai em suas costas. E também reforça aquilo que implantação de um programa semelhante. Os
Thomas Princen, da Universidade de Michigan, defensores da ingerência nas escolhas esperam
chama de “um dos mitos mais infrutíferos da vida que o recente compromisso do Walmart com o
política”: a noção da soberania do consumidor, a selo ambiental venha a incluir essa “política de
qual preconiza que as decisões tomadas por pro- otimização do consumo de energia”. 20
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Um segundo empecilho ao poder da ingerên- sustentável. Essas ideias incluem a adoção gene-
cia nas escolhas é o foco predominante na ralizada de práticas predeterminadas para
“mudança de consumo” – e não na “redução de “empurrar” os consumidores a seguir direções
consumo”. A maior parte da ingerência nas esco- ambientalmente adequadas. As pessoas poderão
lhas tem procurado fazer com que os consumido- optar por não adotar tais práticas, mas nesses
res optem por produtos menos nocivos ao meio casos é o indivíduo que se responsabiliza pela
ambiente. Mas padrões de consumo verdadeira- escolha errada em detrimento da correta.
mente sustentáveis devem também envolver Dentre essas ideias, podemos citar programas
reduções no consumo geral. De que modo o que façam compensação automática e certificada
contexto em que as pessoas comuns tomam suas de emissões de dióxido de carbono em todas as
decisões de consumo pode ser transformado para reservas aéreas, ou em planos de poupança, ou
estimular tais decisões? John de Graaf sugere uma acrescentando um valor pela energia renovável a
resposta: tornar atraente para as pessoas substituir ser debitado automaticamente das contas resi-
trabalho por entretenimento, sob modalidades denciais de consumo de energia (de modo que
que resultem em redução voluntária da renda um consumidor terá que dizer explicitamente
(mas não em benefícios de seguro-saúde e outros “Eu quero usar carvão sujo e poluente para pou-
par uma pequena quantia de dinheiro”).23
benefícios importantes), para que tenham mais
A ingerência nas escolhas existe há muito
tempo livre, o que, por sua vez, traz ganhos
tempo e veio para ficar. Se isso parece implausí-
ambientais conhecidos. 21
vel, observe com olhos críticos o layout dos pro-
O economista Robert Frank, da
dutos e arrumação em um supermercado. Quais
Universidade Cornell, oferece outra solução:
produtos atraem o olhar do consumidor? Quais
aplicar impostos sobre o consumo de produtos
deles podem ser alcançados facilmente? A per-
de luxo, reduzir ou eliminar impostos sobre gunta que se apresenta agora é: será que apenas
renda proveniente de poupança e investir mais o foco principal na promessa de rotulagem de
recursos governamentais em usos públicos — um produto (e noções subjacentes da soberania
parques, calçadas convidativas para pedestres, do consumidor) continuará a definir a política
meios de transporte de massa — que reduzi- de consumo sustentável? Ou surgirão avaliações
riam as pressões sobre o consumo individual mais realistas sobre como e por que as pessoas
(apoiando assim a proposta de Graaf por fazem escolhas de consumo? O governo e as
menos trabalho, menos renda, mas mais satis- empresas, numa perspectiva em que o consumo
fação com a vida). 22 de massa significa prosperidade de massa, segu-
Em Nudge, o economista Richard Thaler e o raram por muito tempo as rédeas da ingerência
acadêmico de direito Cass Sunstein apresentam nas escolhas. Agora chegou a hora de prevalecer
várias ideias complementares para modificar a uma visão mais sutil e mais sustentável das esco-
“arquitetura de escolhas” em prol do consumo lhas e de sua arquitetura.
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Em 1985, quando o mundo ainda se encon- rança alimentar e dos meios de subsistência.
trava preso ao impasse da Guerra Fria, o cientis- Para entender de que maneira essas condi-
ta político Daniel Deudney fez um apelo à ções sociais, econômicas e ambientais podem
necessidade de uma “cooperação em grande desestabilizar a segurança do ser humano, e até
escala entre EUA e União Soviética na explora- mesmo gerar conflitos e instabilidade, é preciso
ção do espaço interplanetário e em esforços que tenhamos uma definição mais ampla de
multilaterais para proteger a terra, fazendo segurança, que entendamos a influência das
melhor uso da tecnologia aeroespacial”. pressões econômicas, demográficas e ambientais
Deudney alegava que um projeto mundial de que não podem ser resolvidas pela força das
colaboração “poderia ser aproveitado para trans- armas. Ultimamente, podemos de fato observar
formar a relação das superpotências e criar um um reconhecimento gradual de tais dinâmicas.
sistema comum de segurança”. 1
É questionável se a exploração do espaço era
na ocasião, ou é, em qualquer época, o veículo Principais Desafios
certo para levar a uma ordem mundial mais coo-
perativa e não violenta. Mas vale a pena conside- Várias dessas condições e dinâmicas podem
rar o argumento subjacente: será que a humani- ser observadas como sendo o resultado do
dade, ao se reunir com vistas a um objetivo modelo econômico baseado em um consumo
comum, pode deixar para trás sua sacrificada essencialmente ilimitado de recursos. Esse
história de conflitos e divisões? A Guerra Fria já modelo não apenas está colocando a humanida-
terminou há muito tempo, mas as preocupações de em rota de colisão com os limites ecológicos
com a segurança ainda persistem. As nações em do planeta, mas também tem trazido uma pro-
todo o mundo, e principalmente nos países e funda desigualdade social e econômica.
comunidades mais pobres, enfrentam incontá- Recursos não renováveis. Ao longo da histó-
veis desafios e pressões interligados, que ria, a busca por recursos como combustíveis fós-
incluem a crescente rivalidade na busca de seis, metais e minerais provocou constantes
recursos, colapsos ambientais e a ameaça de gra- intervenções externas nos países ricos em recur-
ves problemas climáticos, o ressurgimento de sos. O espectro do pico da produção mundial de
doenças infecciosas, pressões demográficas, petróleo e as contradições entre a crescente
pobreza, crescentes disparidades de riqueza e demanda por outros recursos, cujos depósitos
transformações econômicas convulsivas que são limitados, aumentaram a possibilidade da
geralmente resultam em desemprego e insegu- intensificação de rivalidades geopolíticas. Mas a
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riqueza de recursos também vem alimentando marginalização econômica dos pobres, tem
sérias violações dos direitos humanos, sistemas provocado desastres mais frequentes e devasta-
corruptos de governança e até mesmo diversas dores. O número de desastres naturais (excluin-
guerras civis. As receitas provenientes da mine- do-se eventos geológicos como terremotos e
ração e da indústria madeireira têm beneficiado, erupções vulcânicas) subiu de 233 nos anos 50
em particular, uma pequena minoria, enquanto
para mais de 3.800 na atual década, e a quanti-
as comunidades pobres e desprivilegiadas arcam
como o ônus social e ambiental. 2 dade de pessoas afetadas aumentou de aproxi-
Recursos renováveis. Água, terra cultivável, madamente 20 milhões para 2 bilhões. A velo-
florestas e áreas pesqueiras são essenciais à vida cidade, ao que tudo indica, aumentará à medi-
humana e à subsistência de milhões de agricul- da que a mudança climática trouxer tempesta-
tores, criadores de animais e pastores nômades des, inundações e ondas de calor mais intensas.
que delas dependem diretamente. O esgota- Os desastres podem abalar a segurança humana,
mento dos recursos e a poluição podem acen- exacerbando a pobreza, aprofundando as desi-
tuar as disputas pela distribuição. Quase um gualdades e desestabilizando as condições de
terço do mundo – as estimativas podem variar habitabilidade de certas áreas no longo prazo.
entre 1,4 bilhão e 2 bilhões de pessoas – já vive
As experiências no Haiti, Nicarágua, Bangladesh,
em regiões com escassez de água. Além do cres-
Índia e China sugerem que distúrbios e crises
cimento populacional e das práticas insatisfató-
rias de manejo, os impactos das mudanças cli- políticas podem explodir em locais onde esfor-
máticas poderão, até 2050, aumentar a quanti- ços de assistência e reconstrução se mostram
dade de pessoas afetadas – de 60 milhões para lentos e incompetentes. 4
cerca de 1 bilhão. Um estudo recente revelou Desemprego. A crise econômica global que
que, devido a impactos como aumento das tem- explodiu no fim de 2008 aguçou as preocupa-
peraturas e das secas, metade da população ções com o desemprego, incertezas econômicas
mundial poderá enfrentar séria escassez de ali- e o movimento crescente em direção ao setor
mentos até o fim deste século. 3 informal da economia mundial. A Organização
O ônus das doenças. A escassez de alimentos
Mundial do Trabalho revela que quase metade
torna as populações afetadas mais vulneráveis a
da força de trabalho do mundo – cerca de 1,5
doenças. O mundo enfrenta o ressurgimento de
doenças infecciosas, e os pobres são os mais vul- bilhão de pessoas – está empregada sob contra-
neráveis. Em decorrência de viagens e operações tos sem garantia; mais de 1,2 bilhão de trabalha-
internacionais, migração e distúrbios sociais, dores estão atolados na pobreza, ganhando
vírus e bactérias se propagam cada vez mais rapi- menos de US$ 2 por dia. Em 2008, havia quase
damente entre as fronteiras. Além disso, a der- 190 milhões de desempregados, uma cifra que
rubada de árvores e construção de estradas e deve aumentar em 30-60 milhões em 2009. A
barragens fazem com que os seres humanos África do Norte, Oriente Médio, Europa
fiquem mais expostos a novos agentes patogêni- Oriental, África Subsaariana e América Latina
cos. E a mudança climática facilita a dispersão de registram índices de desemprego especialmente
vetores de doenças como malária e dengue. Ao
altos. O índice de desemprego de jovens, 12%,
mesmo tempo, um número crescente de socie-
dades enfrenta uma epidemia de obesidade – foi o dobro do índice geral. Quando um grande
um sintoma do excesso de consumo e estilos de número de adultos jovens enfrenta perspectivas
vida sedentária. sombrias de ganhos suficientes para estabelecer
Desastres. A destruição do ecossistema, e sustentar uma família, o descontentamento
combinada ao crescimento populacional e à pode se converter em instabilidade social. 5
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Recursos bilaterais e multilaterais para ajudar adotadas para lançar as bases de uma nova cul-
os países em desenvolvimento a reduzir e adap- tura da segurança.
tar os impactos do clima consumirão cerca de Metas de Desenvolvimento para o Milênio
US$ 20 bilhões no prazo aproximado de cinco (MDGs). Embora a pobreza em si não conduza
anos. Anualmente, isso equivale a um terço do
necessariamente à violência, não há dúvida de
que apenas os EUA gastam com ajuda militar a
que a falta de um desenvolvimento equitativo
outros países, e menos de um quarto do valor
das armas globais transferidas para os países em fomenta a insegurança e o descontentamento.
desenvolvimento. 11 Uma política de segurança sustentável deve
empenhar-se para reduzir a vulnerabilidade
Soluções
Políticas inteligentes de segu-
rança são aquelas que distensio-
nam situações que podem levar a
injustiças e disputas. Uma postura
firme e de grande alcance para
criar um mundo mais estável
envolve medidas formuladas para
impedir o declínio ambiental, ven-
cer a força opressora da pobreza e
reverter a tendência à crescente
desigualdade e insegurança social
USAID
que sempre alimenta o desespero.
São vários os conceitos e iniciativas
que geram boa vontade e estimu- Cargo: estes homens, encontraram trabalho na confecção de mosquiteiros
lam a colaboração para se tratar de com o tratamento de inceticidas contra malária.
necessidades e interesses em comum e que, por- humana e melhorar o bem-estar econômico e
tanto, contêm as sementes de uma política de social. Embora não formulada na linguagem da
segurança redimensionada. segurança, essa meta encontra sua expressão nas
Entretanto, antes de discuti-los, é necessário Metas de Desenvolvimento para o Milênio –21
reconhecer que a insegurança básica nas relações metas para eliminar a pobreza e a fome, comba-
internacionais continuará sendo prejudicial até ter ameaças à saúde e melhorar o ensino funda-
que se criem instituições políticas globais com o mental até 2015. Mas o progresso nessa direção
poder de atuar como garantidoras confiáveis da mostra-se bastante vagaroso e desigual. As
segurança de uma nação. Essas instituições MDGs precisam de grande reforço no que diz
poderão se beneficiar de sanções comerciais, respeito a recursos e comprometimento, princi-
pressões diplomáticas ou até mesmo do uso da palmente em vista da crise econômica global
força quando sancionado pelas Nações Unidas. que ameaça reverter o progresso atingido ante-
Hoje, as forças de paz da ONU muitas vezes são riormente em várias dessas metas. 12
tolhidas por falta de recursos adequados, ao Redução do apetite por energia e materiais.
passo que alianças regionais, como a OTAN, Além de essencial para a redução dos impactos
carecem de legitimidade global. Além disso, ambientais e das emissões de gases de efeito
avaliações tímidas sobre o interesse nacional aca- estufa, uma política energética alternativa pauta-
bam exercendo grande influência. Entretanto, da pelo desenvolvimento de fontes renováveis e
diversas medidas práticas e criativas podem ser aumento da eficiência pode também vir a ser
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uma ferramenta para a paz, uma vez que ajuda a de disputas mais extensas e ainda não resolvidas.
diminuir a possibilidade de conflitos por recur- A ideia de combinar ecologia a uma política
sos. Nesse contexto, a recente criação da transfronteiriça tem sido posta em prática, par-
Agência Internacional para Energias cialmente, em duas áreas específicas: gestão de
Renováveis, em janeiro de 2009, é uma medida bacias fluviais entre países ribeirinhos e parques
promissora. Entretanto, um estudo recente da paz situados nas fronteiras entre países. 15
revela que, para haver a transição rumo a uma Programas conjuntos de gestão hídrica têm
economia de baixo carbono, os gastos do setor sido adotados com relação a bacias de rios inter-
público com pesquisa e desenvolvimento em nacionais como Nilo, Danúbio, Indo, Jordão e
energia limpa e eficiência energética precisarão Mekong. Esse tipo de acordo será cada vez mais
aumentar pelo menos três ou quatro vezes. colocado à prova com o crescimento demográfi-
Além disso, políticas complementares que con- co e o aumento do consumo de água e à medida
templem a demanda são imprescindíveis, como que as mudanças climáticas intensificam a escas-
por exemplo, estimulando a eficiência e promo- sez de água em determinadas regiões do mundo.
vendo a suficiência por meio de estilos de vida Indubitavelmente, a tarefa da gestão susten-
menos consumistas. 13 tável da água é bem mais desafiadora do que a
Reduzir a produção de materiais é também exploração conjunta de recursos hídricos abun-
essencial para que se diminuam as possibilidades dantes. Essa questão se apresenta não somente
de conflitos por recursos. Nos últimos dez anos em cenários transfronteiriços, como também
aproximadamente, admite-se cada vez mais a dentro das fronteiras nacionais em que diferen-
existência desses conflitos, o que decorre, em tes comunidades e regiões competem pelo aces-
parte, de campanhas bem-sucedidas por parte so à água. 16
de ONGs contra os “diamantes de sangue” e Parques da paz são áreas transfronteiriças
outros recursos provenientes de zonas de confli- protegidas que têm o compromisso de zelar pela
to. A reação dos governantes e agências gover- biodiversidade e promover a paz e cooperação;
namentais tem sido o incentivo à transparência hoje, existem no mundo 188 delas. Embora
das ações políticas e a imposição de embargos a possam ser uma fonte de conflito caso venham a
vários governos e outros rivais que se aprovei- desconsiderar a subsistência das comunidades
tam da exploração ilícita de recursos. Essas locais, as zonas de preservação podem, em prin-
medidas serão bem mais eficientes se combina- cípio, facilitar a cooperação e resolução de con-
das a esforços para examinar criticamente e con- flitos territoriais. Até agora, a maioria dos par-
trolar o voraz apetite dos consumidores por ques da paz foram criados entre países onde não
recursos, o que, acima de tudo, torna essas mer- há conflitos ativos. Mas há um caso famoso em
cadorias tão lucrativas. 14 que a criação de um corredor de preservação
Pacificação ambiental. Embora a degrada- ajudou na resolução de conflito: a guerra pela
ção ambiental possa contribuir para a existência disputa de fronteira entre Peru e Equador, em
de conflitos, ações cooperativas contem grande 1995. Há diversas propostas para criação de par-
potencial como ferramenta de pacificação. Se ques da paz em áreas extremamente disputadas,
bem coordenadas, atividades de cooperação como a Ilha Kuril (Rússia e Japão), a Geleira
focadas em ecossistemas e recursos naturais em Siachen (Paquistão e Índia), os Pântanos da
comum podem infundir confiança e criar hábi- Mesopotâmia (Irã e Iraque) e na Península
tos de colaboração, principalmente se o governo Coreana. 17
aumentar sua presença por meio de diálogos Manutenção da paz e recuperação ambien-
produtivos com a sociedade civil. Ao longo do tal. Os planos das Nações Unidas para a manu-
tempo, é possível que tal dinâmica se fortaleça o tenção da paz e para situações posteriores a con-
suficiente, e assim consiga ajudar na superação flitos contemplam progressivamente as dimen-
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sões ambientais. Cerca de 11 missões de manu- Não obstante, não há garantia de resultados.
tenção da paz em países como República As consequências do tsunami de 2004 foram
Democrática do Congo, Sudão (Darfur), diametralmente opostas em duas das áreas mais
Libéria, Geórgia, Líbano e Timor Leste partici- atingidas. Na província de Aceh na Indonésia, o
param de três programas de plantio. Essas inicia- desastre ajudou a desenvolver um processo que
tivas são consideradas importantes não somente resultou em um acordo de paz bem-sucedido.
em termos locais - como resposta ao desmata- Mas no Sri Lanka, o forte sentimento de boa
mento - mas também em âmbito global na luta vontade da população não atingiu a elite políti-
contra as mudanças climáticas. As autoridades ca, e o auxílio às vítimas do tsunami tornou-se
das Nações Unidas reconhecem que a manuten- uma questão que gerou hostilidades. Embora
ção da paz por si, quando restrita aos parâme- não conduza automaticamente à paz, o humani-
tros convencionais, dificilmente terá sucesso tarismo pode oferecer uma brecha de oportuni-
duradouro se não contar com esses tipos de pro- dade para a transformação de conflitos. 21
grama e com outras medidas que focalizem o Diplomacia da saúde. Conceitualmente
ambiente, tais como reabilitação, reciclagem, similar à diplomacia em situações de desastre, a
assistência em caso de desastres, proteção contra ideia da diplomacia da saúde tem sido proposta
inundação e qualidade da água. 18 como forma de estimular a generosidade, ofere-
Desde 1999, o Programa das Nações Unidas cendo assistência médica a outros países, melho-
para o Meio Ambiente realiza uma série de ava- rando as relações e solucionado conflitos, bem
liações ambientais detalhadas de períodos pós- como levando adiante objetivos comuns da
crise, identificando riscos ambientais à saúde, saúde pública. Isto é particularmente importan-
subsistência e segurança. As avaliações foram te diante do que alguns batizaram de globaliza-
realizadas nos Balcãs, Ucrânia, Líbano, ção da doença (epidemias que se alastram rapi-
Territórios Palestinos Ocupados, Sudão, damente, como a SRAG ou gripe aviária). 22
Ruanda, Nigéria, República Democrática do Cuba foi pioneira neste sentido e, desde os
Congo e Afeganistão. Essa prática ajuda a anos 60, o país está envolvido em forte “diploma-
melhorar o entendimento dos fatores ambien- cia médica”. Cuba convidou milhares de estudan-
tais nos conflitos e identifica de que modo a tes de vários países em desenvolvimento para
recuperação ambiental pode ajudar a estabilizar fazer treinamento em suas faculdades de medici-
sociedades destruídas pela guerra. 19 na, enviou milhares de médicos e enfermeiras
Diplomacia em situações de desastre. Os para prestar auxílio a comunidades pobres no
desastres que eclodem em zonas de conflito exterior e despachou equipes de assistência médi-
latente ou ativo podem infligir um sofrimento ca para países vítimas de desastres. Em 2006,
que afeta indistintamente os grupos envolvidos, aproximadamente 29.000 cubanos prestaram ser-
quase sempre estimulando a boa vontade e, viços em 68 países (embora a maioria deles esti-
muitas vezes, abalando o cenário político. As vesse na Venezuela de acordo com um programa
necessidades em comum em termos de ajuda e denominado “petróleo em troca de médicos”).
reconstrução oferecem oportunidades de cola- Tendo em vista a impressionante melhora da
boração que, por sua vez, podem construir con- saúde das populações assistidas, Cuba concentrou
fiança, interromper a dinâmica de conflitos seus esforços na formação de competências e
enraizados e talvez facilitar a reconciliação entre medicina preventiva. Os programas não estão
adversários. Podemos observar tentativas de sujeitos a imposições políticas. 23
uma diplomacia em situações de desastre nas Empregos “verdes”. Os empregos são afeta-
relações entre Grécia e Turquia, China e dos por inúmeros fatores, mas descumprir as
Taiwan, Índia e Paquistão, Etiópia e Eritreia e restrições ambientais e as relacionadas a recursos
outras nações. 20 será cada vez mais oneroso para empresas e tra-
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Imagine uma cidade que usa 100% de ener- cativo no meio ambiente, porque se respaldam
gia renovável..., onde a maior parte do transpor- no consumo progressivo de combustível fóssil e
te é feita por trens ou bondes movidos a energia de outros materiais. Elas precisam continuar a
elétrica, bicicletas, ou a pé..., onde os blocos de oferecer oportunidades, mas devem ficar mais
edifícios movidos a energia solar têm seus escri- parecidas com Vauban e Hanover — mais leves
tórios ocupados por gente que trabalha com para o planeta. Na verdade, a questão crucial
negócios ecológicos..., onde a feira oferece pro- hoje é se as cidades não só poderiam reduzir seu
dutos agrícolas regionais orgânicos e frescos impacto sobre a Terra, mas também contribuir
vendidos diretamente pelos produtores..., onde para sua regeneração. 2
os pais se encontram nos parques e jardins No mundo todo, as cidades estão se tornan-
enquanto seus filhos brincam sossegados em do mais sustentáveis com edifícios adaptados,
ruas sem carros. Isso é uma realidade em sistemas de transporte alternativos, sistemas de
Vauban, uma nova cidade ecológica, com 5.000 energia distribuíveis e renováveis, planos que
casas, em Frieburg, Alemanha. E a cidade vizi- levam em conta o consumo de água e sistemas
nha, Hanover, que conta com 500.000 habitan- com desperdício zero de lixo — tudo isso ampa-
tes, reduziu sua emissão de gases de efeito estu- rado pela inteligência de uma nova revolução
fa em 50%.1 industrial verde. Das novas cidades como
Como essas comunidades transformaram Masdar, em Abu Dhabi, a áreas recuperadas
suas culturas para fazer essa transição que hoje como Treasure Island nos Estados Unidos,
todas provocam? Vauban e Hanover tiraram o Vauban e Hanover na Alemanha e BedZED e a
máximo proveito possível das oportunidades a nova Vila Olímpica em Londres, essas pioneiras
cada passo do caminho, do planejamento à estão reduzindo sensivelmente suas pegadas
implantação do projeto, assegurando que a ecológicas.3
meta de sustentabilidade pautasse cada decisão.
