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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE EDUCAÇÃO
EDF 0294 – A Psicanálise, Educação e Cultura
Profa. Dra. Mônica do Amaral
Aluna: Paula Botafogo Caricchio Ferreira - Nº USP: 4932608

Síntese: “II. A adolescência e a questão no mundo


contemporâneo”, como resenha do filme “Aos Treze”

São Paulo

2º Semestre de 2010
Maria Izabel Mendes de Almeida em seu artigo “'Zoar' ou 'ficar”,
pretende discutir as “(...) novas cartografias subjetivas, formas de sociabilidade
e afetividade contemporâneas (...)”1 dos jovens cariocas. Para isso, realizou
uma pesquisa por dois anos com os jovens dos setores médios do Rio de
Janeiro e, nesse artigo, destaca as práticas do “zoar” e do “ficar” como “novas
modalidades de processamento e arquitetura dos registros de afeto e
sociabilidades”2 entre eles. O discurso e as práticas sociais informados nos
relatos desses jovens constituem o material empírico que serve de base ao
estudo. A tentativa nesse comentário é relacionar as conclusões de Mendes de
Almeida com a análise do filme “Aos Treze”.

O universo das experiências desses jovens cariocas é o da “night”. Essa


é uma categoria fundamentalmente espacial, porém, percebemos nos relatos
dos jovens que o espaço noturno, na verdade, é uma categoria que engloba
portas de boate, escadarias, boates, postos de gasolina e espaços públicos de
diversão. Podendo, inclusive, ser uma partida de futebol de madrugada na
Cobal do Leblon. Estes espaços se transformam em lugares de “zoação”,
espaços onde os jovens se encontram, conversam, se beijam, bebem e seguem
para outro lugar no grande circuito da night. Esses jovens cariocas são filhos
das classes médias, alunos de boas escolas da cidade do Rio de Janeiro,
frequentadores de boates. Nesse sentido, esse mesmo retrato aparece no filme
“Aos Treze” e, então, este também constitui uma espécie de bau de
informações empíricas sobre os jovens em geral.

A primeira impressão de “Aos Treze” é que é um documentário. As


imagens parecem feitas com uma câmera na mão. A iluminação simples e os
diálogos diretos, secos e violentos parecem descrever uma espontaneidade
real. O roteiro foi escrito pela diretora estreante Catherine Hardwicke e em
parceria com a atriz Nikki Reed, com apenas 13 anos de idade. Ela namorou o
pai da jovem atriz e manteve-se perto da enteada depois que o relacionamento
acabou. A rápida mudança no comportamento e no visual de Nikki no início da
adolescência inspirou a diretora a imaginar um filme que justamente relatasse
esse período de transformações. Para isso, ela convidou a própria garota para

1ALMEIDA, Maria Isabel Mendes de, “'Zoar' e 'ficar': novos termos da sociabilidade jovem”.
In: ________ e EUGENIO, F. (orgs.). Culturas jovens: novos mapas do afeto. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editor, 2006, p. 19.
2Idem.
ajudá-la a escrever o roteiro do filme que hoje conhecemos como “Aos Treze”.
Além de vários elementos autobiográficos, Nikki Reed também atua com um
dos papéis principais: o de Evie Zamora, a aluna mais popular e desejada da
escola.

No filme, Tracy Freeland, garota de treze anos de idade, vive com sua
mãe Melenie, seu irmão Manson e Paul, o cachorro de estimação da família. Ela
era uma das melhores alunas da escola e amiga das “nerds” da escola, até
conhecer a aluna mais popular do colégio, Evie Zamora. Nesse momento
começa sua transformação, no primeiro momento, com o intuito de ser aceita
por Zamora e ingressar entre os “populares” da escola. Para isso, Tracy muda
sua personalidade e visual completamente e passa a utilizar drogas, ter suas
primeiras relações sexuais e cometer crimes. Depois de aceita por Evie, elas se
tornam cúmplices da “zoação” perante o mundo dos adultos.

