Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Resumo
Introdução
A cidade de Campos dos Goytacazes, norte do Estado do Rio de Janeiro, possui uma
praça principal chamada Praça do Santíssimo Salvador, à margem direita do Rio Paraíba do
Sul. Esse espaço sofreu algumas transformações ao longo de sua história. O presente artigo
apresenta as mudanças ocorridas na praça, e destaca a última delas, ocorrida entre 2004 e
2005, que gerou a configuração atual.
Para isso será apresentado como surgiu esse espaço, a interação que ele produz, as
reconstruções sofridas e os resultados das mudanças, através da análise de dissertações,
monografias, artigos relacionados e fotografias. Foram realizadas visitas à praça, em dias e
horários diferentes, e entrevistados seus passantes. A relação de identidade das pessoas com a
praça tem mudado devido às alterações feitas, e esse é o questionamento central: como a
população campista vê a praça hoje?
*
O presente artigo constitui-se de Trabalho de Conclusão de Curso de Pós-graduação Lato Sensu em Literatura,
Memória Cultural e Sociedade do Instituto Federal Fluminense, campus Centro, nos anos de 2014 e 2015,
desenvolvido sob a orientação do Professor Ms. Rodrigo Rosselini Julio Rodrigues.
**
Graduada em Direito (Universidade Cândido Mendes) e em Ciências Sociais (UENF). E-mail:
cyntiasj@gmail.com.
2
Ao contrário do que muitos estudiosos afirmam, não existe uma falta de planejamento
nas cidades brasileiras. As preocupações urbanísticas, sociais, econômicas e políticas sempre
existiram, conforme nos declara Shürmann (1999). Diferente do desenho das cidades da
América Espanhola, com um traçado geométrico em xadrez, as cidades da América
Portuguesa se caracterizavam pela falta de ordem, o que parecia resultar numa ausência de
projeto. Tradicionalmente sempre se viu a cidade colonial portuguesa como desordem, e as
palavras de Sérgio Buarque são esclarecedoras nesse sentido:
Afirmam Robba e Macedo (2010), citando Murillo Marx, que as cidades coloniais
brasileiras foram fundadas a partir de uma área de sesmaria, com a construção de uma capela
e instituição de uma paróquia. O responsável pela paróquia, um padre ou sacerdote, era
encarregado por repartir essa área doada, concedendo pedaços de terra para quem solicitasse,
começando, assim, assentamentos urbanos. Em volta da capela, paulatinamente, foram
construídas edificações que aconchegavam uma freguesia, arraial ou vila. O espaço livre, adro
da igreja, deixado em frente aos templos é justamente onde era formada a praça. E mediante o
crescimento da povoação, o adro da igreja se consolidava unindo a comunidade e a paróquia;
reunindo ao seu redor ricas residências e importantes prédios públicos, além do melhor
comércio.
O autor lista exemplos dos mais variados de praças que apresentam em seu entorno
edifícios significativos, tanto os administrativos, como o elemento dominante, a igreja: A
Praça XV de Novembro no Rio de Janeiro, a Praça Marechal Deodoro, em Porto Alegre, o
Pátio do Colégio, em São Paulo (Ibidem.).
Ainda, segundo esses autores, a formação das cidades coloniais brasileiras, se deu
mais em proximidade com as cidades medievais europeias, porque os núcleos destas estavam
em composições religiosas ou a partir de estruturas comerciais. Porém, no Brasil, as vilas só
poderiam ser fundadas ou elevadas da condição de povoado, com anuência da coroa
portuguesa, através das cartas régias. A estrutura morfológica, as ruas, largos e praças, se
configuravam a partir do casario, o que resultava em ruas estreitas e tortuosas, que
convergiam para a edificação central.
Neste espaço livre em frente ao assentamento religioso, onde se formava a praça, era
um espaço de interação entre os elementos da sociedade:
Era ali que a população da cidade colonial manifestava sua territorialidade,
os fieis demonstravam sua fé, os poderosos, seu poder, e os pobres, sua
pobreza. Era um espaço polivalente, palco de muitas manifestações dos
costumes e hábitos da população, lugar de articulação entre os diversos
estratos da sociedade colonial. (Ibidem, p. 22)
A cidade de Campos dos Goytacazes, local onde se situa o objeto de estudo deste
artigo, mais precisamente a Praça do Santíssimo Salvador, foi o ponto de partida da
estruturação do entorno da cidade, abrigando, desde o século XVII, edifícios públicos
importantes, como: a igreja (hoje a Catedral), a cadeia e a Casa da Câmara, e, posteriormente,
a Santa Casa de Misericórdia; além das casas, com estrutura arquitetônica da época, que
sobrevivem em forma de comércios ou serviços, se misturando às estruturas mais modernas.