Cidades sempre foram locais de oportunida- Ajudando os Moradores Urbanos a
des econômicas e sociais. Seu surgimento deu-se Viver de Modo Sustentável
quando as sociedades formadas por caçadores se
transformaram em cidades estabelecidas com BedZED é um empreendimento de casas
base na agricultura. Durante a era industrial, as populares no centro de Londres pautado por
cidades cresceram e adquiriram maior porte, e um planejamento sem emissão de carbono. Esse
ainda hoje oferecem oportunidades econômicas projeto tem muitas inovações ecológicas: utiliza
e sociais para a crescente população mundial. materiais locais e reciclados; para aquecimento e
Mas, agora, as cidades têm um impacto signifi- geração de energia, combina uso de placas foto-
Peter Newman é professor de sustentabilidade no Curtin University Sustainability Policy Institute em Perth,
Austrália.
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voltaicas e combustível de biomassa; recicla água cer às pessoas a motivação para que mudem
suja e armazena água da chuva; tem estrutura seu comportamento;
local para reduzir a necessidade de locomoção e • Regulamentos para estabelecer padrões sufi-
fica perto de uma estação de trem; e conta com cientemente altos para que as tecnologias de
jardins de permacultura na área externa. sustentabilidade atendam a suas formalida-
Entretanto, quando se realizou um meticuloso des; e
levantamento das pegadas ecológicas dos resi- • Educação para assegurar que as famílias e as
dentes, foi constatada uma enorme variedade no comunidades queiram fazer as mudanças
modo de cada um utilizar os recursos ecológi- necessárias.
cos. A pegada média de alguns residentes era de Em nenhum setor isso é mais evidente do
4,4 hectares por pessoa (ainda assim, menor que que nas políticas que preconizam o abandono
a média de Londres, de 6,6 hectares), ao passo de carros.
que alguns residentes conseguiram reduzir seu
impacto para 1,9 hectare por pessoa. 4 Abandonando o Hábito do Carro
As experiências de muitos projetos europeus
mais antigos contemplando ecologia urbana O uso do carro é largamente adotado como
podem ter a explicação para o fato. Prédios e bair- modo de vida nas cidades, em particular naque-
ros que não foram desenvolvidos com o envolvi- las que surgiram nos últimos 50 anos. As cida-
mento da comunidade podem se mostrar incapa- des norte-americanas usam o dobro de combus-
zes de alcançar os objetivos do projeto. Se as ino- tível para transporte por pessoa do que as austra-
vações são impostas a pessoas que não sabem lianas, e estas últimas, por sua vez, usam duas
como usar os novos edifícios conforme planeja- vezes mais do que as cidades européias e cinco
do, ou desconhecem o motivo para usar menos vezes mais do que Cingapura, Tóquio e Hong
energia ou água ou combustível, os residentes Kong. Os gestores de política não raro alegam
podem simplesmente transferir seus velhos hábi- que é impossível para as cidades altamente
tos de vida consumista para as novas situações dependentes de carros fazer mudanças. Mas,
“ecológicas”. O aumento de cidades sustentáveis sendo o carro atualmente a tecnologia indivi-
somente se popularizará quando a transformação dual que mais contribui para a mudança climáti-
verde envolver todos os elementos do processo ca e a que cresce mais aceleradamente, é hora de
político — especialmente os processos que aju- os agentes que têm o poder de decisão, em
dam as pessoas a querer mudar. 5 qualquer lugar, enxergarem de que modo as
Diversas políticas governamentais imprescin- mudanças em diretrizes como as descritas acima
díveis podem ajudar as cidades no caminho da podem trazer transformação cultural e levar suas
sustentabilidade: cidades a se livrar do hábito do carro. 6
• Infraestrutura que permita que energia, Uma das primeiras prioridades é a infraestru-
água, transporte e lixo sejam administrados tura. Os carros são os preferidos para a maioria
com impacto ecológico mínimo; dos destinos porque são mais velozes que outros
• Um plano para assegurar que a infraestrutu- meios de transporte mais sustentáveis e porque
ra esteja eficientemente disponível a todos; ninguém gosta de perder mais de uma hora em
• Inovação através de pesquisa e desenvolvi- média por dia para ir e voltar do trabalho. Assim,
mento, e também com comprovações práti- se um sistema moderno de transporte elétrico
cas, de modo a assegurar continuamente que sobre trilho ou de ônibus rápido puder ser insta-
a eco-tecnologia mais recente seja predomi- lado em um corredor urbano mais veloz que o
nante; tráfego, passa a ser adotado sem demora. A nova
• Incentivos fiscais para direcionar os investi- Ferrovia Sul de Perth alcança tal objetivo e atual-
mentos para essas novas tecnologias e forne- mente transporta 55.000 pessoas por dia, em
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comparação com as 14.000 que costumavam peias cobram impostos muito mais altos sobre a
tomar o ônibus; isso equivale a oito faixas de gasolina do que as cidades norte-americanas e
trânsito. Do mesmo modo, um bom sistema de australianas e, consequentemente, usam menos
ciclovias e de vias para pedestres nas cidades pos- o carro. 9
sibilitou, por exemplo, que em Copenhagen, em Nas cidades dos Estados Unidos e da
2003, o uso de carro fosse adotado em apenas Austrália dominadas por carros, as principais
27% de todos os deslocamentos para o trabalho, políticas públicas para redução dos impactos
e as bicicletas, em 36%. 7 globais e locais foram incrementadas por meio
O projeto urbano está fortemente entrelaçado de regulamentos sobre veículos, compelindo-as
a prioridades de infraestrutura. Quando as cida- a se tornarem mais limpas. Após a introdução
des favorecem modos de transporte sustentáveis, desse tipo de medida, a maior parte da atmosfe-
o uso do solo tende a se agrupar em volta disso. ra urbana ficou menos suja, embora o uso de
Mas, quando só constroem autoestradas, o resul- combustível tenha continuado a crescer devido
tado é quase sempre um padrão de distribuição ao aumento do tamanho e uso mais frequente
muito dependente de carros. Densidade e uso de dos veículos. É possível também aplicar regula-
combustível de transporte estão intimamente mentos em relação à gestão da segurança e con-
ligados. Planejar as cidades para serem bem gestionamento, mas isso vai continuar cada vez
menos dependentes de automóvel será um fator pior se o uso dos carros for facilitado.
primordial de qualquer plano para a redução da Todas essas ações políticas necessárias serão
pegada de carbono das cidades. Por exemplo, os em vão se não forem acompanhadas de uma
“projetos que priorizam o sistema de transporte educação que repense o papel do carro e con-
público” já demonstraram que o uso do carro temple as mudanças climáticas. Por exemplo,
residencial caiu pela metade e os habitantes eco- uma teoria conhecida como o Paradoxo de
nomizaram 20% de sua renda familiar mantendo Jevons — o aumento de eficiência significa
um carro a menos por domicílio. 8 aumento de consumo — aplica-se à utilização
Estão surgindo novas tecnologias para tornar do automóvel. Se as pessoas compram carros
as cidades mais inteligentes e mais sustentáveis, que consomem menos combustível, acabam
mas elas carecem do apoio governamental para dirigindo mais — anulando a maior parte dos
que se tornem mais fáceis e possam ser testadas. possíveis ganhos com a nova tecnologia. Sendo
Além da energia renovável, os novos carros elétri- assim, a mudança cultural para ajudar o motoris-
cos com sistema de tomada (para carros e para ta a querer dirigir menos precisa fazer parte de
transporte público) e os Smart Grids a eles asso- qualquer arsenal de políticas urbanas, se de fato
ciados precisam ainda ser testados, para que jun- a ideia for enfrentar o desafio de criar cidades
tos possam permitir que as cidades sejam 100% sustentáveis. Existe um programa que mostra
renováveis. Empreendimentos ecológicos refe- como isso é realmente possível. 10
renciados em transporte público que possam O sociólogo alemão Werner Brög desenvol-
comprovar a nova tecnologia seriam ideais como veu uma linha de pensamento em relação à ges-
teste desse tipo de inovação tecnológica, trazen- tão da demanda por deslocamento que se ampa-
do, como resultado, o menor uso de carro. ra na crença de que a mudança cultural para
Cada país e cada cidade têm seu próprio menor dependência do carro pode ocorrer em
modo de adotar estilos de vida mais convenien- qualquer parte de qualquer cidade, desde que
tes e fáceis em contraposição a outros mais con- esteja dirigida à comunidade e às famílias. Após
sumistas. Quando se trata de carros, no entanto, algumas tentativas na Europa, a filosofia de Brög
quanto mais dependente uma cidade é deles, foi adotada em grande escala em Perth, no oeste
mas difícil é o uso de incentivos fiscais para da Austrália. Desde então, difundiu-se pela maio-
mudar o estilo de vida pessoal. As cidades euro- ria das cidades australianas e por outras cidades
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ções são embaladas em sacolas criadas especial- Quando as pessoas começam a mudar seus
mente para a TravelSmart e incluem dados sobre estilos de vida e conseguem ver os benefícios,
deslocamento a pé e em transporte público, e o tornam-se militantes das políticas de transporte
kit contém ainda folhetos difundindo os benefí- sustentável em geral. Para a administração
cios – para a saúde das pessoas e para o planeta - pública, é mais fácil gerenciar políticas de redu-
obtidos com o menor uso de carro. O material ção do uso do automóvel e diminuição do uso
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de gasolina quando a própria comunidade a que mas também bilhetes para transporte público
servem já começou a mudar. em vez de vagas em estacionamento.
A cidade de Perth começou a mudar seu sis-
tema ferroviário há 20 anos, depois que um Estilos de Vida Sintonizados
forte movimento social exigiu um sistema
melhor. O prolongamento do sistema ferroviá-
com o Planeta
rio até subúrbios mais longínquos tem sido mais
A mesma abordagem empregada pela
positivo e politicamente viável do que se espera-
TravelSmart para promover mudanças culturais
va, com alocação de um suporte expressivo, de
pode ser aplicada a outros aspectos de sustenta-
90%, para a última etapa – a Estrada de Ferro bilidade no plano familiar — reduzindo consu-
Southern Suburbs. Paralelamente a esse processo mo de energia, água e lixo. Para isso, os progra-
político, Perth tinha cerca de 200.000 famílias mas precisam oferecer infraestrutura para novas
inscritas no programa TravelSmart, o que pare- tecnologias; um plano urbanístico assegurando
ce ter ajudado. De fato, a Estrada de Ferro que as inovações tecnológicas estejam disponí-
Southern Suburbs aumentou a clientela do trans- veis de modo eficiente para todos os residentes;
porte público em 59% nas áreas sem o pesquisa e desenvolvimento para as melhores
TravelSmart, e em 83% nas áreas em que o opções disponíveis; regulamentos para que a
TravelSmart foi adotado para promover o novo utilização de energia e água em prédios e apare-
serviço ferroviário. Os usuários de trem passa- lhos seja feita no mais alto nível possível; incen-
ram de 7 milhões ao ano para 110 milhões em tivos fiscais para “empurrar” as pessoas em dire-
17 anos, elevando a utilização do transporte ção a estilos de vida mais sintonizados com
público para deslocamentos para o trabalho de nosso planeta; e educar para motivá-las.
5% para 10%. Perth tornou-se um modelo para Tal como no caso da TravelSmart, recorrer a
outras cidades que estão agora dispostas a programas educativos que deem suporte a esse
empregar recursos na infraestrutura necessária tipo de projeto é fundamental para se chegar à
para atualizar seus sistemas ferroviários. 14 mudança cultural exigida pelo nosso planeta. À
O programa TravelSmart reconhece um medida que os programas referentes a mudanças
princípio fundamental relativo à mudança cultu- climáticas passam a ser uma força política de
ral: funciona melhor quando tem o apoio de maior importância, surgem agora, em muitas
uma comunidade e quando faz parte da criação cidades, modos de pensar pautados por uma
de redes sociais que apoiam as transformações educação que coloca a comunidade e o planeta
de estilo de vida. O TravelSmart desenvolve esse no centro do planejamento. 15
capital social em torno de modos de transporte Perth inspirou-se em seu programa
sustentáveis, descolando-se da cultura que prega TravelSmart para criar um projeto bem-sucedi-
a predominância do automóvel. Faz isso por do de educação familiar, conhecido como
meio de relações estabelecidas com funcionários LivingSmart (vivendo com inteligência), que
da TravelSmart e com outros membros da começa com a entrega, no domicílio dos partici-
comunidade local, que estão também dando os pantes, de um material objetivo e relevante para
mesmos primeiros passos para sair de seus car- o local em questão. Os instrutores de ecologia
ros. No local de trabalho, verificou-se que a que fizeram um ensaio com os primeiros 15.000
TravelSmart funciona bem quando se forma um domicílios constataram o enorme entusiasmo
Clube TS, permitindo que os participantes com- por parte daqueles que justamente buscavam
partilhem suas experiências, levem palestrantes à esse tipo de auxílio. Posteriormente, uma pes-
empresa e façam pressão para conseguir não quisa de satisfação do usuário, feita através de
apenas vestiário com chuveiros para ciclistas, telefonemas aleatórios aos residentes, concluiu
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que 74% dos domicílios estavam interessados 10% nas contas de gás, eletricidade, água e gaso-
em fazer mudanças para melhorar a sustentabili- lina dos participantes. 17
dade em termos de energia, água, lixo, e deslo- O capital social que está sendo construído em
camentos. Metade dos domicílios contatados função das novas tecnologias e estilos de vida
está se inscrevendo para receber treinamento demonstra ser altamente contagiante e poderá
contínuo no uso de medidores, orientações de servir de base de um grande movimento social se
jardinagem, workshops e verificação dos proce- os governos estiverem preparados para adotar
dimentos feita na própria residência. 16 essa perspectiva em um plano mais abrangente.
Diferentemente da TravelSmart, em que as O resultado final de programas domiciliares
mudanças tendem a ocorrer de modo lento e como esses, aliado a todos os demais planos de
progressivo, o programa LivingSmart tem rece- ação, pode marcar o início de um processo de
bido relatório de famílias que passaram por sustentabilidade transformadora — não apenas
mudanças imediatas e radicais — substituindo porque poupa concretamente combustíveis fós-
lâmpadas ineficientes, por exemplo, ou enco- seis e outros materiais valiosos, mas também por-
mendando placas fotovoltaicas, sistemas de reci- que promove uma compreensão de que as famí-
clagem de água suja e de aquecimento solar de lias e comunidades conseguem fazer a transição
água. O projeto tem por objetivo reduzir emis- para cidades mais sustentáveis. Essa esperança é a
sões de dióxido de carbono em 1,5 tonelada por moeda do crescimento rumo a cidades sustentá-
domicílio ao ano. (Os australianos são responsá- veis e poderá permitir que as pessoas comecem a
veis por 14 toneladas, em média, por domicílio), imaginar a cidade como elemento de regeneração
e o resultado esperado é uma economia de até da Terra, e não de sua destruição. 18
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De acordo com a lenda grega, Asclépio, filho hipertensão e artrite. Pela primeira vez na histó-
de Apolo, foi encarregado de cuidar do bem-estar ria, a África conta com mais pessoas acima do
humano. Por sua vez, ele delegou essa responsa- peso do que com pessoas subnutridas. Em vez de
bilidade às duas filhas, Higeia e Panaceia. A concentrar-se nos fatores isolados da doença e
Higeia, confiou o aspecto da saúde da humanida- nos casos individuais, a medicina entrou na era
de, e a Panaceia, os elementos da doença e enfer- das causas e dos diagnósticos múltiplos. 3
midade. Essa dicotomia – saúde e doença - per-
meou a breve história da medicina. 1
Desde a descoberta da penicilina, em 1865,
Enfrentando Novos
a medicina moderna concentra pesadamente Desafios de Saúde
seus esforços no tratamento e cura das doenças
infecciosas, com muitos resultados positivos. O Hoje, a maioria dos fatores da mortalida-
surgimento dos antibióticos e a adoção da antis- de global pode ser prevenida. Segundo a
sepsia (prevenção de infecções) retiraram da Organização Mundial de Saúde (OMS), a des-
humanidade muitos flagelos persistentes ao nutrição infantil e materna representa cerca de
longo da história. A varíola foi erradicada em 200 milhões de “anos de vida perdidos” por
1979, a poliomielite sumiu de quase todo o ano, seguida pela falta de atividade física e a
mundo, e as infecções como a elefantíase, o obesidade (150 milhões de anos), sexo sem pro-
sarampo e a rubéola desapareceram de muitas teção (80 milhões de anos) e tabagismo (50
regiões. Em vários países industrializados, a milhões de anos). Um estudo realizado em
expectativa de vida cresceu em 30 anos no espa- 2000 para investigar as “causas reais de óbito”
ço de um século, acontecimento jamais repetido nos Estados Unidos concluiu que o tabagismo
desde então. 2 aparece como o vilão número um, seguido de
No entanto, nos últimos 60 anos, aproxima- perto pela dieta pobre e pela falta de atividade
damente, surgiram novas circunstâncias em rela- física, que ocupam o segundo lugar. 4
ção às doenças, que não são causadas por bacté- A comunidade global tem feito progressos
rias, vírus e tampouco por outros microorganis- significativos em resposta a esses desafios, pro-
mos. Na realidade, são desencadeadas pela polui- movendo melhorias que vão desde a qualidade
ção ambiental e por fatores ligados ao estilo de da água até o tratamento da diarreia infantil.
vida, tais como dietas deficientes e falta de exercí- Não obstante, a reação coletiva do sistema
cio. Em muitos países, a obesidade tornou-se a médico tem sido principalmente a de aliviar os
“norma”, com reflexos na saúde como diabetes, sintomas, e isso ocorre porque é raro conseguir
Walter Bortz é professor adjunto de medicina clínica na Stanford University School of Medicine.
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“curar” grande parte dos vilões de hoje. Os dois apontam para um aumento para 20% em 2015.
principais tratamentos na “maleta médica” – Apesar disso, o atual sistema de saúde norte-
cirurgia e produtos farmacêuticos – têm resulta- americano, viciado em pagamentos vultosos
dos pouco eficientes em relação aos novos dis- para cirurgias e produtos farmacêuticos, não
túrbios do envelhecimento e às más escolhas de trata das demandas da profissão médica. Em
estilo de vida. O sistema médico está apto a tra- 2000, a OMS classificou os Estados Unidos em
tar os sintomas, mas infartos, derrames, diabe- primeiro lugar em relação ao custo e capacidade
tes, enfisema, artrite e distúrbios neurológicos de resposta de seu sistema de saúde, mas em tri-
continuam resistentes aos esforços em prol de gésimo-sétimo em termos de desempenho, e
sua cura. 5 septuagésimo-segundo quanto à saúde em geral.
