Resumo

D e Sócrates aos
Sistemas Imersivos
e de Volta
André Rodrigues da Silva
16 de julho de 2010

Neste trabalho discutiremos brevemente

a relação entre a dicotomia da perspectiva
estética baseada em uma representação ex-
terna ao observador, em oposição àquela
da qual ele participa, tal como represen-
tado pelos sistemas imersivos. Neste in-
tuito apresentaremos correlações possíveis
entre esta dicotomia e sua contrapartida na
filosofia e na ciência.
Introdução
A proposta da endoestética [1], pg. 175, de
incluir o observador no processo de con-
strução da obra de arte assinala, na per-
spectiva apresentada pela autora, uma rup-
tura com um passado industrial recente,
marcado pela perspectiva distinta entre a
estética, entendida como algo externo à
obra, e a fruição artística por parte do ob-
servador.
Embora, dentro de uma perspectiva
histórica mais restrita, isto seja verdade,
pode-se argumentar que esta ruptura em
relação à visão de mundo que marcou a
modernidade é um fenomeno das artes que
acontece em compasso com mudanças cor-
relatas registradas em outras àreas, tais
como a filosofia, e a ciência.
No contexto histórico mais amplo do con-
tínuo desenvolvimento do pensamento hu-
mano, não implicando com isto, necessari-
amente, progresso [2], a distinção entre a
perspectiva baseada no olhar individual de
cada homem/mulher e àquela proveniente
de uma descrição externalizada, tornada of-
ficial, pode ser encontrada já nos gregos.
Notadamente na oposição entre os sofistas
e Sócrates.
Sócrates e o Mundo das Idéias
A história oficial filosofia apresenta a
oposição entre Sócrates e os sofistas a par-
tir da perspectiva de Sócrates, tal como
descrito por seu díscipulo, Platão. Desta
perspectiva, os sofistas aparecem como
mestres em uma arte da argumentação que

