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As transformações na Praça do Santíssimo Salvador em

Campos dos Goytacazes RJ*

Cyntia dos Santos Jorge**

Resumo

O presente artigo propõe realizar um recorte sobre as transformações ocorridas na Praça do


Santíssimo Salvador, que se situa no centro da cidade de Campos dos Goytacazes, norte do
estado do Rio de Janeiro. Para esta compreensão, apresento a história da formação deste
espaço, bem como as transformações físicas sofridas por ele ao longo dos tempos, apoiando a
discussão nos estudos publicados de Barbosa e Linhares (2007), Motta e Souza (2010),
Freitas (2006), Faria (2006), Rodrigues (2014) e Risso (2006), correlacionando às análises
feitas por Robba e Macedo (2010) e Paglioto (2015) para observar os conceitos de lugar e
praça. E, por fim, com o objetivo de entender a nova utilização do espaço, apresento como a
sociedade vê a praça hoje: lugar de passagem e de permanência.
Palavras-chave: praça do Santíssimo Salvador; intervenções; história; transformações.

Introdução

A cidade de Campos dos Goytacazes, norte do Estado do Rio de Janeiro, possui uma
praça principal chamada Praça do Santíssimo Salvador, à margem direita do Rio Paraíba do
Sul. Esse espaço sofreu algumas transformações ao longo de sua história. O presente artigo
apresenta as mudanças ocorridas na praça, e destaca a última delas, ocorrida entre 2004 e
2005, que gerou a configuração atual.

Para isso será apresentado como surgiu esse espaço, a interação que ele produz, as
reconstruções sofridas e os resultados das mudanças, através da análise de dissertações,
monografias, artigos relacionados e fotografias. Foram realizadas visitas à praça, em dias e
horários diferentes, e entrevistados seus passantes. A relação de identidade das pessoas com a
praça tem mudado devido às alterações feitas, e esse é o questionamento central: como a
população campista vê a praça hoje?

*
O presente artigo constitui-se de Trabalho de Conclusão de Curso de Pós-graduação Lato Sensu em Literatura,
Memória Cultural e Sociedade do Instituto Federal Fluminense, campus Centro, nos anos de 2014 e 2015,
desenvolvido sob a orientação do Professor Ms. Rodrigo Rosselini Julio Rodrigues.
**
Graduada em Direito (Universidade Cândido Mendes) e em Ciências Sociais (UENF). E-mail:
cyntiasj@gmail.com.
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O modelo colonial de cidade

Ao contrário do que muitos estudiosos afirmam, não existe uma falta de planejamento
nas cidades brasileiras. As preocupações urbanísticas, sociais, econômicas e políticas sempre
existiram, conforme nos declara Shürmann (1999). Diferente do desenho das cidades da
América Espanhola, com um traçado geométrico em xadrez, as cidades da América
Portuguesa se caracterizavam pela falta de ordem, o que parecia resultar numa ausência de
projeto. Tradicionalmente sempre se viu a cidade colonial portuguesa como desordem, e as
palavras de Sérgio Buarque são esclarecedoras nesse sentido:

A cidade que os portugueses construíram na América não é um produto


mental, não chega a contradizer o quadro da natureza, e sua silhueta se
enlaça na linha da paisagem. Nenhum rigor, nenhum método, nenhuma
previdência, sempre este significativo abandono que exprime a palavra
desleixo. (HOLANDA, 1995, p.110).

No caso da colonização portuguesa, Oliveira (2010) citando autores como Paulo


Santos e Murillo Marx, afirma que o planejamento arquitetônico se deu com a implantação de
edifícios de administração, de uma igreja e da elite em torno de uma praça central. Existia um
urbanismo colonial português que, apesar de não possuir uma legislação específica, adotava
as Cartas Régias, que tratavam das ordenações das vilas e cidades, passando de uma cidade
para outra, tornando-se quase que uma regra.

Essas preocupações estavam muito explícitas nas Cartas Régias quando


apresentavam as determinações de arruamento e as reservas de locais para
praças(onde se erguia o pelourinho), igrejas, edifícios públicos, franquias
municipais e logradouros ou passeios para a população.
Toda cidade colonial para ser caracterizada como tal deveria possuir uma
Casa de Câmara e Cadeia, uma praça com pelourinho e uma igreja Matriz.
Tanto a praça como as ruas eram definidas pela testada das casas nos lotes.
As casas deveriam ser todas muito bem alinhadas e as ruas possuírem a
mesma largura para garantir a formosura nas vilas. (OLIVEIRA, 2010,
p.178)

Ou ainda, nas palavras de Shürmann:


Foram aplicadas regras de alinhamento e foi previsto um traçado urbano
ordenado para vilas e cidades no qual a praça era demarcada em primeiro
lugar, com previsão da localização da igreja, do pelourinho, da casa da
câmara e cadeia e de outras edificações públicas. (SHÜRMANN, 1999, p.
168).