Esses males, no entanto, são em grande A mortalidade infantil nos Estados Unidos é a
medida passíveis de modificação adotando-se maior entre os países altamente industrializados
mudanças no estilo de vida, como, por exemplo, (Veja Tabela 9), e estudos sugerem que, à medi-
adotar uma dieta mais saudável e exercício e da que a epidemia de obesidade aumenta, as
fazer tentativas para diminuir o consumo de crianças de hoje talvez sejam as primeiras no país
cigarro e álcool. Mas aprimorar a educação a viver menos que seus pais. Na região sudeste
sobre a saúde ainda é um grande desafio. A mis- dos EUA, a expectativa de vida está caindo a
são “saúde” confiada a Higeia decididamente níveis próximos aos da Rússia. 7
ficou na retaguarda da missão doença encomen- Quase todos os países industrializados ofere-
dada a Panaceia. 6 cem alguma forma obrigatória de cobertura uni-
versal de saúde, mas os Estados Unidos estão
ostensivamente ausentes de tal lista. O grau de
Examinando os Serviços privatização do sistema médico dos Estados
Globais de Saúde Unidos é superior ao de quase todos os países,
provocando uma erosão no “controle in loco”
Do ponto de vista financeiro, a prevenção dentro das comunidades. O economista
não compensa, ao passo que a doença sim. Nos Kenneth Arrow, ganhador de prêmio Nobel,
Estados Unidos, os gastos com serviços de observou que o serviço médico não pode fun-
saúde respondem por mais de 15% do produto cionar como um mercado competitivo padrão
interno bruto (PIB), sendo que as projeções devido às incertezas inerentes e à ausência de
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equilíbrio entre médico e paciente. Tal “falha de somente 7,1% do PIB, e ainda assim, a expecta-
mercado” cria oportunidades ilimitadas para tiva média de vida é de 78 anos e os índices de
incentivos perversos, tais como recompensas mortalidade infantil são menores do que os dos
para procedimentos médicos em vez de resulta- Estados Unidos. É muito interessante observar
dos positivos de saúde. 8 que os níveis de diabetes e obesidade em Cuba
Em todo o mundo, a principal ênfase da caíram bruscamente após o embargo comercial
medicina deve ser a saúde, não a doença, e a imposto pelos EUA nos anos 60, o que parece
prevenção em vez da reparação (Veja
Quadro 17). A estrutura médica deve
executar sua própria função, que é dar
assistência ao potencial humano.
Panaceia deve perder sua hegemonia e
Higeia precisa ser recolocada no posto,
substituindo a medicina da doença. 9
Priorizando a Saúde no
Lugar da Doença
Há evidências de transição nessa
Tony Alter
direção. A região da Carélia do Norte,
na Finlândia, ficou famosa por ter um
dos maiores índices de doenças cardía-
cas no mundo, onde 855 em cada
Exemplo de obesidade nos Estados Unidos
100.000 residentes são acometidos por
esse tipo de enfermidade. Mas desde
1972, o Projeto Carélia do Norte, um programa estar relacionado à diminuição do acesso gene-
integrado e preventivo dirigido a toda popula- ralizado a alimentos calóricos e não saudáveis e
ção, registrou uma redução de 68% em óbitos à redução do transporte mecanizado.
12
decorrentes de doenças cardíacas e 49% no total O orçamento global da saúde precisa incluir
da mortalidade. Desde então, a OMS reprodu- um compromisso de grande vulto com educa-
ziu a experiência em várias comunidades. 10 ção em saúde. A ausência de educação em saúde
A França, cujo sistema de saúde é considera- é o maior assassino em todos os lugares e preci-
do um dos melhores do mundo, sempre valori- sa de muita atenção. As pessoas precisam apren-
zou os médicos das pequenas cidades. Segundo der, por exemplo, que quando se acrescentam
um relatório da OMS, esses profissionais os custos médicos, a fast food não sai exatamen-
“conhecem a fundo o histórico dos pacientes te barata.
porque mantêm uma relação de proximidade, Instituições de pesquisa e formação devem
confiança e acolhimento com cada um deles”, ser replanejadas tendo em mente o aumento do
ao contrário do que ocorre na maioria dos servi- conhecimento sobre o meio ambiente e também
ços de saúde mais “avançados”. 11 sobre as determinantes do comportamento
E Cuba, talvez mais do que qualquer outro humano. As faculdades de medicina devem
país, prioriza os primeiros cuidados. O “sistema rever seus ensinamentos contemplando os
de saúde do bairro” serve como uma antena requisitos específicos da medicina da saúde. E os
íntima das condições de saúde do povo. Os gas- educadores na área de saúde devem ocupar um
tos com serviços de saúde em Cuba representam lugar de proeminência em relação aos técnicos
de doenças. Se a causa de aproximadamente
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Serviços de Saúde
Ecologicamente Corretos
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Direitos da Terra:
Da Colonização à Participação
Cormac Cullinan
“Se tivermos nossa terra, ar e água puros, busca por um produto interno bruto sempre
nossas comunidades poderão ter sumak kawsay maior, a constituição do Equador representa
– vida boa”, afirmou o chefe nativo com serena um poderoso indício de que o impasse secular
convicção. “Não sei por que vocês chamam a entre certas ideias e práticas legais e políticas
isso de novo modelo de desenvolvimento – nós começa a se dissolver. Os legisladores come-
sempre vivemos assim. O dever do estado é asse- çam a reconhecer que o bem-estar humano é
gurar que esses direitos fundamentais do nosso uma conseqüência do bem-estar dos sistemas
povo sejam protegidos”. 1 da Terra que nos mantêm.
O líder estava se dirigindo a legisladores,
políticos, juristas e ativistas reunidos em Quito,
em novembro de 2008, para discutir como
Da Legislação Colonial aos Direitos
melhor concretizar os dispositivos da nova cons- da Terra
tituição do Equador, que reconhece os direitos
da natureza e a obrigação da lei de protegê-los. Praticamente todas as “crises ambientais”
A constituição determina a obtenção do bem- que ameaçam a civilização industrializada con-
estar de forma harmônica com a natureza (el temporânea resultam de costumes humanos
buen vivir ou sumak kawsay) como meta social nocivos e não sustentáveis ecologicamente.
básica. A inclusão desses dispositivos foi possível Como esses costumes reduzem as perspectivas
em um espaço de tempo admiravelmente curto, de nossos descendentes sobreviverem e prospe-
pelo esforço coletivo dos representantes dos rarem, do ponto de vista da evolução, bem
povos indígenas e das organizações não-gover- como de uma perspectiva ética, espiritual e
namentais (ONGs) envolvidos com questões de pragmática, são incompatíveis com os interesses
meio ambiente e pelo apoio de juristas do das espécies. O fato de que muitas dessas práti-
Fundo Comunitário de Defesa Ambiental cas tenham aval para prosseguir, e até mesmo
(CELDF), dos Estados Unidos. 2 recebam incentivos, indica que os atuais siste-
Em um mundo onde quase todos os siste- mas de governança estão deteriorados.
mas jurídicos definem a natureza como pro- Os sistemas jurídicos são deficientes na pro-
priedade e os “recursos naturais” como algo teção da comunidade da Terra, em parte porque
disponível para exploração sancionada pelo refletem uma crença subjacente de que o
estado, e onde a maior meta do governo é a homem está separado de todos os outros mem-
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bros da comunidade e é superior a eles, e que o Quadro 18. – Princípios dos Direitos da Terra
papel primordial da Terra é servir de “recurso
natural” para consumo dos seres humanos. Essa • O universo é o principal legislador, não os
crença é visivelmente falsa. Os seres humanos sistemas jurídicos humanos.
são, naturalmente, apenas uma das muitas espé- • A comunidade da Terra e todos os seres que a
cies que evoluíram em conjunto com outras constituem têm “direitos” fundamentais,
dentro de um sistema do qual dependem por inclusive o direito de existir, ter um habitat ou
completo. No longo prazo, os seres humanos um lugar onde ficar e participar da evolução da
comunidade.
não sobreviverão em um ambiente deteriorado,
do mesmo modo que peixes não subsistem em • Os direitos de cada ser terminam onde os
direitos dos outros seres começam na medida
água poluída.
necessária para manter a integridade, o
Assim como as leis coloniais não reconhe- equilíbrio e a saúde da comunidade dentro da
ciam os direitos dos povos nativos e facilitavam qual vivem.
a exploração dessas populações e de suas terras,
• Atos humanos ou leis que infrinjam esses
grande parte dos sistemas jurídicos contemporâ- direitos fundamentais violam as relações
neos não reconhece que qualquer habitante fundamentais e os princípios que constituem a
nativo, exceto os humanos, possui direitos. A lei comunidade da Terra e são, por conseguinte,
define terra, água, outras espécies e até mesmo ilegítimos e “ilícitos”.
material e informação genéticos como “bens”, o • Os humanos precisam adaptar seus sistemas –
que fortalece uma relação de exploração entre o jurídico, político, econômico e social - a fim de
proprietário (um sujeito jurídico com direitos) e torná-los compatíveis com as leis fundamentais
o bem (do ponto de vista jurídico, uma “coisa” ou com os princípios que regem a dinâmica do
incapaz de deter direitos). A maioria dos siste- universo e que orientem os humanos a viver de
mas jurídicos também concede direitos aos seres acordo com eles, o que significa que os
humanos de explorar todos os aspectos da sistemas de governança humanos devem
comunidade da Terra (através das concessões de sempre considerar os interesses de toda a
comunidade da Terra, além de:
mineração, pesca e extração de madeira, por
exemplo), com consequências funestas e previsí- • determinar a legalidade da conduta humana,
que se expressa em termos de conduta que
veis para a integridade e atividade das comuni-
fortalece ou enfraquece as relações que
dades nativas. compõem a comunidade da Terra;
Um dos desdobramentos mais estimulantes
• manter um equilíbrio dinâmico entre os
da lei dos dias atuais é o surgimento, em diversos
direitos dos humanos e os de outros membros
continentes, de iniciativas por uma mudança fun- da comunidade da Terra, usando como
damental nos sistemas jurídicos da humanidade. parâmetro aquilo que seja melhor para a Terra
Todos eles concordam que a causa principal da como um todo;
destruição ambiental é o fato de os sistemas jurí- • fomentar a justiça reparadora (centrada na
dicos vigentes terem sido criados para perpetuar a restauração das relações comprometidas) e
dominação do homem sobre a natureza, ao invés menos na punição (retaliação); e
de promover as relações mutuamente benéficas • reconhecer todos os membros da comunidade
entre os humanos e os outros membros da comu- da Terra como sujeitos perante a lei, com
nidade da Terra. Todos defendem uma aborda- direito à proteção da lei e à reparação eficaz
gem conhecida como Direitos da Terra (Veja por atos humanos que violem os seus direitos
Quadro 18). Segundo essa filosofia, as sociedades fundamentais.
humanas apenas serão viáveis e prósperas se
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forem capazes de se autorregularem como parte reconhecimento dos direitos da natureza. Isso
integrante de uma comunidade mais ampla da ensejaria ações legais em nome das árvores e de
Terra, adotando essa conduta de forma compatí- outros “objetos naturais” e sinalizaria que os
vel com as leis fundamentais ou os princípios que prejuízos poderiam ser ressarcidos e revertidos
regem o universo. 3 em benefício das partes prejudicadas. 4
Essa postura requer olhar para a lei do ponto Como observado pelo jurista chileno
de vista de toda a comunidade da Terra e equi- Godofredo Stutzin em 2002, uma vantagem
librar os direitos de todas as partes envolvidas prática do reconhecimento dos direitos da natu-
(como se faz entre os humanos), de modo que reza é o fato de que qualquer indivíduo buscan-
os direitos fundamentais, como o direito à vida, do alterar ou destruir qualquer aspecto que a
prevaleçam sobre os menos importantes, como afete teria de expor as justificativas para que seu
o direito de dirigir uma empresa. Hoje, os direi- ato seja permitido, e isso inverte a lógica vigen-
tos do homem, e, mais ainda, os das empresas, te em que os indivíduos que queiram evitar a
suplantam automaticamente os direitos de destruição devem provar por que a natureza
todos os demais. Isso equivale à analogia em deve ser preservada. 5
que, embora o fato de uma raposa comer um Talvez os apelos mais inequívocos para a ela-
coelho possa ser encarado como violação do boração de um novo direito tenham sido
direito do coelho à vida, não configura violação expressos por Thomas Berry, eminente historia-
das leis que regem o universo, porque a manu- dor da cultura norte-americana, estudioso da
tenção da relação predador-presa é fundamental religião e filósofo. Segundo ele, os sistemas jurí-
para a preservação da integridade de toda a dicos de países como os Estados Unidos legiti-
comunidade. Matar para sobreviver serve a um maram e facilitaram a exploração e a destruição
bem maior, ao passo que matar por esporte não. da Terra. Berry argumenta que “precisamos de
um arcabouço jurídico que preveja igualmente
A Evolução dos Direitos da Terra os direitos legais dos elementos geológicos e
biológicos da comunidade da Terra e os do ser
Por décadas a fio, alguns observadores clari- humano. Um sistema jurídico exclusivamente
videntes chamaram a atenção para a necessidade para humanos não é realísta; os habitats de todas
de os sistemas jurídicos darem um salto decisivo as espécies devem ser reconhecidos, em lei,
à frente e acatarem o cumprimento dos direitos como sagrados e invioláveis”. 6
da natureza e dos outros seres não humanos. Em abril de 2001, a Fundação Gaia, de
Um dos discursos mais conhecidos sobre esse Londres, convocou uma reunião de advogados,
ponto de vista é o de Christopher Stone, que, eco-psicólogos, especialistas em natureza, antro-
em 1972, publicou um artigo pioneiro intitula- pólogos e ambientalistas, para dar início ao pro-
do “Devem as árvores ter direitos? Em Defesa cesso de formulação desse novo direito. E logo
dos Direitos dos Objetos Naturais”. Ele ressal- antes da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento
tou que a ampliação do “círculo de preocupa- Sustentável, em 2002, houve a publicação do
ções” da sociedade levou ao reconhecimento de manifesto Wild Law: A Manifesto for Earth
direitos de forma mais generalizada, como os Justice, propondo que lei e governança passassem
direitos da mulher, da criança, dos americanos a integrar uma concepção que contemple a Terra.
nativos e dos afro-americanos. Não havia O termo “lei da natureza” refere-se a leis que
nenhuma razão plausível, assim afirmou, para articulam e exigem os direitos da Terra e propi-
que a preocupação crescente dos povos em rela- ciam que os benefícios mútuos entre os seres
ção à proteção da natureza não se traduzisse no humanos e os outros membros da comunidade
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horizontes de tempo
mais longos de fun- Área de geração de energia: mina de carvão a céu aberto, na Alemanha Ocidental
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êxitos iniciais, Linzey logo se deu conta de que * capacitassem governos municipais e pessoas
as vitórias eram efêmeras, porque as empresas físicas a propor ação indenizatória para uso
simplesmente repetiam o processo de forma a em caso de restauração de quaisquer danos
cumprir todas as exigências legais – e acabavam causados às comunidades ecológicas, e
triunfando. * destituíssem a personalidade jurídica de
As comunidades não conseguiam proteger a empresas que infringissem as portarias (e,
si mesmas e tampouco os ecossistemas nos quais por conseguinte, seu direito a usufruir dos
viviam, porque as regras do sistema jurídico direitos civis previstos na Constituição dos
como um todo pendiam a favor de empresas e Estados Unidos). 12
proprietários. Na verdade, as leis ambientais Caso as empresas e os governos estaduais
regulam a velocidade com que as comunidades movam ações legais para contestar a validade
naturais são destruídas, em vez de prevenir a dessas portarias, estarão simplesmente expondo
destruição. Urgia uma visão essencialmente o grau de sujeição do sistema jurídico aos capi-
nova. 10 tais investidos.
O primeiro passo foi expor as limitações dos O CELDF ajudou mais de 100 governos
sistemas regulatórios existentes e como as municipais nos Estados Unidos a aprovar porta-
empresas encontravam brechas na lei permitin- rias municipais contendo um ou mais desses
do que os interesses comerciais se sobrepuses- quesitos. No processo de redigir leis orgânicas
sem aos interesses das comunidades locais e “domésticas”, as comunidades locais, como a de
mostrar como essas limitações facilitavam a Spokane, do Estado de Washington, e a de
degradação da natureza nos termos da lei. Para Baline Township, da Pensilvânia, admitem
isso, o CELDF e Richard Grossman (cofunda- agora que o único meio de cumprir o seu papel
dor do Programa de Empresas, Direito e de gestoras das comunidades da natureza é atra-
Democracia) criaram a Daniel Pennock vés da criação de mecanismos legais que permi-
Democracy School, que promove cursos comu- tam à população e às comunidades locais exigi-
nitários intensivos em diversas partes dos rem o cumprimento dos direitos inalienáveis e
Estados Unidos, com o objetivo de instrumen- fundamentais das comunidades, bem como o
talizar seus integrantes para que se organizem seu próprio direito a um ambiente saudável. 13
em suas áreas e resistam às atividades nocivas ao Na África do Sul, a Gestão Ambiental
ambiente e à sociedade. 11 Nacional: Lei de Gestão Integrada da Zona
O segundo passo foi conferir poder às comu- Costeira, de 2008, atualmente exige que as
nidades localmente para que aplicassem os siste- decisões sobre a zona costeira (que abrange a
mas jurídicos de forma proativa, corroborando zona econômica exclusiva de 200 milhas náuti-
assim a criação de economias sustentáveis locais. cas) sejam tomadas levando em conta o interes-
Compreendendo que as comunidades locais não se de “toda a comunidade”, a qual inclui mais
poderiam garantir o próprio bem-estar sem que do que apenas seres humanos. 14
protegessem a integridade e o funcionamento
de suas comunidades ecológicas, o CELDF Ensinando Direito da Natureza a
desenvolveu uma estratégia para auxiliar as Advogados e Servidores Públicos
comunidades a redigir portarias específicas que:
* reiterassem seu direito de proibir atividades As faculdades de Direito convencionais estão
nocivas a seu bem-estar, hoje sendo desafiadas a identificar o modo de
* reconhecessem os direitos das comunidades funcionamento dos sistemas da natureza e de
da natureza, que forma os interesses dos membros não
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humanos dessas comunidades devem ser consi- é amparado tanto pelos ensinamentos de muitas
derados nas tomadas de decisão. O Centro para tradições e religiões antigas quanto pelas desco-
Direitos da Terra (CEJ) foi criado em 2006 por bertas da física e da ecologia – todos apontando
duas universidades católicas da Flórida, com a para a interligação de tudo e a inutilidade de se
finalidade de repensar a lei e a governança a par- tentar compreender qualquer parte de um siste-
tir de uma perspectiva que favoreça e proteja a ma sem contemplar seu contexto. Conseguir
saúde e o bem-estar da comunidade da Terra ampla aceitação dessa perspectiva em um
como um todo. Inspirada principalmente pelos mundo consumista representa um desafio de
trabalhos de Thomas Berry, o CEJ adota uma grandes proporções, especialmente diante de
abordagem multidisciplinar e busca formar uma empresas e indivíduos com interesses próprios
nova classe de advogados preparados para lidar para manter o status quo da exploração.
com a realidade de regulamentação do compor- A intensificação acelerada do desafio da
tamento humano numa comunidade da Terra mudança climática está demonstrando a ineficácia
altamente interdependente. No Reino Unido, a dos regimes de governança internacional e nacio-
Associação de Direito Ambiental do Reino nal para enfrentar os efeitos colaterais do consu-
Unido criou um grupo permanente de trabalho mismo e do uso excessivo dos combustíveis fós-
na área de Direito da Natureza, sendo que uma seis. Mas existem ainda diferenças vitais em rela-
de suas atividades são os Finais de Semana na ção às melhores respostas. A maioria dos gover-
Natureza, quando, então, alguns membros via- nos atuais prefere uma combinação de nova tec-
jam para uma região rural para explorar e desen- nologia com uma melhor aplicação dos sistemas
volver esses conceitos. 15 regulatórios existentes. O Equador é uma exce-
Na África, quando Mellese Damtie apre- ção ao ter optado por fazer uma mudança funda-
sentou a seus alunos do Ethiopian Civil mental na arquitetura de seu sistema de gover-
Service College o livro Wild Law, a reação foi nança, reconhecendo os direitos da natureza e
de muito entusiasmo frente à alusão de que a redefinindo o seu conceito de desenvolvimento.
lei consuetudinária africana – por muito Naquele país, a existência de um grande número
tempo ignorada por ser considerada “primiti- de pessoas que não adotou totalmente os valores
va”– poderia servir de modelo para sistemas de do consumismo ocidental parece ter sido um
governança contemporâneos. Pesquisas de fator preponderante para assegurar o reconheci-
campo realizadas por administradores públicos mento dos direitos da natureza na constituição.
que frequentavam a universidade revelaram E, em discurso na Assembleia Geral da ONU, em
que uma rica herança de leis consuetudinárias abril de 2009, o presidente Evo Morales, da
e práticas culturais criadas para garantir o res- Bolívia, defendeu a criação de uma Declaração
peito pela natureza haviam sobrevivido entre Universal dos Direitos da Mãe Terra, apontando
comunidades rurais da Etiópia. Por exemplo, para o potencial que essas ideias têm para se pro-
em locais onde a reverência aos rios significa pagar rapidamente. 17
que as pessoas devem permanecer em silêncio Hoje, tudo indica que as perspectivas mais
ou só falar em tom baixo ao atravessá-los, o promissoras para promover lei e governança
curso das águas está em condição muito “ecocêntricas” estão no nível local, onde o cha-
melhor do que em qualquer outro lugar. 16 mado a valores tradicionais e culturas da resis-
tência ressoa cada vez mais alto. As escolas de
Perspectivas Futuras democracia do CELDF nos Estados Unidos,
reaproximam as pessoas de movimentos ativistas
O entendimento de que a viabilidade de de outrora, inclusive abolicionistas e sufragistas.
longo prazo das sociedades humanas não pode Na Índia, Navdanya – uma organização fundada
ser alcançada às custas da comunidade da Terra pelo ativista ambiental Vandana Shiva – é uma
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excelente investida do movimento pela demo- direito de assumir a custódia das montanhas e
cracia da Terra, que conseguiu sucesso inspiran- bosques sagrados, e começar a recuperá-los. 19
do-se no conhecimento de crenças culturais que O ritmo e âmbito em que as organizações e
reconhecem a dimensão sagradas das sementes, redes sócioambientais adotam essa perspectiva
do alimento, da água e da terra nas tradições de poderá ser um fator decisivo no grau de impac-
resistência à autoridade colonial. 18 to das iniciativas da governança ecocêntrica. Se
Na África e na Colômbia, a Fundação Gaia e essas organizações enxergarem que podem
as organizações locais trabalham com as comu- intensificar sua eficácia através de uma colabora-
nidades tradicionais e os idosos para construir ção calcada no entendimento consensual de que
uma visão semelhante, a que chamam de a preservação do bem-estar humano passa
“governança ecológica da comunidade”. A rea- necessariamente pela proteção de toda a comu-
proximação com os idosos e a redescoberta da nidade da Terra, essa visão ecocêntrica poderá
sabedoria dos sistemas da lei consuetudinária disseminar-se a passos rápidos pela rede de rela-
inspiraram, também, advogados e ativistas que- ções que já os conecta. Essa postura favorecerá
nianos da ONG Porini a recorrer aos tribunais uma rápida interiorização dessa filosofia dos
para conquistar para as comunidades locais o direitos da Terra.
