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Capítulo 27

Tumores das Supra-renais

Antonio Marmo Lucon*


Sami Arap

As glândulas supra-renais estão situadas no retroperitô- cados como massas palpáveis no abdome, quando causam dor,
nio anexas às porções superiores e mediais dos pólos renais. em achados cirúrgicos ocasionais ou em exames subsidiários
Seu parênquima funcionante compreende 90% de tecido cor- feitos com outras indicações. Os tumores funcionantes mani-
tical e 10% de tecido medular, que tem origem embriológica, festam-se pelo quadro clínico decorrente da secreção de hor-
histologia, f isiologia e, como conseqüência, patologias dife- mônios da camada cortical. Estes múltiplos hormônios são
rentes. O córtex diferencia-se em três zonas: glomerulosa, sintetizados a partir do colesterol e podem ser reunidos em
fasciculada e reticulada. A zona glomerulosa produz aldoste- três grupos: mineralocorticóides (aldosterona), corticosterói-
rona, que é um mineralocorticóide sob influência do sistema des e andrógenos (figura 1). Os sintomas e sinais decorrem do
renina-angiotensina. As zonas fasciculada e reticulada produ- tipo de secreção de hormônios, os quais estão relacionados
zem os glicocorticóides e andrógenos regulados pelo ACTH com a camada histológica que deu origem à neoplasia. Os te-
hipofisário. A medula tem origem no neuroectoderma e sinte- cidos tumorais elaboram os mesmos hormônios que os teci-
tiza as catecolaminas. Estas são liberadas através de estímulos dos normais. A diferença é que enquanto os tecidos hígidos os
nos nervos simpáticos pré-ganglionares por fatores como es- produzem em quantidades adequadas ao metabolismo e ho-
tresse, dor, frio, calor, hipoxia, hipotensão, hipoglicemia, de- mostase normais, os tumores o fazem em quantidades exage-
pleção de sódio e outros. O córtex e a medula são sustentados radas e fora do controle sistêmico.
por estroma, vasos e nervos. Como foi dito, o córtex e a me-
dula são tecidos de grande atividade endócrina produtores de
hormônios, peptídeos e neurotransmissores. As doenças mais
freqüentes que acometem a glândula supra-renal incluem os
tumores corticais e medulares. Menos freqüentes são as hi- Tabela 1 DOENÇAS BENIGNAS E MALIGNAS
perplasias macro e micronodulares, os tumores do estroma, DAS SUPRA-RENAIS
dos vasos e dos nervos. Raros são os cistos e as infecções que
• Tumores de tecido Tumor produtor de aldosterona
englobam abscessos e granulomatoses. Estas entidades têm
cortical Tumor de cór tex de supra-renal
como característica a alteração morfológica da supra-renal,
genericamente chamadas de processos expansivos ou massas, • Tumores de tecido Feocromocitoma
descobertos na investigação clínica de sintomas e sinais pecu- medular Neuroblastoma
liares a cada tipo de doença básica ou incidentalmente a partir Ganglioneuroma
de exames de imagem feitos com outros objetivos. Neste ce- Ganglioneuroblastoma
nário devem igualmente ser consideradas as metástases de tu- • Tumores do estroma, Angiomiolipoma

}
mores de origem diversa que aparecem como massas em sua vasos e nervos Fibroma
topografia (tabela 1). Hamartoma
e suas
Hemangioma
formas
Tumores do parênquima cortical Lipoma
sarcomatosas
Mielolipoma
Os tumores corticais são classificados como funcionan- Mioma
tes e não-funcionantes. Os não-funcionantes manifestam-se Neurofibroma
pela presença física do processo expansivo, sendo diagnosti- • Hiperplasia cortical Macronodulares
Micronodulares
Nódulos pigmentados
• Cistos e pseudocistos
*Endereço para correspondência: • Infecções Abscessos
Rua Engenheiro Sá Rocha, 597 Granulomas
05454-020 - São Paulo-SP
Tel.: (0--11) 3021-0833 • Tumores metastáticos

