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FACULDADES CATHEDRAL

CURSO DE DIREITO

SHIRLENE RODRIGUES DA SILVA FRAXE

PENAS ALTERNATIVAS COMO INSTRUMENTO DE POLÍTICA


PÚBLICA NA PREVENÇÃO CRIMINAL NO ESTADO DE RORAIMA

BOA VISTA – RR
MAIO DE 2008
SHIRLENE RODRIGUES DA SILVA FRAXE

PENAS ALTERNATIVAS COMO INSTRUMENTO DE POLÍTICA PÚBLICA NA


PREVENÇÃO CRIMINAL NO ESTADO DE RORAIMA

Monografia apresentada ao Curso de Direito


da Faculdade de Direito de Boa Vista, como
requisito parcial à obtenção do título de
Bacharel em Direito.

BOA VISTA – RR
3

MAIO DE 2008

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________
Profª Denise Menezes Gomes

_______________________________________
Prof. Tertuliano Rosenthal Figueiredo

_______________________________________
(membro)
AGRADECIMENTO

Agradeço, primeiramente ao nosso Senhor Jesus Cristo, por sempre estar presente em
minha vida, guiando-me, orientando-me, motivando-me e proporcionando-me saúde, luz e
sabedoria para compreendê-lo quando fala comigo;
aos meus pais, pela minha existência, pelo apoio e carinho que me dispensaram para
continuidade desta relevante trajetória;
ao meu esposo e filho pelo companheirismo e incentivo dispensado por todo esse
período;
aos meus familiares pelo apoio e confiança que dispensaram a mim;
aos amigos incansáveis que me incentivaram na continuidade dessa caminhada;
ao amigo Flávio Augusto Fontes que com o seu carinho, respeito e sensibilidade me
incentivou cursar Direito;
a minha orientadora, Profª Denise Menezes Gomes, pelo carinho dispensado ao longo da
construção deste trabalho;
a todos os membros da Comissão Nacional de Penas Alternativas, na pessoa da Drª
Márcia Alencar pela confiança e apoio que sempre depositaram na minha pessoa;
ao meu chefe e colegas de trabalho pela compreensão e apoio dispensado.
5

“... Punir no sistema penal


moderno significa educar,
recuperar e reinserir ao meio
social”.

Nazaré Gouveia
Desembargadora TJE-PA
RESUMO

A questão não é mais se as penas e medidas alternativas são eficazes. A aplicação nacional e
internacional demonstra que sim, isto é, que as políticas públicas podem contribuir para o
efetivo monitoramento desse instituto penal. É no sentido de demonstrar a necessidade da
interação entre os poderes e a sociedade civil organizada em prol da efetiva execução das
PMAs no Brasil que se defende o tema Penas alternativas como instrumento de política
pública na prevenção criminal no Estado de Roraima, o que já vem sendo trabalhado em
alguns estados, como demonstrado no III CONEPA, ocorrido no final de 2007. Indica-se o
Poder Executivo como imprescindível na estruturação e monitoramento das PMAs, o que
contribuirá para a inclusão social dos beneficiários desse instituto penal e, conseqüentemente,
na prevenção criminal.

Palavras-chave: penas e medidas alternativas, política pública, instituto penal, delinqüente,


beneficiário, prevenção criminal, monitoramento, inclusão social.
10

ABSTRACT

The question is no longer whether the penalties and alternative measures are effective - to
apply national and international shows that yes - but how public policies can contribute to the
effective monitoring of criminal institute. It is to demonstrate the necessity of interaction
between the powers and civil society towards the effective implementation of the PMAs in
Brazil which supports the theme Feathers alternatives as an instrument of public policy in
crime prevention, which is already being worked in some states, as demonstrated in CONEPA
III, which occurred at the end of 2007. It indicates to the Executive as essential in structuring
and monitoring of the PMAs, which will contribute to social inclusion of the beneficiaries of
this institute criminal and, consequently, in crime prevention.

Keywords: penalties and alternative measures, public policy institute criminal, delinquent,
beneficiary, crime prevention, monitoring, social inclusion.
ABREVIATURAS

CADIN Cadastro de Inadimplência


CEAPA Central de Apoio e Acompanhamento a Penas Alternativas
CGPMA Coordenação Geral do Programa de Fomento às Penas e
Medidas Alternativas

CENAPA Central Nacional de Apoio e Acompanhamento às Penas e


Medidas Alternativa

CONAPA Comissão Nacional de Penas e Medidas Alternativas


CRPH Centro de Recuperação e Promoção Humana
DEPEN Departamento Penitenciário Nacional

EJA Educação de Jovens e Adultos


FUNPEN Fundo Penitenciário Nacional

ILANUD Instituto Latino Americano das Nações Unidas para Prevenção


do Delito e Tratamento do Delinqüente

OEA Organização dos Estados Americanos


ONU Organização das Nações Unidas
PMAs Penas e Medidas Alternativas
PNPCP Programa Nacional de Apoio às Penas Alternativas como
diretriz do Conselho Nacional Política Criminal e Penitenciária
PSC Prestação de serviço a comunidade
SEDS Secretaria de Estado e Defesa Social
SEVEC Seção Psicossocial da Vara de Execuções Criminais
TJDFT Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios
VEC Vara de Execuções Criminais
12

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...................................................................................................................................................11
1 Histórico das Penas...........................................................................................................................................13
1.1 Penas no Brasil................................................................................................................15
1.1.1 Código Criminal do Império do Brasil....................................................................16
1.1.2 Código Penal da República......................................................................................17
1.1.3 Código Penal de 1940..............................................................................................18
1.1.4 Reforma da parte geral do Código Penal, em 1984.................................................19
1.2 Situação atual da pena de prisão.....................................................................................21
2 Penas alternativas à prisão ...............................................................................................................................24
2.1 No Direito Comparado....................................................................................................25
2.1.1 Mundo árabe............................................................................................................26
2.1.2 Japão.........................................................................................................................26
2.1.3 Alemanha.................................................................................................................26
2.1.4 Canadá......................................................................................................................27
2.1.5 Espanha....................................................................................................................27
2.1.6 França.......................................................................................................................27
2.1.7 Inglaterra..................................................................................................................28
2.1.8 Portugal....................................................................................................................28
2.1.9 Uruguai.....................................................................................................................28
2.1.10 Venezuela...............................................................................................................29
2.2 No sistema jurídico brasileiro.........................................................................................29
2.2.1 Lei dos Juizados Especiais Criminais (Lei 9.099/95)..............................................30
2.2.2 Lei das Penas Alternativas (Lei nº 9.714/98)...........................................................31
2.2.3 Penas restritivas de direito.......................................................................................32
2.2.3.1 Prestação pecuniária..........................................................................................32
2.2.3.2 Perda de bens e valores.....................................................................................32
2.2.3.3 Prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas...........................33
2.2.3.4 Interdição temporária de direito........................................................................33
2.2.3.5 Limitação de fim de semana.............................................................................34
2.2.3.6 Multa.................................................................................................................35
2.2.3.7 Prestação de outra natureza...............................................................................35
2.3 Penas e medidas alternativas: distinção..........................................................................36
2.4 Experiência das Penas e Medidas Alternativas no Brasil...............................................36
2.5 Pena Alternativa e Pena Privativa de Liberdade – custo – reincidência - retorno..........38
3 POLÍTICA NACIONAL DE FOMENTO àS PENAS E MEDIDAS ALTERNATIVAS...............................41
3.1 Aplicação das penas alternativas no Brasil.....................................................................44
3.2 Penas e Medidas Alternativas a partir da utilização de políticas públicas na prevenção
criminal.................................................................................................................................46
3.2.1 Conceito de política pública.........................................................................................46
3.2.3 Ações voltadas para o desenvolvimento de política pública de inclusão social......52
3.2.4 O papel do Poder Executivo na efetividade das PMAs no Brasil............................54
CONCLUSÃO.....................................................................................................................................................71
REFERÊNCIAS..................................................................................................................................................74
13

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1: Idade do beneficiário – 2001 a 2002 ............................................................ 59


Gráfico 2: Nível de instrução do beneficiário – 2001 a 2002 ........................................... 59
Gráfico 3: Tipo de delito – 2001 a 2002....................................................................... 60
Gráfico 4: Penas e medidas alternativas em execução nos estados brasileiros - Janeiro a
dezembro de 2007.......................................................................................................... 68
14

LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Aplicação e execução de Penas e medidas alternativas no Brasil - Janeiro a


Novembro de 2007..................................................................................................... 36
Quadro 2: Aplicação e execução de Penas e medidas alternativas no Brasil - Janeiro a
Novembro de 2007..................................................................................................... 36
Quadro 3: Aplicação e execução de Penas e medidas alternativas no Brasil - Janeiro a
Novembro de 2007..................................................................................................... 37
Quadro 4: Aplicação e execução de Penas e medidas alternativas no Brasil - Janeiro a
Novembro de 2007..................................................................................................... 37
Quadro 5: Interdisciplinaridade: mundo jurídico e mundo psicossocial.................... 49
11

INTRODUÇÃO

Criar novas modalidades de sanções, no sentido de substituir às que privam os


indivíduos de sua liberdade por outras que privilegiam o caráter educativo das penas é
resultado das diversas contribuições que refletem nas regras internacionais ligadas ao Direito
Penal, considerando-se que o cárcere como castigo, conforme demonstra a história das penas,
não reintegra os indivíduos infratores à sociedade, ao contrário, só traz mais violência a países
como o Brasil, com tantas desigualdades sociais.

Foi na tentativa de encontrar outras formas não só de punir como, preferencialmente,


evitar o crime, que se chegou às penas alternativas. Muito se diz sobre o tema, seus efeitos na
prática, sendo relevante os argumentos favoráveis devido a fatores peculiares às novas
modalidades de penas.

No entanto, a prática demonstra que há muito a se fazer para que a aplicação das penas e
medidas alternativas atinja seu real objetivo: reintegrar os infratores à sociedade, reduzindo-se
a reincidência e evitando o crime.

A escolha da temática abordada no presente estudo tem como ponto de partida a


reflexão e a experiência de quase sete anos, adquirida junto a execução das alternativas penais
à prisão, mais precisamente no atendimento social e no procedimento de monitoramento e
acompanhamento do cumprimento das penas e medidas alternativas na CEAPA/RR, o que
nos permitiu acompanhar todo o processo de instalação, funcionamento e perspectivas de
atingimento dos fins declarados da pena, mormente inserção social dos cumpridores. Fato que
nos trouxe a idéia de que será através da união dos poderes que será possível entender pena
alternativa como política pública em favor da prevenção criminal.

A abordagem do tema Penas alternativas como instrumento de política pública na


prevenção criminal no estado de Roraima objetiva demonstrar o tratamento que vem sendo
dispensado a prevenção criminal nesse Estado a partir das PMAs, desde a instalação da
12

CEAPA até meados de 2008. Para isso, utilizou-se, além da pesquisa bibliográfica, pesquisa
documental e de campo, utilizando-se especialmente a técnica da entrevista para a coleta de
dados com técnicos, operadores do direito e beneficiários das PMAs em Roraima, relevante
para indicar os principais fatores que tem contribuído para a aplicação desse instituto, seus
aspectos positivos e negativos.

O trabalho está organizado em quatro capítulos: 1 – Histórico das penas: demonstra-se a


evolução das penas no Brasil e no mundo; 2 – Penas alternativas: trata das penas alternativas
no direito comparado e no sistema jurídico brasileiro; 3 – Política Nacional de Fomento as
Penas e Medidas Alternativas: aborda a importância do poder executivo federal por meio de
ações próprias na implementação das penas e medidas alternativas através de criações de
CEAPAS nos estados; 4 – Penas alternativas como instrumento de política pública na
prevenção criminal: expõe o objeto do presente tema, indicando a relevância do trabalho
conjunto dos poderes, especialmente Judiciário e Executivo, para a eficácia das penas
alternativas.
13

1 HISTÓRICO DAS PENAS

A pena é conceituada como a imposição da perda ou diminuição de um bem jurídico,


prevista em lei e aplicada pelo órgão judiciário, a quem praticou ilícito penal. Ela tem
finalidade retributiva, preventiva e ressocializadora. Retributiva por impor um mal ao
violador da norma penal. Preventivo por visar evitar a prática de crimes. Ressocializadora por
objetivar a sua readaptação social1.

Não se tem uma data precisa da origem da punição dos crimes. Diversos autores
indicam apenas que é “remota” ou que ocorreram “desde há muito tempo”2.

A função da pena, ao longo da história, tem sido a vingança, na visão de Martins,


apresentando a seguinte ordem: 1) vingança privada; 2) vingança divina; e 3) vingança
pública.

Apresentam-se as funções da pena, da Antiguidade à Época Contemporânea. Na


Antiguidade e Período Medieval a pena tinha um sentido sacral:

Nesta época, os clérigos faltosos eram recolhidos em celas para pensar e se


arrepender do erro cometido. Estas celas ou mosteiros são os antecessores da pena
de prisão e é daí que surge o nome “penitenciária”, que vem de penitência; observe-
se que a diferença entre penitência e pena-criminal reside na moral, ou seja, a
penitência pode ser cumprida pelo violador de sua própria moral, sem ninguém
impor obrigatoriamente esta sanção, diferente da sanção ética, que é o castigo
criminal em que, obrigatoriamente, se necessita de pelo menos duas pessoas: o
condenado e o agente sancionador3.

1
DELMANTO et. al. Código penal comentado. 6a ed. atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 67.
2
MONTEIRO, Marcelo Valdir. Penas Restritivas de Direitos. Campinas: Impactus, 2006, p.17.
3
Ibid. p.25.
14

Citando Battaglini, Monteiro resume em quatro fases a história do Direito Penal: 1) a


represália privada, em que a retribuição se dava por iniciativa própria do particular, que podia
gerar o exaurimento das partes (ofendidas e ofensor – e seu grupo); 2) a composição
voluntária, em que o ofendido perdoava o ofensor após o pagamento de uma quantia
estabelecida entre ambos; 3) a composição legal que, com o aparecimento do poder público, o
montante a ser pago pelo ofensor já era previamente estabelecido em normas jurídicas; e 4)
Direito Penal Público, em que o poder público intervém não só nas infrações em que o Estado
ou a sociedade são ofendidos, mas também nas infrações de interesse privado4.

Ressalta o estudioso que o crescimento da aplicação da pena privativa de liberdade neste


período se deve, principalmente, às idéias liberais que começavam a se difundir pela Europa,
à consciência de substituir o castigo a que era submetido o torturado pela vergonha de
permanecer encarcerado,ao aumento vertiginoso da pobreza e mendicância, além de fatores
político-econômicos, em face da industrialização que se ampliava, tendo a possibilidade de
utilização da mão-de-obra dos presos como controle do proletariado.

Na Idade Moderna, nas palavras de Maquiavel citado por Monteiro, justificavam-se


“os castigos como forma de intimidação, para a segurança da sociedade e garantia do poder
do soberano, concepção própria do absolutismo, que não visava outra finalidade da pena, a
não ser a de incutir temor em nome da salvaguarda da monarquia absoluta.”5

Embora tenham sido criadas prisões destinadas aos delitos menos graves, casas de
correções para homens e para mulheres, e a doutrina da Igreja tenha registrado movimentos
propondo reformas quanto ao trabalho dos presos, à higiene e regulamentação de visitas nos
presídios, as penas principais nesta época, conforme evidencia Monteiro, “ainda eram as
pecuniárias, corporais e capitais [...]Uma das penas largamente impostas nessa época foi a
pena de galés, em que o condenado era acorrentado em um banco de um barco e obrigado a
remar, sob ameaça de chicote”6.

Ressalta, ainda, que a pena privativa de liberdade surge como uma alternativa às penas
ferozes e como o principal veículo do processo de mitigação e racionalização das penas
aplicadas à época.

4
Ibid. p. 26.
5
Ibid. p. 27.
6
Ibid. p. 28 e 29.
15

Um dos marcos da Época Contemporânea é a obra “Dos Delitos e das Penas”, de


Cesare Bonesana, o Marquês de Beccaria.

Conforme a tese do Marquês de Beccaria (1738-1794), considerado o incentivador


da Escola Clássica, era preferível prevenir os crimes a puni-los, visando também
humanizar a justiça e as penas, com um processo que assegure ao réu a plena
possibilidade de defesa, mas ao mesmo tempo célere, evitando-se desta forma a
angústia e o tormento que o processo pode ocasionar e a falta de interesse na
aplicação da pena. Suas idéias influenciaram vários códigos do século XIX, como o
de Napoleão e o da Baviera7.