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Mídia: Transmitindo
Sustentabilidade
A
mídia pode ser altamente eficaz para o fez, por exemplo, o governo espanhol,
moldar as culturas – mostrando como votando pela proibição da exibição de comer-
as pessoas vivem, transmitindo normas ciais nas emissoras públicas de televisão a partir
sociais, servindo de modelo de com- de 2010. Todavia, em virtude da influência
portamentos, agindo como um veículo de marke- que os publicitários exercem sobre os gestores
ting e distribuindo notícias e informações. Esses de políticas, esses esforços têm sido infrequen-
importantes papéis tanto podem ser usados para tes. Robin Andersen e Pamela Miller, da
divulgar um padrão cultural de consumismo, Fordham University, sugerem que a educação
como para questioná-lo e promover a sustentabi- para a mídia pode ajudar a restringir a eficácia
lidade. Embora hoje a maior parte da mídia refor- das visões românticas de consumo criadas pelo
ce o consumismo – por meio de propaganda, marketing — e, diferentemente da regulamen-
colocação de produtos – existem esforços no tação, talvez seja mais fácil de introduzi-la nas
mundo todo para que seu vasto poder e alcance sociedades. 1
seja utilizado para promover culturas sustentá- Além dos meios de comunicação de massa, a
veis, como veremos neste capítulo. arte também desempenha um papel importante,
Considerando o papel dominante que o mar- inspirando as pessoas a compreenderem melhor
keting desempenha no estímulo ao consumo, os efeitos do consumismo e a viver de forma sus-
será essencial redirecioná-lo para que divulgue
tentável. A capa do Estado do Mundo 2010, pro-
comportamentos sustentáveis. Jonah Sachs e
duzida pelo artista Chris Jordan, por exemplo, é
Susan Finkelpearl, da Free Range Studios, descre-
a releitura de uma famosa xilogravura do artista
vem o “marketing social”— aquele que estimula
Katsushika Hokusai — exceto que a versão de
comportamentos socialmente positivos, tais
como evitar o cigarro, usar cinto de segurança, Jordan é feita com 1,2 milhão de pedaços de
praticar sexo seguro, ou consumir menos —, que lixo plástico. Este número enorme, represen-
pode desempenhar um papel de destaque no tando os rios de plástico que chegam ao mar a
redirecionamento do modo como as pessoas cada hora, tem um poder visual que consegue
vivem. Mas devemos reconhecer que, no representar muito melhor a natureza destrutiva
momento, apenas uma porcentagem mínima dos do consumismo do que qualquer estatística. A
orçamentos de marketing valoriza bens sociais. música, como descreve Amy Han, do
Ainda que o marketing social seja estimula- Worldwatch, pode também ser um instrumento
do, os governos terão que limitar ou mesmo educacional útil, inspirando as pessoas a viver de
tributar pressões do marketing como um todo. forma mais sustentável e mobilizando-as a se
São poucos os governos que trabalham no sen- juntarem a esforços políticos para ajudar a pro-
tido de atacar diretamente a propaganda, como mover a mudança.2
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Dois Quadros deste capítulo explicam o papel um alcance jamais visto antes – não apenas atra-
da arte: um descreve o poder do cinema, e o vés de canais formais, mas usando YouTube,
outro examina o potencial que todos têm para se Facebook, transmissões de rádio locais, sites da
tornar artistas em vez de consumistas. Por fim, internet, e até mesmo cartazes e livros de publi-
temos um Quadro que fecha este capítulo abor- cação própria. Quanto mais este conteúdo pro-
dando a importância do jornalismo para efetiva- mover a sustentabilidade e afastar as pessoas do
mente educar as pessoas sobre o meio ambiente e consumismo, maior a probabilidade de a huma-
o papel que elas têm nesse processo. nidade evitar um futuro preconizado por filmes
As pessoas usam parte significativa de suas como No Mundo de 2020 (Soylent Green) ou
vidas interagindo com a mídia. Hoje, elas têm a WALL-E e, ao contrário, criar um futuro com
possibilidade de criar sua própria programação alta qualidade de vida para todos.
de música, arte, filmes e notícias e fazer com que — Erik Assadourian
sua distribuição chegue a pontos remotos, com
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Há sessenta anos, os americanos saudaram a de, mesmo que o modelo do ano anterior ainda
era do pós-guerra com um sistema de valores estivesse funcionando perfeitamente bem. Em
que prezava a parcimônia e que dera sustentação pouco tempo, mesmo a resistência cultural ado-
a duas décadas de guerra e depressão econômi- tava produtos consumíveis obrigatórios, tal
ca. Ao mesmo tempo, o setor industrial saiu da como o Fusca da Volkswagen.
guerra com uma capacidade produtiva maior do Hoje, está claro que o sucesso da Madison
que nunca. Mas, agora que os soldados que essa Avenue teve profundas e indesejadas conse-
economia abastecia voltavam para casa, a indús- quências, e o marketing sofisticado de contar
tria precisava de uma nova base de clientes. Se a histórias continua servindo de orientação ao seu
indústria conseguisse reverter os valores de inexorável crescimento. Mas, as sementes da
comedimento disseminados no povo americano, crise de consumo atual talvez contenham tam-
então, a infraestrutura revigorada poderia conti- bém soluções formidáveis. Se, há sessenta anos,
nuar injetando produtos que seriam prontamen- os publicitários foram capazes de motivar uma
te adquiridos por consumidores ávidos. reorientação importante dos valores e compor-
Mas, vamos dar uma olhada na Madison tamentos culturais em tempo relativamente
Avenue. Os publicitários responderam ao desa- curto, será que conseguem repetir a proeza?
fio da indústria com determinação, dando um Será que uma revolução no marketing social,
salto e tanto na sofisticação do marketing: rejei- onde os princípios de marketing são usados para
taram o enfoque típico da propaganda factual e mudar um comportamento e não para vender
introduziram um construto baseado em histó- um produto, poderia estabelecer um novo con-
rias e identidade. O resultado? Eles conseguiram junto de valores que propiciem os estilos de vida
uma reversão radical dos valores que prezavam a e mudanças políticas necessários para enfrentar a
parcimônia e uma explosão de consumismo, atual crise ecológica?
que inflamou os Estados Unidos nos anos 50, É verdade que o marketing social está se
para posteriormente se alastrar pelo mundo deparando com grandes obstáculos. Em 2008,
todo. Essa foi a época em que as pessoas conhe- o gasto com propaganda foi estimado em mais
ceram o homem Marlboro e foram levadas a de US$ 271 bilhões nos Estados Unidos e US$
acreditar que o cigarro que uma pessoa fumava 643 bilhões em todo o mundo. Hoje, cerca de
dizia muito sobre quem ela era. Elas abraçaram apenas um em cada mil dólares gastos com mar-
a idéia da obsolescência aparente, aceitando que keting é despendido na veiculação de propagan-
ter uma televisão do ano era um sinal de virtu- das de serviços vendendo algum bem público —
Jonah Sachs é cofundador e diretor de criação da Free Range Studios, uma empresa de design e comunicação.
Susan Finkelpearl é diretora de estratégia online da Free Range Studios.
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e apenas uma mínima fração disso é gasta em elas se autodefinem, por exemplo, pelo cigarro,
assuntos ligados à sustentabilidade. 1 automóvel, ou pelo computador que adotam.
Por outro lado, existem grandes oportunida- Mas será que contar histórias é, em si, o que faz
des. O marketing social tem um histórico de 40 o sucesso dessas campanhas?
anos para lhe servir de lição, e, além disso, há O escritor e filósofo Joseph Campbell apre-
muito o que aprender observando o marketing senta uma razão convincente para se acreditar
voltado ao consumidor tradicional. A internet que contar histórias de gente é essencial para
rapidamente nivelou o campo de atuação no mer- que as pessoas se abram para mudar identidades
cado da mídia, reduzindo os custos de distribui- “tribais” instintivas e mudar o comportamento.
ção e removendo as barreiras dos tradicionais A visão de Campbell implica, inclusive, que o
guardiães corporativos que restringiam a trans- marketing social pode ter uma vantagem sobre
missão de mensagens que iam contra os valores o marketing de produto neste campo. 3
do consumismo. E o surgimento da mídia social Em sua revolucionária obra O Herói de Mil
gerou um modelo de distribuição “virótico”, Faces, Campbell apresenta um estudo da mito-
através do qual uma mensagem inspiradora pode logia em contextos culturais diversificados e em
percorrer instantaneamente redes sociais de con- milênios diferentes e verifica fortes aspectos em
fiança recíproca, a custo quase zero. comum. Sua hipótese é que os seres humanos já
Para que o marketing social desempenhe um vêm, na verdade, com um sistema genético
papel na transição do consumismo à sustentabi- pronto para enxergar o mundo através de histó-
lidade, precisará recorrer à principal lição apren- rias. E, além disso, as histórias são incrivelmen-
dida pelo marketing dirigido ao consumidor dos te parecidas. As pessoas têm personagens arque-
anos 50: os fatos, por si só, não vendem mudan- típicos em comum, como o herói, a nêmesis e o
ça de comportamento. Para atingir o público, mentor, e eles seguem uma trama de convite à
aqueles que trabalham para promover o com- aventura, aceitação dessa aventura, batalha com
portamento sustentável devem contar histórias nêmesis, para então retornar. 4
que tenham uma dimensão humana e pessoal. Um elemento das teorias de Campbell, de
particular interesse para os marqueteiros, é que
Histórias Mudam Comportamentos o cenário dessas aventuras é quase sempre um
mundo destruído que precisa se recuperar. E,
À medida que o marketing social busca uma além disso, o retorno implica a volta do herói à
estratégia para essa próxima década crítica, a sociedade com a sabedoria para salvá-la. Vendo
compreensão e o uso do poder de contar histó- por esta ótica, as histórias de mudança do con-
rias de forma emocional pode ser sua tarefa mais sumismo à sustentabilidade no âmbito social
importante. A Tabela 10 apresenta algumas das encaixam-se como uma luva nas ideias precon-
mais bem-sucedidas iniciativas de marketing cebidas da humanidade sobre o que vem a ser a
social e de produto desde os anos 50 e descreve jornada de um herói. Um herói é alguém que
como o caráter e as histórias com dimensão ajuda a curar os males da sociedade.
humana, diferentemente dos atributos de fatos e As teorias de Campbell não se limitam a
produtos, construíram as marcas mais poderosas meramente afirmar que as pessoas reagem às
e geraram mudança comportamental. 2 histórias. Ele acreditava que as histórias moti-
Campanhas criadas com base em histórias e vam o comportamento e a identidade, o que
ícones fazem mais do que apenas mudar a per- poderia explicar o sucesso dos esforços do mar-
cepção de um produto ou atividade. Para mudar keting em contar histórias para mudar as ativida-
o comportamento na dimensão em que elas o des de consumo. “O mito é o sonho público, e
fazem, essas campanhas têm que mudar a forma o sonho é o mito privado”, escreveu Campbell
como milhões de pessoas se enxergam e como ao descrever como as pessoas de fato internali-
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zam as histórias e procuram se colocar nelas reality shows e até mesmo em programação de
como heróis. 5 telefone celular, com sucesso comprovado em
Na área de saúde pública, o poder da narra- relação a outras formas de educação de saúde
tiva de histórias arquetípicas foi muito além da pública. Na África do Sul, por exemplo, o progra-
teoria e provou ser eficaz no mundo todo. Nos ma semanal Tsha-Tsha atraiu uma audiência de
anos 70, o executivo da televisão mexicana 1,8 milhão de pessoas. Aqueles que assistiram ao
programa e que conseguiram se lembrar bem da
Miguel Sabido introduziu a política de
trama apresentaram taxas significativamente mais
Entretenimento–Educação (E-E), que divulga-
altas de práticas preventivas contra o HIV, tais
va mensagens de saúde pública através de nove- como abstinência e sexo seguro. E um estudo
las. Os programas de Sabido influenciaram os feito na Tanzânia concluiu que 40% dos usuários
telespectadores codificando comportamentos de do recente programa de planejamento familiar
saúde inseridos nos dramas interpessoais, com oferecido em clínicas públicas buscaram o serviço
motivados pelo programa de rádio
Twende na Wakati. Resultados seme-
lhantes foram documentados em uma
análise de 39 relatórios sobre planeja-
mento familiar no mundo todo entre
1986 e 2001.7
Mudança Climática
Muito embora o marketing social
tenha obtido alguns casos de sucesso
estrondoso recorrendo ao poder das
histórias, quando se trata das questões
O filme online "A História da Coisa" lembra aos espectadores o modo mais prementes de sustentabilidade
como os publicitários usam a emoção para vender produtos. ambiental, a lição não foi aplicada de
forma adequada.
três tipos de exemplos típicos: positivo, negati- Uma pesquisa sobre veiculação de temas
vo e transicional. Esses modelos representam ambientais feita em sites de grandes organizações
estritamente os arquétipos de Campbell – o não-governamentais (ONGs) internacionais, o
mentor (fonte de comportamento sábio), nême- "G8 ambiental", constatou que a abordagem
sis (antítese do mentor) e o herói (o novato que dessas questões ainda se concentra em fatos da
precisa escolher o comportamento certo). 6 crise climática, suas conseqüências desastrosas e
A intenção dos programas de E-E de Sabido propostas dos programas vigentes para tratar do
era fazer com que os telespectadores se identifi- assunto. O que de fato falta são apelos emocio-
cassem intimamente com a personagem transi- nais que reflitam de forma adequada a realidade
cional e, enxergando que ela fazia boas escolhas da vida e as preocupações dos visitantes desses
em relação a sexo, casamento e planejamento sites, além das estruturas através das quais eles
familiar, acreditassem que também poderiam recebem e analisam informações sobre a crise. 8
fazer mudanças de comportamento positivas. Um recente estudo do Yale Project on
Desde seu lançamento, o E-E vem sendo uti- Climate Change factual em conjunto com o
lizado em novelas de rádio, desenhos animados, Center for Climate Change Communication da
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Universidade George Mason indica que uma campanha: “Somos como o paciente que vai ao
abordagem meramente fática é coisa do passa- médico e fica sabendo que está acima do peso,
do. Hoje, 70% dos americanos já encaram a ou que o colesterol está alto. Ele não morre
mudança climática como um problema e 51% imediatamente, mas até que ele mude seu estilo
consideram o assunto um problema sério. Com de vida e volte à zona de segurança, corre o risco
o reconhecimento público sobre a necessidade de ter um infarto ou um derrame”. 12
de tratar das mudanças climáticas, em vez de se Com base no sucesso visto na Madison
restringir ao uso de uma avalanche de fatos para Avenue, nas novelas mexicanas, e nas previsões
convencer as pessoas da existência do problema, de Joseph Campbell, essa mudança para campa-
as ONGs devem mudar de estratégia e fazer um nhas como a 350.org é de urgência premente
chamado à ação. 9 para que ocorram as transformações comporta-
Dar um passo e ir além dos fatos e informa- mentais de massa necessárias para um futuro
ções é essencial, porque quando se trata de sustentável.
tomar uma atitude, o ser humano tende a não
ser muito racional. Logo após a crise energética Quando o Marketing Social
dos anos 70, o pesquisador Scott Geller Encontra a Mídia Social
demonstrou esse ponto em uma apresentação
de três horas feita a pesquisadores, em que ilus- Na maior parte dos últimos 40 anos, a distri-
trou com slides, palestras e outros materiais buição do marketing social ocorreu de forma uni-
educacionais os dados sobre consumo de ener- forme. Quer as mensagens fossem acessíveis por
gia doméstica. O resultado? Os participantes rádio, televisão ou imprensa, a abordagem domi-
ficaram mais bem informados sobre o tema da nante até dez anos atrás era o modelo de trans-
energia, entenderam melhor como poderiam missão “one-to-many” (de um para muitos).
economizá-la em suas casas, e, no entanto, não Atualmente, em virtude da internet, esse
mudaram de comportamento. 10 modelo está sendo rapidamente substituído
Felizmente, os profissionais do marketing pelo padrão “many-to-many” (de muitos para
social, assim como os cientistas que lhes servem muitos), em que a transmissão de dados parte
de referência, começam a perceber que os fatos de uma lista específica de destinatários. Neste
por si só não são suficientes. Isso foi entendido novo mundo, as mensagens tramitam em redes
sociais personalizadas. Acessando a mensagem,
perfeitamente pelo ativista Bill McKibben ao
cada um dos membros desse público pode
descrever o trabalho do cientista da NASA,
comentá-la ou mesmo modificá-la. Nesse senti-
James Hansen: “Creio que [Hansen] achava,
do, o marketing social eficiente não se limita a
assim como eu, que se mostrássemos esse con- criar grandes histórias, mas deve também inspi-
junto de fatos a todo mundo – fatos tão pode- rar grandes discussões que possam engendrar
rosos, tão opressivos – as pessoas fariam o que grandes histórias de mudança social.
tem de ser feito”, disse McKibben à revista New Para entender a força com que o marketing
Yorker. “Claro que essa afirmação, de ambas as social pode transitar neste novo cenário da
partes, foi simplista demais”. 11 mídia é importante primeiramente entender os
Hoje, McKibben e Hansen são os principais fundamentos da mídia social contemporânea:
divulgadores da bem organizada campanha na • A Mídia Social diz respeito a uma nova
internet, feita com base em histórias, conhecida safra de ferramentas e conteúdo da rede mun-
como 350.org. O objetivo é tentar mostrar a dial que possibilita a publicação de textos, ima-
dimensão que a crise climática tem na saúde de gens e vídeos por qualquer pessoa com conexão
um único organismo. Como explica o site da com a internet, em sites como Facebook,
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Twitter, YouTube e Flickr, ou usando ferramen- naturais, deixando pouco espaço para a reação
tas como, por exemplo, os software de blogs e pública. Depois da tragédia de Sichuan, as histó-
podcasts. Uma vez que o material esteja publi- rias não censuradas de vidas destroçadas gera-
cado, outros podem interagir com o seu conteú- ram 1,5 bilhão de yuans (U$ 208 milhões) em
do, tecendo comentários, incorporando-o a doações vindas dos próprios chineses. 17
outros conteúdos, compartilhando-o, ou classi- Do mesmo modo, após as eleições iranianas,
ficando-o. 13 manifestantes de Washington, Londres,
• As ferramentas e usuários da mídia social Islamabad, Sidney, São Paulo e dezenas de
vêm crescendo exponencialmente, de modo outras cidades ao redor do mundo uniram-se
que agora os fóruns online não são mais ape- em solidariedade aos manifestantes de Teerã.