A diferença entre o urbanismo espanhol e português está na legislação, porque os


espanhóis tinham um código administrativo, e os portugueses se limitavam às Ordenações do
Reino, que tinham como objetivo tratar mais da arquitetura que das cidades.
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Afirmam Robba e Macedo (2010), citando Murillo Marx, que as cidades coloniais
brasileiras foram fundadas a partir de uma área de sesmaria, com a construção de uma capela
e instituição de uma paróquia. O responsável pela paróquia, um padre ou sacerdote, era
encarregado por repartir essa área doada, concedendo pedaços de terra para quem solicitasse,
começando, assim, assentamentos urbanos. Em volta da capela, paulatinamente, foram
construídas edificações que aconchegavam uma freguesia, arraial ou vila. O espaço livre, adro
da igreja, deixado em frente aos templos é justamente onde era formada a praça. E mediante o
crescimento da povoação, o adro da igreja se consolidava unindo a comunidade e a paróquia;
reunindo ao seu redor ricas residências e importantes prédios públicos, além do melhor
comércio.
O autor lista exemplos dos mais variados de praças que apresentam em seu entorno
edifícios significativos, tanto os administrativos, como o elemento dominante, a igreja: A
Praça XV de Novembro no Rio de Janeiro, a Praça Marechal Deodoro, em Porto Alegre, o
Pátio do Colégio, em São Paulo (Ibidem.).
Ainda, segundo esses autores, a formação das cidades coloniais brasileiras, se deu
mais em proximidade com as cidades medievais europeias, porque os núcleos destas estavam
em composições religiosas ou a partir de estruturas comerciais. Porém, no Brasil, as vilas só
poderiam ser fundadas ou elevadas da condição de povoado, com anuência da coroa
portuguesa, através das cartas régias. A estrutura morfológica, as ruas, largos e praças, se
configuravam a partir do casario, o que resultava em ruas estreitas e tortuosas, que
convergiam para a edificação central.
Neste espaço livre em frente ao assentamento religioso, onde se formava a praça, era
um espaço de interação entre os elementos da sociedade:
Era ali que a população da cidade colonial manifestava sua territorialidade,
os fieis demonstravam sua fé, os poderosos, seu poder, e os pobres, sua
pobreza. Era um espaço polivalente, palco de muitas manifestações dos
costumes e hábitos da população, lugar de articulação entre os diversos
estratos da sociedade colonial. (Ibidem, p. 22)

Não fugindo a esta forma de ordenamento espacial, ou seja, comprovando a repetição


de um modelo do país de origem, adaptada às condições locais, Freitas (2006) nos informa:
Uma forma constante na constituição de povoações no período colonial era
com a valorização de determinados pontos com praças que abrigavam
igrejas, Câmara ou conventos, um local próprio para aglomerações, um local
de reuniões (religiosas, cívicas, recreativas e atividades de comércio como
feiras e mercados). (FREITAS, 2006, p.51)
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A cidade de Campos dos Goytacazes, local onde se situa o objeto de estudo deste
artigo, mais precisamente a Praça do Santíssimo Salvador, foi o ponto de partida da
estruturação do entorno da cidade, abrigando, desde o século XVII, edifícios públicos
importantes, como: a igreja (hoje a Catedral), a cadeia e a Casa da Câmara, e, posteriormente,
a Santa Casa de Misericórdia; além das casas, com estrutura arquitetônica da época, que
sobrevivem em forma de comércios ou serviços, se misturando às estruturas mais modernas.

Uma breve história da cidade

Tendo esclarecido a respeito do modo como se deu a colonização portuguesa, no caso


específico de Campos dos Goytacazes, Faria (2006) nos elucida que os municípios do norte
do estado do Rio de Janeiro se originaram da Capitania de São Tomé, em 1536. Mais tarde,
em 1627 o governo do Rio de Janeiro dividiu a capitania em sesmarias, doadas a sete capitães.
Tratando-se particularmente sobre o local onde se situa a cidade de Campos dos Goytacazes,
Tereza Faria anota:
Sem dúvida, a principal área de interesse de toda capitania foi o local onde
se localiza o município de Campos, especialmente a sua sede, a antiga vila
de São Salvador de Campos, atual cidade de Campos dos Goytacazes, sendo,
inclusive, a primeira vila a ser criada nesta região. Sua criação foi marcada
por lutas de representações e inúmeros conflitos de interesses políticos e
econômicos concernentes às propriedades e ao controle da Câmara
Municipal. (FARIA, 2006, p.73)