GUIA PRÁTICO DE UROLOGIA 147


Figura 1 BIOSSÍNTESE DOS Figura 2 BIOSSÍNTESE
HORMÔNIOS ESTERÓIDES DAS CATECOLAMINAS

Colesterol Tirosina
↓ ↓
Pregnenolona → 17-OH Pregnolona → Deidroepiandrosterona → Androestenediol
↓ tirosina hidroxilase
Progesterona → 17-OH Progesterona → Androstenediona → Testosterona Dopa
↓ ↓
Desoxicorticosterona → 11-Desoxicortisol dopa descarboxilase

Corticosterona → Cortisol Dopamina
↓ ↓
18-OH Corticosterona dopamina β-hidroxilase
Noradrenalina

feniletanolamina-N-metiltransferase
Tumor produtor de aldosterona - Tumor cortical que
Adrenalina
provém da camada mais externa do córtex, a zona glomerulo-
sa, que é a principal responsável pela síntese de mineralocorti-
cóides. Embora seja também uma neoplasia cortical, tem carac-
terísticas biológicas peculiares e diferentes dos outros tumores mes permite o conhecimento mais preciso da biologia dessas
do parênquima cortical e por isso deve ser estudado à parte. A neoplasias e tem importância no prognóstico. Os hormônios
aldosterona age nos túbulos distais dos néfrons facilitando a ab- podem se comportar como verdadeiros marcadores tumorais,
sorção de sódio e a excreção de potássio. A absorção de sódio com sua normalização indicando controle da moléstia e sua
acompanha-se da de água, resultando em hipervolemia e hiper- persistência ou recorrência sugerindo atividade.
tensão arterial. Esta hipertensão atua no sistema renina-angioten- Aspecto importante na compreensão das neoplasias do pa-
sina normal e inibe a produção de renina. Hipertensão arterial rênquima cortical refere-se ao fato de que, ao examinar um frag-
com potássio baixo, renina baixa e aldosterona alta no soro cons- mento do tumor, o patologista não encontra elementos fidedig-
titui o quadro clínico clássico do hiperaldosteronismo primá- nos que permitam diagnosticar como adenoma, e, por isso, de
rio causado por tumor produtor de aldosterona. comportamento benigno, de crescimento apenas local, ou como
carcinoma, e, portanto, de comportamento maligno com poten-
Tumores do córtex da supra-renal - Neste grupo in-
cial invasão regional e metástases. Se for identificada invasão
cluem-se os tumores produtores de corticosteróides, que se
capsular, de vasos sangüíneos, de linfonodos ou metástases, o
manifestam através da síndrome de Cushing, os produtores de
comportamento maligno é caracterizado, e o diagnóstico de car-
andrógenos, que causam virilização, e os mistos, em que se
cinoma fica definido. Caso contrário, a análise do tumor não per-
encontram os dois ou mais tipos de hormônios e respectivos
mite estabelecer ou precisar este tipo de comportamento, e nestas
quadros clínicos. Na síndrome de Cushing há obesidade cen-
situações os termos adenoma e carcinoma são impróprios e mal
trípeta (troncos e face), face em lua cheia, giba, estrias violá-
empregados. O diagnóstico correto feito por patologistas experi-
ceas, acne, atrofia muscular, irregularidade menstrual, impo-
entes é de neoplasia do córtex da supra-renal. Este fato tem im-
tência sexual, hipertensão arterial, diabete melito e outras al-
portância na estratégia terapêutica, como veremos adiante.
terações decorrentes do catabolismo protéico. A virilização
no sexo feminino caracteriza-se em graus diversos por aumento
da massa muscular, aparecimento de pêlos com distribuição Tumores do parênquima medular
masculina, aumento do clitóris, amenorréia e engrossamento
da voz. No menino pré-púbere ocasiona puberdade precoce O parênquima medular da supra-renal é parte do sistema
com aumento de massa muscular, aparecimento de pêlos pu- nervoso periférico simpático com origem na crista neural. As
bianos, aumento do pênis, libido, ereção e mudança do timbre neoplasias que aí têm origem podem igualmente ser encontra-
da voz. No homem pós-púbere, que já é virilizado, estas alte- das em qualquer parte do corpo onde haja gânglios simpáticos
rações não se expressam. A avaliação hormonal deve ser feita e particularmente onde haja maior quantidade destes gânglios,
com dosagem sérica de cortisol, 11-deoxicortisol, testostero- como na cadeia paraaórtica. O comportamento desses tumores,
na, androstenediona, deidroepiandrosterona, sulfato de dei- independentemente do local de origem, é bastante semelhante.
droepiandrosterona e aldosterona. Um ou mais hormônios
podem estar alterados. Não existe padrão de alterações por- Feocromocitoma - Resultam dos feocromócitos, que são
que estas dependem da maquinaria enzimática que está modi- as células predominantes da medula da supra-renal e também
ficada de maneira diversa e particular em cada tumor. Os pa- encontradas nos paragânglios do sistema nervoso simpático.
cientes portadores de tumores clinicamente não-funcionantes Em conjunto, os feocromócitos constituem o sistema croma-
devem ser submetidos a avaliação endócrina, porque eles po- fim, cuja atividade metabólica mais importante é a produção
dem ser laboratorialmente funcionantes. A análise dos exa- de catecolaminas. A biossíntese das catecolaminas é feita com