Com o positivismo criminológico, surgido no final do século XIX, com base nos estudos
de Darwin e Lamarke, a pena é apontada como medida de defesa social, conforme Fragoso8,
indicando-se os princípios básicos da Escola Positiva: 1) o crime é fenômeno natural e social,
estando sujeito às influências do meio e aos múltiplos fatores que atuam sobre o
comportamento, exigindo, portanto, o método experimental ou positivo para explicação de
suas causas; 2) a responsabilidade penal é responsabilidade social, pois o homem vive em
sociedade, tendo por base a periculosidade do agente; 3) a pena é exclusivamente medida de
defesa social, visando à recuperação do criminoso ou à sua neutralização, nos casos
irrecuperáveis; 4) o criminoso é sempre psicologicamente um anormal, de forma temporária
ou permanente, apresentando também muitas vezes defeitos físicos; 5) os criminosos podem
ser classificados em tipos (ocasionais, habituais, natos, passionais e enfermos da mente).

A Escola Mista possibilitou a criação das medidas de segurança, o livramento


condicional, entre outros. “Diante da crise da pena retributiva, no final do século XIX,
propõe-se a imposição de métodos corretivos durante a execução penal, não com o objetivo
de castigar, mas com o de recuperar o delinqüente e torná-lo útil à sociedade”9 (gn).

1.1 PENAS NO BRASIL

O histórico das penas no Brasil não é diferente do restante do mundo.


7
Ibid. p. 30.
8
Apud MONTEIRO, 2006, p. 34.
9
Ibid. 35.
16

Segundo Robaldo10, na fase colonial vigoraram as Ordenações Afonsinas, Manuelinas e


Filipinas, sendo que estas últimas vigoraram até 1830. “Suas penas (...) constituíam-se nas
mais drásticas e desumanas possíveis (...): a pena de morte, sanções infamantes, mutilações,
esquartejamentos, açoites, marca de ferro quente, dentre outras. (...) O emprego da tortura e
de todo tipo de crueldade era constante, muitas vezes, justificado na religião...”.

A independência do país, em 07 de setembro de 1822 e a elaboração da primeira


Constituição brasileira em 1824, contribuiu para o fim de várias penas cruéis.

[...] a abolição dos açoites, da tortura, da marca de ferro quente e todas as demais
penas cruéis, foi também proibido o confisco de bens e a declaração de infâmia aos
parentes do réu em qualquer grau; proclamou-se que “nenhuma pena passaria da
pessoa do delinqüente e que as cadeias serão seguras, limpas e bem arejadas,
havendo diversas casas para separação dos réus, conforme suas circunstâncias e a
natureza de seus crimes”11.

1.1.1 Código Criminal do Império do Brasil

Editado em 1830, e sancionado pelo Imperador D. Pedro I, o Código Criminal do


Império do Brasil teve como grande inovação a regulamentação da multa através do dia-
multa, reduzindo-se as hipóteses de pena de morte e eliminando por completo a crueldade de
sua execução.

O Código Criminal do Império tinha como pena a morte (art. 38/43), previa em seu
art. 44 a pena de galés, em que o condenado ficava com os pés acorrentados e à
disposição do governo para trabalhos públicos na província onde tivesse cometido o
delito; também era previsto o trabalho do detento (art. 46), prisão simples (art. 47),
a pena de banimento (art. 50), degredo (art. 51) e desterro (art. 52), multa (art. 55);
suspensão do emprego (art. 5); perda do emprego (art. 59) e açoites em escravos
(art. 60).12

10
ROBALDO, José Carlos de Oliveira. Penas e medidas alternativas: reflexões político-criminais. São Paulo:
Editora Juarez de Oliveira, 2007, p. 101 e 102.
11
MONTEIRO, Marcelo Valdir. Op. Cit. p. 47.
12
CARDOSO, Franciele Silva. Penas e medidas alternativas : análise da efetividade de sua aplicação. São
Paulo : Editora Método, 2004, p. 64 e 65.
17

O referido código foi considerado avançado por ter sido inspirado nas idéias do
Jusnaturalismo e do Iluminismo, “fundado nas sólidas bases de justiça e eqüidade”,
conforme Dotti13.

1.1.2 Código Penal da República

Com a proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, elaborou-se uma nova


lei penal, o primeiro Código Penal da República, que entrou em vigor em 1890.

O grande mérito do Código Penal da República foi a abolição da pena de morte e o


limite de 30 anos para aplicação da pena privativa de liberdade, e ainda a preocupação em
individualizar a aplicação da pena, conforme Monteiro14, que descreve as penas previstas no
art. 43:

a) prisão celular, aplicável para quase todos os crimes e algumas contravenções,


constituindo a base do sistema penitenciário. Caracterizava-se pelo isolamento
celular com a obrigação de trabalho, a ser cumprida ‘em estabelecimento especial’
(art. 45); b) reclusão, executada em fortalezas, praças de guerra ou
estabelecimentos militares (art. 47); c) prisão com trabalho obrigatório, cominada
para os vadios e capoeiras a serem recolhidos às penitenciárias agrícolas para tal
fim destinadas ou aos presídios militares (art. 48); d) prisão disciplinar, destinada
aos menores até a idade de 21 anos, para ser executada em estabelecimentos
industriais especiais (art. 49).

Ressalta-se, ainda, que as sanções abrangiam o banimento, a interdição, a suspensão e a


perda de emprego público, com ou sem inabilitação para exercer outro e multa, conforme art.
43.

Observa-se que a pena privativa de liberdade, principal punição do Código Republicano,


segundo Cardoso15, era espécie de punição em voga na doutrina internacional.

Devido à pressa com que fora elaborado e aprovado, o Código Republicano sofreu
diversas críticas, como a de Galdino Siqueira na obra “Tratado de direito penal”, conforme

13
Apud ROBALDO, 2007, p. 102.
14
MONTEIRO, Marcelo Valdir. Op. Cit. p. 48.
15
CARDOSO, Franciele Silva. Op. Cit. p. 66.
18

destaca Cardoso: “afirmava ser o Código excessivo “nas medidas consagradas de repressão
e correção”, além do descompasso entre o referido diploma legal e a doutrina mais
autorizada da época, tanto interna quanto externamente.”16

Para João Monteiro17, era “o pior de todos os códigos conhecidos”.

No mesmo sentido, argumenta Galdino Siqueira:

Inspirado ainda na intuição clássica, não satisfaz completamente às aspirações e


necessidades do país (...) tendo ante si o longo período de tempo decorrido da
Independência, com todos esses ensinamentos que o tempo e a experiência
ministram; como paradigma o Código de 1830 e as diversas leis penais posteriores,
onde se condensavam muitos princípios eminentemente jurídicos, (...) era de
esperar que o codificador (...) nos dotasse com um código que correspondesse a
nossa civilização, às tradições do nosso direito18.

Argumenta-se, no entanto, que o primeiro Código Penal republicano possuía texto


liberal, clássico, que simplificou o sistema de penas do Código anterior, significando, para seu
tempo, sensível avanço sobre o texto do Código imperial, como destaca Zaffaroni19.

1.1.3 Código Penal de 1940

Com o objetivo de atender aos anseios da sociedade, Getúlio Vargas determinou a


elaboração de um novo Código Penal, elaborado em 1937, no Estado Novo, sancionado em
1940, entrando em vigor em 1942.

O Código Penal de 1940 é assim descrito: “[...] elaborado com o Congresso Nacional
fechado pela ditadura Vargas, é caracterizado pelo tecnicismo jurídico e desprezo à
criminologia, com a pena privativa de liberdade e multa como principais sanções.”20

16
Ibid. p. 65.
17
Apud CARDOSO, 2004, p. 67.
18
Ibid. p. 67.
19
Ibid. p. 67 e 68.
20
MONTEIRO, Marcelo Valdir. Op. Cit. p. 49.
19

Segundo Heleno Cláudio Fragoso21, o Código Penal, embora elaborado durante um


regime ditatorial, incorpora fundamentalmente as bases de um direito punitivo democrático e
liberal.

Ressalta-se uma divisão entre penas principais e penas acessórias, sendo as principais,
previstas no art. 28: I – reclusão; II – detenção; e III – multa. As acessórias, previstas no art.
67: I – a perda da função pública, eletiva ou de nomeação; II – as interdições de direitos; III –
a publicação da sentença.

Observa-se, no entanto, que a prevalência do legislador ainda era pela aplicação da pena
de prisão.

Nesse sentido, manifesta-se Dotti: “Mais de 170 hipóteses de ilícitos descritos no


Código Penal são punidos com a detenção, enquanto que em mais de 130 casos se aplica a
reclusão. Nunca a multa é cominada isoladamente, como única reação ao delito: ou é
prevista cumulativamente ou alternadamente em poucos casos como substituição à pena
privativa de liberdade.”22

1.1.4 Reforma da parte geral do Código Penal, em 1984

Em 1984 entra em vigor a nova parte geral do Código Penal que aboliu as penas
acessórias, que eram aquelas aplicadas conjuntamente com a pena privativa de liberdade, bem
como extinguiu o sistema duplo binário, substituindo-o pelo vicariante, quando é aplicada a
pena criminal ou medida de segurança. “Também foi criado o sistema progressivo para
cumprimento da pena, com o regime fechado, semi-aberto e aberto, o livramento condicional
e a suspensão condicional da pena (sursis).”23

Ressalta o estudioso que a reforma de 1984 elevou as penas restritivas de direitos a


categoria de penas principais e substitutivas das privativas de liberdade demonstrando-se,
assim, uma tentativa de diminuir as penas de prisão.

As espécies de pena são determinadas no art. 32 do Código Penal:

21
Apud CARDOSO, 2004, p. 70.
22
Ibid. p. 72.
23
MONTEIRO, Marcelo Valdir. Op. Cit. p. 50.
20

Art.32. As penas são:


Art. 84, XII, da Constituição Federal de 1988.
I – privativas de liberdade;
Art. 3o, parágrafo único, da Lei nº 7.209, de11-7-1984.
II – restritivas de direitos;
Art. 3o da Lei nº 7.209, de 11-7-1984.
III – de multa.
Arts. 5o, XLVI, da Constituição Federalde 1988, e 2o da Lei nº 7.209, de 11-7-1984
(gn).24

As penas privativas de liberdade subdividem-se em reclusão e detenção, conforme o art.


33 do Código Penal.

Art.33. A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou


aberto. A de detenção, em regime semi-aberto, ou aberto, salvo necessidade de
transferência a regime fechado.
Art.5o, XLVIII, da Constituição Federal de 1988.
§ 1o Considera-se:
a) regime fechado a execução da pena em estabelecimento de segurança máxima ou
média;
b)regime semi-aberto a execução da pena em colônia agrícola, industrial ou
estabelecimento similar;
c) regime aberto a execução da pena em casa de albergado ou estabelecimento
adequado25.

As penas privativas de liberdade e multa, previstas no art. 32 do Código Penal podem


ser aplicadas isolada, alternativa ou conjuntamente, dependendo da previsão no preceito
secundário da norma penal. “Assim, nos crimes contra a vida, por exemplo, existe apenas a
previsão da sanção privativa de liberdade; no crime de furto de coisa comum (art. 156, CP) é
prevista a aplicação da pena de prisão ou alternativamente a pena de multa; e nos crimes de
roubo (art. 157, CP), é prevista cumulativamente a pena privativa de liberdade com a pena
de multa.”26

Para Cardoso27, o maior elogio que se pode tecer em relação à sistemática da nova parte
geral de 1984 é a harmoniosa disposição dos diversos institutos penais. “Com a previsão da
possibilidade de cumprimento da pena em regime aberto (casas de albergado), bem como as
outras medidas que afastam o encarceramento (sursis, penas restritivas de direitos), a nova
parte geral fixava,com proporcionalidade, uma escala no que se refere às sanções
24
ANGHER, Anne Joyce (coord.). Brasil, Código Penal, Código de Processo Penal, Constituição Federal. 4a
ed. – São Paulo : Rideel, 2004, p. 20.
25
Ibid. p. 456.
26
MONTEIRO, Marcelo Valdir. Op. Cit. p. 50.
27
CARDOSO, Franciele Silva. Op. Cit. p. 77.
21

substitutivas à pena privativa de liberdade, de acordo com o quantum da pena concretamente


aplicada.”

Uma das críticas com relação à prática, refere-se ao descumprimento, por parte da
Administração Pública, do que a lei penal determinava: a construção das casas de albergado,
conforme destaca Miguel Reale Júnior28: “atualmente há a mais absoluta falta de vontade
política decorrente seja da preguiça, seja da exclusiva preocupação em recolher à prisão e
punir, tão-só, os agentes de crimes violentos.”

Ressalta-se, ainda, que as iniciativas para se reformar o sistema geral de penas surgem
devido ao fracasso da aplicação do que dispunha a parte geral do Código Penal, bem como da
sensação de impunidade, quando da inobservância de qualquer caráter sancionatório no
momento que se estabelece o regime aberto de cumprimento de pena.

1.2 SITUAÇÃO ATUAL DA PENA DE PRISÃO

Da mesma forma que o Direito Penal deve ser um instrumento de ultima ratio do
controle social, a pena de prisão também deve ser utilizada como medida extrema, conforme
afirma Robaldo.29

A pena de prisão em todo o mundo passa por uma crise sem precedentes. A tradicional
pena de prisão, além de não cumprir adequadamente sua função de recuperação e
ressocialização, faz com que os presos se tornem ainda mais familiarizados com práticas
criminosas. O cárcere se apresenta como uma verdadeira universidade às avessas, porque
fabrica criminosos ao invés de recuperá-los.

Como demonstra o estudo do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios 30,
o sistema prisional foi construído em oposição ao suplício, centrado no poder pessoal e na
crueldade.

Citando Foucault, o referido estudo demonstra que a prisão foi apresentada como um
fenômeno de menor crueldade, menos sofrimento, mais suavidade, mais respeito e
28
Ibid. p. 78.
29
ROBALDO, José Carlos de Oliveira. Op. Cit. p. 123.
30
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS. Penas Alternativas: Valem
a Pena? Relatório final de pesquisa. Brasília, junho de 2001, p. 35.
22

“humanidade”. “Houve um deslocamento do objeto da ação punitiva, pois não é mais ao


corpo que se dirige a punição e suas formas mais duras, mas à alma para controlar a
vontade, as disposições, o coração e o intelecto. O aparto da justiça punitiva implica
portanto uma nova forma de punir que é a disciplina, o poder disciplinar.”31

A realidade da prisão, no Brasil, é claramente descrita:

A prisão, no entanto, como privação da liberdade passou a ser também um lugar de


arbítrio de poder. Mesmo com códigos penais estruturados, leis processuais e
normas de progressão, constituiu-se num sistema perverso. O poder dentro das
prisões – passou a se estruturar pelo domínio de privilégios e trocas de favores
entre juízes, carcereiros, guardas e sentenciados. Ao mesmo tempo, estes últimos se
organizaram em facções do crime dentro das próprias prisões, o que ficou
manifesto na rebelião das prisões paulistas de abril de 2001, quando o PCC
(Primeiro Comando da Capital) manteve como reféns os próprios parentes dos
presos para exigir reivindicações. Não é raro o assassinato de presos com crueldade
tanto pela polícia como pelos encarcerados, seja para pressionar, seja para resolver
conflitos internos.

Conforme assinala o referido estudo, a prisão, no Brasil, parece estar ainda numa era
pré-beccariana, por não atender aos requisitos descritos por Foucault, configurando-se com
mais crueldade, sofrimento, violência e menos respeito à humanidade.

De acordo com o Relatório da II Caravana Nacional de Direitos Humanos32, “... a


instituição prisional é produtora de uma identidade criminosa, além de ser, concretamente,
um dos fatores criminogênicos mais importantes”.

Destaca, ainda o estudo:

Em visita a 17 instituições de vários Estados, a Comissão encontrou superlotação,


tortura, corrupção, porte de armas, violência como espancamento e abuso sexual,
sujeição, ociosidade, arbítrio, inadequação arquitetônica, mas com uma rotina
rotulada de “estrito cumprimento do dever legal”. Parece que a lei está contra as
pessoas e na defesa do horror: é a ironia da prisão. Os detentos são chamados
reeducandos e de reeducandas, outra ironia (gn).33

31
Ibid. p. 36 e 37.
32
Apud TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS. p. 37.
33
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS. p. 37 2 e 38.
23

Superlotação carcerária; alto custo e o fato de não dar condições dignas nem dentro e
nem fora da prisão, são fatores que acentuam os argumentos contrários à pena de prisão.

Existem cada vez mais dúvidas sobre se a prisão permite reabilitar os delinqüentes.
Diz-se amiúde que a prisão pode converter os delinqüentes em criminosos ainda
piores e que, por essa razão, a cadeia deve ser reservada àqueles que praticam
delitos mais graves e sejam perigosos. A prisão, que por si mesma é dispendiosa,
acarreta outros custos sociais. Muitos países enfrentam o problema de superlotação
carcerária. Nos estabelecimentos penais em que esse problema é muito grave pode
ser impossível dar condições aos presos para que, ao voltar à liberdade, levem a
vida sem infringir a lei.34

Os operadores do direito têm a convicção dos efeitos negativos da pena de prisão,


conforme afirma a desembargadora Albanira Lobato Bemerguy do TJPA35: “Retiramos o ser
humano do convívio da sociedade como resposta a um ato negativo e quando retorna vem
mais brutalizado pela realidade deprimente da cela.”