A partir desse período muitas outras mudanças passaram a ocorrer, com a finalidade
de trazer à cidade um ar de modernidade. Transformações essas que serão tratadas a seguir,
com foco nas ocorridas na Praça do Santíssimo Salvador e seu entorno.
1
A expressão “São” se tratava como os portugueses assim chamavam em abreviação à expressão “Santíssimo”.
Além disso, existe hoje, uma iniciativa da Igreja Católica, de incentivar aos fiéis a chamarem a praça com seu
nome correto, uma vez que existe um erro na denominação e entendimento, pensando haver um Santo Salvador,
no lugar do privilégio de termos o Santíssimo Salvador como padroeiro.
7
Podemos verificar nesta fotografia a praça arborizada cercada por gradis, lembrando o
Campo de Santana no Rio de Janeiro. No entorno da praça verificamos os trilhos para
passagem de bondes, e as charretes.
Em 1904 foi doado pela firma Campos Syndicate, que explorava os serviços de água e
esgoto da cidade, um chafariz de louça belga, em formato de noiva, ao primeiro prefeito de
Campos2, Manoel Rodrigues Peixoto, com a finalidade de ser colocado em uma chácara
pertencente a ele. O prefeito doou para a sociedade Campista, ordenando que fosse colocado
na Praça Quatro Jornadas3, praça ao lado da do Santíssimo Salvador, ocupando o mesmo
2
RODRIGUES (2014) informa que em setembro de 1903 foi aprovada uma reforma na constituição fluminense,
que direcionava a centralização de poder nas mãos do executivo estadual. Até este momento, o poder executivo
nos municípios fluminenses, era exercido pelo presidente da Câmara. A partir da reforma constitucional este
poder seria entregue a prefeitos escolhidos pelo presidente do Estado.
3
Segundo informações do site Campos Turismo, a Praça do Santíssimo Salvador foi separada da Praça das
Quarto Jornadas, porque neste espaço, que hoje encontramos o Chafariz, se desenrolaram quatro grandes fatos
históricos do Município. Foram eles: “15 de maio de 1739 - oposição dos oficiais da Câmara Municipal à posse
de Martim Correia de Sá, procurador e filho do Visconde de Assecas, General Salvador Correia de Sá e
Benevides, ocasionando diversas prisões; 1º de outubro de 1747 - prisão de oficiais da Câmara que não
reconheceram a autoridade do Visconde e se opuseram ao Sargento-mor Pedro Velho Barreto, no Rio de Janeiro;
30 de outubro de 1747 - prisão de camaristas responsáveis pelo sequestro das Capitanias dos Assecas,
incorporando-a à Coroa; 21 de maios de 1748 - grande combate nas ruas da cidade, liderados pela fazendeira
Benta Pereira, libertando o poco campista do domínio dos Assecas” (in:
http://camposturismo.com.br/2098_praca-quatro-jornadas)
10
espaço onde antes havia o prédio da cadeia. Este chafariz tem como objetivo, até hoje,
embelezar os espaços livres com objetos decorativos (MOTTA e SOUZA, 2010).
Figura 5 - Praça do Santíssimo Salvador – anos 10
Quando morreu em 1882 deixou seus bens para a Santa Casa de Misericórdia em uso
fruto de sua viúva. O solar foi vendido mais tarde ao senhor Gaspar, que o transformou em
hotel – Grande Hotel Gaspar. Hospedou muitos estrangeiros e pessoas renomadas. Foi
tombado em 1985 e hoje é um espaço pertencente à Santa Casa, que aluga suas salas para a
prefeitura de Campos. Ainda permaneciam os prédios da Igreja Mãe dos Homens e da Santa
Casa de Misericórdia de Campos, que foram demolidos na década de 1960.
No ano de 1924 a antiga Matriz foi elevada à categoria de catedral Diocesana, tendo
como primeiro cura o padre Dr. Antônio Carmelo, mais tarde substituído pelo Monsenhor
João de Barros Uchoa. Nos anos 30 havia uma preocupação em trazer aos projetos
urbanísticos a modernidade. O plano urbanístico formulado por Alfred Agache, tinha como
ponto principal a remodelação de toda a cidade e, principalmente, da praça.