1
se baseava na relativização do mundo a par-
tir da premissa de que o centro da perspec-
tiva do mesmo era o próprio homem. Isto
aparece na frase célebre de protágoras:
“o homem é a medida de todas as
coisas”
Sócrates descreve o homem como inca-
paz de alcançar o entendimento do mundo
pelos seus sentidos. Este entendimento so-
mente poderia ser alcançado pelo intelecto.
Esta noção de divisão entre o mundo dos
sentidos e o mundo intelectual, ou das
idéias, marca uma cisão que será represen-
tativa do pensamento ocidental até os dias
de hoje. Em [3], livro VII, Platão descreve
esta separação entre o mundo perseptível e
o mundo real.
“At first, when any of them is
liberated and compelled suddenly
to stand up and turn his neck
round and walk and look towards
the light, he will suffer sharp pains;
the glare will distress him, and he
will be unable to see the realities of
which in his former state he had
seen the shadows; and then con-
ceive some one saying to him, that
what he saw before was an illusion,
but that now, when he is approach-
ing nearer to being and his eye
is turned towards more real exis-
tence, he has a clearer vision” .
Um olhar diferente aparece na discussão a renúncia do homem a seus valores, em
de Deleuze sobre a visão de Nietzsche [4] função da valorização de um mundo ideal.
pg. 223, a respeito da filosofia de Sócrates. Isto, para Nietzche, equivale a uma desval-
“Todas estas insuficiencias
tienen un mismo origen: la ig-
norancia de la pregunta: ¿Quién?
Siempre el mismo desprecio
socrático por el arte de los sofis-
tas. Se nos anuncia a la manera
hegeliana que el hombre y Dios
se reconcilian, y también que la
religión y la filosofía se reconcilian.
Se nos anuncia a la manera de
Feuerbach que el hombre ocupa
el lugar de Dios, que recupera lo
divino como su propio bien o su
esencia, y también que la teología
se convierte en antropología. [223]
Pero, ¿quién es hombre y qué es
Dios? ¿quién es particular, qué es
lo universal? Feuerbach dice que
el hombre ha cambiado, que se ha
hecho Dios; Dios ha cambiado, la
esencia de Dios se ha convertido
en la esencia del hombre. Pero el
que es Hombre no ha cambiado;
el hombre reactivo, el esclavo,
que no deja de ser esclavo por
presentarse como Dios, siempre
el esclavo, máquina de fabricar lo
divino. Lo que es Dios tampoco
ha cambiado: siempre lo divino,
siempre el Ser supremo, máquina
de fabricar esclavos.”
Em Nietzsche, o homem, deve reafirmar
sua percepção de mundo como a única que
lhe é acessível. Valorizando-a, e criando, a
partir dela, uma vida com significado. Niet-
zsche coloca em equivalência os ensinamen-
tos de Sócrates e do cristianismo, quando
nos diz que ambos têm como ponto central
orização da própria vida[4], p. 24:
“Sócrates es el primer genio
de la decadencia: opone la idea
a la vida, juzga la idea por la
2
 vida, presenta la vida como si de-
biera ser juzgada, justificada, red-
imida por la idea. Lo que nos
pide, es llegar a sentir que la vida,
aplastada bajo el peso de lo neg-
ativo, es indigna de ser deseada
por sí misma, experimentada en
sí misma: Sócrates es el «hombre
teórico», el único verdadero con-
trario del hombre trágico”
. countants: For it would suffice for
Esta desvalorização da vida, Nietzsche ap-
resenta na forma da moral cristã em [5], p.
33:
“There is no other way: the
feelings of devotion, self-sacrifice
for one’s neighbor, the whole
morality of self-denial must be
questioned mercilessly and taken
to court - no less than the aesthet-
ics of "contemplation devoid of all
interest"which is used today as a
seductive guise for the emascula-
tion of art, to give it a good con-
science.”1
Representacionismo na Com-
putação e Autopoiese
Na ciência vemos esta busca pela exte-
riorização da inteligência na forma de um
esforço para a construção de máquinas ca-
pazes de realizar raciocínio.
Vemos esta perspectiva em Leibniz apud
[6], pags. 119-120:
“[...] Leibniz (1646–1716) did
believe that every human prob-
lem could in principle be settled
1
É interessante notar a referência a uma estética
exteriorizada e destituída de interesse
3
by logical thought. He dreamt
of a universal language in which
all properties could be accurately
mapped. This, he said, would en-
able future statesmen and philoso-
phers to settle disputes by for-
mal reasoning, instead of resorting
to rhetorical persuasion or even
abuse. Disagreements between
philosophers or politicians need be
no greater than those between ac-
them to take their pencils in their
hands, to sit down each to his
abacus, and (accompanied if they
wished by a friend) to say to each
other: ’Let’s calculate!’ [calcule-
mus].”
Na história da ciência da computação ve-
mos confundir-se a história da inteligên-
cia artificial. Na primeira vemos a criação
da famosa arquitetura de Von Neummann e
sua relação com o entendimento do cérebro
como processador de sinais externos[7]:
“The analogs of human neu-
rons, [...] are equally all-or-none el-
ements. It will appear that they are
quite useful for all preliminary, ori-
enting, considerations of vacuum
tube systems [...]. It is therefore
satisfactory that here too the nat-
ural arithmetical system to handle
is the binary one.”
Já na inteligência artificial temos a pro-
posta de equivalência entre mentes e