Devido a fatos como estes é que surgem as penas alternativas, construídas em oposição
à crueldade e à ineficácia do sistema prisional, assunto do próximo capítulo.

34
REGRAS DE TÓQUIO : comentários às regras mínimas das Nações Unidas sobre medidas não-
privativas de liberdade / tradução de Damásio E. de Jesus. – Brasília : Ministério da Justiça, 1998, p. 19.
35
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ. 21ª Vara de Execução de Penas e Medidas Alternativas.
Manual de Execução de Penas e Medidas Alternativas, 2007.
24

2 PENAS ALTERNATIVAS À PRISÃO

A pena alternativa é uma medida punitiva de caráter educativo e socialmente útil,


imposta ao autor da infração penal, no lugar da pena privativa de liberdade36. No direito penal
brasileiro representa, desde 1984, a possibilidade de o Estado oferecer uma resposta penal
diferenciada aos infratores de baixo e médio potencial ofensivo37.

São diversas as contribuições no sentido de se superar o denominado paradigma da pena


de prisão, como da Escola Criminológica, que postula um Direito Penal Mínimo,
influenciando, no aspecto penológico, a redução da intervenção consistente na privação da
liberdade, adotando-se, nos diversos ordenamentos jurídicos, penas alternativas: “A (...)
corrente advoga, portanto, além da descriminalização de condutas devido à influência
criminógena de uma excessiva criminalização, a despenalização e, fundamentalmente, a
descarcerização, com a “drástica redução dos conflitos penais, confiando e procurando
incrementar uma resposta mais social, informal e resolutiva que meramente decisória.” 38

Contribuições têm refletido nas regras internacionais sobre o Direito Penal, como as
Resoluções da Organização das Nações Unidas – ONU referentes à problemática do homem
encarcerado, sendo especialmente no 8o Congresso da ONU, em dezembro de 1990, que
recomendou a adoção das Regras Mínimas sobre Penas Alternativas, conhecidas como as
Regras de Tóquio, que tem como objetivo fundamental promover o emprego de medidas não
privativas de liberdade.

36
SZNICK, in Manual de Monitoramento das Penas e Medidas Alternativas. Brasília: Secretaria Nacional de
Justiça, Central Nacional de Apoio e Acompanhamento às Penas e Medidas Alternativas, 2002.
37
ALENCAR, Márcia. Coordenadora Geral do Programa de Fomento às Penas e Medidas Alternativas do
Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça. Alternativas penais e rede social, (s.d.).
Disponível em: <www.mj.gov.br>. Acesso em: 22.04.2008.
38
CARDOSO in GOMES, Luiz Flávio. Penas e medidas alternativas à prisão. São Paulo: RT, 1999.
25

Conhecida como Regras Mínimas das Nações Unidas para a Elaboração de Medidas
Não-Privativas de Liberdade, as Regras de Tóquio constituem um guia completo sobre a
operação de medidas não-privativas de liberdade em todas as fases do processo da Justiça
Penal39.

Em todo o texto das Regras de Tóquio a expressão “medida não-privativa de


liberdade” refere-se a qualquer providência determinada por decisão proferida por
autoridade competente, em qualquer fase da administração da Justiça Penal, pela
qual uma pessoa suspeita ou acusada de um delito, ou condenada por um crime,
submete-se a certas condições ou obrigações que não incluem a prisão.

Destacam-se os objetivos fundamentais:

1.1 As presentes Regras Mínimas enunciam um conjunto de princípios básicos para


promover o emprego de medidas não-privativas de liberdade, assim como garantias
mínimas para as pessoas submetidas a medidas substitutivas da prisão.
1.2 As presentes Regras têm por objetivo promover uma maior participação da
comunidade na administração da Justiça Penal e, muito especialmente, no
tratamento do delinqüente, bem como estimular entre os delinqüentes o senso de
responsabilidade em relação à sociedade.40

As penas alternativas à prisão vêm sendo utilizadas por diversos países ao longo da
história. É o que se demonstra por meio do direito comparado e no sistema jurídico brasileiro.

2.1 NO DIREITO COMPARADO

Estudos demonstram que a preocupação com o cárcere como castigo, e não com a
reintegração dos indivíduos infratores na sociedade está presente no mundo há muito tempo:
“tanto que inúmeras experiências de aplicação de penas alternativas vinham acontecendo
isoladamente em alguns países”41.

Nesse sentido, passa-se a expor a experiência da aplicação de penas alternativas no


mundo.

39
REGRAS DE TÓQUIO. Op. Cit. p. 21.
40
Ibid. p.23.
41
JUDICIÁRIO DO RIO GRANDE DO SUL. 20 Anos de Penas Alternativas no Rio Grande do Sul.
Departamento de Artes Gráficas do TJ/RS : Porto Alegre, setembro de 2007.
26

2.1.1 Mundo árabe

A experiência, no mundo árabe, demonstra que a substituição da prisão vem se


acentuado, como apoio na consciência de que são muito mais eficazes do que a prisão do
delinqüente. “Tal consciência decorreu no sentido de que a prisão gera efeitos negativos e
são ineficazes no processo de correção do infrator.”42

Destacam-se outras alternativas: a vergonha pública, a recriminação pública, o


tratamento em instituição comunitária, a restrição de direitos, a supressão do status
profissional e a prestação de serviços comunitários, destacando-se em países como os
Emirados, o Sudão e a Tunísia.

2.1.2 Japão

Destaca-se a probation supervisionada: suspensão da execução da pena mediante o


acompanhamento das atividades do beneficiário da pena alternativa por fiscais, que integram
um corpo voluntário.43

A política de incremento de alternativas penais japonesas reduziu os índices de


encarceramento.

2.1.3 Alemanha

Existe como pena acessória a proibição de conduzir veículo e como conseqüências


acessórias, a perda da condição de funcionário e a dos direitos políticos.44

No Código Alemão de 1975, permite-se que o juiz aplique a pena de prestações de


trabalho de utilidade pública45. A pena de multa varia entre mil e dois mil marcos alemães,
aplicada em cotas diárias, atendendo-se à situação pessoal e econômica do autor46.

42
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ (op. cit.).
43
Ibid.
44
PRADO apud MONTEIRO, 2006, p. 69.
45
SHECAIRA, apud MONTEIRO, 2006, p. 70.
46
REALE JÚNIOR, apud MONTEIRO, 2006, p. 71.
27

2.1.4 Canadá

Submetidos ao Governo Federal ou aos governos das províncias, são aplicadas aos
presos penas mais leves, com possibilidades de conversão em penas alternativas à prisão47.

Indicam-se as penas alternativas:

• Ordem de serviço comunitário;

• Multa, que pode ser paga através do trabalho em favor da comunidade, se não
paga, é convertida em prisão;

• Probation – vigilância e tratamento do condenado sob supervisão e


acompanhamento de assistente;

• Parole – iguala-se ao livramento condicional no Brasil;

• Programa de restituição à vítima – bem subtraído é devolvido à vítima;

• Programa de reabilitação e reintegração.

2.1.5 Espanha

As penas restritivas de direitos estão previstas no Código Espanhol de 1995, art. 39,
principais ou acessórias e interdição absoluta (6 a 20 anos)48:

• Interdição especial para exercício de cargo público, profissão, ofício, indústria


ou comércio;

• Direitos de pátrio poder, tutela, guarda ou curatela;

• Sufrágio passivo ou de qualquer outro direito;

• Suspensão do exercício de emprego ou cargo público;

• Privação do direito de conduzir veículo automotor ou ciclomotor;

• Privação do direito de residir em determinados lugares ou a eles se dirigir;

• Trabalhos em benefício da comunidade.

2.1.6 França

47
OLIVEIRA, apud MONTEIRO, 2006, p. 72.
48
MONTEIRO, Marcelo Valdir. Op. Cit. p. 72.
28

No Código Penal francês de 1993, as penas complementares aplicadas às pessoas físicas


estão dispostas nos arts. 131-10,16e17: Interdição, perda, incapacidade ou restrição de um
direito, imobilização ou confisco de objeto, fechamento de estabelecimento, fixação ou
difusão de decisão judicial, entre outros49.

2.1.7 Inglaterra

Primeiro país a utilizar a prestação de serviço como pena autônoma, “sendo necessário
para sua aplicação o consentimento do réu, relatório favorável dos funcionários da
probation e a disponibilidade do mercado de trabalho em oferecer vagas.”50

Destaca-se a intenção de estimular os juízes a utilizarem as penas alternativas, no


sentido de evitar ao máximo o uso da prisão. A prestação de serviços à comunidade teve
grande receptividade na Inglaterra, sendo crescente a sua utilização a partir de 1974.

2.1.8 Portugal

Aplicam-se como penas alternativas à prisão, em Portugal, as seguintes sanções: Prisão


por dias livres; Semi-detenção; Multa; Suspensão da execução da pena e regime de prova;
Admoestação e trabalho em favor da comunidade.51

Há, também, as penas acessórias: demissão, suspensão temporária do cargo e interdição


de exercício de outras profissões ou atividades.

2.1.9 Uruguai

Dentre as penas principais, previstas no art. 66 do Código Penal Uruguaio, estão52:


• Inabilitação absoluta para cargos;
• Ofícios públicos e direitos políticos;
• Inabilitação especial para algum cargo ou ofício público;

49
SHECAIRA, apud MONTEIRO, 2006, p. 73.
50
MONTEIRO, Marcelo Valdir .Op. Cit, p. 74.
51
Ibid. p. 80.
52
Ibid. p. 84.
29

• Inabilitação especial para determinada profissão acadêmica, comercial ou


industrial;
• Suspensão de cargo, ofício público ou profissão acadêmica, comercial ou
industrial;
• Multa.

Dentre as penas acessórias, previstas no art. 67, estão:


• Inabilitação absoluta para cargos, ofícios públicos, direitos políticos, profissões
acadêmicas, comerciais ou industriais;
• Suspensão de cargos, ofícios públicos ou profissões acadêmicas, comerciais ou
industriais;
• Perda do pátrio poder e da capacidade para administrar bens.

2.1.10 Venezuela

No Código Penal venezuelano publicado em 20/10/2000 está prevista a aplicação de


penas corporais e não corporais, principais e acessórias.53
Penas corporais e principais: Sujeição à vigilância da autoridade pública; Interdição
civil; Inabilitação política; Inabilitação para exercer alguma profissão, comércio ou cargo;
Destituição do emprego; Suspensão do emprego; Multa; Caução de não ofender ou danificar;
Admoestação; Perda dos objetos do crime e de seus proveitos; Pagamento de custas
processuais.

2.2 NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO

A base legal das penas alternativas no Brasil encontra-se no art. 5 o da Constituição


Federal de 1988, observando-se que o relacionamento entre os apenados e as organizações
sociais está previsto em vários textos legais, conforme art. 4o da Lei de Execução Penal,
7.210/84 e Lei nº 9.714/98:

[...] o “Estado deverá recorrer à cooperação da comunidade nas atividades de


execução da pena..” e na Lei nº 9.714/98 que detalha especificamente a
participação destas entidades e qual espécie de organizações será beneficiária, nas
palavras do legislador, com os serviços prestados gratuitamente, de acordo com as
53
Ibid. p. 85.
30

aptidões do condenado, na razão de uma hora por dia de pena; ou, ainda, com
algum tipo de prestação pecuniária, que se não for revertida à vítima ou a seus
dependentes, será também destinada a estas organizações, públicas ou privadas, que
tenham finalidade social.54

Para Cardoso55, a realização dos direitos humanos, o desenvolvimento das ciências


criminais no que concerne à sistemática das penas, as diversas orientações, no âmbito da
ONU e da OEA é que propiciou o movimento para se adequar a legislação brasileira a tais
preceitos, resultando na edição das Leis 9.099/95 e 9.714/98.

2.2.1 Lei dos Juizados Especiais Criminais (Lei 9.099/95)

A Lei 9.099, de 26.09.1995 prevê as seguintes medidas, de caráter penal e processual,


alternativas à pena de prisão:

1.Nas infrações de menor potencial ofensivo, cuja ação depende de iniciativa


privada ou pública condicionada, a composição civil dos danos provoca a extinção
da punibilidade (art. 74, parágrafo único).
2. A previsão da transação penal, para os casos em que não houver composição
civil dos danos, ou quando a ação for pública incondicionada. Consiste o instituto
na proposta, pelo Ministério Público, de aplicação imediata (... antes do
oferecimento da denúncia) de pena não privativa de liberdade – restritiva de
direitos ou multa (art. 76).
3. Exigência de representação da vítima nos casos de lesões corporais culposas ou
leves (art. 88).
4. Introdução do instituto da suspensão condicional do processo, reservado para os
crimes cuja pena mínima não seja superior a um ano, caso em que o processo pode
ser condicionalmente suspenso, pelo período de dois a quatro anos (art. 89).56

Considera-se que a Lei dos Juizados Especiais Criminais representou um grande avanço,
na medida em que, nas palavras de Grinover57, “o Poder Político (Legislativo e Executivo)
(...) está disposto a testar uma nova via reativa ao delito de pequena e média gravidade,
pondo em prática um dos mais avançados programas de ‘despenalização’ do mundo (que (...)
não se confunde com descriminalização)”.

Como se demonstrará, a seguir, as contribuições da Lei dos Juizados Especiais


Criminais, no sentido de despenalizar condutas, foram complementadas pela Lei 9.714/98.
54
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS. Op. Cit. p. 53.
55
CARDOSO, Franciele Silva. Op. Cit. p. 82.
56
Ibid. p. 83 e 84.
57
Apud CARDOSO, 2004, p. 84.
31

2.2.2 Lei das Penas Alternativas (Lei nº 9.714/98)

Em sintonia com a crise da pena de prisão, a legislação penal brasileira, quando da


reforma da parte geral do Código Penal de 1984, inseriu entre as espécies de penas as
denominadas penas alternativas, e na Lei de Execuções Penais positivou a postura filosófica
do duplo caráter da sanção: retribuir o mal causado e readaptar o indivíduo para o convívio
social.

As penas alternativas visam a proteção da dignidade daqueles infratores que pouco ou


nenhum perigo oferecem à sociedade, porém, impõe-lhes a devida sanção sem, no entanto,
removê-los de sua vida, de seu trabalho e de seus hábitos particulares, mantendo-o inserido no
seu meio social como agente de transformação.

Com o advento da Lei 9.714/98, passamos a contar com dez modalidades de penas
substitutivas.

1. Prestação pecuniária58;
2. Perda de bens e valores;
3. Prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas;
4. Proibição de exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato
eletivo;
5. Proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação
especial, de licença ou autorização do Poder Público;
6. Suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo;
7. Proibição de freqüentar determinados lugares;
8. Limitação de fim de semana;
9. Multa;
10. Prestação alternativa inominada.

É necessário esclarecer que a pena de interdição temporária de direitos (inciso V), foi
subdividida em quatro: 1) proibição do exercício de cargo; 2) proibição do exercício de
profissão; 3) suspensão da autorização para dirigir veículo; e 4) proibição de freqüentar
determinados lugares.

58
De acordo com Robaldo (2007, p. 146), a pena pecuniária pode consistir em prestação de outra natureza, o
que, para muitos, é que deu embasamento legal para as “cestas básicas” (§ 2o do art.45).
32

2.2.3 Penas restritivas de direito

As novas modalidades de penas restritivas de direito, entendidas como novas fórmulas


são as demonstradas a seguir.59

2.2.3.1 Prestação pecuniária

Estabelece o § 1o, primeira parte, do art. 45 do CP:

Art. 45. (...)

§ 1o A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus


dependentes ou a entidade pública ou privativa com destinação social, de
importância fixada pelo juiz, não inferior a um salário mínimo nem superior a
trezentos e sessenta salários mínimos. O valor pago será deduzido do montante de
eventual condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os beneficiários.

A finalidade da prestação pecuniária é reparar o dano causado pela infração penal, mas
conforme entendimento de Bitencourt60, teria sido mais adequado e mais técnico defini-la
como “multa reparatória”, já que é essa sua verdadeira natureza.

2.2.3.2 Perda de bens e valores

Está definido no § 3o do art. 45 do CP:

Art. 45. (...)

§ 3o A perda de bens e valores pertencentes aos condenados dar-se-á, ressalvada a


legislação especial, em favor do Fundo Penitenciário Nacional, e seu valor terá
como teto – o que for maior – o montante do prejuízo causado ou do provento
obtido pelo agente ou por terceiro, em conseqüência da prática do crime.