Em 1677 se deu a criação da Vila de São Salvador em consequência da construção de


uma capela do Santíssimo Salvador, erguida desde 1652. A formação da Vila teve, conforme
Motta e Souza (2010) e Freitas (2006), dois momentos de crescimento no processo de
colonização: a partir do início do século XVII com a produção agrícola e criação de gado, e,
em meados do século XVIII, com a cana de açúcar; e o outro, a partir da “praça principal”
(atual Praça do Santíssimo Salvador), por ser o local mais alto, fugindo de possíveis
alagamentos, e por já existir uma igreja levantada.
Em 1835, precisamente em 28 de março, a vila de São Salvador, foi elevada à
categoria de cidade de São Salvador de Campos dos Goytacazes, em função da prosperidade
econômica. Nessa época “a cidade possuía uma Praça (a Principal), quatro Largos (Rosário,
Pelourinho ou Capim, Rocio e das Verduras), dezenove Ruas e seis Travessas, quase todas
sem pavimentação, crivadas de atoleiros” (FREITAS, 2006, p.53)
Na segunda metade do século XIX a cidade viveu um período de desenvolvimento.
Em 1864 o Barão da Lagoa Dourada inaugurou o solar mais luxuoso da época, onde se
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encontra hoje o Liceu de Humanidades de Campos. Outros empreendimentos foram surgindo


para atender às necessidades da atividade açucareira, como: a fábrica de tecidos, que tinha
como finalidade também fabricar sacos para embalar açúcar. O trem de ferro chegou para
integrar a zona rural com a urbana, e a expansão ferroviária aconteceu até 1906, integrando
Campos ao Espírito Santo. Em 1875 o canal Campos-Macaé foi inaugurado com a finalidade
de escoar a produção agrícola para o Rio de janeiro, que era o principal mercado consumidor
na ocasião. Também neste ano é inaugurada a primeira ponte sobre o rio Paraíba (BARBOSA
e LINHARES, 2007 e FREITAS, 2006).
O final do século XIX e início do século XX foram marcados pelo discurso higienista,
por conta das frequentes epidemias nas cidades (FARIA, 2006). Os principais problemas
causadores das doenças que assolavam as cidades do país eram originados da ineficiente ou
inexistente coleta de lixo, dejetos que eram lançados nas ruas, falta de saneamento com
acúmulo de águas das chuvas, enchentes de rios, infestação de insetos, roedores, falta de
abastecimento de água e práticas de higiene pessoal muito precárias. A cidade do Rio de
Janeiro, capital do país na época, sofria com diversas enfermidades causadas pelas péssimas
condições sanitárias.
Nos anos 1900 a cidade foi palco de muitas doenças, desde varíola, febre amarela,
malária, sofreu um surto da peste bubônica após uma enchente. Rodrigues (2014) nos informa
que no ano de 1901

(...) assumia a presidência da Câmara Municipal o médico Benedito Pereira


Nunes, que entre os seus primeiros atos, contratou o engenheiro sanitarista
Saturnino Rodrigues de Brito, nascido na cidade de Campos e formado na
Escola Politécnica do Rio de Janeiro, afim de promover o saneamento da
cidade. (RODRIGUES, 2014, p.235).

Muitas ações higienistas colocadas em prática neste período estavam sendo


influenciadas pelas mudanças ocorridas em países europeus, especialmente França, sendo o
poder público o agente que interferia realizando mudanças para solução de todos os aspectos
referentes à saúde da população. A cidade de Campos não fugiu a esta situação.
O chamado “Plano Saneamento de Campos”, seguindo modelos empregados nas
capitais, como alargamento de ruas, sistema de esgoto, aterramento de lagoas, ajardinamento
de praças, demolição de edificações consideradas insalubres, dentre outras, implicou ainda na
construção de um novo matadouro e mercado municipal (RISSO, 2006 e RODRIGUES,
2014).
O plano tinha o objetivo de melhorar as condições de higiene e saúde, além
do embelezamento do espaço urbano. Coube ao engenheiro Saturnino de
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Brito, nomeado pela Câmara Municipal em 1902, executar o Plano


Urbanístico de Campos. Brito partiu do plano anterior de Planon, procurando
dotar a cidade de melhor circulação de ar e iluminação, através da abertura
de ruas e demolição de casas. (RISSO, 2006, p.91)

A partir desse período muitas outras mudanças passaram a ocorrer, com a finalidade
de trazer à cidade um ar de modernidade. Transformações essas que serão tratadas a seguir,
com foco nas ocorridas na Praça do Santíssimo Salvador e seu entorno.

A praça São (do Santíssimo)1 Salvador


A fundação de Campos a partir da praça do Santíssimo Salvador, e às margens do Rio
Paraíba do Sul, com uma igreja, a cadeia, a casa da Câmara e a Santa Casa de Misericórdia,
denuncia a forma de constituição de povoados do período colonial, conforme narrado por
Freitas (2006).
Figura 1 – Localização da Praça do Santíssimo Salvador na região de Campos dos Goytacazes

Fonte: Google Maps, em 08 de fevereiro de 2016.