nas para os usuários aficionados da internet. Esses esforços de marketing social com base em
O Facebook, isoladamente, conta com 250 histórias utilizam a mídia social para disseminar
milhões de usuários ativos, sendo que cerca informações primordiais de forma espontânea, e
de 70% deles vivem fora dos Estados Unidos para gerar resultados de grande efeito que talvez
e o nicho demográfico de crescimento mais não fossem possíveis com o uso do modelo de
rápido são pessoas de 35 anos ou mais. 14 radiodifusão. 18
• A mídia social vem redefinindo as principais Em segundo lugar, a mídia social não retira a
redes sociais. Um recente estudo do projeto necessidade de identidades “tribais” tradicionais;
Pew revelou que as redes sociais estão mais ela cria uma necessidade ainda maior. O estudo
dispersas, móveis e variadas geograficamente do projeto Pew mostrou que toda essa tecnologia
graças à internet. O estudo vai mais além e formidável não mudou fundamentalmente o
afirma que a mídia social está mudando a tamanho das redes sociais. As pessoas ainda ten-
orientação do comportamento humano. 15 dem a interagir em “tribos” pequenas de mais ou
• Hoje, o conteúdo da mídia social está entre as menos 35 "integrantes próximos”. Entretanto,
fontes de informação mais confiáveis para os para se manter unidas, essas comunidades fecha-
americanos. Sessenta milhões de americanos das não precisam ter proximidade geográfica ou
disseram que as informações compartilhadas demarcadores tradicionais de status social. Sendo
na internet os ajudaram a tomar alguma deci- assim, as tribos precisam de novos conceitos e
são de vida importante, e 90% dizem confiar comportamentos para construção de identidade
nas redes sociais a que pertencem mais do que que as mantenham juntas. 19
em qualquer outra forma de comunicação O grupo 350.org tirou vantagem disso
(como propaganda, por exemplo). 16 organizando um protesto global por intermé-
Quais são as oportunidades inerentes aqui e dio de microrredes sociais. No início de setem-
como isso aumentará ou diminuirá o poder das bro de 2009, sua campanha de marketing
histórias de criar uma mudança social? social, aliás, muito bem-sucedida, tinha conse-
Em primeiro lugar, a mídia social aumenta o guido a adesão de mais de 1.700 grupos em 79
apetite por histórias humanas, além de aumentar países para criar ações frente às discussões cli-
o acesso a elas. Por exemplo, depois do terremo- máticas de Copenhague no final do ano. A
to de Sichuan em 2008 e das eleições presiden- organização não forneceu instruções detalha-
ciais no Irã em 2009, o Twitter possibilitou que das de como essas redes sociais deveriam se
milhões de histórias individuais autênticas fluís- comportar. Em vez disso, ofereceu um tipo de
sem de países que antes teriam reprimido ou “adesivo” social e de identidade que as redes
controlado as mensagens. No passado, o gover- sociais aceitaram rapidamente e usaram para
no da China enterrou histórias de desastres promover causas da organização. 20
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Em terceiro lugar, a mídia social pode ofere- como um pequeno milagre — um milagre que
cer uma vantagem natural maior ao marketing deve servir de fonte de inspiração e, talvez, ser
social do que ao marketing de produto. Como repetido. É verdade, claro, que em termos de
essas redes sociais se constroem com base em mudança comportamental e política, os riscos
comunicações autorizadas, fica difícil “fazer são muito maiores e os obstáculos a serem ven-
propaganda” de um para outro sem quebrar cidos são muito mais altos. Mas não estamos
tabus sociais naturais. Por outro lado, os grupos mais na década de 50, quando a televisão era
tendem a acatar bem mensagens sobre educação uma novidade e um número limitado de figuras
e valores. E é por isso que, apesar de contarem dominava o território da mídia. Trata-se de
com orçamentos menores, as campanhas de 2010, uma época de conectividade exponencial-
marketing social certamente se imiscuirão muito mente muito maior, de fluxo livre de informa-
em breve na mídia social. ções e de custos de distribuição muitíssimo mais
baixos. Mesclando as principais lições da revolu-
A Hora é Já ção do marketing no passado com as oportuni-
dades da revolução da mídia social de hoje, o
Volte um pouco para os anos 50, um marco marketing social, munido do poder de contar
na evolução da sociedade de consumo. A revo- histórias, tem a oportunidade de criar uma outra
lução no marketing ajudou a reverter normas grande mudança e levar o mundo para um futu-
culturais de forma tão célere que pode ser vista ro sustentável.
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Uma série de propagandas da marca de rou- zendo consequências negativas para o meio
pas italiana Diesel retrata jovens sedutoras em ambiente, ilustram os desafios e a necessidade
poses provocantes vestindo jeans, trajes de da leitura crítica dos meios de comunicação
banho e outras peças de vestuário, enquanto se como pedra fundamental na transição para prá-
deleitam com o luxo, a popularidade e admira- ticas culturais sustentáveis. Entender a lingua-
ção por terem corpos perfeitos e rostos bonitos. gem visual e desvendar as falsas promessas implí-
Apesar de as propagandas recorrerem a temas citas nesses anúncios tão cuidadosamente
culturais corriqueiros que agradam muito e a orquestrados são tarefas importantes.
estratégias de marketing que vinculam beleza, A leitura crítica dos meios de comunicação
sensação de inclusão e felicidade a uma linha de desafia o público a se tornar um “leitor” sofisti-
roupas, as modelos que as exibem não estão rela- cado dos textos da mídia, mas, em particular,
xando em uma praia qualquer. Da água, ergue- em relação às imagens visuais. Os consumidores
se um Monte Rushmore parcialmente submerso. poucas vezes se dão conta de que as imagens são
Em outras propagandas, as modelos aparecem rotineiramente “retocadas”, e em geral, nem
em uma floresta tropical em Paris, entre palmei- pensam por que as gratificações emocionais são
ras e lagartos em volta da Torre Eiffel; um casal de difícil realização na esfera do consumo. As
descansa preguiçosamente numa cobertura de fotografias criam associações e significados sub-
um prédio em Manhattan, enquanto a cidade de jacentes que são fundamentais para a estratégia
Nova York é quase totalmente tragada pela água; da persuasão. A foto de um grupo de amigos
e a Grande Muralha da China está cercada por onde todos vestem roupas Diesel ou bebem o
um deserto vasto e vazio. Foi dessa forma que a mesmo refrigerante passa a sensação de identi-
campanha publicitária Global Warming Ready dade de grupo e de “fazer parte da turma”. Mas,
(Pronta para o Aquecimento Global), veiculada se essas mensagens fossem veiculadas sem
pela Diesel em 2007, criou cenas de deleite do rodeios –“vista esse jeans e você terá os amigos
consumidor em um mundo futuro que terá sido que quiser” ou “as pessoas que bebem Coca-
brutalmente alterado pela elevação das tempera- Cola são magras, populares e sempre felizes”– as
turas e dos mares. 1 afirmações dificilmente seriam críveis.
As mensagens dos comerciais que professam Aprender a interagir de modo crítico com a
que o consumo é sinônimo de felicidade, televisão, revistas, filmes e a internet é essencial
mesmo quando a produção industrial está tra- num cenário em que a mídia invade todos os
Robin Andersen é professor de comunicação e de estudos sobre mídia e diretor de pós-graduação e Pamela
Miller é aluna de pós-graduação em comunicação pública da Universidade de Fordham.
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Diesel
estão Prontas para o Aquecimento Global, mas
não mencionam o impacto ambiental decorrente Campanha publicitária de 2007 da Diesel em Mount
da produção das roupas. Campanhas publicitárias Rushmore
inteligentes conseguem, por meio de associações, não fez esforço algum para informar os especta-
induzir os consumidores a se sentir inteligentes, dores que aquilo era uma reedição em vídeo de
mas, quase sempre os estimulam a não questionar um boletim informativo produzido por uma
com espírito crítico se a empresa por trás da cam- firma de relações públicas, a Medialink
panha segue práticas sustentáveis em seus negó- Worldwide. Os espectadores também não foram
cios. Será que a empresa usa fontes alternativas de avisados que o cliente por trás do vídeo – Tech
energia na produção ou distribuição para reduzir Central Station Science Roundtable — era de
sua pegada de carbono, paga seus operários ade- propriedade do DCI Group, empresa de lobby
quadamente, ou, de alguma forma, usa fibras cuja lista de clientes inclui a ExxonMobil, uma
orgânicas? Quais os subprodutos industriais companhia que fizera uma contribuição genero-
resultantes e como eles são tratados? sa à Tech Central Science Foundation para a
As imagens da Diesel falam da inevitabilidade “causa da mudança climática”. Poucos telespec-
da crise global e da aquiescência a ela, e a ampla tadores do WTOK-11 poderiam ter reconheci-
circulação dessas imagens na cultura das socieda- do que esse informe “noticioso” não tinha um
des – em vez de narrativas acerca da urgência e da argumento científico específico, mas ao contrá-
necessidade de ações cidadãs - reforça atitudes rio, servia aos interesses políticos e econômicos
derrotistas e apáticas em relação ao aquecimento dos lobistas da empresa de petróleo que o redi-
global. Essa atitude cultural se insere em um con- giram e pagaram por sua veiculação. 2
texto mais amplo da mídia e oferece poucas infor- James Hansen, da National Aeronautics and
mações realistas sobre as causas das mudanças cli- Space Administration, considera a falta de conhe-
máticas e soluções para isso. cimento público um dos principais obstáculos
Considere, por exemplo, um informe televi- para se inverter a mudança climática, chamando
sionado em 2006 pelo WTOK-11 em Meridian, atenção para o hiato entre o que a comunidade
Mississippi. O programa mostrava dois “proe- científica entende e o que as pessoas e os gestores
minentes cientistas meteorológicos e oceano- de política sabem. Ele argumenta que “esforços
gráficos” afirmando que um vínculo entre a veementes por parte de grupos com interesses
recente e severa temporada de furações e a próprios para evitar que o público seja bem infor-
mudança climática era “balela”. O canal de TV mado” impedem que a população tome conheci-
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mento sobre a eficácia da redução do uso de com- As consequências dessas abordagens diferen-
bustível fóssil e das emissões de dióxido de carbo- tes são significativas. Como explica Yousman:
no. Um estudo que examinou as reportagens da “Uma coisa é ensinar as crianças a decodificar
imprensa sobre essa questão concluiu que o exer- uma propaganda de fast food para que consigam,
cício do equilíbrio jornalístico serve para aumen- por exemplo, ver como a imagem do hambúr-
tar um pequeno grupo de céticos sobre o aqueci- guer é construída artificialmente e não se parece
mento global, muitos dos quais como, assim foi com o produto real que compram no balcão da
constatado, indiretamente patrocinados por cer- loja. Outra coisa completamente diferente é ins-
tos grupos de pressão. 3 tigar a compreensão de que fast food é uma
indústria global de bilhões e bilhões de dólares,
que difunde no mundo todo hábitos e práticas
Até que Ponto a Educação para a específicas desse setor, e maneiras específicas de
Mídia Deve Ser Crítica? pensar sobre comida, trabalho, meio ambiente e
outras questões semelhantes”. 5
Embora esteja claro que a função mais Consumidores sofisticados escolhem melhor
abrangente da educação para a mídia é a forma- o que comprar, mas o potencial da educação
ção de “leitores” sofisticados e com capacidade para a mídia como uma força para a sustentabi-
de julgar textos midiáticos, nos últimos anos lidade dependerá de as pessoas no mundo todo
surgiram divergências a respeito do grau e níveis criarem e apoiarem escolhas alternativas, e não
de crítica. Alguns apoiadores da causa desejam aquelas oferecidas pelas práticas não sustentáveis
expandir a análise para outros domínios, inclusi- do modo de produção global vigente. Com o
ve para práticas de mídia corporativa e reforma avanço da educação para a mídia, essas questões
política. Rejeitando essa abordagem, em 2000, e preocupações permanecerão na vanguarda dos
a Alliance for a Media Literate America debates sobre currículos escolares. Nos Estados
(AMLA, hoje rebatizada de National Unidos, a educação para a mídia é oferecida em
Association for Media Education) afirmou que diversas escolas de 50 estados, e, em âmbito glo-
sua proposta não era um “movimento antimí- bal, há um crescente e dinâmico movimento de
dia”, e sim um empenho para encontrar um educação para a mídia, envolvendo ativistas
“modo mais tolerante de compreender nosso comunitários, militantes de movimentos de
ambiente midiático”. Não estando interessada base, partidários da reforma da mídia, além de
em “surrar a mídia”, a AMLA levantou contro- gestores de políticas e educadores. 6
vérsias ao aceitar recursos do conglomerado de
mídia Time-Warner. Esse acordo levou à criação Educação para a Mídia e
de um grupo mais crítico, a Action Coalition for Organizações Globais
Media Education (ACME), em 2002. A ACME
procura ampliar o conceito de “leitura crítica”, A educação para a mídia tornou-se um
cujo foco são as mensagens, e incluir “educa- importante item no currículo educacional glo-
ção”, o que engloba mensagens, estruturas e bal, com o patrocínio e incentivo de agências
compromisso ativo por reformas. O Escritor Bill mundiais importantíssimas (Veja Tabela 11). Os
Yousman identifica a questão fundamental que educadores não estão mais isolados em apenas
divide a comunidade da educação para a mídia algumas escolas ou regiões. De fato, a Unesco
nos Estados Unidos: “Será que a educação para trabalha há 26 anos para ampliar no mundo
a mídia tem por meta produzir consumidores de todo o alcance da educação para a mídia. A
mídia mais sofisticados, ou seu objetivo é esti- agência atua de acordo com os parâmetros da
mular cidadãos já engajados?” 4 Declaração de Grünwald, de 1982, que prescre-
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Tabela 11. Iniciativas de Alguns Países para Promover a Educação para a Mídia
Causa Programa
Argentina O “Programa A Escola e a Mídia” foi adotado em todo o país em 2000. Uma das ações
distribui gratuitamente para escolas de ensino médio uma revista mensal com artigos
noticiosos em formato online e impresso.
Austrália A Autoridade Australiana de Comunicações e Mídia adota atualmente um Programa de
Pesquisa em Educação e Mídia Digital com a finalidade de aprimorar o conhecimento sobre
educação para a mídia digital e desenvolver educação e conceitos de proteção do consumidor.
Áustria O Ministério da Educação, Ciência e Cultura distribui um periódico trimestral sobre mídia e
educação para todas as escolas. Ferramentas de trabalho para educadores, avaliadas pelo
ministério, estão disponíveis online, e outros tipos de material didático podem ser
encomendados.
Canadá Entre 2006 e 2007, o Ministro da Educação de Ontário instituiu uma diretiva política
obrigatória, abrangendo quatro áreas — leitura, escrita, comunicação oral e mídia e
educação — para todos os alunos.
Coreia do Sul O currículo nacional recém-reformulado, obrigatório para alunos de 5 a 16 anos, incentiva
práticas de mídia e educação nos cursos de Ética, Estudos Sociais e Estudos Práticos.
Finlândia O programa governamental para 2007–2011 inclui iniciativas específicas encorajando mídia e
educação, em especial focalizando os mais jovens. O Programa de Participação Cidadã destaca
“aptidões para a sociedade da informação" como elemento catalisador para a cidadania.
França A Coordenadoria de Informações e Ensino de Mídia do Ministério da Educação elabora
ferramentas de ensino, forma educadores para o processo de análise e uso das mensagens
dos meios de comunicação noticiosos e coloca professores e alunos em contato com
profissionais da mídia durante o evento anual Semana de Imprensa da Mídia.
Hong Kong, O Departamento de Educação introduziu recentemente o Novo Currículo do Ensino Médio,
China com ênfase na capacidade de “fazer análises críticas e julgar a confiabilidade do noticiário e
a adequação das formas de relato empregadas pelos meios de comunicação de massa”.
Reino Unido De acordo com a Lei das Comunicações de 2003, os deveres do Departamento de
Comunicações do Reino Unido incluem “promover o interesse dos cidadãos no que se
refere a questões de comunicação, e o dos consumidores, estimulando a concorrência em
mercados relevantes”.
Rússia Desde o início do século 21, a Academia Russa do Laboratório de Educação trabalha para
incorporar mídia e educação nos currículos referentes à cultura e às artes nacionais.
Suécia A Nordicom’s International Clearinghouse on Children, Youth and Media dá continuidade ao
trabalho de mídia e educação junto aos jovens, incentivando debates públicos construtivos
e estimulando pesquisas e elaboração de políticas.
Turquia Em 2006, foram introduzidos os primeiros programas de mídia e educação como matéria
eletiva do currículo escolar. Agências reguladores governamentais deram início a uma
colaboração pró-ativa com grupos não-governamentais e educadores, com o intuito de
fomentar iniciativas de mídia e educação.
veu que os sistemas educacionais globais deve- Agenda de Paris definiu componentes essenciais
riam “promover a compreensão crítica dos cida- à educação para a mídia, sendo seguida pela
dãos a respeito ‘dos fenômenos da comunicação’ Unesco, que elaborou um Kit de Educação para
e da sua participação na mídia”. Em 2007, a a Mídia no mesmo ano. 7
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nhos da comunidade local e informações sobre recurso financeiro poderia excluir discussões
problemas locais de preservação sejam difundidos importantíssimas sobre as práticas das compa-
no mundo todo (Veja Quadro 19 sobre jornalis- nhias, como, por exemplo, as muitas atividades
mo ambiental na Índia).11 irresponsáveis da Coca-Cola em relação ao meio
O projeto Development Through Radio, pilo- ambiente e à sociedade. É fundamental que haja
tado pelo instituto Panos Southern Africa, na mediações com as partes envolvidas e também
Zâmbia e no Malawi, tem como finalidade “cul- com as agências reguladoras de mídia, capazes
tivar cidadania comprometida e instigada”. As de tratar de questões de éticas e de conteúdo
mulheres que participaram do projeto aprende- sem suspeitas de censura. 14
ram a produzir programas de rádio e a entender
o significado do contexto da produção da mídia. Educação para a Mídia é a
Os grupos gravaram em áudio um tópico con- Educação de Nosso Tempo
sensual e, posteriormente, coordenaram o envio
das fitas para os estúdios principais das cidades Uma contrapartida ao entendimento de que
mais importantes de seus respectivos países. Os o compromisso da mídia é uma necessidade glo-
produtores da Zambia National Broadcasting bal para a sustentabilidade e cidadania é que
Corporation e da Malawi Broadcasting colaborações entre as diferentes culturas e países
Corporation gravaram as respostas dadas por são essenciais. Robin Blake, do U.K. Office of
políticos ou líderes de grupos não-governamen- Communications, órgão de regulamentação da
tais às preocupações apresentadas pelas mulhe- mídia no Reino Unido, apresentou uma pro-
res, e depois disso, as gravações foram editadas posta de pesquisa para combinar diferentes cam-
em um único programa pronto que, ao ser pos de conhecimento, contemplando quatro
transmitido, promoveu mais debates e criou um principais áreas para estudo da educação para a
diálogo cíclico e com participação mais ativa. 12 mídia: social, política, regulamentação e comer-
Embora esse movimento global continue cial. Outro componente essencial é a documen-
crescendo, a implantação cabal dos programas de tação do papel desempenhado por integrantes
educação para a mídia e o aumento do número de movimentos de base do passado, que são, na
de vozes de cidadãos no diálogo público enfren- maioria das vezes, os protagonistas da mídia
tam desafios em diversos níveis. Obstáculos à par- cidadã no mundo todo. O trabalho desses agen-
ticipação integral na sociedade da informação tes da mídia independente está sendo documen-
aparecem todos os dias, mas, mesmo assim, com tado no seriado Waves of Change, que mostra
a convergência de novas mídias — incluindo tele- exemplos de movimentos de base no rádio na
fone sem fio, internet, transmissão via satélite e Bolívia, em El Salvador, na África do Sul e nos
tecnologias digitais de todos os tipos — pratica- Estados Unidos, bem como de grupos comuni-
mente qualquer um pode criar conteúdo de tários que produzem vídeos e televisão na Índia,
mídia. Entretanto, apenas um quinto da humani- Brasil e México. Informações sobre iniciativas,
dade tem acesso à internet. 13 passadas e atuais, de movimentos de base para
Problemas financeiros graves não raro fazem incentivar a sustentabilidade e a educação para a
com que os esforços para promover uma postu- mídia em toda a aldeia global estão também dis-
ra crítica diante da mídia se amparem fortemen- poníveis online. 15
te nas empresas, como é o caso da Argentina, David Gauntlett, um pedagogo do Reino
onde os cursos de educação para a mídia são Unido que trabalha com crianças e produção de
patrocinados pela Telecom, Microsoft, Coca- vídeo, constatou que o público adolescente
Cola e Adidas. Sem dúvida, o uso desse tipo de havia internalizado problemas e soluções
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ambientais a partir de uma “narrativa” unidi- nicação, Gauntlett encoraja os alunos a criar
mensional: o problema foi criado por pessoas e alternativas e a não “ficar sentado assistindo
deve ser resolvido por pessoas. A análise de enquanto o mundo piora”. Ou, como dito pelo
Gauntlett revela que a cobertura da televisão educador em mídia, DeeDee Halleck: “Não
com respeito a conteúdo aceitável sobre meio assista à TV. Faça TV”.17
ambiente é cada vez mais restrita e pautada por Esses educadores vislumbram uma transfor-
uma importante “ausência de narrativa”. As for- mação na relação com a mídia que gere uma
ças políticas e econômicas e exemplos de indús- nova “cultura do fazer e produzir”, o que exigi-
trias poluidoras que se enquadram nos regula- rá uma perspectiva ampla capaz de contemplar
mentos do governo não são tratados. Ademais, propostas positivas para um futuro melhor.
como deveria a sociedade lidar com práticas ins- Quando as pessoas se conectam com o mundo e
titucionalizadas, por exemplo, como o sistema
procuram soluções para os problemas que ele
de transporte dependente do automóvel, con-
enfrenta, revelam sua presença na Terra. Criar
tando com uma estrutura de problema/solução
contra-narrativas que tratam de modo criativo
individual quando propostas alternativas, tais
questões como a mudança climática é um pode-
como o transporte público eficiente e de baixo
custo, não são oferecidas? 16 roso antídoto contra os acordos cínicos frequen-
Para Gauntlett, desafiar suposições sobre temente embutidos na mídia, como é o caso da
temas ambientais com base nas matérias veicula- campanha publicitária da Diesel. A mídia é o
das pela mídia é apenas um ponto de partida, e meio pelo qual as pessoas comunicam e compar-
ele se desloca da crítica negativa para soluções tilham conhecimento e criatividade com gente
positivas criativas. O projeto mais amplo é de todas as partes do globo. Aumentar o acesso
dominar a “paralisia passiva”, consequência da à mídia, aprender como usá-la e criar estruturas
cultura de “ficar sentado e escutar”. legais e públicas que a democratizem permitirá
Acreditando que o paradigma da educação para que as pessoas respondam ao desafio de encon-
a mídia deve incluir uma transformação funda- trar culturas sustentáveis fundamentadas em
mental de compromisso com os meios de comu- prioridades humanas e ambientais.