59
MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. Penas Alternativas. 2a ed. Curitiba: Juruá, 2006, p.63.
60
BITENCOURT, Cezar Roberto. Novas penas alternativas: análise político-criminal das alterações da Lei n.
9.714/98. – 3. ed. ver. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2006.
33

Observa-se que esta pena recai sobre o patrimônio do condenado em favor do Fundo
Penitenciário Nacional.

2.2.3.3 Prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas

Nessa modalidade se verifica a possibilidade da pena substituída ser cumprida em menor


tempo, conforme descreve o art. 46 do CP.

Art. 46. (...)


[...] aplicável às condenações superiores a seis meses de privação de liberdade.
§ 1o ... consiste na atribuição de tarefas gratuitas ao condenado.
§ 2o [... dar-se-á em entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e outros
estabelecimentos congêneres, em programas comunitários e estatais.
§ As tarefas a que se refere o § 1o serão atribuídas conforme as aptidões do
condenado, devendo ser cumpridas à razão de uma hora de tarefa por dia de
condenação, fixadas de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho.
§ 4o Se a pena substituída for superior a um ano, é facultado ao condenado cumprir
a pena substitutiva em menor tempo (artigo 55), nunca inferior à metade da pena
privativa de liberdade fixada.

Representa um ônus que se impõe ao condenado como conseqüência da prática da


infração penal.

2.2.3.4 Interdição temporária de direito

As penas de interdição temporária de direito estão definidas no art. 47 do Código Penal:

Art. 47. [...]


I – proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de
mandato eletivo;
II – proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de
habilitação especial, de licença ou autorização do poder público;
III – suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo;
IV – proibição de freqüentar determinados lugares.

Aplica-se a primeira espécie nas hipóteses de crimes praticados no exercício do cargo,


função ou atividade, violando os deveres que lhe são inerentes (art. 56 do CP), sendo
34

indispensável que o delito praticado esteja diretamente relacionado com o mau uso do direito
interditado, conforme Cardoso61, observando que a proibição é temporária.

No caso da segunda espécie, sua aplicação também está condicionada à realização de


fato criminoso relacionado com a violação de deveres, que são inerentes à profissão, atividade
ou ofício que dependem de habilitação especial, de licença ou autorização do Poder Público.
“Aplica-se também quando se tratar de delitos próprios como violação de segredo
profissional (art. 154 do CP), omissão de notificação de doença (art. 269 do CP) e patrocínio
infiel (art. 355 do CP).”62

A suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo só pode ser aplicada


nos crimes culposos de trânsito. A proibição de freqüentar determinados lugares não pode
recair sobre lugares indeterminados, conforme demonstra Cardoso63:

[...] o juiz, ao substituir a pena privativa de liberdade por essa modalidade de pena,
deve, necessariamente, estabelecer quais os lugares cuja visitação é vedada ao
condenado, sendo certo que a definição desses locais deve guardar alguma
pertinência com o crime que se visa punir, pois para justificar a proibição é
necessário que haja, pelo menos em tese, uma relação de influência criminógena
com o local em que foram cometidas a infração penal e a personalidade e/ou
conduta do apenado e que, por essa razão, se pretende proibir a freqüência do
infrator, beneficiário da alternativa à pena de prisão.

Numa descrição mais clara do significado dessa medida, reporta-se a Mirabete64: “...
Impossibilita-se o condenado de freqüentar “boites”, “inferninhos”, casas de jogo,
prostíbulos etc., locais que o impeliram ao cometimento de atos anti-sociais, numa medida
concreta no sentido de impedir a ação deletéria desses ambientes nocivos.”

2.2.3.5 Limitação de fim de semana

Conforme art. 48 do CP e seu parágrafo único, a limitação de fim de semana consiste na


obrigação de permanecer, aos sábados e domingos, por cinco horas diárias, em casa de

61
CARDOSO, Franciele Silva. Op. Cit. p. 96.
62
Ibid. p. 97.
63
Ibid. 98.
64
Apud MARTINS, 2006, p. 100.
35

albergado ou outro estabelecimento adequado, podendo ser ministrados ao condenado cursos


e palestras ou atribuídas atividades educativas.

2.2.3.6 Multa

Prevista no art. 44, § 2o do CP:

Art. 44. [...]

§ 2o Na condenação igual ou inferior a um ano, a substituição pode ser feita por


multa ou por uma pena restritiva de direitos; se superior a um ano, a pena privativa
de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por
duas restritivas de direitos.

Observa-se quanto à multa substitutiva é que esta não pode ser convertida em privação
de liberdade em face do que dispõe a Lei 9.268/96, que proibiu a conversão em prisão de
multas não pagas65.

2.2.3.7 Prestação de outra natureza

Prevista no art. 45, § 2o do Código Penal: “[...] a prestação pecuniária pode consistir
em Prestação alternativa inominada.”

Representa a possibilidade de o juiz, havendo aceitação do condenado, substituir a


prestação pecuniária, que se cumpre com o pagamento de dinheiro à vítima, por “prestação de
outra natureza”, “sendo por isso uma pena substituta da pena já substituída (prestação
pecuniária) e pode se traduzir na entrega de cestas básicas, remédios e outros objetos,
sempre que houver, também, a concordância da vítima.”66

Muitos autores manifestam-se no sentido da inconstitucionalidade dessa pena, como


Bitencourt67: “... pena inominada é pena indeterminada, que viola o princípio da reserva
legal (art. 5o, XXXIX, da CF e art. 1o do CP). Este princípio exige que preceito e sanção
sejam claros, precisos, certos e determinados”.

65
CARDOSO, Franciele Silva. Op. Cit. p. 100.
66
Ibid.
67
2006, p. 129.
36

2.3 PENAS E MEDIDAS ALTERNATIVAS: DISTINÇÃO

Cumpre observar que a nomenclatura pena alternativa não se confunde com medida
alternativa, como observa Fernando Capez.

Medidas alternativas são soluções processuais ou penais para evitar o


encarceramento cautelar provisório ou a prisão imposta por condenação criminal
definitiva (p. ex.: suspensão condicional do processo, ampliação das hipóteses de
cabimento de fiança, facilitação da progressão de regime, maior acesso ao
livramento condicional e ao sursis etc.). Diferem das penas alternativas porque
não constituem penas, mas opções para evitar a persecução penal e, por
conseguinte, a imposição da pena privativa de liberdade, por sentença judicial
(2004 : 364).

A medida alternativa, em sentido estrito, é uma forma de controle social e prima em


evitar a imposição da pena privativa de liberdade, através de institutos que impedem ou
paralisam a persecução penal, como a transação penal, a suspensão condicional do processo,
entre outros. De ultima forma, e uma medida de evitar a prisão.

A pena alternativa, substitutiva ou alternativa penal, em sentido estrito, embora


também vise impedir a privação de liberdade, traduz-se como uma opção sancionatória que
substitui diretamente a pena de prisão. A alternativa penal é gênero que engloba as duas
denominações.

Quem explica bem e em poucas palavras a diferença entre medidas e penas alternativas
é o juiz substituto do 1o Juizado Especial Criminal de Brasília68: “as medidas impedem a
aplicação de penas restritivas de direitos, enquanto a pena alternativa evita a prisão”.

2.4 EXPERIÊNCIA DAS PENAS E MEDIDAS ALTERNATIVAS NO BRASIL

Segundo estudos do TJDFT69, o processo de elaboração e aplicação de penas alternativas


teve início com a introdução da suspensão condicional da pena de prisão, como o sursis ou o

68
I FÓRUM DA CEMA EM BRASÍLIA DISCUTE MEDIDAS ALTERNATIVAS À PENA DE PRISÃO.
Disponível em: <http://www.mpdft.gov.br/noticias/exibirnoticia>. Acesso em 12/03/2008.
69
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS. Op. Cit. p. 40.
37

livramento condicional. “No Código Penal Brasileiro, o juiz poderá conceder livramento
condicional ao condenado a pena privativa de liberdade se houver bons antecedentes, bom
comportamento, reparação e cumprimento de parte da pena, conforme o tipo de crime.”

Dados da Coordenação Geral do Programa de Fomento às Penas e Medidas Alternativas


- CGPMA70, demonstram que as penas alternativas eram pouco aplicadas no Brasil, mesmo
estando previstas na Lei nº 7.910, de 1984. O motivo apresentado foi a dificuldade do Poder
Judiciário e do Ministério Público na fiscalização do seu cumprimento e a sensação de
impunidade da sociedade.

Foi a partir da estruturação física mínima dos Estados que se possibilitou aplicar as
penas alternativas, constatando-se a eficácia de sua aplicação no Brasil, o que será
demonstrado com apresentação de dados estatísticos.

A partir das Regras de Tóquio, na década de 1990, é que a aplicação das penas e
medidas alternativas voltou a ser discutida.

Diversas leis possibilitaram a aplicação das penas alternativas no país71.

• Lei nº 9.099/95, que instituiu os Juizados Especiais Criminais e com ele os


institutos da transação penal e da suspensão do processo;

• Lei nº 9.714/98 – lei das penas alternativas, que ampliou o âmbito de aplicação
das penas alternativas;

• Lei nº 10.259/01, que instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no


âmbito da Justiça Federal, aumentando o leque de infração passível de transação
penal;

• Lei nº 11.343/06, conhecida como lei antidrogas.

70
Histórico do Programa Nacional de Penas e Medidas Alternativas. Coordenação Geral do Programa de
Fomento às Penas e Medidas Alternativas, junho de 2007.
71
MANUAL DE EXECUÇÃO DE PENAS E MEDIDAS ALTERNATIVAS. Tribunal de Justiça do Estado do
Pará. 21a Vara de Execução de Penas e Medidas Alternativas, 2007, pág. 23.
38

2.5 PENA ALTERNATIVA E PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE – CUSTO –


REINCIDÊNCIA - RETORNO

Os dados apresentados referentes a custo e reincidência dos dois institutos em comento,


e a indicação do retorno das PMAs no Brasil, demonstram a vantagem das alternativas penais
confrontados com o instituto da pena privativa de liberdade.

Custo - O governo brasileiro gasta um bilhão e meio de dólares por ano para manter a
população carcerária do país, sendo o custo mensal de manutenção do preso da ordem de R$
600,00 a R$ 1.000,00. E para cada nova vaga no sistema carcerário é gasto aproximadamente
R$ 15.000,00 pelo governo federal.72

Comparando-se esse valor com os recursos repassados pelo Ministério da Justiça aos
estados para o acompanhamento da execução das penas e medidas alternativas, conforme
ressalta a autora em comento, o valor chega a ser irrisório, considerando-se que o custo por
beneficiário fica em torno de R$ 100,00, conforme ressalta.

Reincidência - O índice de reincidência dos ex-cumpridores de Penas Privativas de


Liberdade (presos) é de 70 a 85%. E o de ex-cumpridores de Penas e Medidas Alternativas é
de 2 a 12%73 (anexo3).

Retorno - Dados do Ministério da Justiça indicam os efeitos perversos do


encarceramento:

i. o agravamento do déficit público; ii. a realocação do fundo público da área social


(saúde, educação, habitação) para o sistema de justiça criminal; iii. a rotinização da
experiência prisional e a colonização da cultura comunitária pela cultura da prisão;
iv. o efeito criminógeo do cárcere, tendo em vista as altas taxas de reincidência; v. a
destituição do direito de voto de parcelas significativas da população; e [...] vi. o
reforço e o agravamento das divisões sociais tendo em vista o caráter econômico e
socialmente enviesado das práticas punitivas74.

72
ADARIO, Heloisa. O Programa de Apoio à Aplicação e Execução das Penas e Medidas Alterntivas do
Governo Federal: Uma Política Pública do Ministério da Justiça, 2004. Disponível em: <www.mj.gov.br>.
Acesso em: 22.04.2008.
73
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, DEPEN, Coordenação Geral do Programa de Fomento às Penas e Medidas
Alternativas (2007). Evolução histórica das penas e medidas alternativas (PMAS) no Brasil. Disponível em:
<www.mj.gov.br>. Acesso em: 22/04/2008.
74
MANUAL DE MONITORAMENTO DAS PENAS E MEDIDAS ALTERNATIVAS. Brasília: Secretaria
Nacional de Justiça, Central Nacional de Apoio e Acompanhamento às Penas e Medidas Alternativas, 2002.
39

O retorno mais visível da aplicação das PMAs para o Estado é o baixo custo, o baixo
índice de reincidência, bem como a redução da superlotação penitenciária75. Para o
beneficiário, o retorno reflete-se na inclusão social, na permanência no seio familiar e na
contribuição positiva para a mudança de comportamento76. Retorno que atinge positivamente
a sociedade, estabelecendo-se, dessa forma, uma relação ganha/ganha entre todos os atores
envolvidos em cada fase da aplicação e execução das Penas e Medidas Alternativas no Brasil.

Um fator que não pode deixar de ser considerado no contexto das PMAs no Brasil é o
relevante papel dos operadores do direito. A visão desses profissionais foi registrada na
pesquisa realizada pelo TJDFT (2001 : 156 a 160), envolvendo quatro promotores e três
juízes, com discursos de crítica à prisão e favoráveis às PMAs, com restrições, da qual
destacaremos pontos relevantes para o presente trabalho.

Visão dos juízes:

[...] não se pode achar que a pena alternativa seja resposta para todos os crimes, [...]
mas precisa se investir na pena alternativa, porque a prisão como resposta a todos
os crimes também não se mostra eficiente nem razoável. (Juiz 3)

A cadeia deve ficar somente para os crimes mais graves. [...] A sociedade é muito
egoísta e cada um espera resolver sua situação. O governo é mais conivente do que
incompetente porque ele sabe quais são as alternativas que tem para solução dos
problemas do país, principalmente a má distribuição de renda e a segregação social
e as pessoas ricas se cerca de segurança [...] (Juiz 1)

Na visão dos promotores demonstra-se uma divisão:

A pena alternativa para mim é a solução. Porque a Pena Alternativa está mais
pautada no ser humano, na pessoa. [...] ela dá meios para que os operadores do
direito tenham ferramentas realmente eficazes para tentar corrigir àquela conduta
da pessoa. [...] eu acredito na PSC, por enxergar claramente que ela é o caminho
certo. E cientificamente, hoje em dia mundialmente, isso está sendo provado. Quais
são os problemas? Eu acho que os problemas não atacam a idéia de pena alternativa
em si, eles atacam a forma como o sistema hoje está montado.
No Ministério Público eu acho que a gente tem um racha, 50% que gosta e 50% que
não gosta das penas alternativas. (Promotor 1)

75
Rafael Damasceno de Assis. Graduado em Direito pela Faculdade Metropolitana IESB (Instituto de Educação
Superior de Brasília). Em artigo publicado na Revista Jurídica Consulex. Implementação de uma política de
adoção de penas alternativas: a busca de soluções para a Lei nº 7.210/84 e a crise do sistema penitenciário.
Ano V, nº 236. Brasil, Uberaba/MG, domingo, 05 de agosto de 2007. Disponível em:
<www.boletimjuridico.com.br> Acesso em: 12/03/2008.
76
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS. Penas Alternativas: Valem a
Pena? Relatório final de pesquisa. Brasília, junho de 2001.
40

[...] é uma forma de reversão de benefícios para a sociedade. [...] Eu acho que é
uma grande vantagem para o Executivo, porque livra de mandar as pessoas para a
cadeia e ele gasta muito menos com isso. [...] Faço restrições às penas alternativas
[...] precisamos avaliar não só as condições objetivas mas especificamente as
condições subjetivas para ver se elas são vantajosas para aquela pessoa.
[...] o sistema social [...] é um problema que nós operadores do direito, pelo menos
do direito criminal não temos como resolver[...]
(Promotor 4)

A aplicação das penas alternativas pelos operadores do direito demonstra-se positiva


quando do estabelecimento da prestação de serviços à comunidade, mas negativa quando do
estabelecimento de cesta básica “Porque a cesta básica é para quem tem dinheiro, não
representa absolutamente nada e, para quem é pobre é uma penalização a sua família”.
41

3 POLÍTICA NACIONAL DE FOMENTO ÀS PENAS E MEDIDAS


ALTERNATIVAS

O Ministério da Justiça, buscando sanar a lacuna na implementação das penas


alternativas, iniciou uma trajetória de fomento aos Estados, criando em 2000, através de uma
política pública nacional, voltada para a execução das alternativas penais, o Programa
Nacional de Apoio as Penas Alternativas, a ser executado pela gerência da Central Nacional
de Apoio e Acompanhamento às Penas e Medidas Alternativas – CENAPA, com a finalidade
de auxiliar a implantação de Centrais de Apoio e Acompanhamento às Penas Alternativas em
todas as unidades da federação, as CEAPAS.