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A expressão “São” se tratava como os portugueses assim chamavam em abreviação à expressão “Santíssimo”.
Além disso, existe hoje, uma iniciativa da Igreja Católica, de incentivar aos fiéis a chamarem a praça com seu
nome correto, uma vez que existe um erro na denominação e entendimento, pensando haver um Santo Salvador,
no lugar do privilégio de termos o Santíssimo Salvador como padroeiro.
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Figura 2 - Praça do Santíssimo Salvador – Séc. XIX

Acervo: Museu Histórico de Campos

A figura 2, segundo informação obtida no Museu Histórico de Campos, é a mais


antiga da praça. A vista parte da Igreja matriz em direção ao rio Paraíba do Sul. À esquerda
podemos ver a Igreja Mãe dos Homens, tendo ao seu lado esquerdo a Santa Casa de
Misericórdia de Campos. Ao lado direito da foto, ocupando o que hoje temos como Praça das
Quatro Jornadas, está a Casa de Câmara e Cadeia.
Quando em 1835 a Carta de Lei elevou a Vila de São Salvador para a categoria de
cidade, passando a ter a denominação de Campos dos Goytacazes, a cidade tinha poucas ruas
e estreitas, quase todas sem pavimentação, e pouca iluminação pública, a não ser a que era
feita com lampiões de azeite de peixe. A parte central da cidade era somente na única praça,
que era chamada de Praça da Constituição ou Praça Principal. Em 1867 a praça principal
passou a ser mencionada como Praça do Santíssimo Salvador. Existiam no entorno dela
edifícios como a Igreja da Matriz, a Igreja de Nossa Senhora Mãe dos Homens, a Santa Casa
de Misericórdia de Campos, a cadeia, e alguns solares espalhados pelo centro, pertencentes
aos mais abastados (BARBOSA e LINHARES, 2007).
Até 1851, as ruas ao redor da praça eram grandes. Lama e mato faziam parte da
paisagem (BARBOSA & LINHARES, op. cit). Não havia qualquer preocupação estética no
lugar, apesar de já existirem edifícios de nobre beleza, como a Igreja Mãe dos homens, a
Santa Casa de Misericórdia e a Igreja Matriz. Faria (2006) afirma que Campos se configurava
como principal centro urbano, não por acaso, demandando reformas para atender ao progresso
econômico, o que, consequentemente resultava numa vida social da população mais
intensificada.
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Tudo acontecia na praça. As comemorações, as festas, os discursos políticos


e até as desavenças. Seus jardins assombreados foram palco de momentos
marcantes para toda cidade. (BARBOSA e LINHARES, 2007, p.24).

Figura 3 - Praça do Santíssimo Salvador – Igreja Matriz – Séc. XIX

Acervo: Museu Histórico de Campos

A imagem acima, ainda em complemento à anteriormente apresentada, mostra a vista


para a Igreja Matriz, bem como para o cemitério ao lado da mesma.
Em 1893 a praça foi ajardinada e fechada por gradis. Nesta época a vida da sociedade
Campista se desenvolvia a partir da Praça do Santíssimo Salvador, sendo um dos principais
pontos de encontro da elite campista (MOTTA e SOUZA, 2010).
Muitos eventos sociais ocorreram nesta praça ao longo da história. Quando estourou a
Guerra do Paraguai, em 1870, Campos foi a primeira cidade a organizar um batalhão, que se
concentrou na Praça do Santíssimo Salvador para as solenidades (MOTTA e SOUZA, op. cit).
Não muito mais tarde, em 1883, Faria (2006) narra que a energia elétrica chegou a Campos,
dando à cidade destaque nacional, sendo a primeira cidade da América do Sul a receber este
benefício. Por consequência, muitos visitantes ilustres foram recebidos nos jardins da Praça
do Santíssimo Salvador, dentre eles D. Pedro II. Já nesta época, a praça estava iluminada
pelos postes com energia elétrica.
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Figura 4 - Praça do Santíssimo Salvador – final séc. XIX

Acervo: Museu Histórico de Campos

Podemos verificar nesta fotografia a praça arborizada cercada por gradis, lembrando o
Campo de Santana no Rio de Janeiro. No entorno da praça verificamos os trilhos para
passagem de bondes, e as charretes.
Em 1904 foi doado pela firma Campos Syndicate, que explorava os serviços de água e
esgoto da cidade, um chafariz de louça belga, em formato de noiva, ao primeiro prefeito de
Campos2, Manoel Rodrigues Peixoto, com a finalidade de ser colocado em uma chácara
pertencente a ele. O prefeito doou para a sociedade Campista, ordenando que fosse colocado
na Praça Quatro Jornadas3, praça ao lado da do Santíssimo Salvador, ocupando o mesmo