Os jovens analisados por Mendes de Almeida transformaram o


deslocamento em um fim em si. Nesse sentido, Tracy e Evie deslocam-se o
tempo todo, estão sempre em trânsito, não importa que tenham ou não
autorização de adultos. Isso faz parte de “zoar”, acompanhado da “diversão,
prazer e satisfação”3. A autora afirma a formação de identidades juvenis não
mais como identidade, mas como identificação, isto é, tem uma carga de
movimento, de fluidez e, por isso, deve ser analisada como uma rede contínua
de fluxos e migrações:

“Finalmente, o foco da contribuição de Massimo Canevacci


sobre as novas perspectivas nomádicas como distintas do
nomadismo étnico inscreve-se como mais uma reflexão relevante
para a exemplificação do deslize das formações identitárias para a
lógica da identificação. Essas novas perspectivas nomádicas têm
lugar no contexto dos processos globais, complexos, plurais e
sincréticos da contemporaneidade. A descontinuidade verificada
entre esses novos nomadismos e as formas tradicionais não
excluiria apropriações transversais, sincretismos opostos,
estranhas conexões, diálogos dissonantes. (...)”4

Nesse sentido, os jovens são classificados como agentes culturais ativos,


que vivenciam experiências espaciais organizadas em torno de novas
sensibilidades temporais e espaciais. A construção social das identidades
3Ibidem, p. 147.
4Ibidem, p. 145.
juvenis ocorre a partir de um equilíbrio dinâmico entre a construção da pessoa
jovem individualizada e a busca por referências grupais, mesmo que sejam
aquelas construídas em trânsito. Esse é o dilema fundamental vivido por Tracy
na estória de “Aos Treze”.

As mudanças da personalidade de Tracy acompanham uma série de


mutilações a seu corpo. Pode-se interpretar esses atos como contestações
simbólicas da personagem que ao investir em alguns momentos contra o
próprio corpo mostra o quanto o dilema e a confusão da personalidade dessa
adolescente fazia com que ela se sentisse vivendo como uma estrangeira, mas
em seu próprio corpo. No limite, o dilema de Tracy durante todo o filme estava
entre fugir da realidade ou contestá-la simbolicamente. Entre ser e ser aceita
pelo grupo da “zoação”.

A personagem de Tracy não espera nem mudar o mundo, nem emergir


dele. Pode-se dizer que a sua revolta se dá contra o próprio futuro, ela se
mutila, acima de tudo, por se reconhecer naquela carne. Em alguns momentos,
ela tenta afirmar sua autonomia de uma forma arrogante, por exemplo,
roubando nas lojas de roupa, com a promiscuidade sexual, saindo a noite sem
autorização da mãe. A questão toda pode ser resumida no fato de Tracy
desejar se impor como sujeito, se sentindo objeto no mundo que a impõe um
sujeito.

Tracy vai até as últimas consequências para se afirmar, controlar e


dominar como sujeito autônomo ao que está a sua volta, mesmo que, em
algumas situações, se coloque como objeto e não como sujeito. Durante essa
transformação/contestação, Tracy identifica a mãe como aquela que mina a
sua transcendência e poda a sua liberdade, ao mesmo tempo, ela se volta para
a melhor amiga afim de se defender do mundo e também descobri-lo. Aos
poucos, Evie se torna sua rival, inclusive, em relação ao afeto de sua mãe.

O final do filme, depois de levar o espectador ao limite com uma


atmosfera de mal-estar e de pânico-geral com a situação das garotas, resgata
a positividade. A própria Tracy parece reconhecer a necessidade de se colocar
limites e, nesse momento, a sua relação de afeto com a mãe é restabelecida.
Bibliografia

ALMEIDA, Maria Isabel Mendes de, “'Zoar' e 'ficar': novos termos da


sociabilidade jovem”. In: ________ e EUGENIO, F. (orgs.). Culturas jovens: novos
mapas do afeto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006, pp. 139-137.

Filme “Aos Treze:

Diretora: Catherine Hardwicke


Elenco: Evan Rachel Wood, Nikki Reed, Holly Hunter, Jeremy Sisto, Brady
Corbet, Vanessa Hudgens.
Produção: Jeffrey Levy-Hinte, Michael London
Roteiro: Catherine Hardwicke, Nikki Reed
Fotografia: Elliot Davis
Trilha Sonora: Mark Mothersbaugh
Ano: 2003
País: EUA/ Reino Unido
Gênero: Drama
Classificação: 16 anos

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