Estudo de Heloísa Adário77 demonstra o início dos trabalhos da CENAPA:

A CENAPA, no primeiro momento, celebrou convênios com os Tribunais de


Justiça do país para a criação das Centrais de Apoio, junto às respectivas Varas de
Execução Penal. Os recursos fornecidos pelo Ministério da Justiça, por meio desses
convênios, permitiram a constituição, nos vários Estados, de mínima estrutura
física, bem como a contratação de pessoal técnico especializado, para
acompanhamento e fiscalização do cumprimento da execução das penas e medidas
alternativas. Os técnicos dessas Centrais foram capacitados segundo a metodologia
de acompanhamento da execução das penas e medidas alternativas, desenvolvida
pela CENAPA, e consubstanciada no Manual de Monitoramento das Penas e
Medidas Alternativas.

Ressalta, ainda, que a criação da CENAPA sustenta-se nos fundamentos abaixo


especificados:

77
Op. Cit.
42

1 – O delito nasce no seio da comunidade, é fenômeno social e comunitário


complexo, e só pode ser controlado pelo Estado e a comunidade unidos no seu
enfrentamento. A prevenção do delito exige ampla participação da sociedade e
torna-se possível pela ressocialização do infrator, que deve ser buscada nas
alternativas penais. “Por sua própria natureza, as medidas não privativas de
liberdade incentivam a participação da sociedade na administração da Justiça Penal
de forma mais geral.”
2 – O Estado deve adotar políticas de prevenção do delito. A insegurança pública
deve ser enfrentada como um problema multidimensional, que supera o âmbito da
criminalidade e envolve um leque amplo de temas que se referem a um espetro
abrangente de áreas de atuação do Estado e da Sociedade, da educação e da saúde, a
habitação, etc. “O maior esforço da sociedade deve ser colocado na prevenção do
delito, através do melhoramento e desenvolvimento das condições da vida social”.
3 - O Estado e a Sociedade devem interagir para construir um pacto institucional e
social. O Estado é responsável pela gestão da coisa pública, sendo, portanto, o
maior executor da política pública, tendo atribuições constitucionais próprias, e é a
sociedade que a consolida, organizando-se competentemente para fazer o Estado
funcionar. Diferente do estado autoritário, o estado democrático procura envolver a
comunidade na condução das políticas públicas.
4 - A intervenção penal deve ser mínima, ocorrer somente em casos de rigorosa
necessidade, e a pena de prisão deve ser reservada para os criminosos perigosos que
cometeram crimes graves. As Regras de Tóquio 2.6 afirmam que “as medidas não
privativas de liberdade devem ser utilizadas de acordo com o princípio da
intervenção mínima”. As Regras 2.7 determinam que a utilização de medidas não-
privativas de liberdade deve ser parte do movimento em prol da despenalização e
da descriminação.

Enfatiza-se, então, o Estado como o principal executor da política pública direcionada à


prevenção do delito, envolvendo a sociedade na condução da mesma. Mas é a interação dos
poderes que possibilitará a utilização das alternativas penais como instrumento na prevenção
criminal, segundo a competência de cada um.

A Coordenação Geral do Programa de Fomento às Penas e Medidas Alternativas –


CGPMA foi criada em julho de 2006, em substituição a antiga CENAPA, a partir da
reestruturação do Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN, do Ministério da Justiça,
como órgão executivo, ao qual compete, conforme Decreto nº 5.834/06:

I – desenvolver a Política de Fomento às Penas e Medidas Alternativas nas


unidades da federação;
II – produzir e divulgar informações sobre a aplicação, execução e monitoramento
das penas e medidas alternativas no Brasil;
III – assessorar as unidades da federação no desenvolvimento da política estadual
de monitoramento da execução das penas e medidas alternativas;
IV – analisar as propostas de celebração de contratos e convênios para execução de
serviços dentro de sua área de atuação;
V – capacitar equipes de monitoramento da execução das penas e medidas
alternativas que atuam nas unidades da federação;
VI – monitorar os convênios firmados com recursos do Fundo Penitenciário
Nacional que versem sobre sua área de atuação;
43

VII – consolidar materiais e métodos que orientem o desenvolvimento do


monitoramento da execução das penas e medidas alternativas, através da definição
de diretrizes e manuais de gestão;
VIII – emitir pareceres, notas técnicas e informações administrativas sobre assuntos
relacionados à sua área de competência.

Como se percebe, o desenvolvimento das políticas voltadas à aplicação das penas e


medidas alternativas em todo o Brasil compete a CGPMA.

Em 2002, buscando alcançar uma dimensão de consolidação de política pública de


prevenção criminal, mediante disseminação da cultura da aplicação das alternativas penais em
todo o país, foi criada por meio da Portaria Ministerial nº 153/2002, a Comissão Nacional de
Apoio às Penas e Medidas Alternativas (CONAPA).

O Relatório da CGPMA de abril de 2007 ressalta que a CONAPA é composta por um


representante de cada estado e do Distrito Federal (juizes de direito, defensores públicos,
promotores de justiça, psicólogos, assistentes sociais, pedagogos e outros técnicos com
conhecimento e experiência na área de execução das alternativas penais), sendo um órgão
consultivo integrante da Coordenação-Geral do Programa de Fomento às Penas e Medidas
Alternativas (CGPMA), que tem por finalidade:

• contribuir na elaboração de planos nacionais que versem sobre Sistema de


Justiça, Segurança Pública e Direitos Humanos;
• propor fóruns públicos para debater a Política Nacional de Fomento às Penas
e Medidas Alternativas;
• sugerir projetos de alteração legislativa no âmbito da penas e medidas
alternativas;
• estimular a aplicação dos substitutivos penais e zelar pela qualidade do
monitoramento da execução das penas e medidas alternativas em todas as unidades
da federação;
• difundir as penas e medidas alternativas como instrumento eficaz de punição
e responsabilização;
• estimular parcerias entre os operadores do Direito, as autoridades públicas e
a sociedade civil organizada.

Vale ressaltar a importância e contribuição da CONAPA para a construção e


consolidação de uma política focada na cultura da aplicação e execução das alternativas
penais à prisão no Brasil.
44

3.1 APLICAÇÃO DAS PENAS ALTERNATIVAS NO BRASIL

A primeira experiência de efetiva execução de penas restritivas previstas pela reforma


de 1984 só ocorreu a partir de 1987, no Estado do Rio Grande do Sul.78

O resultado da execução das penas alternativas no Brasil no período de 2002 e 2006 foi
divulgado no Relatório de Gestão da CGPMA, antiga CENAPA, em dezembro de 2006.
Verificou-se o crescimento do número de execuções de penas e medidas alternativas no
Brasil, sendo da ordem de 200% em comparação aos números do ano de 2002,
correspondendo a 63.457 penas e medidas alternativas aplicadas em 2006 contra 21.560
apresentados em 2002.

Os dados da CGPMA fazem o comparativo da reincidência entre ex-cumpridores de


penas privativas de liberdade (presos) e os ex-cumpridores de penas e medidas alternativas
(PMAs). Enquanto o índice de reincidência dos ex-presos varia de 70 a 85%, o dos ex-
cumpridores de PMAs varia de 2 a 12%, verificando-se, desta forma, a eficácia das PMAs.

Atualmente, existem no Brasil 18 varas judiciais especializadas, complementadas por


249 Centrais de Apoio, Núcleos de Monitoramento e Serviços de Execução de Penas e
Medidas Alternativas, formando o conjunto de equipamentos públicos existentes no país,
conforme destaca a CGPMA (2007 e 2008). “Tais serviços envolvem instituições do sistema
de justiça – Poder Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública –, do Poder Executivo
e entidades da Sociedade Civil Organizada; fundamentais à garantia do bom cumprimento
das decisões judiciais”.

Ainda em referência ao Relatório da CGPMA de 2007, destaca-se que das 2.510


comarcas existentes no Brasil, 267 desenvolvem serviços especializados na área de penas e
medidas alternativas, representando 10,6% das comarcas.

Dentre os fatores positivos destacados pelo citado relatório está o número de aplicação
de penas e medidas alternativas, que em 2007 atingiu 422.522 beneficiários, ultrapassando o
nº de presos, 419.551, no mesmo período.

Outro fator de grande relevância divulgado pelo referido documento é o que trata da
verba destinada a este instituto, considerado uma das maiores conquistas no tocante às penas e
medidas alternativas em 2007, qual seja:

78
CARDOSO, Franciele Silva. Op. Cit. p. 87.
45

[...] a decisão histórica do Conselho Nacional de Políticas Criminais e


Penitenciárias (CNPCP), que recomenda ao DEPEN destinar, em seu orçamento
anual, verba não inferior ao custo total previsto para a construção de uma unidade
prisional federal (em torno de 25 milhões de reais) para a implantação, ampliação e
melhoria dos seus órgãos de execução de penas e medidas alternativas, conforme
Resolução nº 05, de 11 de dezembro de 2007.79

Considerando a atual realidade, o montante anual a ser destinado a execução de penas e


medidas alternativas no Brasil contribuirá significativamente para melhoria na implementação
e continuidade dos trabalhos voltados à política pública.

Dados atuais do Ministério da Justiça80, divulgado em fevereiro de 2008, demonstram o


quantitativo da aplicação e execução das penas e medidas alternativas em todo o Brasil, de
janeiro a novembro de 2007, conforme quadros de 1 a 4.

Quadro 1
Aplicação e execução de penas e medidas alternativas no Brasil
Período: Janeiro a Novembro de 2007
AP RO AC AL CE BA AM
Penas aplicadas 525 149 537 241 5.322 1.674
Medidas aplicadas - 2.589 284 1734 3.926 10.345 3.835
Subtotal 525 2.589 433 2.271 4.167 15.667 5.509
Penas em execução 703 498 241 680 975 705 818
Medidas em execução 1.680 2.160 370 1.145 2.113 2.320 1.196
Subtotal 2.383 2.658 611 1.825 3.088 3.025 2.014

Fonte81: Ministério da Justiça. Coordenação-Geral do Programa de Fomento às Penas e Medidas


Alternativas. Fevereiro de 2008.

79
Relatório de Gestão da CGPMA 2007, divulgado em fevereiro de 2008.
80
VISÃO SINTÉTICA DO RELATÓRIO DE GESTÃO DA CGPMA 2007. Disponível em: <www.mj.gov.br>.
Acesso em 22/05/2008.
81
A partir dos dados dos Serviços Públicos de Acompanhamento, Fiscalização ou Monitoramento de Penas e Medidas Alternativas das
unidades da federação, a ser validado pela Comissão Nacional de Apoio às Penas e Medidas Alternativas – CONAPA até 22 de fevereiro de
2008. Com as seguintes observações: 1. Os Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Tocantins ainda não entregaram dados
atualizados de 2007. Por isso foram repetidos os valores apresentados em dezembro de 2006.
46

Quadro 2
Aplicação e execução de penas e medidas alternativas no Brasil
Período: Janeiro a Novembro de 2007
GO MA PI DF SE ES MG
Penas aplicadas 1.420 722 525 11.328 3.326 3.725 5.398
Medidas aplicadas 2.894 1.213 894 3.026 4.894 6.884 11.718
Subtotal 4.314 1.935 1.419 14.354 8.220 10.609 17.116
Penas em execução 586 439 320 2.965 434 5.809 1888
Medidas em execução 1.235 481 393 1.743 753 2.411 1.835
Subtotal 1.821 920 713 4.708 1.187 8.220 3.723
Fonte: Ministério da Justiça. Coordenação-Geral do Programa de Fomento às Penas e Medidas
Alternativas. Fevereiro de 2008.

Quadro 3
Aplicação e execução de penas e medidas alternativas no Brasil
Período: Janeiro a Novembro de 2007

MS SP TO MT PA PB PE
Penas aplicadas 1.121 7.020 1.487 1.153 1.820 894 5.294
Medidas aplicadas 3.004 11.027 3.220 2.783 2.823 926 13.522
Subtotal 4.125 18.047 4.707 3.936 4.643 1.820 14.044
Penas em execução 741 4.371 410 653 551 377 2.613
Medidas em execução 492 4.350 817 785 985 535 6.230
Subtotal 1.233 8.721 1.227 1.438 1.536 912 8.843
Fonte: Ministério da Justiça. Coordenação-Geral do Programa de Fomento às Penas e Medidas
Alternativas. Fevereiro de 2008.

Quadro 4
Aplicação e execução de penas e medidas alternativas no Brasil
Período: Janeiro a Novembro de 2007

PR RJ RS RN RR SC TOTAL
Penas aplicadas 6.935 9.122 4.984 974 572 - 76.268
Medidas aplicadas 7.990 225.202 15.747 589 23 7.935 346.254
Subtotal 14.924 236.324 20.731 1.563 595 7.935 422.522
Penas em execução 1.462 2.760 4.657 659 323 223 32.080
Medidas em execução 4.561 6259 6.883 172 72 - 46.809
Subtotal 6.023 9.019 11.540 831 395 223 88.837
Fonte: Ministério da Justiça. Coordenação-Geral do Programa de Fomento às Penas e Medidas
Alternativas. Fevereiro de 2008.

3.2 PENAS E MEDIDAS ALTERNATIVAS A PARTIR DA UTILIZAÇÃO DE


POLÍTICAS PÚBLICAS NA PREVENÇÃO CRIMINAL

3.2.1 CONCEITO DE POLÍTICA PÚBLICA


47

É o conjunto de ações coletivas voltadas para a garantia dos direitos sociais,


configurando um compromisso público que visa dar conta de determinada demanda, em
diversas áreas. Expressa a transformação daquilo que é do âmbito privado em ações coletivas
no espaço público.82

As políticas públicas referem-se a decisões de governo em diversas áreas que


influenciam a vida de um conjunto de cidadãos83. Mister se faz o trabalho dos poderes em
conjunto, visando possibilitar a aplicaçao e execução das PMAs de forma eficiente e eficaz.

3.2.2 Monitoramento como política pública nas PMAs

As alternativas penais, segundo Heloisa Adario84, representam um dos meios mais


eficazes de prevenir a reincidência criminal, considerando que o infrator, cumprindo sua pena
em liberdade, seja monitorado pelo Estado e pela comunidade, ampliando-se assim as
possibilidades de sua reintegração social. “Reintegração social esta que não consiste somente
em medidas que atuem sobre o delinqüente, mas sim em uma eficaz política de interação
entre indivíduo e sociedade.”

Ressalta-se que as ações empreendidas pelo Executivo Federal voltadas para o apoio à
aplicação e execução das penas e medidas alternativas, configuram uma política pública
criminal, de caráter preventivo, cuja consolidação depende de sua integração com as demais
políticas públicas sociais.

A importância do trabalho dos poderes, conjuntamente, em prol das penas alternativas, é


contemplada nas Regras de Tóquio, especificamente na Seção VIII: “Nela se dá destaque à
importância da cooperação inter-governamental.”85

Destacam-se os comentários referentes às Regras 21.1 e 21.2:

[...] segundo a Regra 21.1, as medidas impostas aos delinqüentes devem


desenvolver-se e ser executadas dentro dos limites de planos nacionais gerais de

82
GUARESCHI, Neuza [et. al.]. Problematizando as práticas psicológicas no modo de entender a violência. In:
Violência, gênero e Políticas Públicas. Orgs: Strey, Marlene N.; Azambuja, Mariana P. Ruwer; Jaeger, Fernanda
Pires. Ed: EDIPUCRS, Porto Alegre, 2004. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/>. Acesso em 12.04.2008.
83
Disponível em: <www.ce.sebrae.com.br/paginas/produtos_servicos/
www.ce.sebrae.com.br/paginas/produtos_servicos/politicas
politicas_pub.php>.
_pub.php>. Acesso em
12.04.2008.
84
Op. Cit.
85
REGRAS DE TÓQUIO. Op. Cit. p. 87.
48

desenvolvimento que incluam a melhoria das condições do emprego, da educação,


do bem-estar social e da saúde.

A Regra 21.2 destaca a importância de revisão e avaliação periódicas dos


programas existentes, com o objetivo de lhes melhorar a eficácia. Isso pressupõe a
avaliação periódica objetivando a determinação e obtenção de recursos financeiros
suficientes e de outra natureza, necessários para garantir uma implementação
eficaz.

Estudos demonstram a necessidade de os governos em todas as suas instâncias, Federal,


Estadual ou Municipal, envolverem-se na recuperação do delinqüente, no sentido de reduzir a
violência, definindo-se nova estratégia:

A reintegração do sentenciado deve nortear a ação dos poderes públicos, tanto do


Poder Executivo como do Poder Judiciário. Se os governos implantarem políticas
de ressocialização do preso, não permitindo que os crimes, por menores que sejam,
fiquem impunes, se fomentar e fiscalizar a aplicação das penas alternativas estarão
contribuindo muito para evitar as altas taxas de homicídio e crimes violentos,
ajudando, com isso, a construir um direito penal mais humanitário86.