2
RODRIGUES (2014) informa que em setembro de 1903 foi aprovada uma reforma na constituição fluminense,
que direcionava a centralização de poder nas mãos do executivo estadual. Até este momento, o poder executivo
nos municípios fluminenses, era exercido pelo presidente da Câmara. A partir da reforma constitucional este
poder seria entregue a prefeitos escolhidos pelo presidente do Estado.
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Segundo informações do site Campos Turismo, a Praça do Santíssimo Salvador foi separada da Praça das
Quarto Jornadas, porque neste espaço, que hoje encontramos o Chafariz, se desenrolaram quatro grandes fatos
históricos do Município. Foram eles: “15 de maio de 1739 - oposição dos oficiais da Câmara Municipal à posse
de Martim Correia de Sá, procurador e filho do Visconde de Assecas, General Salvador Correia de Sá e
Benevides, ocasionando diversas prisões; 1º de outubro de 1747 - prisão de oficiais da Câmara que não
reconheceram a autoridade do Visconde e se opuseram ao Sargento-mor Pedro Velho Barreto, no Rio de Janeiro;
30 de outubro de 1747 - prisão de camaristas responsáveis pelo sequestro das Capitanias dos Assecas,
incorporando-a à Coroa; 21 de maios de 1748 - grande combate nas ruas da cidade, liderados pela fazendeira
Benta Pereira, libertando o poco campista do domínio dos Assecas” (in:
http://camposturismo.com.br/2098_praca-quatro-jornadas)
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espaço onde antes havia o prédio da cadeia. Este chafariz tem como objetivo, até hoje,
embelezar os espaços livres com objetos decorativos (MOTTA e SOUZA, 2010).
Figura 5 - Praça do Santíssimo Salvador – anos 10

Acervo: Museu Histórico de Campos dos Goytacazes

A imagem mostra a praça do Santíssimo Salvador ainda com as grades e o chafariz já


colocado na Praça das 4 Jornadas. As grades que circundavam a praça foram retiradas em
1913, voltando os jardins a ter acesso livre pela população. Segundo relato da historiadora
Graziela Escocard, os gradis foram encaminhados para o cemitério do Caju, que já havia sido
inaugurado desde 1846.

Figura 6 – Praça do Santíssimo Salvador – anos 30

Acervo de Leonardo Vasconcelos. In: Motta e Souza (2010)


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Quando morreu em 1882 deixou seus bens para a Santa Casa de Misericórdia em uso
fruto de sua viúva. O solar foi vendido mais tarde ao senhor Gaspar, que o transformou em
hotel – Grande Hotel Gaspar. Hospedou muitos estrangeiros e pessoas renomadas. Foi
tombado em 1985 e hoje é um espaço pertencente à Santa Casa, que aluga suas salas para a
prefeitura de Campos. Ainda permaneciam os prédios da Igreja Mãe dos Homens e da Santa
Casa de Misericórdia de Campos, que foram demolidos na década de 1960.
No ano de 1924 a antiga Matriz foi elevada à categoria de catedral Diocesana, tendo
como primeiro cura o padre Dr. Antônio Carmelo, mais tarde substituído pelo Monsenhor
João de Barros Uchoa. Nos anos 30 havia uma preocupação em trazer aos projetos
urbanísticos a modernidade. O plano urbanístico formulado por Alfred Agache, tinha como
ponto principal a remodelação de toda a cidade e, principalmente, da praça.
Os dois lados da Praça São Salvador passaram por implantações e
remodelações de imóveis. Em 1948 houve a reedificação do prédio dos
Correios, e ao lado esquerdo da catedral a inauguração do prédio do Instituto
do Açúcar e do Álcool (IAA), onde atualmente funciona a sede da Justiça
Federal. (MOTTA e SOUZA, 2010, p.28).

No ano de 1935 as comemorações do centenário da cidade foram intensas. Várias


reformas foram realizadas (BARBOSA e LINHARES, 2007). A igreja matriz foi a primeira a
ser remodelada, os edifícios foram pintados e a iluminação ampliada. A reforma tinha como
símbolo a modernidade, e a catedral melhorada, segundo nos informa Azeredo e Rodrigues
(2003), representava
símbolo da força que o catolicismo, sob sua configuração mais
conservadora, sempre imprimiu na região, e também como símbolo dos
ideais de modernidade apresentados pelo movimento de outubro de 1930. A
primeira missa realizada na catedral ainda em obras foi a de 24 de dezembro
de 1931, missa do galo, celebrada pelo bispo diocesano, D. Henrique
Mourão. A inauguração da nova catedral de Campos ocorreu um ano antes
das comemorações do primeiro centenário de sua elevação à cidade, em
1934, ano em que foi outorgada a primeira constituição da chamada Era
Vargas. (AZEREDO e RODRIGUES, 2003, p. 64).
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Figura 7 –Reforma da Catedral nos anos 30

Acervo: Museu Histórico de Campos

A figura 7 mostra a remodelação que a catedral sofreu, ilustrando o contexto


modernizador com a nova fachada e a elevação de uma das torres pontiaguda, no estilo
eclético que o prédio assumiu, além da permanecia da torre colonial.