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A música sempre foi valorizada na sociedade A música continua sendo um meio de conju-
por sua beleza artística e como expressão primal gar os valores, a herança e as preferências cultu-
da vida e do espírito, e continua sendo aprecia- rais das pessoas quando há um desejo de estimu-
da ainda hoje. O canto dos pássaros inspirou lar mudança comportamental. Por exemplo, as
Mozart e outros grandes compositores clássicos canções de Marvin Gaye do álbum “What’s
a recriar a elegância dos sons da natureza, Going On”, de 1971 – que falavam sobre a
enquanto a música folclórica, transmitida de Guerra do Vietnã, poluição e adversidades eco-
geração em geração, vem servindo como base de nômicas – estão hoje sendo revisitadas à luz da
influência para muitas outras formas de expres- presente recessão, mudança climática e degrada-
são célebres – da música country e gospel ao ção ambiental. Em agosto de 2009, Lisa
blues e jazz. 1 Jackson, Administradora da Agência de
Além de seus elementos emocionais e criati- Proteção Ambiental dos Estados Unidos, invo-
vos, a música costuma desempenhar papel deci- cou as canções de Gaye, “Inner City Blues” e
sivo no estímulo ao engajamento social. “Mercy, Mercy Me (the Ecology)”, em um dis-
Historicamente, o poder da música para comu- curso para anunciar a iniciativa Greening the
nicar e estabelecer relações ajudou a congregar Block (Revolução Verde no Quarteirão), cujo
pessoas em torno de uma identidade ou de um objetivo era fortalecer as comunidades norte-
propósito comum. Na União Soviética, as tradi- americanas vulneráveis do ponto de vista climá-
cionais canções folclóricas Kazak que celebram tico e desfavorecidas economicamente. 3
o nascimento, a morte e outras etapas da vida Na era contemporânea da mídia digital,
foram adaptadas a óperas e à literatura moder- aumentam as oportunidades para relembrar e
nas, servindo de sustentáculo aos ideais dos tra- usar a música para uma finalidade em comum:
balhadores, da soberania e do nacionalismo. mobilização e divulgação. A tecnologia não ape-
Nos Estados Unidos, o tradicional hino “Um nas preservou a música para as gerações futuras,
Dia, Vencerei” foi adotado pelos operários como também facilitou o acesso das pessoas a
negros do Sindicato dos Trabalhadores da ela, permitindo que artistas independentes colo-
Indústria do Tabaco nos anos 40, como a can- quem seus trabalhos na internet, fãs comparti-
ção da classe operária “Um Dia, Venceremos”, lhem arquivos e letras e que comunidades se
e nos anos 60, foi adaptada para a clássica reúnam através de sites de redes de relaciona-
“Haveremos de Vencer” do movimento pelos mento, como o Facebook e o Twitter. Embora
direitos civis. 2 a música venha se metamorfoseando, se mistu-
Amy Han é assistente de projeto para o Estado do Mundo 2010 do Worldwatch Institute.
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ESTADO DO MUNDO 2010 Música: Usando a Educação e o Entretenimento para Motivar Mudança
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Música: Usando a Educação e o Entretenimento para Motivar Mudança ESTADO DO MUNDO 2010
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Música: Usando a Educação e o Entretenimento para Motivar Mudança ESTADO DO MUNDO 2010
ano, “We Are the World”, composto pelos íco- de emissão de gases de efeito estufa. De acordo
nes pop Michael Jackson e Lionel Richie, reuniu com uma estimativa, a pegada de carbono dei-
no mundo todo 45 artistas de gravadoras em xada pelos 44 shows internacionais do U2, em
torno de uma campanha de combate à fome, o 2009, equivale ao lixo produzido por 6.500 bri-
que ajudou a fundar a USA (Artistas Unidos par tânicos durante um ano ou “ao carbono gerado
o Apoio) para a África. Em meados de 2009, pelos quatro integrantes da banda se viajassem
estima-se que 20 milhões de cópias da música 54.600 milhões de quilômetros da Terra a
haviam sido vendidas, arrecadando mais de US$ Marte em avião comercial”. 12
63 milhões para ajuda humanitária. 9 Para minimizar sua pegada de carbono, mui-
Mais recentemente, a internet vem possibili- tos eventos musicais atualmente utilizam energia
tando que esses eventos tenham alcance interna- renovável, como a solar ou biodiesel, ou com-
cional ainda mais abrangente. Em 2007, o show pram créditos de carbono certificados pelas enti-
Live Earth, de iniciativa do produtor Kevin Wall dades pertinentes, assegurando, assim, que as ati-
e do ex-presidente dos Estados Unidos Al Gore, vidades sejam de “carbono neutro”. O Festival
foi transmitido durante 24 horas em todos os de Roskilde, que se atribui o título do maior fes-
continentes, e sua programação teve a presença tival de cultura e música do norte da Europa,
de estrelas como Madonna, The Police e Snoop promove uma campanha de Pegadas Ecológicas
Dogg. Desde então, o Live Earth tornou-se uma que, em 2009, realizou um evento utilizando
“campanha contínua para mobilizar indivíduos, 100% de energia eólica e substituindo 90% do
empresas e governos a tomar medidas para solu- equipamento de iluminação por outro de baixo
cionar a crise climática”. O evento é atualmente consumo com uso de LED. O Festival de
parceiro de outros grupos de proteção do clima, Glastonbury incentiva o uso de transporte públi-
tais como a campanha Together, que oferece co e o plantio de cercas vivas para árvore (mais de
dicas e produtos de consumo online para ajudar 10.000 desde o ano 2000), usa energia solar em
as pessoas a diminuir pegadas ecológicas. 10 seus eventos e pretende também usar tratores
Alguns artistas ultrapassaram as fronteiras que operem 100% com biodiesel – tudo isso com
musicais e converteram-se em conhecidos ativis- a finalidade de diminuir as emissões de carbono
tas por conta própria. O cantor e líder do grupo produzidas por eles próprios. 13
U2, Bono, conhecido por seu empenho em erra- A redução do lixo é outro ponto crucial para
dicar a pobreza global, é cofundador de diversos os organizadores de eventos que incentivam os fãs
movimentos organizados e, há tempos, trava dis- a deixar pegadas mais leves. Seguindo os princí-
cussões profundas com lideranças dos setores pios de “Ame a Fazenda, Não Deixe Vestígios”, o
público e privado, como o ex-presidente Bill festival de Glastonbury pede aos participantes para
Clinton e o Papa João Paulo II. Bono é também levarem menos daqueles itens que normalmente
porta-voz da campanha ONE, fundada em 2004 se transformariam em lixo, substituiu sacolas plás-
para arregimentar o apoio de pessoas comuns ticas por outras feitas com 100% de algodão, exi-
para a cooperação internacional na luta contra a giu que nas tendas se usem talheres de madeira e
pobreza extrema e prevenção de doenças. 11 xícaras e pratos que possam depois ser aproveita-
Os shows têm sido oportunidades de impor- dos em compostagem, e, em 2008, reciclou mais
tância redobrada para músicos e organizadores de 863 toneladas de lixo. Eventos menores têm
de eventos demonstrarem seu compromisso adotado procedimentos ambientais semelhantes.
com a causa ambiental. No entanto, as grandes O festival anual de música e arte de Seattle, o
excursões, em particular, podem consumir Bumbershoot, proíbe os ambulantes de usar iso-
recursos e ser responsáveis por níveis elevados por e ainda reutiliza a sinalização do ano anterior.
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ESTADO DO MUNDO 2010 Música: Usando a Educação e o Entretenimento para Motivar Mudança
O Festival de Música de High Sierra “Red, White, blues Bonnie Raitt promoveu o álbum “Silver
Blue and Green Campsite Challenge” transforma Lining” junto com o Green Highway Festival em
em competição a ética do convívio ao ar livre “uma eco-parceria que aproveita os shows, even-
–“Não Deixe Vestígios”-, premiando os partici- tos beneficentes e outras oportunidades para
pantes que causam o menor impacto ambiental. 14 incentivar o uso do combustível biodiesel, a pre-
O Festival de Música de Ojai, no Condado servação ambiental e soluções em alternativas
de Ventura, Califórnia, estimula os fãs de músi- energéticas”. Juntamente com outros artistas, ela
ca clássica a ajudar na preservação da beleza fundou o Musicians United for Safe Energy,
natural do lugar, para isso oferecendo um bici- constituído após um acidente nuclear em Three
cletário gratuito como forma de incentivo ao Mile Island em março de 1979; no mesmo ano,
transporte alternativo, bebedouros para o rea- o grupo organizou shows no Madison Square
bastecimento de recipientes reutilizáveis, e Garden de Nova York para protestar contra as
Estações de Lixo Zero para a coleta de lixo sele- bombas nucleares. Sua excursão atual concede
tivo. E através do programa “So Much To pacotes VIP aos participantes dos shows, que
Save”, a banda norte-americana Dave Matthews podem escolher uma causa que desejem apoiar,
Band exorta os fãs a se empenharem na redução seja energia, proteção ambiental, direitos huma-
da pegada ecológica, quer nos concertos ou fora nos, ou outras. 17
deles, oferecendo download gratuito das músi- O cantor country Willie Nelson também
cas em troca de ações de reciclagem ou verifica- expressou preocupação e esperança por uma
ção de uso de eficiência energética. Durante os “Solução Pacífica”, compondo uma canção de
primeiros dois meses da campanha de 2009, os protesto contra a injustiça social, permitindo
participantes reciclaram perto de 19 toneladas inclusive que outros artistas fizessem regravações.
de lixo, impedindo que mais 84 m3 de detritos Fora da música, Nelson dirige a Farm Aid, uma
fossem parar nos aterros. 15 organização cuja finalidade é impedir o desapare-
Os músicos continuam a levar adiante a tra- cimento das propriedades agrícolas familiares nos
dição de transmitir mensagens importantes atra- Estados Unidos e lutar pela mudança da política
vés das letras de música. A canção de Joni americana vigente em relação a alimentos e agri-
Mitchell, “Big Yellow Taxi”, de 1970, lamentan- cultura. Willie Nelson criou também sua própria
do a transformação da natureza em um “paraíso versão de biodiesel, a empresa Bio Willie (que
pavimentado”, ressurgiu em versões de diversos comercializa biodiesel para caminhões), com o
artistas, dentre eles Bob Dylan e, mais recente- intuito de ajudar na redução da dependência do
mente, Counting Crows. “Rape of the World”, petróleo estrangeiro. 18
música de Tracy Chapman de 1995, denuncian-
do que a Mãe Terra “foi arrasada, virou lugar de Conclusão: Engajamento pela
despejo, foi envenenada e espancada”, é outro Educação e Entretenimento
exemplo de um artista que empresta seu talento
criativo para aumentar a conscientização sobre a Além dos esforços individuais dos artistas,
devastação ambiental. Alguns músicos destacam algumas pessoas estão trabalhando para com-
especificamente a importância do ativismo: nas prometer de modo construtivo o meio musical e
músicas “Up to Us” e “We Must Act Now”, a artístico em geral no apoio para uma mudança
banda californiana de “eco–rock” Depavers rumo a um mundo sustentável. Organizações
incentiva a luta por ideais. 16 como a Tipping Point estão organizando mesas
Alguns artistas estão particularmente preocu- redondas, discussões e debates com artistas cria-
pados em aplicar o que defendem. A cantora de tivos para aumentar o seu comprometimento
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Música: Usando a Educação e o Entretenimento para Motivar Mudança ESTADO DO MUNDO 2010
com a complexa questão das mudanças climáti- Universidade Simon Fraser, em Vancouver, na
cas e ajudar na catalisação de mudanças no Colúmbia Britânica, para “abrigar programas de
modo de pensar e agir da sociedade. 19 ensino e diálogo e divulgar eventos e projetos de
A Judith Marcuse Projects, uma empresa de pesquisa, com o intuito de educar e apoiar a
arte sem fins lucrativos, está se valendo da pro- crescente comunidade global do mundo das
dução teatral “EARTH=home” para dar a pala- artes para a mudança social”. 20
vra aos jovens, estabelecer ligações entre os dife-
Ainda que a música possa servir de instru-
rentes setores da sociedade e alcançar um seg-
mento valioso para a mobilização, seu poder
mento mais amplo da comunidade. Suas ferra-
mentas são “bate-papos após o espetáculo, apre- reside nas pessoas que a criam, promovem e
sentações, workshops, eventos comunitários, usam no âmbito de um movimento proativo e
recursos da internet e atividades da mídia” onde significante em nome da sustentabilidade.
o tema é o meio ambiente. Além disso, seu Como observou o fundador da campanha
Centro Internacional de Arte para a Mudança Together, Steve Howard, “quando a música
Social é uma iniciativa conjunta com a acaba, todos nós precisamos começar a agir”. 21
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O Poder dos
Movimentos Sociais
A
o longo da história, os movimentos
sociais tiveram papel determinante sustentabilidade que provavelmente cativará
para estimular períodos intensos de muita gente: trabalhar menos horas. Muitos
evolução cultural, quando então um empregados estão trabalhando um maior núme-
novo conjunto de ideias, valores, políticas ou ro de horas, mesmo quando os ganhos em pro-
normas é rapidamente adotado por vastos gru- dutividade permitiriam dias úteis mais curtos e
pos de pessoas, posteriormente se entranhado férias mais longas. Recuperar o tempo ajudará a
firmemente em uma cultura. Da abolição da diminuir o estresse, propiciará estilos de vida
escravidão e garantia de direitos civis para mais saudáveis, distribuirá o trabalho de forma
todos à prerrogativa do sufrágio feminino e melhor e até mesmo ajudará o meio ambiente.
libertação não violenta dos estados subjugados Esse último efeito será consequência não apenas
a governantes coloniais, os movimentos sociais de menos consumo graças a rendas discricioná-
redirecionaram de forma marcante percursos rias menores, mas também do fato de as pessoas
sociais da história da humanidade, apenas em terem tempo livre suficiente para escolher a
um piscar de olhos. opção mais recompensadora e, quase sempre,
Para que sociedades sustentáveis se estabele- mais sustentável – cozinhar com os amigos em
çam e sejam aceitas rapidamente nas próximas casa em vez de comer fast food, por exemplo,
décadas, o poder dos movimentos sociais preci- tomar decisões de consumo mais criteriosas, e
sará ser utilizado em sua totalidade. Já estamos até mesmo adotar formas de transporte mais
vendo a movimentos ambientais e sociais inter- lentas, porém mais ativas e relaxantes.
ligados surgirem em todo o mundo, os quais, Intimamente ligado ao Recupere seu Tempo,
sob as circunstâncias apropriadas, poderiam temos o movimento pela simplicidade voluntá-
catalisar a força necessária para acelerar essa ria, como discutem Cecile Andrews, coeditora
mudança cultural. Mesmo assim, será importan- de Less is More, e Wanda Urbanska, produtora e
te encontrar formas de adequar o movimento apresentadora do Vida Simples, com Wanda
pela sustentabilidade de modo a torná-lo não Urbanska. Isso estimula as pessoas a simplificar
apenas possível, mas também atrativo. Isso suas vidas e focalizar o bem-estar interior e não a
aumentará a probabilidade de propagação das riqueza material. Trata-se de algo que pode ins-
mudanças para além dos pioneiros e empolgará pirar as pessoas a se afastar do sonho consumista
inúmeras populações. 1 e, em vez disso, reconstruir vínculos pessoais,
Este capítulo examina algumas formas de passar mais tempo com a família e em atividades
como isso já está ocorrendo. John de Graaf, do de lazer e encontrar espaço em suas vidas para ser
movimento Recupere Seu Tempo [Take Back cidadãos engajados. Por meio de ações educacio-
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A nuvem da recessão que paira sobre o dentes – os óbitos por acidentes de trânsito nos
mundo industrial está revestida de prateado. Ao EUA diminuíram 10% entre 2007 e 2008. A
contrário das expectativas prevalecentes, em poluição do ar causada por carros e fábricas (já
alguns países, particularmente nos Estados que há menor produção) também está em queda,
Unidos, os resultados na área da saúde estão, de consequentemente com menos óbitos, especial-
fato, melhorando. Christopher Ruhm, da mente entre crianças. 2
Universidade da Carolina do Norte, constata Dentro de um certo período, os trabalhado-
um declínio em mortalidade de 0,5% para cada res poderão descobrir que mais tempo com a
1% de aumento no desemprego nos EUA. família, melhor saúde e outros benefícios decor-
Como isso está ocorrendo? Muitos dos recém- rentes de maior tempo de lazer superam em
desempregados padecem de estresse agudo e os muito as perdas de renda. Isso deve inspirar mais
suicídios estão aumentando; no entanto, alguns empenho para substituir a produtividade por
estão usando o tempo livre para melhorar tempo, e não por maior poder de compra.
outros lados de suas vidas – aprendendo a pou- Mas precisamos fazer isso por um outro moti-
par, encontrando tempo para se exercitar, estrei- vo: preservar a biosfera para futuras gerações.
tando os laços com família e amigos. 1
E, mais importante, a crise significou uma A Necessidade de Limitar o Consumo
redução na jornada de trabalho para a maioria
dos americanos pela primeira vez em décadas. Dados do Global Footprint Network suge-
Algumas empresas e órgãos públicos optaram por rem que, se as pessoas no mundo em desenvol-
cortar horas criando semanas laborais mais curtas vimento alcançassem subitamente o modo de
ou concedendo licença aos empregados em vez vida dos norte-americanos, o mundo precisaria
de despedi-los. Com mais tempo e menos dinhei- de mais quatro planetas para fornecer os recur-
ro, as pessoas estão fumando e bebendo menos, sos para seus produtos e absorver os respectivos
comendo menos refeições calóricas nos restau- resíduos. A capacidade de suporte da Terra já
rantes e andando a pé ou de bicicleta com maior está passando dos limites em cerca de 40% – e
frequência. Ao mesmo tempo em que as vendas isso quando ainda metade da população mun-
de automóveis despencaram, as de bicicleta estão dial vive em verdadeira pobreza. 3
em alta. Como os americanos estão dirigindo Alguns ambientalistas sugerem que o
menos, morrem com menor frequência em aci- mundo pode ter seu quinhão do benefício
John de Graaf é diretor de documentários, cocriador de Affluenza: The All-Consuming Epidemic e diretor
executivo do Take Back Your Time [Recupere seu Tempo].
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Reduzindo a Jornada de Trabalho como um Caminho para Sustentabilidade ESTADO DO MUNDO 2010
(expansão da produção) e dele tirar proveito E é necessário entender que fazer isso não é
bastando aprimorar tecnologias e investir em um sacrifício. Ao contrário, significará melhorias
energia limpa. Muitas vezes, no entanto, avan- de vulto na qualidade de vida.