Segundo Alencar87, a aplicação das PMAs no Brasil têm se concentrado na prestação de


serviço à comunidade e na prestação pecuniária, mas essas modalidades dependem da
estruturação de uma rede social – governamental ou não-governamental – que ofereça as
vagas e os serviços necessários à estruturação e ao monitoramento da execução desse instituto
penal, considerando-se a necessidade de “medida efetiva de política pública a valorização
estratégica da perspectiva de ressocialização que figura no centro do discurso moderno
sobre a pena”88.

A prática demonstra que a efetiva execução das medidas não privativas de liberdade põe
uma série de desafios ao formulador e ao executor da política penal contemporânea,
destacando-se a necessidade de aperfeiçoar a fiscalização do cumprimento das penas, bem
como de aprimorar a capacitação de pessoal especializado.

Esclarece-se, ainda, que embora o processo de trabalho da equipe de apoio técnico


enquadre-se dentro de uma prática de natureza psicossocial, não se trata de medida social e

86
MIRANDA apud ROBALDO. Op. Cit. 2007.
87
ALENCAR, Márcia. Alternativas penais e rede social. Coordenação Geral do Programa de Fomento às
Penas e Medidas Alternativas, (s.d.). Disponível em: <www.mj.gov.br>. Acesso em: 22.04.2008.
88
MANUAL DE MONITORAMENTO DAS PENAS E MEDIDAS ALTERNATIVAS. Brasília: Secretaria
Nacional de Justiça, Central Nacional de Apoio e Acompanhamento às Penas e Medidas Alternativas, 2002.
49

sim de sanção penal. “A demanda e o produto desse trabalho são jurídico, de natureza
processual ou penal, e devem seguir o tratamento legal em todos os seus procedimentos e
conseqüências”89.

É importante a capacitação dos profissionais envolvidos com a prática das alternativas


penais, considerando que o trabalho requer conhecimentos especializados devido ao delicado
papel de compreensão entre o fato jurídico e o fato social, fazendo a interseção entre o juízo
da execução e a comunidade, o que já vem sendo executado pelas ações da CGPMA.

Conforme o estudo do Ministério da Justiça em destaque, o tema das alternativas penais


tem forte caráter ideológico e aproxima o Direito do mundo dos fatos. Nesse sentido, a
interdisciplinaridade complementa a realidade jurídica e a realidade social, onde o saber
técnico-jurídico constrói correspondência de conceitos fundamentais, demonstrados na
tabela5.

Quadro 5

Interdisciplinaridade: Mundo Jurídico e Mundo Psicossocial

MUNDO JURÍDICO MUNDO PSICOSSOCIAL


Conduta Comportamento
Fiscalização Acompanhamento
cumprimento da pena/medida reinserção social
Fonte: Manual de Monitoramento das Penas e Medidas Alternativas. Brasília: Secretaria Nacional
de Justiça, Central Nacional de Apoio e Acompanhamento às Penas e Medidas Alternativas, 2002.

Para que o processo de execução das PMAs seja eficaz indica-se a necessidade do
devido monitoramento da mesma: “O monitoramento requer uma análise permanente da
relação dialógica entre a dimensão político-institucional e a dimensão técnico-operacional
do processo de execução das alternativas penais para a garantia da eficácia deste instituto
penal. Todo programa deve ser constantemente avaliado, pesquisado e, quando o caso,
revisado.”90

Informações do Ministério da Justiça, advindas do Manual de Monitoramento das


PMAs, em análise, sustentam que é no monitoramento da execução das penas e medidas
alternativas que se vislumbra a defesa de políticas públicas relacionadas com a questão do
controle social:

89
Ibidem.
90
Ibidem.
50

Na perspectiva político-institucional, o monitoramento está diretamente relacionado ao


tema da responsabilização da esfera pública, compreendida como atuação do Estado e da
Sociedade Civil em favor do interesse público, pelas suas obrigações de respeito e proteção
aos direitos sociais e humanos.

Na perspectiva técnico-operacional, o monitoramento das penas e medidas alternativas


é o da execução propriamente dita, como resultado do diálogo estabelecido entre as
dimensões jurídica e técnica durante o processo de cumprimento de uma pena ou medida.
(gn)91

Ressalta-se que o monitoramento da execução propriamente dita, é àquele realizado pela


equipe de apoio técnico, que se distingue da fiscalização realizada pelo Juiz da Execução,
Ministério Público e Patronato, órgãos fiscalizadores da execução. Os procedimentos técnicos
para o correto monitoramento das PMAs estão anexos.

3.2.2.1 Princípios do monitoramento

Os princípios que regem o processo de monitoramento do trabalho de execução das


alternativas penais são três: 1) interinstitucionalidade – como o sistema de justiça interage
entre si; 2) interatividade – como o sistema de justiça interage com o sistema social; e 3)
interdisciplinaridade – como o discurso e a prática do mundo jurídico interagem com o
discurso e a prática do mundo dos fatos.

O processo desses três princípios é assim descrito:

A interinstitucionalidade pode ser compreendida como a ação integrada do Estado,


onde o sistema de justiça abrange o Tribunal de Justiça, o Ministério Público, a
Secretaria de Justiça, Secretaria de Segurança Pública e Defensoria Pública. O grau
de articulação entre estas instituições revela o nível de sustentabilidade político-
institucional das alternativas penais.
O princípio da interatividade também assegura a sustentabilidade político-
institucional do processo de trabalho na vertente da relação do Estado com a
Sociedade Civil, tendo, como insumo, o exercício do controle social. O Estado
executa a política criminal e a Sociedade Civil a consolida como política pública,
através da constituição da rede social de apoio à execução dos substitutivos penais.
Essa rede social de apoio é composta por entidades parceiras que disponibilizam as
vagas e viabilizam a execução penal propriamente dita e por entidades
representativas da comunidade que legitimam e influenciam essa prática, dentre
elas: OAB, universidade e organizações não-governamentais voltadas para área de
justiça, cidadania e direitos humanos.
91
Ibidem.
51

[...]
A interdisciplinaridade aborda o modo como os peritos em comportamento
interagem com os operadores do Direito. O processo é psicossocial e ocorre na
esfera microssocial. Neste nível técnico-operacional, os principais atores
envolvidos são o Juízo da Execução, o Ministério Público, a Equipe de Apoio
Técnico e a Comunidade92.

A relação entre os dois primeiros princípios, que representam o processo de execução


das PMAs em esfera macro-social e que quando articulados compõem o corpo político do
sistema de alternativas penais, são demonstrados na figura 1.

92
Ibidem.
52

Figura 1
Visão esquemática da relação entre os princípios da interinstitucionalidade e da interatividade

legalidade
ESTADO Órgãos da Execução

Ação integrada do Estado


C E
O X
N Corpo Político do Sistema de E
T interatividade Alternativas Penais interinstitucionalidade C
R U
O Ç
L Ã
E O

Mobilização da Sociedade Civil

Fonte: Manual de Monitoramento das Penas e Medidas Alternativas. Brasília: Secretaria Nacional de Justiça, Central
Nacional de Apoio Parceiras
Entidades e Acompanhamento às Penas e Medidas Alternativas, 2002. SOCIEDADE
legitimidade

Fonte: Manual de Monitoramento das Penas e Medidas Alternativas. Brasília: Secretaria Nacional de Justiça,
Central Nacional de Apoio e Acompanhamento às Penas e Medidas Alternativas, 2002.

3.2.3 Ações voltadas para o desenvolvimento de política pública de inclusão social

A teoria contempla a política pública na execução das alternativas penais e nesse


sentido, apresentam-se dados de projetos explanados no III Congresso Nacional de Execução
de Penas e Medidas Alternativas – CONEPA, ocorrido no período de 28 a 30 de novembro de
2007 em Belo Horizonte – MG, onde constatam-se ações voltadas ao desenvolvimento de
políticas públicas em prol da inclusão social dos beneficiários das PMAs.

Os projetos Sociedade Cooperativa, Fique Esperto e o Programa Aguapé, do Tribunal de


Justiça do Pará, reúnem cinco projetos: Projeto Açaí – Ação Integrada, Projeto de Volta a
Escola, Projeto Construindo a Cidadania, Projeto Dó, Ré, Mi, Faz Melhor e Projeto Fênix, e
Projeto Novos Horizontes, de Aracaju/SE, conforme transcrição de parte da apresentação.

Projeto Sociedade Cooperativa


Otimiza as ações da Vara de Execução das Medidas e Penas Alternativas a partir do
desenvolvimento de parcerias junto às instituições públicas e privadas, com o
intuito de somar esforços para inclusão social de pessoas cumpridoras de medidas e
penas alternativas, tendo a sociedade como núcleo central que sofre, identifica e
resolve seus problemas.
53

Parcerias sugeridas pelo projeto: Ministério da Justiça; Governo Estadual e


Municipal; Instituições de Ensino; Igrejas; Mídia; Poder Legislativo; Rede Social
de Execução de Penas Alternativas; Sistema
SESI/SENAI/SEBRAE/SESC/SENAC/FIES; Instituições Financeiras.
Projeto Fique Esperto
Focos do Projeto:
Constituição de rede de apoio, formada por entidades governamentais e não-
governamentais, à fim de disponibilizarem vagas e serviços ao público-alvo deste
projeto; informar aos beneficiários e familiares acerca dos malefícios e
conseqüências físicas, psíquicas e sociais causadas pelas substâncias entorpecentes;
mudança da abordagem pelos operadores do direito; encaminhamento dos
beneficiários para rede de atenção pública e privada.
Programa Aguapé
Um programa amplo que reúne vários projetos voltados para a profissionalização,
capacitação e inclusão social;
Inicialmente o programa abriga os projetos voltados aos jurisdicionados atendidos
pelas varas da execução de penas e medidas alternativas e de privativa de liberdade.
Projeto Açaí – Ação Integrada
Proporciona a inserção de sujeitos submetidos a pena ou medida alternativa e o
egresso no mercado de trabalho, após capacitação em cursos profissionalizantes
ministrados pelos reeducandos ou por profissionais voluntários dentro da rede de
parcerias.
Projeto de Volta a Escola
Incentivar e facilitar a inserção de pessoas submetidas a pena ou medidas
alternativas e o egresso na rede pública de ensino; adequar a pena de limitação de
final de semana no programa escola de portas abertas, do governo federal.
Projeto Construindo a Cidadania
Viabilizar através dos órgãos parceiros, aos sujeitos submetidos a medidas ou penas
alternativas e ao Egresso, os documentos necessários à inclusão social e
profissional, assim como a seus familiares.
Projeto Dó, Ré, Mi, Faz Melhor
Resgatar a humanização através da arte, envolvendo os assistidos pelas varas de
execução a desenvolver habilidades artístico-musicais, oportunizando capacitação
profissional para o futuro.
Projeto Fênix
Visa a inclusão dos egressos e dos submetidos a penas e medidas alternativas,
extensivo às seus familiares em programas de tratamento, sensibilização e
prevenção ao abuso de álcool e de outra drogas, e tenham esse uso como causa do
apenamento ou aplicação da medida.
Projeto Novos Horizontes
Desenvolvimento de ações integradas na área de inclusão social à fim de viabilizar
o acesso dos beneficiários da Vara de Execução das Medidas e Penas Alternativas
da Comarca de Aracaju e seus respectivos familiares, classificados abaixo da linha
da pobreza, aos programas oferecidos pela Secretaria de Estado de Inclusão Social.
Focos do projeto:
Possibilitar a inclusão dos beneficiários da Vara de Execução das Medidas e Penas
Alternativas em programas federais; Distribuição de cestas básicas aos que se
apresentarem em situação de insegurança alimentar; Cadastrar os beneficiários nos
programas de desfavelamento; Ofertar cursos de capacitação que possibilitem a
inclusão produtiva.93

Os resultados mais recentes da aplicação das penas e medidas alternativas no Brasil,


fundamentada em projetos direcionados à política pública, revelam a participação do Poder
Executivo em nível local na execução das PMAs, contribuindo para a inclusão social do

93
III CONEPA/Apresentações, 2007.
54

beneficiário deste instituto penal a partir de programas que contemplam cursos


profissionalizantes, acesso à rede pública de ensino e cestas básicas àqueles em situação de
insegurança alimentar.

3.2.4 O papel do Poder Executivo na efetividade das PMAs no Brasil

O papel do Poder Executivo na efetividade das PMAs no Brasil está na garantia do


devido monitoramento do sistema penal alternativo através da construção de uma rede social
sustentável94. Ressaltam-se as experiências realizadas pela Secretaria de Justiça e Cidadania
de Pernambuco desde 2000, Secretaria de Estado de Justiça e Cidadania de Minas Gerais a
partir de 2001 e pela Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo desde 2002.

A noção de rede social está diretamente relacionada ao tema da esfera pública, conforme
Márcia de Alencar95: “... refere-se à relação dialógica estabelecida entre o Estado e a
sociedade civil organizada no exercício do controle social e na defesa do interesse público e
na defesa do interesse público, através da implementação de políticas públicas”, acrescenta,
ainda, que no caso específico da sanção penal alternativa, envolve a implementação de uma
política de prevenção criminal que não pode ser reduzida apenas a um contexto de execução
penal.

Quanto à perspectiva estatal a noção de rede social fica submetida à


institucionalização das relações de poder entre Estado e Sociedade, considerando que a ação
pública é estabelecida com base na racionalidade do espaço, no qual o lugar institucional que
o agente ocupa, determina a legalidade do ato público. “Talvez este aspecto se constitua no
maior desafio da prática dos juízos de execução das alternativas penais no Brasil, em
reconhecer o Poder Executivo como o lócus natural do monitoramento deste sistema penal,
sem com isso comprometer a competência exclusiva do papel de fiscalização exercido pelo
Juiz e pelo Ministério Público, como ocorre no sistema penitenciário”96 (gn).

O papel do Poder Executivo na concretização do monitoramento das PMAs condiciona-


se ao envolvimento da comunidade no tratamento penal de forma integrada à implantação de

94
ALENCAR, Márcia. Op. Cit.
95
Ibid.
96
Ibid.
55

políticas sociais de base, nas áreas de saúde, escolarização, profissionalização e geração de


emprego e renda, como sugerido.

Não se pode insistir em estabelecer a relação entre alternativas penais e rede social
sem compreender o papel inerente do Poder Executivo na interação com a
comunidade, na medida em que a arena da execução penal alternativa ocorre no
ambiente social, extrapolando o campo do direito penal.97

Esclarece a autora em destaque que a administração do sistema criminal alternativa à


prisão tem dois focos de intervenção de competências específicas e complementares:
procedimentos de natureza jurisdicional e procedimentos de natureza administrativa. Nesse
aspecto, volta a se considerar os princípios de interinstitucionalidade e interatividade,
argumentando-se que “o estado e a sociedade civil organizada executam a política criminal e
a consolida como política pública de prevenção à criminalidade, através da constituição da
rede social de apoio à execução dos substitutivos penais”.

97
Ibid.
56

4 PENAS ALTERNATIVAS COMO INSTRUMENTO DE POLÍTICA


PÚBLICA NA PREVENÇÃO CRIMINAL NO ESTADO DE RORAIMA

4.1 HISTÓRICO DAS PMAs EM RORAIMA

A nova Lei 9.714, sancionada pelo Presidente da República em 25 de novembro de


1998, instituiu as penas alternativas e alterou dispositivos do Decreto Lei nº 4828/1940, atual
Código Penal Brasileiro, nos arts. 43, 44, 45, 46, 47, 55 e 77.

A partir da lei conhecida como Lei das Penas Alternativas, houve a necessidade de se
criar um órgão responsável pelo monitoramento e acompanhamento das PMAs.

Foi inaugurada em maio de 2001 e implementada em outubro do mesmo ano a


CEAPA/RR, através de parceria do Ministério da Justiça com Defensoria Pública do Estado
de Roraima. Teve suas atividades desenvolvidas com estrutura adequada até julho de 2003. A
partir desta data até dezembro de 2005, face a carência de recursos humanos e materiais,
decorrente das freqüentes inadimplência do estado no Cadastro de Inadimplência – CADIN,
resultou na impossibilidade de se firmar novos convênios, o que gerou, destarte, acentuada
defasagem no fluxo de atendimento.