A década de 30 foi um período de extremos políticos, quando se formaram a Aliança


Nacional Libertadora – ANL, formada pelos sindicatos e capitaneada pelo Partido Comunista,
e à extrema direita, a Ação Integralista Brasileira – AIB, sofrendo forte influência do nazi-
fascismo. Em 1937, o comício dos integralistas que terminou de forma trágica, com um
conflito armado entre estes e os comunistas, resultando em dezenas de feridos e na morte de
uma pessoa, também na Praça do Santíssimo Salvador. Osório Peixoto (2004) narra a
passeata:
a multidão se posta na Praça São Salvador, já ocupada por milhares de
pessoas, todas voltadas para frente da sede da Ação Integralista Brasileira
que ficava onde é hoje a foto São Paulo. Diz a Folha do commércio que
falava há 15 minutos o estudante Celso Peçanha quando foi aparteado por
um popular-aparte de apoio, mas mal entendido – e há ligeira confusão e
pequena correria (SILVA, 2004, p. 216).
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Esta reforma representou um grande avanço na cidade, pois a Praça do Santíssimo


Salvador passou a ser o cartão postal do município. Já na década de 40 houve outra reforma,
que de acordo com Motta e Souza (2010), os jornais descreveram:
Coube ao prefeito Salo Brand atender a uma das mais antigas aspirações do
campista, remodelando a Praça São Salvador. Velho sonho, velho desejo que
se concretiza, depois de haver sido um permanente e diário assunto com
prazerosa guarida na coluna dos nossos jornais. (...) Vendo-se o trabalho que
está sendo executado na Praça São Salvador, encanta-nos o capricho e o
apurado gosto a que o serviço obedece (MOTTA e SOUZA, 2010, citando
FOLHA DO COMMÉRCIO, 17/10/1943).

Foi durante esta reforma (MOTTA e SOUZA, 2010) que surgiu a ideia de colocar na
praça uma estátua em homenagem aos heróis campistas mortos na II Guerra Mundial, estátua
que permanece até hoje, mesmo diante de todas as reformas sofridas.

Ao longo do século XX muitos comícios, manifestações sociais, passaram a utilizar a


praça como local para momentos marcantes na vida da população (MOTTA e SOUZA, op.
cit.).
Figura 8 – Praça das Quatro Jornadas – anos 60 e 70

Acervo: Museu Histórico de Campos

A figura 8 demonstra que a década de 60 foi assinalada como de grandes mudanças,


pois houve a demolição da velha Santa Casa de Misericórdia de Campos e a secular Igreja
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Mãe dos Homens, para a criação de um estacionamento, conforme se verifica à esquerda da


fotografia.
No fim dos anos 70 começam novas mudanças, com a retirada do ponto de ônibus da
praça, porque com o aumento dos coletivos se tornaria inviável para permanecer utilizando
este local. Este ponto foi transferido para a beira rio (BARBOSA e LINHARES, 2007).
Embora a fotografia acima mostre a existência do terminal, pois data do fim dos anos 70, ela
mostra o chafariz ao meio, sufocado pelo dito terminal, que permaneceu após a transferência
para a beira rio.
Mais tarde, no final dos anos 80, Anthony Matheus Garotinho foi eleito prefeito da
cidade. Mais um projeto de remodelação e revitalização das Praças do Santíssimo Salvador e
das Quatro Jornadas foi criado. A intenção era ampliar os espaços e reintegrar as praças,
uninido-as à Catedral Diocesana. O projeto também contemplou a recuperação do chafariz
para seus moldes orignais. Motta e Souza (2010) nos narram:
Essa reforma deu uma configuração às praças de maneira a poderem ser
utilizadas como um lugar de lazer e permanência, sobretudo em dias quentes,
pois, valorizou-se a presença de árvores e bancos de madeira e um calçadão
em mosaico português.
A transformação espacial foi realizada também ao redor das praças,
acompanhada de mudanças no trânsito. Houve a interligação da Praça
Quatro Jornadas com a Praça São Salvador. A rua lateral da praça, localizada
em frente ao Hotel Gaspar, foi fechada ganhando jardineiras e mudas de
palmeiras, permanecendo o trânsito aberto apenas no lado oposto, o dos
Correios. Porém, em 1996 esta rua foi aberta mediante a justificativa de se
garantir estacionamento em frente ao Hotel Gaspar. (MOTTA e SOUZA,
2010, p. 32).
Figura 9 - Praça do Santíssimo Salvador – anos 90

Acervo: Museu Histórico de Campos


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A fotografia nos apresenta a penúltima configuração que a praça apresentou, com seus
bancos de madeira, arborizada, e com pequenos gradis envolvendo pequenos jardins. Ao final
temos a imponente Catedral.
Durante a administração do prefeito Arnaldo França Viana, foi realizada uma nova
reforma da Praça do Santíssimo Salvador, entre os anos de 2004/2005,
Como toda forma está relacionada a uma função, este novo formato deu
maior amplitude à Praça São Salvador e melhor visibilidade do seu entorno,
sobretudo, da Catedral do Santíssimo Salvador. A fluidez do trânsito
também foi levada em consideração nesta reforma. Uma passagem de
automóveis foi feita entre a Praça São Salvador e a Quatro Jornadas, dando
acesso à Avenida Alberto Torres. Além desta passagem, foi feita uma
abertura em frente à Catedral, permitindo ao motorista circular ao redor da
Praça São Salvador. (MOTTA e SOUZA, 2010, p.40)