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Tabela 2 SINTOMAS E SINAIS ENCONTRADOS EM Tabela 3 MÉTODOS DE INVESTIGAÇÃO
PACIENTES COM FEOCROMOCITOMA LABORATORIAL DOS
FEOCROMOCITOMAS
Hipertensão arterial ....................... 98%
Sudorese ........................................ 75% • Catecolaminas (noradrenalina e adrenalina)
Determinação
Palpitação ...................................... 70% em Urina de • Metanefrinas (normetanefrinas e metanefrinas)
Cefaléia .......................................... 68% 24 horas
Tontura ........................................... 23% • Ácido vanilmandélico (VAM)
Vômitos .......................................... 23% Determinação
Palidez ........................................... 20% Plasmática • Catecolaminas (noradrenalina e adrenalina)
Dor abdominal................................ 20%
Dispnéia ......................................... 18%
Angina ............................................ 18%
ácido vanilmandélico em urina de 24 horas com sensibilidade
Náusea ........................................... 15% de 90% devem ser feitos naqueles poucos casos de suspeita
Tremores ........................................ 10% clínica em que as metanefrinas urinárias são normais. Os 2%
Distúrbios visuais ............................. 8% de feocromocitomas não-funcionantes, clínica e laboratorial-
Convulsões ...................................... 5% mente, têm seu diagnóstico confirmado somente pelo exame
Rubor ............................................... 3% histológico da peça cirúrgica.
Prurido ............................................. 3% Feocromocitoma não-tratado leva a morte por acidente
vascular cerebral, parada cardíaca por infarto do miocárdio,
arritmia ou choque, desencadeados pelos fatores já mencio-
nados de liberação maciça de catecolaminas. As mesmas con-
a tirosina ingerida ou sintetizada no fígado a partir da fenila- siderações feitas para os tumores do córtex da supra-renal re-
lanina. As etapas são a transformação em diidroxifenilalanina ferentes ao exame anatomopatológico são válidas para os feo-
(DOPA), dopamina, noradrenalina e adrenalina (figura 2). As cromocitomas, ou seja: examinando um fragmento do tumor
enzimas específicas envolvidas em cada reação são: fenilalanina não há possibilidade de diagnosticar com segurança se se tra-
hidroxilase, tirosina hidroxilase, L-aminoácido descarboxilase, ta de neoplasia benigna ou maligna.
dopamina β-hidroxilase e feniletanolamina-N-metiltransferase
respectivamente. Esta última, que transforma a noradrenalina em Neuroblastomas - São tumores derivados dos neuroblas-
adrenalina, existe somente na medula da supra-renal e em poucas tos originados da crista neural e encontrados na medula da
áreas do sistema nervoso central. Esta é a razão pela qual a gran- supra-renal e nos gânglios simpáticos. Raro em adultos, é o