Os dois lados da Praça São Salvador passaram por implantações e
remodelações de imóveis. Em 1948 houve a reedificação do prédio dos
Correios, e ao lado esquerdo da catedral a inauguração do prédio do Instituto
do Açúcar e do Álcool (IAA), onde atualmente funciona a sede da Justiça
Federal. (MOTTA e SOUZA, 2010, p.28).
Foi durante esta reforma (MOTTA e SOUZA, 2010) que surgiu a ideia de colocar na
praça uma estátua em homenagem aos heróis campistas mortos na II Guerra Mundial, estátua
que permanece até hoje, mesmo diante de todas as reformas sofridas.
A fotografia nos apresenta a penúltima configuração que a praça apresentou, com seus
bancos de madeira, arborizada, e com pequenos gradis envolvendo pequenos jardins. Ao final
temos a imponente Catedral.
Durante a administração do prefeito Arnaldo França Viana, foi realizada uma nova
reforma da Praça do Santíssimo Salvador, entre os anos de 2004/2005,
Como toda forma está relacionada a uma função, este novo formato deu
maior amplitude à Praça São Salvador e melhor visibilidade do seu entorno,
sobretudo, da Catedral do Santíssimo Salvador. A fluidez do trânsito
também foi levada em consideração nesta reforma. Uma passagem de
automóveis foi feita entre a Praça São Salvador e a Quatro Jornadas, dando
acesso à Avenida Alberto Torres. Além desta passagem, foi feita uma
abertura em frente à Catedral, permitindo ao motorista circular ao redor da
Praça São Salvador. (MOTTA e SOUZA, 2010, p.40)
históricos da praça. A obra foi orçada em R$ 6,8 milhões, preservando o monumento de honra
aos pracinhas e o chafariz da Praça Quatro Jornadas.
Após esta reforma, a praça foi inaugurada em 12 de maio de 2005 com iluminação
glamorosa. Motta e Souza (2010) relatam que esse espaço passou a ser visto de forma
diferente pela sociedade campista. Alguns eventos que já ocorriam, como a festa do
Santíssimo Salvador, continuaram a ocorrer nela.
Outra forma de utilização da praça tem sido de atos dos políticos partidários. No dia
01 de setembro de 2010 houve um comício realizado pelo Partido da República. No mesmo
ano, a Praça se tornou palco de um grande evento para a cidade, a 6ª Bienal do Livro,
promovida pela Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima. O evento foi realizado sob uma
tenda que cobria toda a praça. O evento contou com a presença de grandes nomes da
literatura, música, poesia, teatro e cultura (MOTTA e SOUZA, op. cit.).
Após essa última reforma, com o espaço ampliado, sem sombras de árvores, com os
antigos bancos de madeira substituídos pelos de mármore, o uso da praça tem sido como local
de passagem durante o dia, devido ao intenso calor. As frondosas árvores foram substituídas
por palmeiras que pouca sombra proporcionam. Podemos perceber a presença assídua de
visitantes/moradores da cidade nos fins de semana, e principalmente no período noturno.
Levar a família para visitar a praça, e permanecer nela após a missa aos domingos à noite,
recebendo a brisa do vento nordeste, é atividade rotineira.
Considerações finais
Longe da pretensão de encerrar qualquer debate, procuro colaborar com a percepção
de valor que a praça do Santíssimo Salvador tem hoje.
Busquei trazer o que chamo de um breve histórico da cidade de Campos dos
Goytacazes e de sua principal praça, a do Santíssimo Salvador. E neste histórico apresentar as
mudanças mais importantes que ocasionaram no modelo que ora presenciamos. Há muito
mais a ser dito, mas meu recorte caminha para o entendimento de como o campista vê esse
espaço.
A união da Igreja com o Estado foi forte fator de influência para a formação do centro
urbano de Campos dos Goytacazes. O nome que a vila recebeu — de São Salvador — está
intimamente ligado à festa da Transfiguração do Senhor, conforme calendário litúrgico da
igreja católica, porque o aparecimento urbano se deu a partir de uma propriedade rural e de
uma concentração próxima à igreja, surgindo assim a praça do Santíssimo Salvador.