O prefeito tinha como objetivo algumas reformas e alterações, colocando em prática


um plano de revitalização, atendendo às necessidades dos comerciantes: “A obra foi iniciada
em 01/10/2004. O antigo piso quebrado, as árvores arrancadas, o chão remarcado, o sistema
de esgoto refeito” (BARBOSA e LINHARES, 2007, p. 36). O projeto da reforma foi
executado pelo Consórcio Queiroz Galvão/Odebrecth, sob a coordenação do engenheiro
Sérgio Moreira Dias. “Portanto, o projeto da Praça do Santíssimo Salvador não tinha
simplesmente a intenção de recuperar o local, mas a cidade como um todo, valorizando um
dos mais importantes marcos e cartões postais do Município”. (BARBOSA e LINHARES,
op. cit., p. 37).
Ainda, não se tratava somente de uma releitura de tratamentos e revestimentos, mas
revigorar as atividades do centro comercial, que estava perdendo espaço para os shopping
centers, e recuperar prédios históricos em processo de decadência e decomposição.
Dentre as principais ações ou características do projeto estavam um
tratamento de piso moderno, eficiente e duradouro, a recuperação dos
antigos mosaicos da paginação de pisos, a ordenação do transito envoltório,
parqueamento e demais atividades, renovação do mobiliário urbano com
simplicidade e modernidade, revisão da iluminação publica, contrastando
detalhes se simplicidade e modernidade com a utilização de postes
tradicionais, eliminação de elementos não originais da Praça, tais como o
exótico pinheiro de Natal que encobria a fachada da Igreja, implantação de
paisagismo com palmeiras imperiais, pavimentação do chafariz, entre outras.
(BARBOSA e LINHARES, 2007, p.37)

Motta e Souza (2010) afirmam que o momento da reforma se dá paralelamente a uma


grande participação do município nos royalties de petróleo. Os autores dizem que essa
reforma, tanto quanto a de 1991, tinha como objetivo a restauração e revitalização de prédios
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históricos da praça. A obra foi orçada em R$ 6,8 milhões, preservando o monumento de honra
aos pracinhas e o chafariz da Praça Quatro Jornadas.
Após esta reforma, a praça foi inaugurada em 12 de maio de 2005 com iluminação
glamorosa. Motta e Souza (2010) relatam que esse espaço passou a ser visto de forma
diferente pela sociedade campista. Alguns eventos que já ocorriam, como a festa do
Santíssimo Salvador, continuaram a ocorrer nela.
Outra forma de utilização da praça tem sido de atos dos políticos partidários. No dia
01 de setembro de 2010 houve um comício realizado pelo Partido da República. No mesmo
ano, a Praça se tornou palco de um grande evento para a cidade, a 6ª Bienal do Livro,
promovida pela Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima. O evento foi realizado sob uma
tenda que cobria toda a praça. O evento contou com a presença de grandes nomes da
literatura, música, poesia, teatro e cultura (MOTTA e SOUZA, op. cit.).
Após essa última reforma, com o espaço ampliado, sem sombras de árvores, com os
antigos bancos de madeira substituídos pelos de mármore, o uso da praça tem sido como local
de passagem durante o dia, devido ao intenso calor. As frondosas árvores foram substituídas
por palmeiras que pouca sombra proporcionam. Podemos perceber a presença assídua de
visitantes/moradores da cidade nos fins de semana, e principalmente no período noturno.
Levar a família para visitar a praça, e permanecer nela após a missa aos domingos à noite,
recebendo a brisa do vento nordeste, é atividade rotineira.

Figura 10 - Praça do Santíssimo Salvador – 13 de fevereiro de 2016

Acervo: Cyntia Jorge


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A imagem mostra o espaço ampliado, após a última reforma: Alguns bancos de


mármore espalhados no seu entorno e a Catedral ao fundo. No seu lado direito, o antigo solar
do Visconde de Araruama, prédio amarelo, que hoje abriga o Museu Histórico de Campos,
inaugurado em junho de 2012. O prédio esteve fechado desde 1997 por interdição da defesa
civil devido às más condições de preservação.
Após a construção de um prédio de estacionamentos de três andares, com lojas e
restaurantes no térreo, no espaço da antiga Santa Casa de Misericórdia de Campos, ao lado da
praça das IV Jornadas, a frequência durante a noite se tornou mais assídua. Antes, o comércio
do entorno funcionava apenas em horário comercial e a praça era visitada com mais
frequência nos fins de semana, à noite, principalmente em períodos festivos, como na festa do
Santíssimo Salvador e no natal.
Hoje, quem passa pela praça, sábado à noite, por exemplo, pode encontrar o comércio
alimentício desse prédio aberto. Encontramos muitas pessoas sentadas no entorno do chafariz,
em funcionamento, ou caminhando pela praça com seus familiares, ou andando de skate,
patins.
Figura 11 - Praça das Quatro Jornadas – 13 de fevereiro de 2016