ços tecnológicos, tais como combustíveis com Existe uma lei econômica simples que pode-
maior eficiência, podem simplesmente acarretar ria ser chamada o imperativo do crescimento. O
maior consumo de um produto – por exemplo, progresso técnico sempre possibilita a produção
dirige-se mais. Como argumenta Gus Speth, ex- de mais produtos por hora de trabalho despendi-
diretor da Yale School of Forestry: “A ecoefi- da. Por exemplo, a produtividade por hora no
ciência da economia está evoluindo por meio da trabalho nos países ricos mais que dobrou desde
desmaterialização: o aumento de produtividade 1970. A questão é simples: para manter todos
com utilização de insumos e a redução de resí- empregados com o atual número de horas
duos lançados por unidade de produção. No enquanto a produtividade aumenta, é necessário
entanto, a ecoeficiência não está evoluindo rápi- nada mais do que aumentar a produção e consu-
do o suficiente para impedir que os impactos mo. Não parece provável que o progresso cientí-
fico e o aumento na produtividade do trabalho
aumentem”. 4
cessem. Portanto, para que o consumo seja limi-
Speth deixa bastante claro o custo das atuais
tado aos níveis atuais (ou inferiores) será neces-
tendências em recursos, poluição e justiça: desa-
sário demitir uma parcela da força de trabalho,
parecimento de florestas tropicais e pesqueiros,
ou reduzir a jornada de todos. 6
esgotamento de combustíveis fósseis, aumento
Desde 1970, os Estados Unidos optaram por
da fome, distância crescente entre ricos e manter estável a jornada de trabalho – de fato, há
pobres. Apesar da fé de muitos nos “super” car- algumas indicações de que a jornada de trabalho
ros e na ordem de grandeza dos avanços técni- nos EUA até mesmo aumentou nos últimos 40
cos, o ônus da prova recai sem dúvida sobre anos. Em contrapartida, a maioria dos países
aqueles que acreditam que a economia e as ati- industrializados, especialmente na Europa, vêm
vidades humanas podem continuar a crescer adotando semanas mais curtas, férias mais longas
exponencialmente sem que isso traga conse- e outras estratégias para reduzir a jornada de tra-
quências ambientais cada vez mais graves. 5 balho – não raro de forma significativa. Hoje, por
Os países industrializados não podem negar ano, o americano médio trabalha entre 200 e 300
os direitos das nações em desenvolvimento a horas a mais do que os europeus. Os europeus
maior prosperidade econômica enquanto outros fizeram uma escolha melhor. 7
continuam a consumir nos níveis atuais. Isso
seria o mesmo que lhes pedir que se sacrifiquem
Os Benefícios de Jornadas
para que o resto do mundo possa ficar na farra
um pouco mais.
Mais Curtas
Jornadas de trabalho mais curtas propiciam
Existe uma Resposta? mais tempo para o relacionamento com amigos e
família, exercícios físicos e hábitos alimentares sau-
A situação atual não pode continuar, mas as dáveis, engajamento como cidadão e com a
pessoas nos países industrializados estão relutantes comunidade, atividades de lazer e aprimoramento
em diminuir seu “padrão de vida”. Existe uma educacional, apreço à natureza e ao crescimento
solução para esse impasse? Sim: as nações ricas do individual no plano emocional e espiritual, hábitos
mundo devem imediatamente começar a substi- de consumo consciente e cuidado ambiental ade-
tuir avanços em produtividade no trabalho por quado. O impacto positivo de haver mais tempo
tempo livre, e não por poder de compra adicional. livre pode ser constatado o se comparar os índices
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Reduzindo a Jornada de Trabalho como um Caminho para Sustentabilidade ESTADO DO MUNDO 2010
Pressa para Acudir o Meio Ambiente extinção, não desfrutam de um tempo sossega-
das para refletir sobre o mundo fantástico que
Muitos acreditam que a consciência ambien- está hoje ameaçado pelas demandas materiais
tal é impulsionada pela exposição à natureza, insaciáveis da humanidade. 12
particularmente na infância. De John Muir a
Aldo Leopold, Rachel Carson e David Brower, Substituindo Coisas por Tempo
proeminentes ambientalistas escreveram sobre o
impacto de suas experiências em ambientes O que as pessoas poderiam fazer para come-
naturais em seu posterior comprometimento çar a substituir ganhos em produtividade por
com a Terra. O amor pela natureza quase sem- tempo em vez de coisas? A organização
pre resulta em menos desejo de coisas materiais. Recupere Seu Tempo explora há oito anos as
Ciente disso, Muir foi um dos primeiros a rei- possibilidades de como fazer isso, incentivada
vindicar uma lei obrigando a existência de um por empreendimentos como a Lei do Ajuste da
período de férias; ele a chamou de “lei do des- Jornada de Trabalho, na Holanda, e a semana
canso”. Em 1876, no aniversário de 100 anos de 35 horas, na França. 13
da Declaração da Independência, Muir propôs a A jornada de trabalho na Holanda está entre
“Centennial Freedom”, que garantiria que as mais curtas do mundo, e o país tem a porcen-
todos, ricos ou pobres, de qualquer raça ou ori- tagem mais alta de trabalhadores em regime de
gem, tivessem um tempo para ter contato com meio período. Em parte, isso é uma resposta
a natureza. “Trabalhamos muito e descansamos direta a determinadas políticas. A legislação da
pouco”, declarou Muir. “Educação obrigatória União Europeia já exige paridade de remunera-
pode ser bom, recreação obrigatória pode ser ção e benefícios para trabalhadores em regime
melhor”. 11 de meio período que exerçam o mesmo trabalho
Todos os europeus têm, por lei, direito a no de quem trabalha em período integral. Além
mínimo quatro semanas de férias, assim como disso, na Holanda, a Lei do Trabalho e Amparo
muitos cidadãos de nações africanas e latino- e a Lei do Ajuste da Jornada de Trabalho incen-
americanas. Contudo, os Estados Unidos ainda tivam os pais a compartilhar 1 emprego e meio,
não dispõem de lei que preveja um período de cada um deles trabalhando três quartos da jor-
férias, e metade de todos os trabalhadores ame- nada, exigindo que os empregadores permitam
ricanos hoje só contam com uma semana de que os empregados reduzam suas jornadas e ao
folga, ou menos, por ano. Consequentemente, a mesmo tempo mantenham a mesma remunera-
probabilidade de as crianças hoje passarem um ção por hora e benefícios proporcionais.
tempo relaxado ao ar livre é quase metade da Embora esse direito seja usado principalmente
que havia nos anos 70; outra dimensão dessa por pais de crianças pequenas, ele se aplica a
questão é, por exemplo, a constatação de que os todos os empregados. Aqueles que aderem a
visitantes do Parque Nacional Yosemite – cujo essa opção normalmente também se enquadram
tamanho supera 300.000 hectares – ficam ali, em alíquotas menores de imposto e, portanto, a
em média, menos de cinco horas. As pessoas penalidade econômica por trabalhar menos fica
fazem tudo com impaciência, tiram fotos de ainda mais reduzida. 14
penhascos e cachoeiras às pressas, olham o reló- Em outros países europeus, leis inovadoras
gio o tempo todo, atendem às chamadas do permitem práticas como períodos sabáticos
celular e vão embora correndo. Não se dão regulares, aposentadoria gradual e dias de
tempo para contemplar os ritmos da Terra ou repouso garantidos, ao mesmo tempo em que
para uma experiência de conexão com outras restringem firmemente jornadas mais longas e
espécies, não experimentam nenhuma sensação horas extras. Os europeus fariam bem em resis-
de perda com o fato de que muitas estão em tir aos chamados das lideranças corporativas que
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pretendem derrubar restrições sobre o horário de integrantes, vêm surgindo nos últimos anos.
de trabalho e seguir o modelo anglo-americano, E o grande debate sobre a assistência médica
visto que a jornada de trabalho mais curta na nos EUA oferece uma oportunidade para discu-
Europa tem trazido uma qualidade de vida tir as implicações sobre a saúde decorrentes de
melhor que a dos Estados Unidos. uma jornada de trabalho menor. 16
Nos Estados Unidos e outras nações que Desde 2002, a campanha Recupere Seu
têm jornada de trabalho longa, a mudança deve Tempo vem trabalhando para conscientizar os
começar com uma avaliação séria dos custos de americanos sobre os benefícios de jornadas mais
um modo de vida com produção/consumo curtas. Essas atividades incluíram celebrações do
mais elevados – o que alguns hoje denominam Dia Recupere Seu Tempo (24 de outubro) em
“afluência”. Os americanos são os que têm à
cerca de 200 municípios norte-americanos,
frente um percurso mais longo nesse sentido e,
cobertura do assunto em centenas de veículos
assim, talvez a melhor oportunidade de progre-
de comunicação e campanhas por nova legisla-
dir rapidamente. Os Estados Unidos destacam-
se entre as nações industrializadas, e entre a ção, como a Lei de Férias Remuneradas de
maior parte dos demais países, quanto à ausên- 2009, apresentada pelo congressista Alan
cia de leis que assegurem tais direitos de tempo, Grayson, da Flórida. A lei por ele proposta é
como licença-materninade ou licença-família modesta segundo os padrões internacionais –
remuneradas, licença-enfermidade remunerada, oferece apenas uma ou duas semanas de férias
ou férias remuneradas. A licença-maternidade para os trabalhadores de empresas com 50 ou
remunerada, por exemplo, é atualmente assegu- mais empregados. Mas ela seria uma “primeira
rada em todos os lugares, exceto nos Estados parcela” de futuros aperfeiçoamentos e intensi-
Unidos, Suazilândia, Libéria, e Papua-Nova ficaria a exposição do problema nos meios de
Guiné. Muitos imigrantes nos Estados Unidos comunicação. A discussão sobre férias remune-
ficam chocados com o baixo grau de proteção radas – a epítome da legislação sobre lazer –
oferecido aos trabalhadores americanos, em par- pode ajudar a dar destaque ao problema mais
ticular no que diz respeito ao direito de tempo. abrangente da escassez de tempo dos america-
Os projetos de lei que hoje tramitam no nos e seus impactos sociais e ecológicos. 17
Congresso americano poderiam corrigir algu- Em seu discurso de posse, o presidente
mas dessas deficiências, porém, forças poderosas Barack Obama reverenciou os trabalhadores que
estão se organizando contra isso. O lobby das preferiram jornadas de trabalho mais curtas a
empresas opõe-se resolutamente a todas as verem seus colegas de trabalho demitidos.
“diretivas” que restrinjam seu controle absoluto
Porém, pode-se fazer mais. O economista Dean
sobre a jornada de trabalho. 15
Baker propõe que quaisquer novos pacotes
Por outro lado, há motivos para otimismo.
governamentais de estímulo incluam créditos
O movimento pela simplicidade voluntária vem
ajudando muitos americanos a optar por tempo fiscais para as empresas que reduzirem jornada
em vez de dinheiro nos casos em que a opção é de trabalho adotando semanas de trabalho mais
realmente deles e não prerrogativa única de seus curtas, licença-família ou licença-enfermidade,
empregadores. Os líderes desse movimento ou período de férias mais longo sem redução
entendem que fazer essas mudanças não envol- proporcional na remuneração e benefícios dos
ve apenas uma ação voluntária, e sim que ele trabalhadores. Apesar de temporários, esses fun-
pode ser amparado por políticas progressistas. dos de transição, que reduzem o sacrifício eco-
Organizações sólidas que defendem um melhor nômico a curto prazo, possibilitariam aos traba-
equilíbrio entre a vida de trabalho e a vida pes- lhadores enxergar o valor de mais tempo de
soal, como o grupo MomsRising, com 1 milhão lazer e menos tempo de trabalho. 18
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A simplicidade voluntária é uma antiga filosofia diz o teólogo Abraham Heschel: “A tarefa mais
que prega o afastamento da busca por dinheiro, urgente é destruir o mito de que o acúmulo de
posses e ganância para que se viva mais profun- riqueza e a obtenção de conforto são as voca-
da e plenamente – limitando a riqueza exterior ções primordiais do homem”. 2
em troca de maior riqueza interior. Os filósofos
têm encarado a simplicidade como um compo-
nente central da “vida boa”, argumentando que
Níveis de Simplicidade
a busca por riqueza desvia as pessoas de coisas
O tema da simplicidade é complexo, tendo,
mais importantes, sendo que em boa parte da
ao menos, três níveis – prático, filosófico e de
história da humanidade foi também um ideal
política pública. Em primeiro lugar, temos o
religioso e espiritual personificado em pessoas
como São Francisco de Assis e Gandhi. Hoje, a nível prático: cortar e consumir menos. As pes-
simplicidade voluntária tornou-se um movimen- soas limitam o consumo por motivos variados –
to pela sustentabilidade e felicidade em uma para desfazer-se de bagunça, reduzir ou evitar
sociedade pós-consumo. 1 dívidas, garantir poupança, conceder-se traba-
Os ambientalistas vêm demonstrando o lhar menos, ou proteger o planeta. Mas focalizar
malefício causado ao planeta pelo consumismo, apenas motivos banais não funciona a longo
e a simplicidade voluntária baseia-se nesses fatos prazo. É como uma dieta: mais cedo ou mais
para criar um movimento de mudança de com- tarde, as pessoas começam a se regalar nova-
portamentos. Trata-se de uma crítica aos valores mente. Assim sendo, para um engajamento mais
do consumismo: a crença de que o dinheiro é a profundo é necessário entender que menos con-
medida de todas as coisas; a prática de usar as sumo pode trazer mais realização: mais tempo
pessoas e o próprio planeta para benefício pes- para se relacionar com outros, mais tempo para
soal; a competitividade que coloca as pessoas em usufruir a natureza, mais satisfação, segurança e
antagonismo e a aceitação de valores impessoais, equilíbrio. Assim, a simplicidade duradoura
estéreis, autoritários e irresponsáveis. No lugar deve avançar para um segundo nível, numa pers-
de todos eles, a simplicidade voluntária prega pectiva filosófica que questione o que é impor-
afeto e espírito comunitário. Acima de tudo, é tante e o que de fato faz diferença. Nesse pata-
um desafio à filosofia dominante sobre dinheiro, mar, a simplicidade voluntária passa a ser um
encontrada na maioria das sociedades. Como modo de vida que indaga sobre a consequência
Cecile Andrews é autora de Less is More, Slow is Beautiful e de Circle of Simplicity. Wanda Urbanska é escrito-
ra, produtora e apresentadora de Vida Simples, com Wanda Urbanska, o primeiro seriado nacional americano,
veiculado em canais independentes, que se dedica a promover um modo de vida simples e sustentável.
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dos comportamentos para o bem-estar das pes- Talvez a mudança mais primordial no âmbi-
soas e do planeta. De fato, pode-se argumentar to de políticas seja quanto à desigualdade da
que o consumo se transforma em um hábito riqueza. O maior elemento de prognóstico da
para as pessoas porque elas não param para pen- saúde de uma nação, medido em termos de lon-
sar e fazer escolhas com base em seus próprios gevidade, é a disparidade entre ricos e pobres. O
melhores interesses. Em uma sociedade que tem ponto não é apenas que a saúde dos pobres
pressa, as pessoas fazem o que é mais fácil – o empurra a média para baixo – todos são afetados
que muitas vezes é o que as corporações querem porque a desigualdade atinge a coesão social.
que elas façam. Richard Wilkinson, autor de inúmeros livros
No nível filosófico da simplicidade, as pes- sobre a disparidade da riqueza, mostra como o
soas descartam aquilo que não é essencial para peso da desigualdade desestabiliza a saúde e
terem tempo para aquilo que é. Em particular, estimula o consumo. Em uma sociedade preo-
exploram a ideia da “vida boa” e a natureza da cupada com status, é altamente desgastante
felicidade. Conforme constatado por pesquisa- quando respeito e dignidade são negados às pes-
soas, e o desgaste faz com que estas adoeçam.
dores como Tim Kasser, autor de The High
Além disso, a desigualdade contribui para o
Price of Materialism, depois de um certo ponto,
consumismo: em uma sociedade desigual, as
mais dinheiro não faz as pessoas mais felizes.
pessoas usam posses materiais para encontrar
Sim, é necessário um certo nível de dinheiro,
seu espaço na escalada do status. Em The Spirit
mas a ânsia por mais faz com que se ignorem Level: Why More Equal Societies Almost Always
coisas importantes como amigos, família e Do Better, Wilkinson e Kate Pickett mostram
comunidade. Contar com relacionamentos como a desigualdade da riqueza afeta a vida
compreensivos é o que faz as pessoas felizes. comunitária, a saúde mental e os níveis de vio-
Assim, todos devem despertar para o entendi- lência, dentre outros aspectos, sendo que todos
mento de que a simplicidade voluntária não é esses fatores dificultam viver de um modo sim-
um sacrifício. Trata-se da expansão de um bene- ples e alcançar a felicidade. 4
fício pessoal, maior satisfação e realização na
vida – e tudo isso como uma pegada ecológica
menor. Traz a ideia de que “menos é mais” –
Motivando Mudança
mais segurança, mais tranquilidade, mais alegria,
Como motivamos as pessoas a começarem a
mais felicidade. 3
reduzir o consumismo e agir pela mudança?
Por fim, no nível de política pública, a ques-
Antes de mais nada, alguns serão sensibilizados
tão é “menos é mais” para todos. Embora os por informações. Conhecer os fatos amargos
indivíduos consigam efetuar mudanças em seu sobre a mudança climática irá motivá-los a
comportamento e viver de modo mais simples, mudar. Mas para outros, é necessário mais. O
poucos conseguem viver uma vida realmente linguista de Berkeley George Lakoff diz que
simples nas sociedades industrializadas ociden- quase sempre os agentes de mudanças se ampa-
tais. Durante muito tempo, o movimento pela ram em informações e fatos – mas isso não é
simplicidade focalizou essencialmente a mudan- suficiente. É importante mobilizar empatia e
ça individual. Está na hora de avançar para uma afeto, e o movimento pela simplicidade faz isso
defesa mais ampla de mudança em políticas se amparando na convicção e experiência de
públicas. Para que todos possam viver de um comunidades satisfeitas. 5
modo simples, a sociedade precisa de políticas O movimento pela simplicidade voluntária
públicas que ofereçam assistência à saúde, férias, apresenta uma concepção da vida boa, uma vida
licença-maternidade e redução da jornada de baseada em vínculo, afeto e o bem comum. Em
trabalho. um texto para The Nation, o autor ambientalista
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Bill McKibben disse: “De fato, o único modo de Enquanto o círculo de estudos é um peque-
atravessar a transição será com um entendimento no grupo de seis a oito integrantes, outras for-
renovado sobre espírito comunitário. O veneno mas comunitárias são mais amplas. Iniciativas
real das últimas décadas foi o hiperindividualismo como a coabitação e ecovilas, por exemplo, con-
que deixamos que dominasse nossa vida política – vidam as pessoas a viver em um novo contexto.
a ideia de que tudo funciona melhor se não pen- Ao mesmo tempo, cada vez mais gente está tra-
sarmos nem um pouquinho sobre o interesse balhando para transformar sua própria vizinhan-
comum. No final, isso arruinou nossa sociedade, ça em locais que promovam sustentabilidade e
nosso clima e nossa vida particular. A esperança vida comunitária. Aquilo que começou nos
final que temos é o ressurgimento de uma políti- Estados Unidos como movimento de “relocali-
ca que nos convoque a trabalhar juntos”. 6 zação” hoje integra o movimento Cidade em
O foco na comunidade assume diversas for- Transição, cuja raiz está no Reino Unido e que
mas no movimento pela simplicidade: o círculo agora se propaga no mundo todo. (Veja Quadro
de estudos, coabitação, ecovilas e o movimento 22). Em agosto de 2009, praticamente 200
de “relocalização” [relocation] ou Cidades em comunidades foram reconhecidas como Cidades
Transição. Naturalmente, nem todas essas ini- em Transição de fato no Reino Unido, Irlanda,
ciativas são autointituladas “simplicidade”, mas Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Itália e Chile.
a maioria das pessoas nelas envolvidas estão ten- 8
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Pressa], como descrito em In Praise of Slowness, “vida examinada”, que ajuda as pessoas a deter-
de Carl Honore. O movimento Slow Food, fun- minar o que é importante e o que, de fato, faz
dado na Itália, incentiva as pessoas a apoiar o ali- diferença. 12
mento orgânico local (Veja Quadro 23). Ele Como observa Robert Putnam, autor de
apoia o cultivo que nutre o planeta ao mesmo Bowling Alone, a cultura em que as pessoas con-
tempo em que promove justiça, chamando versam com o vizinho do lado é aquela que elas
atenção para as práticas das grandes corpora- preferem. Quando as pessoas estão envolvidas
ções. O movimento Cittaslow afirma que sua em suas comunidades locais, conversam e, de
finalidade é resistir ao “mundo agitado e homo- modo geral, estão mais envolvidas com as polí-
geneizado que vemos com tanta frequência em ticas públicas, quase sempre tentando impedir
outras cidades do mundo todo”; ele apoia con- ações intrusivas em seus bairros. Assim, o movi-
sumo de alimentos e uso de artesanato locais, mento nos bairros é importante de muitas
bem como menor uso de carros, e é a favor da maneiras. No fim das contas, conversas e envol-
criação de áreas para as pessoas relaxarem e des- vimento com outros ajudam as pessoas a trans-
frutarem. 10 formar a cultura de “lobo solitário” e perceber
Nos Estados Unidos, o movimento Slow que a verdadeira segurança não está na riqueza
tornou-se parte do movimento pela simplicida- material, e sim nas pessoas. 13
de, incentivando as pessoas a viver de modo Em seu novo livro, Meeting Environmental
pleno, explorando e retomando a antiga ideia de Challenges: The Role of Human Identity, Tim
lazer. As pessoas estão começando a encontrar Kasser e Tom Crompton argumentam ser
formas de recuperar o próprio tempo para cami- importante focalizar estratégias que inspirem as
nhar mais, conversar com vizinhos, passar mais pessoas a se afastar de valores materialistas. Eles
tempo no bairro. Os defensores da vida sem sustentam que focalizar o medo – através de
pressa estão envolvidos na campanha Recupere advertências drásticas sobre o meio ambiente –
Seu Tempo, um projeto para levar alguns dos pode levar as pessoas a consumir, como forma
programas trabalhistas europeus para os Estados de comportamento compensatório, e citam os
Unidos. Sem dúvida, sem uma jornada de traba- círculos da simplicidade como um modo de ofe-
lho mais curta, mais férias, licença-maternidade recer apoio social que resgata valores mais trans-
e licença-enfermidade fica difícil viver de um cendentais de cuidado e preocupação. 14
modo simples. 11 Uma outra forma de despertar sentimentos
Constituir comunidades é central para inspi- que evoquem esperança, e não medo, é através
rar as pessoas a viver de modo mais simples. E é das histórias pessoais. As pessoas ficam interessa-
importante enxergar que esse enfoque tem das na simplicidade voluntária quando leem ou
implicações para a democracia – a única forma ouvem uma história com a qual se identificam.