de maioria dos feocromocitomas extra-adrenais produzem so- tumor abdominal mais freqüente em crianças, com metade da
mente noradrenalina. A produção aumentada e desordenada de incidência em pacientes com menos de dois anos e 90% com
catecolaminas é responsável pelo quadro clínico característico menos de oito anos. Dos tumores sólidos, apenas os tumores
de hipertensão arterial e outras manifestações adrenérgicas (ta- cerebrais são mais freqüentes que os neuroblastomas na in-
bela 2). Embora não de maneira absoluta, os sintomas usualmen- fância. São encontrados nas supra-renais em 37% dos casos,
te aparecem em crises – quando quantidades excessivas de ca- em outros locais do abdome em 18%, no pescoço em 5%, na
tecolaminas são lançadas na circulação –, ocorrendo esponta- pélvis em 4%, em outros locais em 9% e sem origem determina-
neamente ou sendo desencadeados por mudança de posição, da em 12%. A evolução tende a ser silenciosa, com metástases
aumento na pressão abdominal, trauma, parto, anestesia, ope- em 70% dos casos por ocasião do diagnóstico. As metástases
rações ou ingestão de certos alimentos ou drogas. O feocro- comprometem mais o fígado em crianças menores, os ossos nas
mocitoma coexiste com outros tumores, caracterizando a sín- maiores e são menos freqüentes quando o tumor primário situa-
drome de von Hippel-Lindau (feocromocitoma, hemangioblas- se nas supra-renais. Invasão de medula óssea está presente em
toma de cerebelo, cistos pancreáticos e renais), síndrome de en- 50% dos casos, mesmo que não haja comprometimento ósseo.
docrinopatias múltiplas tipo II A (feocromocitoma, carcinoma Nódulos subcutâneos são achados freqüentes. Coração, siste-
medular de tireóide e hiperparatireoidismo), do tipo II B (feocro- ma nervoso central e pelve são locais raros. Os pulmões são
mocitoma, neuromas de mucosa e carcinoma medular de tireói- acometidos quando há grande disseminação pelos linfáticos
de) e a síndrome de Cushing, quando produzem corticotropina. ou por extensão direta transdiafragmática. Sintomas gerais de
Durante a gravidez pode ser confundido com eclâmpsia. febre, apatia, perda de peso, anorexia e palidez são comuns
O diagnóstico laboratorial do feocromocitoma é feito com nas doenças disseminadas. Quadros neurológicos compressi-
dosagem sérica e urinária das catecolaminas e/ou seus meta- vos diversos são conseqüentes a tumores paravertebrais.
bólitos (tabela 3). As metanefrinas em urina de 24 horas estão Neuroblastomas, como o feocromocitoma, sintetizam
aumentadas em 97% dos casos de feocromocitoma e consti- quantidades excessivas de catecolaminas. Contrariamente ao
tuem o teste mais sensível e portanto o primeiro que deve ser que é habitual com os feocromocitomas, apenas 5% dos casos
feito. A noradrenalina sérica, com sensibilidade de 93%, o de neuroblastomas têm hipertensão. Não há explicação defi-