máquinas a partir da noção de
“sistema físico de símbolos”
de Newell and Simon[8]:
 “Thought was still wholly in-
tangible and ineffable until mod-
ern formal logic interpreted it as
the manipulation of formal to-
kens. And it seemed still to inhabit
mainly the heaven of Platonic ide-
als, or the equally obscure spaces
of the human mind, until comput-
ers taught us how symbols could
be processed by machines.”
Esta perspectiva, novamente, tem sua
contrapartida na descrição do ser vivente
como uma máquina que se auto-produz
continuamente (autopoiese)[9] e da mente
como sistema fechado em si mesmo, pro-
posta pelos biólogos Maturana e Varela:
“Por tanto, mientras la red neu-
ral se cierre sobre sí misma, su
fenomenología es la fenomenología
de un sistema cerrado en el cual
la actividad neuronal siempre ll-
eva a actividad neuronal. Esto se
válido aunque el ambiente pueda
perturbar el sistema nervioso y
cambiar sus estados acoplándose
como un agente independiente en
cualquiera de las superficies re-
ceptoras. Los cambios que el
sistema nervioso puede sufrir sin
desintegrarse (pérdida de las rela-
ciones definitorias), como resul-
tado de éstas u otras perturba-
ciones, están completamente es-
pecificados por la conectividad del
sistema nervioso, y el agente per-
turbador sólo constituye un de-
terminante histórico para la ocur-
rencia de tales cambios. Como
red neuronal cerrada, el sistema
nervioso no tiene entradas ni sali-
das, y no hay relaciones intrínsecas
en su organización que le permitan
4
discriminar a través de la dinámica
de sus cambios de estado, entre
causas externas o internas, para
estos cambios de estado.”
Sistemas Imersivos e o Novo
Real
Na tecnologia atual, vemos a mesma di-
cotomia na relação entre a comunicação em
modo de difusão, realizada pela televisão,
e o novo meio de comunicação que per-
mite a praticamente qualquer pessoa expor
suas idéias e transmití-las pela Internet. No
primeiro caso temos a visão externalizada
de outrém, imposta como realidade. Já no
segundo temos a externalização do próprio
humano.
Esta tecnologia, nos sistemas imersivos,
permite a criação de mundos credíveis
que podem ser percebidos pelos sentidos
“acoplados” à máquina que os fabrica em
tempo real. Deste modo, os artistas dos
sistemas imersivos são precursores de uma
“multi-realidade” democrática, co-fabricada
constantemente em uma continua fuga em
direção ao limite da construção do humano
em cada um.
O aparecimento de uma tal tecnologia e
seu uso na arte nos coloca a questão no-
vamente: somos/queremos ser criadores de
mundos, ou usuários/consumidores da cri-
ação alheia? Esta criação de uma realidade
única, imposta atravéz da repetição por
meios de comunicação de massa entran-
hados na estrutura reprodutiva da própria
cultura constituem o poder último de definir
aquilo que é possível sonhar, aquilo que é
possível imaginar, atrelado à possíbilidade
dada daquilo que é possível desejar. Os sis-
temas imersivos, por outro lado, fornecem
uma possibilidade de criação contínua de [2] Gray J. Cachorros de palha. Rio de
espaços de luta pela construção de micro- Janeiro: Record; 2005.
sentidos constantemente em ebulição nas
áreas intersticiais de um real tornado oficial [3] Plato. The Republic of Plato, translated
culturalmente até ao nível do DNA daqueles into English with Introduction, Analysis,
a quem o mesmo é imposto. Neste sentido, Marginal Analysis, and Index, by B. Jowett.
as tecnologias imersivas permitem uma re- Oxford: Clarendon Pres; 1888.
construção do próprio humano. [4] deleuze deleuze deleuze deleuze G. Niet-
zsche y la filosofía. Barcelona: Anagrama;
1998.
Conclusão
[5] Nietzsche F. Beyond Good and Evil Pre-
lude to a Philosophy of the Future. Ox-
O homem/mulher atual tem à sua frente,
ford paperbacks. Oxford: Oxford Univer-
ainda, e desde há muito, uma escolha. Pre-
sity Press; 2008.
cisamos decidir qual o nosso papel na con-
tinuação do devir humano. E neste sentido a [6] Boden MA. Mind as machine: a history
oposição entre Nietzsche e Sócrates torna- of cognitive science. Oxford University
se, novamente, atual. Estamos na encruzil- Press, USA; 2006.
hada da escolha entre a criação de mun-
dos físicos/virtuais ou acomodação ao(s) [7] Von Neumann J. First draft of a report
mundo(s) criados por outrém, da mesma on the EDVAC. University of Pennsylvania;
forma que, no passado, os valores eram a 1945.
base da definição de poder do homem so-
bre homem, hoje estas valores se transub- [8] Newell A, Simon H. Computer science
stanciam em mundos pela tecnologia, com as empirical inquiry: Symbols and search,
um potencial muito maior para a criação de the 1976< acm> turing lecture. Commu-
bem-estar ou alienação. Central nesta dis- nications of ACM. 1976;19(3):113–126.
cussão é a possibilidade de criação de sen- [9] Maturana H, Varela F. De maquinas y
tido a partir da escolha de valores, e como seres vivos. Editorial Universitaria, Santi-
resultado da construção de uma história ago; 1994.
de relações. A tecnologia não nos livra
da responsabilidade de definição de nossa
própria história, mas, antes, amplifica o po-
tencial das escolhas que fazemos enquanto
sociedade.

Referências
[1] Giannetti C. ESTÉTICA DIGITAL: Sintopia
da arte, a ciência e a tecnologia. Belo
Horizonte: C/Arte; 2006.