Neste ínterim, contribuiu para os resultados positivos em Roraima o apoio da Defensoria


Pública do Estado – DPE, gestor inicial, com a disponibilização de transporte duas vezes por
semana, material de expediente e dois servidores administrativos, que somados ao recurso
humano já existente (uma assistente social e dois ex-beneficiários de prestação de serviços à
comunidade que atuaram como voluntários), contribuiu para que se obtivessem resultados
eficazes na execução das PMAs, como já indicados nas estatísticas.
57

Em dezembro de 2005, o Tribunal de Justiça de Roraima, numa parceria com o


Ministério da Justiça, obteve aprovação de convênio que não obstante, deixou de ser
executado em razão de parecer da Assessoria Jurídica do aludido Tribunal, contrário à
contratação de pessoal expenso àquela verba. Essa ruptura fez perdurar as dificuldades
inerentes a estrutura da CEAPA, no que tange às metas programadas, ficando, então, àquela
corte, contribuindo na doação de material de expediente, na qualidade de conselho político.

É mister enfatizar, ainda, que através da Lei nº 546, datado de 20 de junho de 2006
(anexo), o Egrégio Tribunal de Justiça arvorou para sua responsabilidade a execução das
penas e medidas alternativas, através da criação da Central Estadual de Apoio e
Acompanhamento às Penas e Medidas Alternativas da Comarca de Boa Vista – CEAPA98,
atual Divisão de Execução de Penas Alternativas – DIEP, vinculada à 3 a Vara Criminal da
Comarca de Boa Vista, conforme Lei Complementar nº 107, de 14 de junho de 2006 (anexo).

A DIEP é composta por um pedagogo; dois agentes de proteção com atuação na


fiscalização e acompanhamento; quatro estagiários das áreas de Direito, Psicologia e
Administração.

Até agosto de 2007, a rede de atendimento contava com 177 entidades governamentais e
não governamentais com disponibilidade para receber, cada uma, em média, três
beneficiários, somando-se, ao mês, 454 vagas para cumprimento da PSC. Dentre essas
entidades conta-se com escolas, hospitais, secretarias de estado, secretarias de município,
postos de saúde, instituições como a Casa do Vovô e associações. Esclarece-se que quando a
medida for de tratamento para a dependência química, não é permitido encaminhar
beneficiário incluso nessa medida para instituições escolares.

4.2 ATRIBUIÇÕES DA DIEP

São atribuições da DIEP:

• Cadastrar e credenciar, sob a supervisão do juiz titular da 3a Vara Criminal,


entidades públicas, privadas e Organizações Não-Governamentais (ONGs)

98
Tribunal de Justiça do Estado de Roraima. Disponível em: <www.tj.rr.gov.br> Acesso em 22.04.2008.
58

nacionais para apoio no acompanhamento e monitoramento das penas e medidas


alternativas;

• Possibilitar e desenvolver atividades psicossociais que permitam a


ressocialização dos apenados, sob a supervisão do juiz da 3a Vara Criminal;

• Contribuir para a elaboração da política criminal voltada à prevenção da


delinqüência, sob a supervisão do juiz da 3a Vara Criminal;

• Informar os Juízos de Direito das Varas Criminais Comuns e Especializadas e


dos Juizados Especiais Criminais, o cumprimento ou o descumprimento das
penas, bem como o acompanhamento de cada beneficiário;

• Fazer relatório mensal à Corregedoria-Geral de Justiça, quanto ao número de


feitos recebidos para execução de penas restritivas de direito e medidas
alternativas, acompanhamento, cumprimento;

• Avaliar o beneficiário e a entidade da rede social após o término da execução,


por meio de questionário adequado.

Vale, ainda, mencionar, que a avaliação final com o beneficiário tem como objetivo
fazê-lo refletir sobre os efeitos que a pena alternativa proporcionou em sua vida e a
importância desta em seu futuro. Após, a equipe interprofissional o incentivará a reprojetar
sua história de vida, direcionando-o ao retorno à escola, bem como ser um ente de
transformação social através de práticas voluntárias, conforme testemunhos relatados neste
capítulo.

Enfatiza-se que o acompanhamento é feito via telefone com os responsáveis de cada


instituição parceira, a quem se esclarece e se procura sensibilizar para a importância de seu
papel no êxito do cumprimento da pena. Após todo esse processo, é enviado ao juiz da 3ª
Vara Criminal (execução penal) relatório final com as devidas conclusões.

4.3 PERFIL DOS BENEFICIÁRIOS

Os beneficiários das PMAs em Roraima apresentam o seguinte perfil: a maioria é do


sexo masculino; é jovem, considerando a faixa etária de 18 a 25 anos e apresenta nível de
escolaridade baixo, já que 43% possui nível fundamental incompleto, conforme gráficos 1 e 2.
59

Gráfico 1
Idade do Beneficiário – 2001 a 2002

45
40
35
30
25
20
15
10
5
0

18 a 25 anos 1
26 a 35 anos acima de 35 anos

Fonte: DIEP (2008)

Gráfico 2
Nível de Instrução do Beneficiário – 2001 a 2002

50
40
30
20
10
0
analfabeto 1alfabetizado

nível fundamental incompleto nívelmédio incompleto


nível médio completo 3º grau incompleto
3º grau completo

Fonte: DIEP (2008)

4.4 DELITOS MAIS FREQÜENTES E REINCIDÊNCIA

Dentre os delitos praticados, o furto e o uso de substâncias químicas é o que sobressai,


seguido de ameaça e agressão física, como demonstra o gráfico 3.
O índice de reincidência é de 1%.
60

Gráfico 3
Tipo de Delito – 2001 a 2002

30
20
10
0
1
lesão corporal crim e contra a natureza uso de subs química
crime de desobediência crim e c/ vítim a no trânsito furto
desacato a autoridade agressão fís ica porte ilegal de arma
ocultação de cadáver trans gressão disciplinar ameaça

Fonte: DIEP (2008)

4.5 PROCESSOS EM TRAMITAÇÃO NA 3ª VARA CRIMINAL

Os processos em tramitação na 3ª Vara Criminal referente a transação penal e suspensão


do processo originados nos Juizados Especiais totalizam 887, conforme dados coletados no
dia 20 de maio de 2008.
Quanto a aplicação das restritivas de direito, os dados não foram disponibilizados até o
fechamento do presente trabalho.

4.6 DADOS DOS BENEFICIÁRIOS FORNECIDOS PELA DIEP EM 20 DE MAIO DE


2008

Segundo dados da DIEP, o quantitativo de beneficiários que se encontram cumprindo


alternativas penais está abaixo descrito:
• Prestação de Serviços a Comunidade: 30;
• Pena Pecuniária: 8;
• Medida de Tratamento: 3;
• Aguardando apreciação de sumário pelo juiz para iniciar o cumprimento da PSC: 94;
61

• Aguardando comparecimento dos beneficiários para agendamento e posterior


entrevista psicossocial: 92;
• Aguardando resposta de expediente informando descumprimento ao juiz: 122;
• Agendados até o dia 17 de julho de 2008: 65;
• Faltosos a entrevistas psicossociais: 11;
• Aguardando elaboração de sumário referente ao estudo psicossocial a ser enviado ao
juiz: 10;
• Aguardando elaboração de relatório de conclusão pela DIEP: 03.
62

4.7 POLÍTICA PÚBLICA EM RORAIMA

4.7.1 Monitoramento e Rede de atendimento

O Estado de Roraima apresenta como política pública a louvável instalação da


CEAPA/RR em 2001, que veio suprir a lacuna existente na aplicação das penas alternativas,
merecendo para maior eficácia, a presença das parcerias dos poderes Executivo (estadual e
municipal), Judiciário e Legislativo, na execução das políticas afins.

Cabe sugerir a observância dos critérios norteados pelo embasamento do que estabelece
especificamente “pena alternativa como política publica”, razão porque faz-se necessária a
presença do Estado no monitoramento das penas e medidas alternativas.

Em assim sendo, é importante destacar a relevância do papel do acompanhamento das


penas e medidas alternativas para sua efetivação99, apresenta duas perspectivas: a jurídica e a
social. “...a perspectiva jurídica objetiva a fiscalização fiel do cumprimento da pena ou
medida alternativa determinada. A Perspectiva social visa o processo de integração e /ou
inclusão social do cumpridor dentro dos limites impostos durante a sanção penal”.

O monitoramento das PMAs em Roraima não difere, em tese, dos demais estados
brasileiros, conforme se pode verificar nos anexos.

Entendendo a pena alternativa como política pública, com a presença do Estado no


monitoramento da execução das penas e medidas alternativas, o modelo de rede social em
destaque na figura 2 é indicado como forma ideal a ser utilizada pelos estados na iniciativa de
políticas publicas voltadas para as penas alternativas. No entanto, a estrutura do Estado de
Roraima, apesar de dispor de uma rede social composta por 177 entidades governamentais e
não-governamentais, se limita, tão somente, à disponibilização de vagas para o cumprimento
da PSC. Quanto aos serviços, ocorrem esporadicamente e respaldados em solicitações
individuais nas áreas de saúde e educação; e até a presente data o monitoramento é feito,
praticamente, por telefone, o que viola a orientação da política específica para área.

99
Apud ALENCAR, Márcia in MANUAL DE MONITORAMENTO DAS PENAS E MEDIDAS
ALTERNATIVAS. Brasília: Secretaria Nacional de Justiça, Central Nacional de Apoio e Acompanhamento às
Penas e Medidas Alternativas, 2002.
63

Figura 2
Penas e Medidas Alternativa e Rede Social

ESTADO CONTROLE SOCIAL SOCIEDADE

Política Pública de Prevenção Criminal

Agentes Públicos REDE SOCIAL Agentes Sociais

Sistema de Monitoramento das


Alternativas Penais
VAGAS SERVIÇOS

Prestação de Serviços à Comunidade Tratamento


Prestação Pecuniária Escolarização
Limitação de Fim de Semana Profissionalização
Trabalho

Fonte: Márcia de Alencar. Alternativas penais e rede social.

Para tanto, Alencar, que baseia seu estudo no Manual de Monitoramento das Penas e
Medidas Alternativas do Ministério da Justiça, descreve como o Poder Executivo
concretizaria a rede social, demonstrado na figura 2: “O poder Executivo ao captar,
cadastrar e capacitar a rede social, cria um sistema integrado de monitoramento das penas e
medidas alternativas que se materializa através das vagas e serviços oferecidos ao
cumpridor da sanção penal”.

Explicando a figura 2, observa-se que os agentes públicos e sociais envolvidos na


administração do sistema criminal necessitam construir uma prática consensual e ativa que
integre o discurso do mundo jurídico à linguagem do mundo social, a partir da realidade local.
O monitoramento ativo só acontece quando o poder local participa da decisão e não apenas
operacionaliza as decisões técnico-jurisdicionais ou técnico-administrativas.

Nesse sentido, não se pode deixar de reconhecer que a formação da rede social depende
dos equipamentos locais e de ferramentas gerenciais adequadas para produzir um sistema de
informação confiável que ofereça a segurança jurídica necessária ao Judiciário, ao Ministério
Público e à Defensoria Pública.
64

Com base nos instrumentos de trabalhos formalizados institucionalmente, o Poder


Executivo pode produzir os indicadores, sistematizar o conhecimento acumulado das boas
práticas, além de monitorar o gestor local e a equipe na elaboração de diagnósticos,
planejamento e avaliação dos resultados de forma sistemática.

Desta forma, o Poder Executivo ao captar, cadastrar e capacitar a rede social, cria um
sistema integrado de monitoramento das penas e medidas alternativas que se materializa
através das vagas e serviços oferecidos ao cumpridor da sanção penal, o que vem corroborar a
importância da integração dos poderes no Estado de Roraima, com destaque para o Poder
Executivo no que tange ao monitoramento das PMAs.

4.7 ANÁLISE REFLEXIVA DA EXECUÇÃO DAS PMAS NA VISÃO DOS


BENEFICIÁRIOS E OPERADORES DO DIREITO

Neste contexto, demonstra-se através de relatos de experiências obtidas de ex-


prestadores de serviço à comunidade, que esta modalidade, quando bem aplicada e executada,
desenvolve na pessoa que a cumpre, sentimentos de solidariedade que o auxiliará em práticas
sociais voluntárias.

“Foi para mim um renascer, pois eu já me encontrava no ‘fundo do poço’, estava


perdendo trabalho, família e amigos, quando por decisão judicial recebi pena
alternativa de tratamento para dependência química e prestação de serviço a
comunidade. Eu cumpri as duas e descobri que eu poderia ajudar outras pessoas a
acreditarem que podem sair do submundo das drogas. Desde então passei a dar
palestras em escolas, associações e no Centro de Recuperação e Promoção Humana
- C.R.P.H. Faço isso porque gosto, ninguém me manda, ninguém me paga. Procuro
ajudar os outros assim como me ajudaram” (N. ex-prestador de serviço
comunitário, Clinica Provida).

“Cumpri pena alternativa por delito de trânsito e acredito nas alternativas penais
porque elas me ajudaram a refletir meu erro, mudar minha maneira de agir e até me
tornar uma pessoa mais solidária. Passei a ser voluntário na CEAPA, local onde
cumpri minha pena, ajudando em tudo que podia, pois lá não tinha funcionários
suficientes. Me senti útil e até hoje ainda continuo dando minha colaboração”
(M.J.C. – CEAPA/RR).

A seguir, apresentam-se relatos de beneficiários que se encontram em cumprimento da


prestação de serviço, que vêem a prestação de serviço como uma boa opção para aqueles que
não tem personalidade voltada para o crime‫׃‬
65

“Eu recebi uma substituição de pena e já tinha cumprido mais de um ano aos
domingos, das 7:00 às 14:00 h., porque o meu trabalho era no interior. Agora fui
informado que, por decisão judicial, tenho que cumprir todos os dias, uma hora por
dia. Estou cumprindo porque não quero ser preso, mas a minha vida ficou difícil.
Sou viúvo há um ano, tenho um filho de três anos e moramos com a minha mãe,
porque perdi o emprego para poder cumprir a pena e estou recebendo auxílio
desemprego, que já tá pra acabar. Eu acho a pena alternativa uma boa oportunidade
pra quem ainda tem chance de mudar de vida, mas a gente precisa trabalhar”
(P.L.S.Jr. - Instituição: Hospital Geral de Roraima).

“Fiquei feliz quando deixei a cadeia depois de quase cinco meses preso para
cumprir pena alternativa, prestando serviço a comunidade, fiquei perto da minha
mulher, dos meus filho e pude trabalhar para sustentar todos. Fui condenado, acho
que a três anos e seis meses, e já cumpri mais de um ano no hospital, todo domingo,
das oito as treze horas, e agora fui comunicado que o juiz determinou que eu tenho
que cumprir de segunda a sexta-feira, uma hora por dia. Eu disse que não dava,
porque tenho que trabalhar e não posso tirar do sustento dos meus filhos para pagar
transporte todo dia para ir para a instituição pagar pena. Mas não teve jeito, é
decisão, então eu que sou como pedreiro e faço de tudo um pouco na área de
construção civil, acabo fazendo tudo às vezes em dois ou três dias porque não posso
deixar o serviço pela metade, mas assino a freqüência como se eu fosse todos os
dias (O.S.S.- Instituição: Escola Princesa Isabel).

Verificou-se nos testemunhos coletados a necessidade de ser reexaminada a forma de


cumprimento da carga horária estabelecida na execução da pena alternativa na modalidade de
PSC em pratica no Estado de Roraima. De acordo com o art. 5º da portaria nº 002, publicada
em 08 de abril de 2008 (anexo), “O cumprimento das prestações de serviço à comunidade
será sempre a razão de uma hora de tarefa por dia de pena, salvo decisão judicial em
contrári”’100.(gn)

Considerando o art. 46, § 3º, 2ª parte do CP, as tarefas deverão ser cumpridas à razão de
uma hora por dia de condenação, fixadas de modo a não prejudicar a jornada normal de
trabalho, logo, sete horas semanais distribuídas de acordo com a disponibilidade do
beneficiário. E o § 4º do mesmo artigo ressalta que se a pena substituída for superior a um ano
é facultado ao condenado cumprir a pena substitutiva em menor tempo, porém nunca inferior
à metade da pena privativa de liberdade fixada. Em outras palavras, compreende-se que em
atenção ao § 4º, a carga horária pode chegar até 14 horas.

A não observância dos dispositivos acima elencados em prática na execução da PSC em


Roraima vem acarretando resultados negativos na execução das PMAs, tanto para o
beneficiário quanto para a rede de atendimento, levando-se em consideração que o
100
DIÁRIO DO PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE RORAIMA – DPJ, nº...., edição do dia 08.04.2008.
66

cumprimento não deve prejudicar a jornada normal de trabalho. No entanto, cumprir uma
hora todos os dias da semana estará expondo este prestador ao descumprimento, pois terá
dificuldades para se ausentar todos os dias do trabalho, bem como terá um gasto adicional
com transporte, situação que agrava sua condição financeira. Além de que a pena ou medida
imposta não cumprirá sua função jurídico-social, pois embora dotada de cunho retributivo,
tendo em vista a imposição do trabalho ao infrator, predomina, nesta sanção, o caráter
ressocializador, pois permite a manutenção do vínculo com o corpo social, ao tempo em que
revela a utilidade da pena, traduzida nas tarefas desempenhadas em prol da sociedade, logo,
não tendo este entendimento, estará, com esta prática, retirando a oportunidade do
beneficiário refletir o delito, como também de contribuir para que se torne um ente de
transformação social.