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nitiva para o fato, embora haja evidências de que a norepine- Diagnóstico laboratorial dos
frina seja catabolizada pelo próprio tumor. Quando há hiper-
tensão ela tende a ser paroxística com taquicardia, palpita- tumores da glândula supra-renal
ções, sudorese e cefaléia, como nos feocromocitomas. Ges-
tantes de fetos com neuroblastoma podem apresentar estes sin- Todos os pacientes com tumores adrenais, especialmente
tomas, os quais desaparecem com o parto. aqueles que não apresentam síndrome de hipersecreção endó-
Nos neuroblastomas, a metabolização das catecolaminas crina aparente, devem ser avaliados laboratorialmente para
dá-se com grande produção de ácido homovanílico e ácido exclusão definitiva de hipercortisolismo, hiperaldosteronismo,
vanilmandélico de tal sorte que 95% dos pacientes têm um ou hiperandrogenismo e hipersecreção de catecolaminas. A tabe-
os dois elementos elevados em urina de 24 horas. Biópsia as- la 4 apresenta de forma sumária os exames hormonais no diag-
pirativa de medula óssea mostra pseudo-rosetas patognomô- nóstico de massas adrenais.
nicas em 70% dos casos. Dosagem de ácido homovanílico e
ácido vanilmandélico em urina de 24 horas e biópsia aspirati- Tumores corticais - Nos pacientes com manifestações
va de medula óssea constituem os métodos mais eficazes no clínicas de Síndrome de Cushing, a medida da excreção de 24
diagnóstico clínico de neuroblastoma. horas do cortisol urinário livre é recomendada como exame
inicial na suspeita de hipercortisolismo. Aproximadamente
Ganglioneuroma - É a forma benigna de neuroblasto- 90% dos pacientes com síndrome de Cushing apresentam va-
ma. Não metastatizam. Após ressecção cirúrgica pode haver lores de cortisol urinário livre superiores a 200 µg/24 horas,
recorrência local com grande morbidade se houver invasão enquanto 97% dos indivíduos normais apresentam valores in-
dos forames intervertebrais e de outras estruturas vizinhas. feriores a 100 µg/24 horas.
Níveis plasmáticos baixos do hormônio adrenocortico-
Ganglioneuroblastoma - É uma forma intermediária de trófico (ACTH < 5 pg/ml) associados a concentrações plasmáti-
neuroblastoma e ganglioneuroma. cas elevadas de cortisol indicam atividade adrenal autônoma, isto
é, independente do controle do eixo hipotálamo-hipofisário. Tes-
Tumores do estroma, tes dinâmicos endócrinos podem contribuir para o diagnóstico
diferencial da síndrome de Cushing causada por neoplasias fun-
vasos e nervos cionantes adrenocorticais das formas de síndrome Cushing
ACTH-dependente. Estes incluem o clássico teste de supressão
São os fibromas, lipomas, miomas, mielolipomas, neu- com doses elevadas de dexametasona (8 mg), e os testes de estí-
rofibromas, neurinomas, angiomiolipomas, hemangiomas, mulo com o hormônio corticotrófico ovino (CRH) e a deamino-
hamartomas e suas correspondentes formas sarcomatosas. São D-arginina vasopressina (DDAVP). Desta forma, pacientes com