de arrancar o poder das corporações, que é a A história geralmente é assim: um funcionário
força por trás do consumismo. Robert de uma empresa está estressado, doente e depri-
Wuthnow, em American Mythos, faz um apelo mido, por isso ele consome menos, sai do
por mais “democracia reflexiva”, isto é, oportu- emprego, muda para uma casa menor, encontra
nidades para conversar sobre valores e ideais ele- trabalho mais satisfatório, reduz a jornada de
mentares. Ele argumenta que, no discurso trabalho, planta um jardim e começa a trabalhar
democrático usual, as pessoas não conseguem ir com o centro comunitário local. As pessoas
além da ideia do “cidadão informado” — enxergam-se nessas histórias e começam a per-
alguém que participa de discussões sobre assun- ceber que seu desejo de ter cada vez mais –
tos atuais — quando precisariam também refle- dinheiro, status – não as fará felizes. Elas desper-
tir sobre valores e premissas elementares. tam do feitiço das falsas promessas do consumis-
Naturalmente, a simplicidade voluntária é a mo e começam a busca por um caminho
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melhor. Uma história sobre mudança para um Uma iniciativa para usar histórias como essa é
modo de vida mais simples mas com mais quali- o seriado norte-americano veiculado em televisão
dade pode, talvez, contribuir para a mudança do pública chamado Vida Simples, com Wanda
consumo tanto quanto 10 fatos sobre mudança Urbanska. Em vez de se sentir constrangido a
climática. mudar em função de advertências e imagens de
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tura de frequentar cafés, pedalar e caminhar. sociedade, inspirá-las e motivá-las a estar mais
Um movimento semelhante intitulado “conser- envolvidas em esforços para uma mudança
to da cidade” começou em Portland, Oregon, e, social, mobilizando empatia, afeto e vínculo.
através dele, as pessoas estão “retomando” as Quando as pessoas se envolvem com outros,
ruas de seus bairros, pintando desenhos nos cru- perdem o desejo de consumir porque encon-
zamentos, levando cadeiras de jardim para as tram um modo de vida novo e mais satisfatório.
ruas, criando bancos feitos com fardos de palha A simplicidade voluntária, portanto é ao mesmo
e armando murais nas esquinas, tudo isso com o tempo uma prática, uma filosofia e um método
intuito de aproximar as pessoas. 19 de mudança social que pode ajudar a transfor-
A meta é não apenas levar as pessoas a con- mar culturas de consumo, ajudando todos a
sumir menos, mas também construir uma nova entender que “menos é mais”.
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Ecovilas e a
Transformação de Valores
Jonathan Dawson
Tsewang Lden e Dolma Tsering, anciãs de bro fundador da Rede Global de Ecovilas
Ladakhi, são filmadas em um asilo para idosos (GEN), uma organização de suporte a ecovilas
em Londres, discrepantes em seu traje típico que inclui alguns dos experimentos inovadores
tradicional elegante e colorido. Elas observam em um modo de vida pós-consumista e centra-
chocadas uma senhora de idade inglesa, sozinha do na comunidade, hoje na dianteira dessa onda
em uma sala branca insípida, e tão absorta dian- de experiências. 2
te de uma televisão, que mal notou a entrada A definição de ecovilas usualmente aceita,
das mulheres. As mulheres de Ladakhi jamais formulada em 1991 pelo editor de In Context,
haviam visto algo assim antes. Na província do Robert Gilman, é “assentamentos multifuncio-
norte da Índia onde moram, os idosos estão nais dimensionados para a vida humana onde as
integrados à família e são considerados anciãos atividades do homem estão integradas harmo-
sábios e virtuosos. 1 niosamente à natureza, de uma forma sustentá-
Lden e Tsering estavam participando de um vel para o desenvolvimento humano saudável, e
“Reality Tour” organizado pelo Projeto são capazes de persistir com êxito por tempo
Ladakh, cuja finalidade era permitir a pequenos indeterminado”. 3
grupos de mulheres de Ladakhi visitar países Hoje, essa rede global contém uma aliança
ocidentais onde poderiam ver por si mesmas a interessante e inovadora entre comunidades
realidade da vida no Ocidente – boa e ruim– intencionais cuja ênfase recai fortemente sobre
inclusive a desestruturação comunitária, solidão sustentabilidade (de modo geral, mas não
e violência. Os organizadores esperam que isso exclusivamente, localizadas no mundo indus-
fortaleça a autoconfiança cultural, ajude os habi- trializado), e redes de comunidades tradicio-
tantes de Ladakhi a valorizar os muitos elemen- nais em países em desenvolvimento.
tos positivos de sua cultura e mostre o lado Comunidades intencionais são aquelas consti-
negro da tendência cultural globalmente domi- tuídas propositadamente com base em valores
nante hoje, o consumismo, tão raramente apre- e objetivos específicos, sendo que hoje em dia,
sentado nos meios de comunicação globais. seu maior foco está em alguma das dimensões
O que está acontecendo nesse caso é um da sustentabilidade, e elas se autodenominam
pequeno exemplo de um questionamento ecovilas. As comunidades em países em desen-
muito mais abrangente dos valores subjacentes à volvimento que são membro da GEN procu-
cultura consumista e uma investigação do que ram manter seus valores tradicionais e diversi-
poderia substituí-los. O Projeto Ladakh é mem- dade cultural e recuperar maior controle de
Jonathan Dawson é educador e autor na área de sustentabilidade e reside na ecovila Findhorn, na Escócia.
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seu destino político, apesar da pressão desen- produção material? As ecovilas servem de locais
cadeada pela globalização econômica. de pesquisa, treinamento e demonstração para
Os projetos mais visíveis e tangíveis nas eco- essa proposta.
vilas tendem a ser aqueles referentes a tecnolo- A tentativa de desvincular crescimento e acú-
gia e desenvolvimento de sistemas alternativos mulo de bens materiais de bem-estar está no
de vários tipos. A maioria dos que visitam pela âmago do conceito das ecovilas. Os baixos
primeira vez uma ecovila está procurando níveis de consumo que em geral ocorrem nas
conhecer a moradia ecológica, sistemas biológi- ecovilas resultam, em parte, do projeto de seus
cos para tratamento de águas residuais, tecnolo- sistemas que buscam reduzir o uso intensivo de
gias de energia renovável, moedas comunitárias energia e materiais e, em parte, porque, ao
e coisas semelhantes. rechaçarem a economia global em vários níveis,
Nem tão óbvia, mas possivelmente até mais elas abrem mão de oportunidades de maximiza-
significativa, é a contribuição das ecovilas para ção da renda.
uma transformação radical de valores e cons- Diversos estudos recentes confirmam que o
ciência. As ecovilas estão engajadas na transfor- impacto ecológico das ecovilas é significativa-
mação de valores, com base em quatro pilares mente menor do que o da média das comunida-
que fazem com que a transição para a sustenta- des convencionais. Um estudo de 2003 realizado
bilidade seja facilitada e atrativa: pela Universidade de Kassel examinou emissões
• desvincular crescimento de bem-estar, de dióxido de carbono associadas a duas ecovilas
• reaproximar as pessoas do lugar onde vivem, na Alemanha, constatando que as emissões per
• afirmar valores e práticas nativos, e capita das ecovilas Sieben Linden e Kommune
• propor uma ética educacional holística e Niederkufungen foram 28% e 42%, respectiva-
experimental. mente, da média alemã. Sieben Linden saiu-se
especialmente bem nas áreas de aquecimento e
moradia: em virtude de geração de energia reno-
Desvinculando Crescimento de vável e uso de materiais de construção e isolantes
Bem-Estar de alta eficiência, a comunidade registrou níveis
de emissão de apenas 10% e 6%, respectivamente,
Nos últimos anos, vem aumentando cada da média nacional. 4
vez mais a consciência sobre a inadequação do Dois estudos de consumo de energia na eco-
produto interno bruto como medida da verda- vila Ithaca, no norte do estado de Nova York –
deira riqueza, porque esse parâmetro focaliza um deles conduzido pela Universidade de
exclusivamente a formação do capital econômi- Cornell e outro pelo Massachusetts Institute of
co, sem nenhuma referência a outras formas de Technology – verificaram que o consumo da
capital – a saúde e biodiversidade dos ambientes comunidade era mais de 40 % inferior ao da
naturais, a força das comunidades e o bem-estar média norte-americana. E um estudo conduzi-
e felicidade das pessoas. Como seria o jeito de do pelo Stockholm Environment Institute cons-
uma sociedade que desenvolvesse de modo tatou que a ecovila Findhorn, na Escócia, tem
consciente várias formas de capital de modo uma pegada ecológica por pessoa pouco acima
mais equilibrado e integrado? Será que as comu- da metade da média do Reino Unido, a pegada
nidades – na verdade, sociedades inteiras – mais baixa registrada para qualquer assentamen-
poderiam aprender a substituir riqueza econô- to no mundo industrializado. Os residentes de
mica por outras formas de capital, demonstran- Findhorn atingiram uma pegada especialmente
do como se pode manter, ou mesmo aprimorar, baixa nas áreas de aquecimento doméstico e ali-
a qualidade de vida ao mesmo tempo em que se mentos – 21,5% e 37% por pessoa, respectiva-
reduz substancialmente o consumo e volume de mente, da média nacional. 5
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Há evidências informais significativas de que var boa parte de seus alimentos, por exemplo,
a qualidade de vida nas ecovilas é, de modo envolve os membros da comunidade em um tra-
geral, superior – certamente muito superior ao balho cooperativo, de um modo que fortalece
que se poderia esperar de comunidades que fun- relações e forja e alimenta uma percepção de
cionam com baixos níveis de renda. As evidên- conexão com a terra.
cias informais foram reforçadas por um estudo Vários outros elementos característicos do
de 2006 que comparou a contribuição do capi- projeto pensados para diminuição de pegadas–
tal humano, social, natural e construído com a preparar e fazer as refeições juntos, organizar
qualidade de vida em 30 comunidades intencio- caronas, usar infraestrutura de energia renovável
nais na cidade de Burlington,
Vermont, que fazem uso disso.
O estudo constatou que a quali-
dade de vida era ligeiramente
superior nas comunidades inten-
cionais, apesar de as rendas
médias serem significativamente
mais baixas, devido a um maior
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sos dias. Em particular, seu papel tem sido Uma Ética Educacional Holística e
devastador na desestabilização da autoconfiança Experimental
cultural de grupos excluídos da classe de consu-
mo global. Consequentemente, uma importan- Algo extraordinário aconteceu na última
te dimensão da mudança de valor necessária à década entre as ecovilas e a sociedade dominan-
transição para uma sociedade mundial sustentá- te da qual surgiram como alternativa. Como a
vel reside na exaltação da diversidade das cultu- interligação das crises econômica, ecológica e
ras humanas, incentivando cada uma delas a social se aprofundou, as diversas experiências
valorizar e se orgulhar de suas diferenças. conduzidas pelas ecovilas estão agora tendo sua
As redes de ecovilas nos países em desenvol- relevância cada vez mais reconhecida por setores
vimento tendem a ser bastante ativas nesse bem mais amplos do que simples radicais à mar-
aspecto. As atividades com os novos grupos gem do sistema. Uma das principais maneiras de
priorizam, de modo geral, a criação de autocon- envolvimento nos valores e modelos por elas
fiança e valorização dos pontos fortes e conquis- criados é através da educação.
tas das comunidades. As diversas plataformas educacionais desen-
volvidas nas ecovilas refletem o cerne da ética
O grupo não-governamental Sarvodaya, do
das próprias comunidades no sentido de serem
Sri Lanka, membro fundador da GEN, trabalha
holísticas – explorando a interdependência e as
com 15.000 comunidades em toda a ilha. Eles
relações entre problemas e temas que normal-
desenvolveram uma metodologia de assistência à mente são considerados independentes em con-
comunidade que começa com um programa de textos mais convencionais – e experimentais,
participação cidadã, que abarca um forte elemen- isso significando que envolvem todas as compe-
to de ação social e espiritual, incluindo meditação, tências daqueles que estão no processo de
respeito cultural, pacificação e mediação de confli- aprendizagem – mente, coração e mãos.
to. Apenas quando esse fundamento for construí- Nesse sentido, a educação nas ecovilas pode
do é que se pode dar início a um trabalho mais ser encarada como parte da tendência mais
tangível de participação econômica e desenvolvi- ampla rumo à educação ambiental que se baseia
mento de infraestrutura física. 11 no pensamento sistêmico. O fator distintivo no
O Projeto Ladakh, na Índia, de modo análo- modelo educacional das ecovilas é o fato de a
go coloca bastante ênfase na criação de auto- experiência educacional ter desdobramentos no
confiança cultural. O projeto ajudou a construir contexto de uma experiência viva, traduzindo os
a Aliança das Mulheres de Ladakh (WAL), uma valores do pós-consumismo em uma trama de
rede de mais de 6.000 mulheres de quase 100 uma comunidade sustentável. A imersão nesses
vilas distintas, com o duplo objetivo de melho- laboratórios experimentais pode gerar uma pro-
funda transformação nos estudantes, porque
rar a condição das mulheres de áreas rurais e for-
eles vivenciam de forma muito tangível a relação
talecer a cultura e agricultura locais. Alguns dos
dinâmica entre valores, modo de vida e estrutu-
programas mais criativos iniciados pela WAL são
ras comunitárias. 13
as Semanas sem TV, cuja meta é incentivar as Diversas iniciativas educacionais baseadas
pessoas a resistir à ética consumista, os festivais nas ecovilas vêm pipocando nos últimos dez
anuais de celebração de conhecimentos e habili- anos. O Centro de Treinamento em Ecovilas em
dades locais, inclusive a arte tradicional de fiar, The Farm, no Tennessee, o Centro de Ecologia
tecer e tingir, a preparação de comida nativa e os Criativa do Kibbutz Lotan, em Israel, e as
“Reality Tours” que colocaram Tsewang Lden e Soluções Ecológicas em Crystal Waters, na
Dolma Tsering cara a cara com a realidade da Austrália são três dentre os muitos centros ao
vida dos idosos em um país industrializado. 12 redor do mundo cujos cursos nas várias dimen-
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F França
assistência à saúde na, 150-152
Facebook, 162, 167, 178
brincadeiras infantis na, 65
faculdades de administração e ensino superior, 82
educação para a mídia na, 173
Fageda, La, 110
empreendedorismo social na, 110
famílias jornada de trabalho na, 97
como educadores, 62 movimento por décroissance
vida reprodutiva, ambientalmente (decrescimento) na, 197
sustentável, 38–42 projeto de Turismo Sustentável, 129
Farm Aid, 183 Processo Marrakech, , 128
Farm, The, Tennessee, 204 publicidade dirigida a crianças na, 69
fast food/junk food, 9, 14, 151 Frank, Robert, 135
felicidade Frau-Meigs, Divina, 174
Butão, “felicidade nacional bruta” Free Range Studios, 20
“freiras verdes”, 25
medidas em, 85
Freire, Paulo, 195
em culturas de consumo, 8, 9, 10, 13, 27,
Fuglesang, Andreas, 44
44, 66, 129, 170 Fundação Gaia, 156, 160
jornada de trabalho e, 189 Fundação Schwab, 112
preceitos religiosos referentes a, 27, 30 Fundo Comunitário de Defesa Ambiental, 154,
simplicidade voluntária e, 193 157–159
fertilidade, controlando, 38–42 fundos de bens comuns, 94
festivais e celebrações, 33-36, 181, 188 Fundo Acumen, 112
Festival de Glastonbury, 182 funerais, 33
Festival de Música de Ojai, 183 funerais verdes, 34
Festival de Roskilde, 182
Festival Ganesh Chathauri, 33–34
G
G8 ambiental, 166
Festival High Sierra Music, 183
Gana, 32, 46, 44–78, 85
Fiji, 66 gases de efeito estufa. Veja emissões de carbono
finanças. Veja economia Gates, Bill, 112
financiamento. Veja economia Gauntlett, David, 176
Findhorn, ecovila, Escócia, 202-206 Gaye, Marvin, 178
Finlândia, 129, 151, 173 Gehl, Jan, 199
Flickr, 168 Geldof, Bob, 181
Florida, Richard, 121 Geller, Scott, 167
fontes alternativas de energia. Veja também George Mason University Center for Climate
conservação de energia Change Communication, 167
Ger, Güliz, 10
opções de geração de eletricidade na
Gilman, Robert, 201
Califórnia, 132
Global Footprint Network, 187
projeto do berço ao berço e, 113 Global Giving, 112
shows e festivais de música, promovendo, globalização
183 idosos e, 43, 44, 45
Food Inc. (filme), 51 marketing dirigido a crianças e, 66
Forrester, Jay, 91 Goleman, Dan, 134
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Q resíduos plásticos, 18
Quebec (Canadá), publicidade dirigida a crianças Restaurante Repolhos e Preservativos (Tailândia),
no, 69 18, 112, 116
Quênia, 160 Revolução Francesa, 11
Revolução Verde, 52
R Richie, Lionel, 182
rádio e televisão. Veja mídia rituais e tabus, 21, 27, 31–37
Raffi, 181 Rodale Institute, 53
Rainforest Action Network, 105 Rodin, Judith, 84
Raitt, Bonnie, 183 rotulagem de produto, 132, 134, 135
Ramadã verde, 36 Rousseau, Jean-Jacques, 79
Rapanui, Ilha de Páscoa, 22 Rugmark, 114
Rappaport, Roy, 32 Ruhm, Christopher, 187
Rede de Empresas Sustentáveis da Grande Rússia, 41, 173, 204
Filadélfia, 123
Rede de Segurança Humana, 138 S
Rede Global de Ecovilas, 201 Sabido, Miguel, 166
Reino Unido Sagan, Carl, 26
BedZED, 143, 146 Sample Lab Ltd., 12
Cidades em Transição no, 197 Santa Lúcia, 41
cultura de consumo no, 9, 10, 13 Sarvodaya, 205
direitos da Terra no, 159 saúde, 117–18, 138–42
ecovilas no, 202, 203, 204, 206 colapso financeiro global (2008) e, 173
educação para a mídia no, 173, 176 dieta. Veja alimentos/alimentação
empreendedorismo social no, 110, 111, 114 diplomacia, como forma de, 132
ensino universitário no, 83, 84 em culturas de consumo, 9, 17
enterros ecológicos no, 34 foco em promover a saúde versus curar
jejum de carbono no, 36 doenças, 117–18, 138–40
ingerência nas escolhas no, 133 malefício de doenças, questões de
imposto londrino sobre uso de carro, 133 segurança relativas a, 128
projeto de Produto Sustentável, Processo marketing social em, 152–54
Marrakech, 128-129 mutilação genital feminina, 45–46
publicidade dirigida a crianças no, 69 programas de bem-estar social,
refeições no, 74 sustentabilidade de, 141
TravelSmart, 146 sistemas de saúde ecologicamente
relação homem/natureza, estimulando, 60 corretos, 140–42
religião. Veja também crenças específicas vida reprodutiva, ecologicamente
apoio da, para culturas sustentáveis, sustentável, 21, 36–40
21, 23–30 Sawtell, Peter, 36
Bíblias Verdes, 20 Schumacher College (Devon, U.K.), 84
culturas de consumo, papel em, 20, Scott, Lee, 105, 106
25–27, 30 Second Nature, 84
rituais e tabus, 21, 27, 31–37 Sekem, 112, 114
tamanho da família e, 42 Semana da TV Desligada, 36
Religião, Ciência e Meio Ambiente, 25 Senegal, 43, 44, 45, 47, 48
República Democrática do Congo, 141 7 Rs, 61
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