Já para a rede de atendimento, a determinação da portaria mencionada vem causando


impacto negativo, pois considera antipedagógico, uma vez que retira do prestador e da
instituição a oportunidade de interação e inclusão social.

Corroborando o entendimento acima, faz-se referência ao pensamento do Promotor de


Justiça da Vara de Execuções e Penas e Medidas Alternativas da Bahia, Jéder Luiz Rocha
Gomes: “Contudo,
Contudo, em países como Hungria, Rússia, Polônia, República Tcheca e Brasil, a
prestação do trabalho comunitário deve ocorrer durante as horas e dias livres para o
infrator, de modo que não prejudique a sua jornada normal de trabalho (artigo 46, § 3º, do
Código Penal Pátrio).” .101

A partir das experiências apresentadas constata-se a eficácia da aplicação das penas


alternativas, em especial da PSC, necessitando-se então, para se atingir melhores resultados,
comprometimento e sensibilidade dos operadores do direito, como se pode observar nos
relatos apresentados a seguir.

“Considero as penas alternativas um grande avanço em nosso sistema jurídico


penal, pois representam um dos meios mais eficazes de prevenção do crime, haja
vista que a prisão não tem atingido sua finalidade declarada. Em vez de recuperar o
delinqüente acaba sendo uma escola para permanência no crime. Mas veja bem:
para que as Penas e Medidas Alternativas atinjam seu real objetivo é necessário que
sejam aplicadas e executadas com inteligência, flexibilidade, bom senso e
responsabilidade” (Erick Linhares – Juiz de Direito / Boa Vista - RR).

101
GOMES, Geder Luiz Rocha. A Substituição da Prisão- Alternativas Penais: legitimidade e adequação.
Salvador: Editora Pódium, 2008.
67

“Acredito nas penas alternativas, porém elas precisam e devem ser aplicadas com
especial dose de realismo, verificadas as condições seguras de execução, de modo a
contribuir para a recuperação do infrator e não agravar sua condição sócio-
econômica, o que compromete o resultado esperado e pode ser motivo para novo
conflito entre o infrator e a vítima” (Tânia Maria Vasconcelos Dias – Juíza de
Direito / Boa Vista – RR).

“Acredito que as penas alternativas são viáveis, positivas para os crimes de baixo e
médio potencial ofensivo. Quanto ao nosso estado, é preciso mais empenho,
investimento por parte do poder público para que as penas e medidas alternativas
possam melhor atingir a sua eficácia” (Ísaias Montanari Júnior-Promotor de
Justiça/Boa Vista-RR).

Observa-se que a aplicação das penas alternativas na visão dos operadores do direito é
positiva e adequada ao público alvo de baixo e médio potencial ofensivo, mas necessita de
melhorias no que tange ao monitoramento e fiscalização.
Por outro lado, mister esclarecer que a demanda de processo sob a responsabilidade da
3ª Vara Criminal de Execuções aumentou consideravelmente a partir da publicação da Lei
Complementar nº 107, de 14 de junho de 2006, que alterou a Lei Complementar nº 002, de 22
de setembro de 2003 (anexo), ampliando a competência daquele juízo no que tange à
execução, qual seja, incluiu-se as execuções dos juizados especiais. Essa realidade nos leva a
sugerir que para se atingir maior celeridade processual, se faz necessário a análise da
possibilidade de nomeação de outro juiz para somar com o titular da citada vara, uma vez que
não existe vara especializada para execução de penas e medidas alternativas em Roraima.

4.8 EFICÁCIA DAS PENAS ALTERNATIVAS EM RORAIMA

Dentre os Estados brasileiros que aplicaram as penas e medidas alternativas em 2007,


demonstramos os estados do Acre e de Roraima, ambos da região Norte. Acre apresenta 433
medidas e penas aplicadas, como demonstram a tabela 1, sendo que Roraima aparece com 595
medidas e penas alternativas aplicadas no mesmo período, conforme tabela 4. Deve-se
considerar a população dos dois Estados: o Acre possui 669.736 ha e Roraima 384.321 ha. A
população carcerária do Acre é 2.403 e a de Roraima 1.301 presidiários 102. Levando-se em
consideraçao o número de habitantes e de populaçao carcerária, Roraima apresenta vantagem
com relação ao Acre, no que tange ao número de penas e medidas aplicadas e executadas,

102
INFORMAÇOES INFOPEN. Ministério da Justiça. Execução Penal. Sistema Prisional, InfoPen – Estatística,
(12/2007). Disponível em: <www.mj.gov.br>. Acesso em: 22/04/2008.
68

valendo lembrar que Roraima não dispõe de estrutura adequada de políticas permanentes
nesta área.

Das penas e medidas alternativas em execução em 2007, o Estado que se destaca é o Rio
Grande do Sul, com 11.540 beneficiários103, como demonstram o quadro 4 e o gráfico 4.

Gráfico 4
Penas e medidas alternativas em execução nos estados brasileiros
Período: Janeiro a Novembro de 2007

14000
12000
10000
8000
6000
4000
2000
0
1

AP RO AC AL CE BA AM GO MA PI DF
SE ES MG MS SP TO MT PA PB PE PR
RJ RS RN RR SC
Fonte: Ministério da Justiça. Coordenação-Geral do Programa de Fomento às Penas e Medidas Alternativas.
Fevereiro de 2008. Adaptação da autora.

Das informações apresentadas, verifica-se que dentre as medidas e penas alternativas


aplicadas e em execução no Brasil em 2007, as penas são as que sobressaem; sendo 82% os
indicadores para as penas aplicadas no período indicado, e 59% as penas em execução.

Embora os resultados sobre o Estado de Roraima sejam aparentemente diminutos frente


aos demais estados, destaca-se que ele é relevante em razão de sua eficácia, mesmo não
havendo a credibilidade e incentivos necessários a manutenção das ações referente ao
programa.

103
Conforme dados do Ministério da Justiça, o termo ‘beneficiário’, latu sensu, refere-se ao sujeito que é
beneficiado pelas alternativas penais à prisão, acrescentando que essa nomenclatura faz parte da prática de
profissionais da área psicossocial e não há uma terminologia ideal correspondente a ‘apenado’ no discurso
técnico-científico, diante da recente prática da execução das alternativas penais. In Manual de Monitoramento
das Penas e Medidas Alternativas. Brasília: Secretaria Nacional de Justiça, Central Nacional de Apoio e
Acompanhamento às Penas e Medidas Alternativas, 2002.
69

4.9 SUGESTÕES DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O ESTADO

As sugestões apresentadas visam contribuir para a implantação de programas e/ou


projetos direcionados ao desenvolvimento de políticas públicas visando a inclusão social do
beneficiário das PMAs no Estado de Roraima.

1) Educação – que o Estado de Roraima busque fazer parte dos programas federais já
existentes, como por exemplo, o programa de Educação de Jovens e Adultos – EJA, que pode
ser utilizado na aplicação da pena de limitação de fim de semana como escola aberta e o
programa do Primeiro Emprego, que pode também ser adequado ao público alvo local das
PMAs;

2) Espaço para internação e tratamento dos beneficiários inclusos na medida de


tratamento – A dependência química tem sido o principal motivo para a prática de outros
crimes, pois estes são doentes e necessitam, como tal, ser tratados, assim como a família, que
também adoece e não sabe mais como lidar com o seu ente. Portanto, é gritante se buscar
meios para modificar essa realidade, recomenda-se assim, a criação de um espaço adequado
para internação e tratamento dos beneficiários inclusos na medida de tratamento, a nível
terapêutico, considerando que Roraima dispõe apenas de um centro a nível ambulatorial, qual
seja, Centro de Recuperação e Promoção Humana – CRPH;

3) Concessão de vale transporte – A concessão de vale transporte contribuiria para


evitar entraves como evasão por falta de recursos financeiros para o deslocamento até o local
do cumprimento da pena, a ser fornecida para aqueles que apresentarem tais dificuldades;

4) Capacitação da rede social – Outro programa de relevante importância no âmbito


das políticas públicas é a capacitação permanente da rede social para o sistema de
monitoramento das penas alternativas, pois esta vai lidar com beneficiários que receberam
uma pena ou uma medida alternativa, que tem natureza jurídica, mas não podemos esquecer
que seu processo é psicossocial e que gera resultado jurídico-social.

5) Quadro específico de pessoal para a DIEP – Realização de concurso público pelo


Tribunal de Justiça, para criar quadro específico para a DIEP, órgão vinculado a 3ª. Vara
Criminal de Execuções, juntamente com a formação de uma equipe Interprofissional
composta por oito técnicos, sendo: 2 assistentes sociais; 2 psicólogos; 1 pedagogo; 1
coordenador com formação em serviço social, conforme sugestão do Ministério da Justiça; 1
70

advogado; e 3 agentes de acompanhamento; com perspectiva de atingir a meta de 150


atendimentos/mês, o que resultaria numa média de 1.700 atendimentos/ano, mais de três vezes
o total aplicado em 2007;

6) Criação de núcleos nos municípios do interior – O que permitirá a execução de


penas e medidas alternativas nos municípios onde existam comarcas com uma estrutura
mínima, cuja finalidade é de facilitar o êxito na execução, uma vez que o prestador tendo
residência naquele município e sendo deslocado para cumprir no município de Boa Vista,
ficará sujeito ao enfrentamento de diversas dificuldades no que tange a habitação, emprego,
transporte e alimentação, fatores que poderão induzi-lo ao descumprimento da pena ou
medida, podendo estimular a prática de outros delitos e fortalecer pensamentos doutrinários
de que a pena alternativa se traduziria em impunidade.

7) Políticas públicas voltadas ao preso provisório – Adoção de políticas públicas em


parceria com o Ministério da Justiça, voltadas para o preso provisório, passível de aplicação
de penas alternativas a prisão e a sua inserção social e familiar, visando atender a nova
orientação constitucional que eleva como fundamento de nosso estado democrático e social de
direito, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho, pois
assim se estará evitando os males que o sistema carcerário acarreta, principalmente com
relação aqueles presos que cometeram pequenos delitos e que se encontram misturados com
delinqüentes de alta periculosidade.

De acordo com declaração da Defensoria Pública, na Penitenciária Agrícola de Monte


Cristo encontram-se 523 presos provisórios e na Cadeia Pública de Boa Vista 67 reeducandos
na mesma situação.
71

CONCLUSÃO

A pena de prisão no contexto jurídico deve ser utilizada como instrumento de ultima
ratio no controle social, em relação aos bens jurídicos relevantes, como garantia a vida, o que
nos permite admitir que apesar de não estar cumprindo com a sua função declarada, ainda não
se pode eliminá-la, devendo ser exclusivamente utilizada para crimes violentos, que causem
riscos à sociedade.

As penas alternativas, em experiências realizadas em países pioneiros e no Brasil,


demonstram-se eficazes como instrumento adequado de ressocialização do infrator de baixo e
médio potencial ofensivo, resguardando o respeito à dignidade humana, reduzindo a
reincidência, evitando o prejudicial contato carcerário, bem como a decorrente
estigmatização, diminuindo a superlotação dos presídios, sendo menos onerosa comparada
aos custos do sistema penitenciário, além de favorecer efetivamente a inclusão social.

Conforme os estudos indicam, o tratamento penal alternativo é dirigido a pessoas que


não representam risco à sociedade, considerando seu grau de culpabilidade, seus antecedentes,
sua conduta social e sua personalidade.

As dificuldades por parte do Poder Judiciário e do Ministério Público na fiscalização do


cumprimento das penas alternativas fizeram com que essas penas fossem pouco aplicadas no
Brasil até o início do presente século. Nesse sentido, com o intuito de suprir essa lacuna, o
Ministério da Justiça, através da CGPMA, implantou políticas de fomento, que vem
garantindo a estruturação de centrais de penas e medidas alternativas nos estados, as quais
tem proporcionado aos juízes e promotores maior segurança na aplicação das PMAs. Logo,
verifica-se cada vez mais a necessidade de ações conjunta do governo com a sociedade civil
72

em busca de instrumentos legais que contribuam na aplicação exitosa de medidas penais


distintas das penas de prisão.

Para a efetiva implementação e eficácia das penas restritivas de direito, é imprescindível


a articulação e integração do Poder Judiciário, Legislativo e Executivo, este último de
fundamental importância no monitoramento da execução das penas e medidas alternativas.

É nesse aspecto que se aborda o presente tema, considerando a comprovada utilidade


das PMAs no Brasil.

O principal desafio para o sucesso da aplicação desse instituto consiste na estruturação


necessária que assegure o êxito do seu monitoramento, que pode ser eficientemente suprida
pelo Poder Executivo, considerando-se que o Estado executa a política criminal e a sociedade
civil a consolida como política pública por meio da constituição da rede social de apoio à
execução dos substitutivos penais. O que já vem sendo realizado por alguns estados, como o
Pará, que desenvolve projetos voltados à inclusão social dos beneficiários das PMAs, visando
a prevenção criminal.

As entrevistas realizadas com técnicos, operadores do direito e beneficiários das PMAs


em Roraima permitiram verificar os aspectos positivos e negativos na aplicação desse
instituto.

Dentre os aspectos positivos tem-se o posicionamento favorável dos operadores do


direito em Roraima no que concerne a aplicação das penas e medidas alternativas, o que se
verificou através da entrevista de dois magistrados e um promotor de justiça.

Como aspecto negativo ressalta-se o baixo índice de aplicação das alternativas penais no
ano de 2007. Contribuem para esse fato a falta de apoio dos poderes em não entender pena
alternativa como política publica, sendo imprescindível o papel do Executivo no
monitoramento das PMAs, tanto na esfera municipal quanto estadual.

Outro fator negativo é quanto é forma de distribuição da carga horária dispensada a


prestação de serviço à comunidade em prática atualmente, a qual determina aos prestadores
que seja cumprida uma hora todos os dias, o que vem causando transtornos de adequação com
o trabalho destes, de acordo com os relatos dos ex-prestadores, bem como documentos
fornecidos pelas entidades parceiras, da CGPMA e da Vara de Execução das PMAs da Bahia.
73

Nesse aspecto, indica-se que a não observância dos art. 46, § 3º, 2ª parte do CP – onde
afirma que as tarefas deverão ser cumpridas à razão de uma hora por dia de condenação,
fixadas de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho – na execução da PSC em
Roraima poderá colocar em risco a eficácia tão almejada das PMAs.

A partir dos problemas detectados na aplicação das alternativas penais em Roraima,


apresentam-se sugestões voltadas à política pública visando a inclusão social do beneficiário
nesse Estado: 1) inclusão do Estado em programas federais já existentes no campo da
educação, como EJA, que pode ser utilizado na aplicação da pena de limitação de fim de
semana; 2) criação de espaço adequado para internação e tratamento dos beneficiários
inclusos na medida de tratamento; 3) concessão de vale transporte para os que apresentam
dificuldades para deslocar-se até o local do cumprimento da pena; 4) capacitação permanente
da rede social para o sistema de monitoramento das alternativas penais; 5) realização de
concurso público para criação de quadro específico para a DIEP, no sentido de melhorar os
serviços dispensados aos beneficiários das PMAs; 6) criação de núcleos nos municípios onde
existam comarcas com estrutura mínima; e 7) adoção de políticas públicas em parceria com o
Ministério da Justiça voltadas para o preso provisório.

As sugestões apresentadas apontam a urgente necessidade de implantação de programas


e/ou projetos voltado a interação dos poderes não só em nível federal, mas também estadual e
municipal visando à prevenção criminal no âmbito da execução das PMAs, bem como o
envolvimento da sociedade civil organizada no monitoramento, pois são estes os agentes que
estão diretamente envolvidos no acompanhamento in loco, buscando a promoção da inclusão
social dos beneficiários do instituto penal em foco, como preceitua os direitos humanos,
contemplados nas Regras de Tóquio. São sugestões que vão ao encontro da nova orientação
constitucional que eleva como fundamento de estado democrático de direito a cidadania, a
dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho.

Vale ressaltar que a pesquisa realizada, bem como as sugestões apresentadas partem da
visão enquanto acadêmica de direito e do compromisso e defesa manifesta em prol da
aplicação e execução exitosa das PMAs no Estado de Roraima.
O tema abordado não visa esgotar-se com o presente estudo. Pesquisas posteriores
poderão aprofundá-lo mais no sentido de contribuir para a melhoria da aplicação deste
instituto não apenas no Estado de Roraima, mas sim em toda a federação.
74

REFERÊNCIAS

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ANEXOS

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