raros, constituindo, no conjunto, cerca de 1% das neoplasias síndrome de Cushing que apresentam cortisol plasmático eleva-
das supra-renais. Não produzem hormônios e por isso não têm do e que após receberem 8 mg de dexametasona à meia-noite
quadro clínico característico. Quando se manifestam, o fazem mantenham níveis elevados (não-suprimidos) na manhã seguin-
em conseqüência do tamanho físico, que comprime estruturas te, têm o diagnóstico de síndrome de Cushing não-dependente
vizinhas, ou tornam-se palpáveis. Neste aspecto, comportam- de ACTH. Os testes de estímulo com hormônio corticotrófico
se como os tumores do parênquima cortical ou do parênqui- bovino e deamino-D-arginina vasopressina são feitos pela
ma medular não-funcionantes. manhã. Após a colheita de ACTH e cortisol basais, adminis-
tra-se uma ou outra das substâncias. Meia hora após, colhem-
Tumores metastáticos se novamente amostras para dosagem de ACTH e cortisol sé-
ricos. Se houver aumento destes hormônios é provável que
As supra-renais albergam metástases de neoplasias com haja síndrome de Cushing dependente de ACTH e portanto de
freqüência sobrepujada apenas pelo fígado e pulmões. Pro- origem extra-adrenal. Se não houver aumento destes hormô-
porcionalmente ao peso, ocupam o primeiro lugar na sede de nios após o estímulo, conclui-se que a produção de corticoste-
metástases. As lesões são bilaterais em 50% dos casos. Os tu- róides é autônoma pela supra-renal e portanto independente do
mores primários que mais fornecem as metástases para as glân- ACTH hipofisário ou de tumor produtor de ACTH ectópico.
dulas supra-renais são os melanomas, os dos pulmões e os da Esteróides plasmáticos e urinários estão elevados em pa-
mama. Em porcentagem menor vêm os de útero, bexiga, prós- cientes com síndrome de cushing, síndromes de virilização ou
tata, cólon, estômago, esôfago, fígado e vias biliares. Raros mistas causadas por tumores corticais funcionantes. Estes in-
ou ausentes são os de língua, boca, faringe, laringe, reto e cluem: dosagens séricas de androstenediona, deidroepiandros-
ovário. Conhecido o tumor primário, o tratamento fica esta- terona, deidroepiandrosterona sulfato, testosterona, 11-deo-
belecido de acordo com a característica particular de cada um. xicortisol, cortisol e aldosterona e dosagens urinárias de 17-
O tratamento cirúrgico fica reservado aos casos em que a hidroxiesteroidase, 17-cetoesteróides.
metástase é única e existe indicação de remoção cirúrgica do A supressão da atividade plasmática de renina associada a
tumor primário ou nos casos em que não se conhece o primá- níveis plasmáticos elevados de aldosterona estabelece o diagnós-
rio e há necessidade de diagnóstico anatomopatológico para tico laboratorial de tumores adrenocorticais secretores de aldos-
prognóstico e terapêutica. terona em pacientes com hipertensão arterial e hipocalemia.