Palco de muitos acontecimentos da sociedade campista, e de mudanças sofridas na sua
estrutura, para atender às diferentes demandas, a praça sofreu alterações, dentre as quais
temos a dos anos 30, com o objetivo de remodelar, estender e embelezar. Também a catedral
acompanhou essa mudança, sofrendo grande reforma com o intuito de modernização.
Além disso, a reforma da década de 90, com o intuito de ampliar os espaços e integrar
as praças do Santíssimo Salvador e Quatro Jornadas à basílica do Santíssimo Salvador. O
chafariz também foi recuperado nos seus moldes originais. A reforma teve como um dos
fundamentos a revitalização do verde no centro da cidade. Esta última reforma durou desde
19
1991 até 2004/2005, quando mais uma vez a praça foi cercada para nova “melhoria” e sofreu
uma mudança radical, com troca de todo o piso, retirada das árvores, mudança no trânsito,
dentre outras.
Cabe pensar a respeito da expressão lugar, antes ainda de pensarmos sobre o lugar
público: a praça. Lugar é uma categoria do pensamento geográfico. Existem duas visões para
este conceito que Paglioto (2015) trabalha:
A visão da Geografia Clássica, intricada nos preceitos positivistas, denota ao
conceito de lugar um sentido estritamente locacional usado para diferenciar
um lugar do outro ou para localizá-lo no espaço. Já a corrente Humanista-
Fenomenológica coloca o lugar como o espaço passível de ser sentido,
pensado, apropriado e vivido, aquela porção do meio onde existe uma
relação de identidade, onde existe a percepção de pertencimento.
(PAGLIOTO, 2015, p.09).
Neste sentido, a praça é um lugar público que ultrapassa o sentido locacional, por ser
um espaço vivido, com identidades, que privilegia a convivência entre os habitantes da
cidade.
Para a expressão praça, temos múltiplos significados. Em pesquisa ao dicionário
Houaiss, o mesmo define praça como:
1 área urbanizada, freq. ajardinada, para descanso e lazer. 2 lugar
fortificado; fortaleza 3 lugar aberto onde se compra e se vende; mercado,
feira 4 comunidade comercial e financeira de uma cidade 5 soldado.
(Minidicionário Houaiss, 2004).
ou ainda, nas palavras da historiadora Graziela Escocard: ”uma praça europeia, num país
tropical”.
22
REFERÊNCIAS
BARBOSA, Brígida Maria Pereira; LINHARES, Rita de Cássia Barreto. Praça do Santíssimo
Salvador – século XXI transformações no espaço urbano: permanências e rupturas.
Monografia de conclusão do curso de licenciatura em Geografia, Campos dos
Goytacazes/RJ, CEFET-CAMPOS, 2007.
FARIA, Teresa Peixoto. Gênese da rede urbana no Norte e Noroeste Fluminenses. In.
CARVALHO, Ailton Mota de; FERREIRA, Eugênio; (Orgs). Formação histórica e
econômica do Norte Fluminense. Rio de Janeiro: Goroword, 2006.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26 ed. São Paulo: Companhia das Letras,
1995.
MOTTA, Norma Aparecida Leite; SOUZA, José Henrique Aguiar de. A transformação
espacial da Praça São Salvador em Campos dos Goytacazes/RJ (2004/2005).
Monografia de conclusão do curso de licenciatura em Geografia, Campos dos
Goytacazes/RJ, CEFET-CAMPOS, 2010.
PAGLIOTO, Iuri Freitas. Praça Pública: O Lugar Público enquanto Patrimônio Cultural Uma
análise da Praça Gomes Freire em Mariana-MG. Monografia, apresentada ao curso de
Geografia da Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, Minas Gerais, 2015.
23
RISSO, Sérgio Rangel. Saúde pública em Campos dos Goytacazes: da epidemia de cólera de
1855 às políticas de saúde da república velha (1855-1930). Sérgio Rangel Risso,
Campos dos Goytacazes, UENF, 2006.
ROBBA, Fabio e MACEDO, Silvio Soares. Praças Brasileiras = Public Squares in Brazil/
Fabio Robba e Silvio Soares Macedo, 3 ed., São Paulo: Editora da Universidade de São
Paulo, 2010.
SILVA, Osório Peixoto. Os momentos decisivos da História de Campos dos Goytacazes. Rio
de Janeiro: Serviço de Comunicação Social da Petrobras, 1984.