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de 94% quando se incluem feocromocitomas extra-adrenais,
Tabela 4 AVALIAÇÃO HORMONAL DOS
ou ressonância nuclear magnética que tem 100% de sensibili-
PACIENTES COM TUMORES ADRENAIS
dade para os tumores supra-renais e também para os feocro-
mocitomas extra-adrenais. A tomografia fornece imagens mais
Determinação • ACTH nítidas que a ressonância, é mais disponível, usa radiações e
Plasmática contraste iodado. A ressonância magnética não usa radiações
• Cortisol após dexametasona
nem contrastes iodados e permite diagnóstico de lesões vas-
• Andrógenos (testosterona, androstenediona, culares que podem não ser vistas na tomograf ia convencional.
DHEA, DHEAS) É também o exame de escolha para mulheres grávidas. A to-
• Estradiol mografia computadorizada helicoidal mostra as lesões intra-
vasculares tão bem quanto a ressonância magnética. Especifi-
• Atividade de renina camente para os feocromocitomas e neuroblastomas há um
• Aldosterona exame, que é a cintilografia com I 131-metaiodobenzilguani-
dina. Com sensibilidade de 88%, portanto menor que a da to-
Determinação • Cortisol mografia ou ressonância, tem especificidade de 100% para
Urinária em feocromocitomas e neuroblastomas, contra 70% para a tomo-
• Ácido vanilmandélico (VMA)
24 horas grafia e 67% para a ressonância.
• Metanefrinas
Tratamento
A maneira mais adequada e efetiva de tratamento dos tu-
Tumores medulares - O objetivo da avaliação laborato- mores das supra-renais é sua remoção cirúrgica. Radioterapia
rial em pacientes com suspeita de feocromocitomas é demons- e imunoterapia não têm efeito sobre estes tumores.
trar a produção excessiva de catecolaminas, principalmente Associações de quimioterápicos são usadas em trabalhos
noradrenalina e adrenalina. Realizamos a dosagem de cateco- experimentais com poucos e efêmeros resultados. Como já
laminas totais ou fracionadas em norepinefrina, epinefrina e foi dito, a partir de dados clínicos, laboratoriais ou de imagem
dopamina, além dos seus metabólitos (ácido vanilmandélico e não se pode prever um comportamento benigno ou maligno
metanefrinas) em amostras urinárias e plasmáticas (tabela 3). para estas neoplasias. Deste modo, todos devem ser vistos
A dosagem de metanefrinas em urina de 24 horas é capaz de como potencialmente malignos e tratados como tal.
identif icar aproximadamente 97% dos pacientes com feocro- Existe consenso de que tumores corticais ou medulares fun-
mocitomas. Se houver forte suspeita clínica de feocromocito- cionantes devem ser removidos para que haja desaparecimento
ma e as metanefrinas urinárias forem normais, a dosagem de dos sintomas e sinais usualmente exuberantes e graves. A biópsia
ácido vanilmandélico em urina de 24 horas e as dosagens de de massas não-funcionantes não traz os benefícios esperados
catecolaminas plasmáticas são os exames mais indicados para porque os fragmentos obtidos podem provir de áreas não-repre-
o diagnóstico hormonal de feocromocitoma. Raramente estão sentativas da maior gravidade e mais uma vez pelo fato de não
indicados os testes dinâmicos, provocativos (tiramina, hista- haver critérios confiáveis para que o patologista possa quantifi-
mina, glucagon e metoclopramida) ou supressores (teste da car o potencial de malignidade. Seguimento clínico de massas
fentolamina) da liberação de catecolaminas para o diagnósti- pequenas e não-funcionantes é desaconselhado. Para que se ofe-
co dos feocromocitomas. reça um pouco de segurança há necessidade de exames semes-
trais ou anuais pela vida toda, o que torna a aderência destes pa-
cientes muito pequena. Extirpar um tumor grande é procedimen-
Diagnóstico de localização to cirúrgico maior do que se o tumor for pequeno. Não há por que
dos tumores por imagem esperar que um tumor cresça para ser operado, e a convivência
expectante com uma lesão que pode ser ou tornar-se maligna é
Neste aspecto, há duas situações a serem consideradas. A inaceitável. A única contra-indicação para o tratamento cirúrgico
primeira refere-se àquela em que já foi estabelecido diagnós- é a falta de condições clínicas do doente.
tico clínico e laboratorial de tumor produtor da aldosterona, Esta filosofia vale também para lesões com característi-
de tumor funcionante do córtex da supra-renal, de feocromo- cas de benignidade, como cistos e granulomas nos quais o
citoma ou de neuroblastoma, e os exames de imagem são fei- diagnóstico de certeza não possa ser feito, e por isso a possi-
tos para localização dos mesmos. A segunda é aquela em que bilidade de doença maligna sempre existe. A remoção cirúrgi-
as massas ou tumores são não-funcionantes, muitas vezes des- ca da lesão por si só pode ser o tratamento curativo. Se não
cobertas pelos próprios exames de imagem feitos com objeti- for, o exame histológico fornece o diagnóstico correto e per-
vos diversos. Ultra-sonografia com sensibilidade de 90% é mite que o tratamento complementar seja instituído com con-
útil como exame inicial pela disponibilidade, baixo custo, não- seqüente cura da maioria dos casos.
invasividade, ausência de radiação ionizante e de contrastes. Os pacientes portadores de tumor produtor de aldostero-
Deve ser sempre complementada com tomografia com sensi- na, de tumor produtor de cortisol e de feocromocitoma devem
bilidade de 100% para localização de tumores supra-renais e ser preparados para que as operações possam ser feitas em

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melhores condições e com menor número de complicações díacas. Com o paciente preparado, as crises hipertensivas ocor-
pós-operatórias. A administração de aldactone nos pacientes rem, mas são controladas com fentolamina ou nitroprussiato
com hiperaldosteronismo primário controla a hipertensão e de sódio. A hipotensão arterial após a remoção do tumor, re-
reduz os níveis de hipopotassemia. sultado da queda abrupta das catecolaminas circulantes, é de
Nos pacientes com tumor produtor de cortisol, a hiper- menor importância e mais fácil controle.
cortisolemia inibe a produção de corticotropina (ACTH) pela A supra-renalectomia é feita através de lombotomia com
hipóf ise com conseqüente atrofia da supra-renal normal con- ressecção da 11a costela se as massas forem menores que 5 cm.
tralateral. Quando o tumor é removido, as necessidades de cor- Para as massas maiores que 5 cm recomenda-se toracofrenolapa-
ticosteróides não são supridas pela glândula remanescente que rotomia. Os tumores devem ser extirpados com o mínimo de
está desativada, instalando-se um hipocortisonismo ou Sín- manipulação possível para evitar rotura dos mesmos e possível
drome de Addison. Para que isto não aconteça é necessária a implante local de células tumorais.Ainda com intuito de prevenir
administração de corticosteróides, por exemplo, succinato de recidivas locais, deve ser retirado todo tecido adiposo que envol-
hidrocortisona 100 mg intramuscular antes da operação, que ve a neoplasia acompanhado do folheto de peritônio parietal pos-
deve ser mantido na dose de 100 mg a cada oito horas nas terior, que situa-se na face anterior da glândula. Num campo ci-
primeiras 24 horas. Após, haverá redução da dose na base de rúrgico pós-retirada do tumor adequado deve-se ver a face ven-
50% por dia até que a supra-renal remanescente volte a ser tral do diafragma acima, a musculatura paravertebral atrás, o pólo
estimulada e produza os corticosteróides em quantidades ne- superior do rim e o hilo renal abaixo, a parede da veia cava infe-
cessárias. Para os feocromocitomas o efeito do preparo pré- rior na face medial para os tumores do lado direito e a parede da
operatório é ainda mais dramático. Antes de 1950, a mortali- aorta para os tumores do lado esquerdo e o hemicólon correspon-
dade operatória era de 20% a 25% para casos com diagnóstico dente na frente. Todas estas estruturas devem estar livres da gor-
e de 50% para casos sem diagnóstico. As mortes ocorriam por dura que as separa das supra-renais. Todas as estruturas vizinhas
falta de controle das crises hipertensivas que aconteciam na in- que estiverem invadidas devem ser extirpadas em bloco com a
dução anestésica e na manipulação do tumor ou pela hipotensão neoplasia. Estas incluem: rim, cólon, diafragma, cauda do pân-
arterial abrupta conseqüente à retirada do feocromocitoma, e creas, baço e até o lobo hepático homolateral se o outro estiver
portanto de todo o estoque de catecolaminas. As arritmias cardí- íntegro. Tromboses tumorais na veia cava inferior são também
acas causadas pelas catecolaminas e potencializadas pelos anes- removidas com procedimentos cirúrgicos pertinentes.
tésicos agravaram todos estes eventos. Mudanças radicais foram Laparoscopia pode ser utilizada com sucesso para exére-
notadas com a introdução do preparo pré-operatório. O uso de se de massas pequenas. Esta técnica nos parece segura para
dibenzilina ou de prazosin por uma ou duas semanas que antece- massas sabidamente sem malignidade e portanto sem possibi-
dem o ato operatório é aconselhado. Estes alfabloqueadores di- lidade de recidiva local como tumor produtor de aldosterona e
minuem a vasoconstrição periférica, melhoram a hipertensão hiperplasias nodulares. Para massas com potencial de malig-
arterial, a fadiga e a sudorese ao mesmo tempo que restauram nidade preferimos que estes procedimentos sejam feitos em
a volemia eventualmente diminuída pela vasoconstrição. Be- protocolos de pesquisa e com consentimento do paciente até
tabloqueadores podem ser necessários para tratar arritmias car- que seguimentos longos possam comprovar suas vantagens.

Bibliografia recomendada
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152 GUIA PRÁTICO DE UROLOGIA

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