Acervo: Cyntia Jorge

A imagem mostra a Praça das Quatro Jornadas, com o chafariz em funcionamento,


inaugurado em 2015, chamado pela prefeitura de “águas dançantes”, com caixas de som
instaladas nas suas proximidades, que tocam músicas variadas durante o dia e noite.
Por ser um espaço amplo, a praça também abriga a Feira Mãos de Campos, com o
objetivo de resgatar o valor artístico-cultural do artesanato para o município. A feira funciona
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na praça de quinta a sábado, das 8h às 17h. Os artesãos, em barracas móveis, comercializam


bordados, crochês, pedrarias, cestaria de palhas, doces, entre outros.
Aqui podemos enfatizar a discussão em torno da sobrevivência do artesanato nessa
cultura de praça, conforme Chauí (1996) esclarece através da dicotomia conformismo e
resistência. As produções culturais que a feira traz não se desvencilham dos “saberes
artísticos”, e foram adaptadas às necessidades do mercado. O arsenal de produtos que a feira
dispõe aos visitantes, e que os feirantes chamam de arte, “sobrevive” diante do comércio do
entorno, com as lojas vendendo os chamados produtos industrializados.
A praça ainda acolhe as festividades do Santíssimo Salvador, que ocorrem todo dia 06
de agosto, com a participação assídua dos fieis, com comércio de barracas e shows
financiados pela prefeitura da cidade, o que proporciona cerca de uma semana de festividades.

Considerações finais
Longe da pretensão de encerrar qualquer debate, procuro colaborar com a percepção
de valor que a praça do Santíssimo Salvador tem hoje.
Busquei trazer o que chamo de um breve histórico da cidade de Campos dos
Goytacazes e de sua principal praça, a do Santíssimo Salvador. E neste histórico apresentar as
mudanças mais importantes que ocasionaram no modelo que ora presenciamos. Há muito
mais a ser dito, mas meu recorte caminha para o entendimento de como o campista vê esse
espaço.
A união da Igreja com o Estado foi forte fator de influência para a formação do centro
urbano de Campos dos Goytacazes. O nome que a vila recebeu — de São Salvador — está
intimamente ligado à festa da Transfiguração do Senhor, conforme calendário litúrgico da
igreja católica, porque o aparecimento urbano se deu a partir de uma propriedade rural e de
uma concentração próxima à igreja, surgindo assim a praça do Santíssimo Salvador.
Palco de muitos acontecimentos da sociedade campista, e de mudanças sofridas na sua
estrutura, para atender às diferentes demandas, a praça sofreu alterações, dentre as quais
temos a dos anos 30, com o objetivo de remodelar, estender e embelezar. Também a catedral
acompanhou essa mudança, sofrendo grande reforma com o intuito de modernização.
Além disso, a reforma da década de 90, com o intuito de ampliar os espaços e integrar
as praças do Santíssimo Salvador e Quatro Jornadas à basílica do Santíssimo Salvador. O
chafariz também foi recuperado nos seus moldes originais. A reforma teve como um dos
fundamentos a revitalização do verde no centro da cidade. Esta última reforma durou desde
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1991 até 2004/2005, quando mais uma vez a praça foi cercada para nova “melhoria” e sofreu
uma mudança radical, com troca de todo o piso, retirada das árvores, mudança no trânsito,
dentre outras.
Cabe pensar a respeito da expressão lugar, antes ainda de pensarmos sobre o lugar
público: a praça. Lugar é uma categoria do pensamento geográfico. Existem duas visões para
este conceito que Paglioto (2015) trabalha:
A visão da Geografia Clássica, intricada nos preceitos positivistas, denota ao
conceito de lugar um sentido estritamente locacional usado para diferenciar
um lugar do outro ou para localizá-lo no espaço. Já a corrente Humanista-
Fenomenológica coloca o lugar como o espaço passível de ser sentido,
pensado, apropriado e vivido, aquela porção do meio onde existe uma
relação de identidade, onde existe a percepção de pertencimento.
(PAGLIOTO, 2015, p.09).

Neste sentido, a praça é um lugar público que ultrapassa o sentido locacional, por ser
um espaço vivido, com identidades, que privilegia a convivência entre os habitantes da
cidade.
Para a expressão praça, temos múltiplos significados. Em pesquisa ao dicionário
Houaiss, o mesmo define praça como:
1 área urbanizada, freq. ajardinada, para descanso e lazer. 2 lugar
fortificado; fortaleza 3 lugar aberto onde se compra e se vende; mercado,
feira 4 comunidade comercial e financeira de uma cidade 5 soldado.
(Minidicionário Houaiss, 2004).

A descrição apresenta alguns pontos interessantes que a praça do Santíssimo Salvador


viveu. Foi durante muitos séculos um lugar arborizado, ajardinado. Por 20 anos esteve
fechada por gradis, sendo lugar fortificado, até ser novamente aberta ao público e se tornar um
espaço livre de convivência. Também cabe frisar que o dicionário traz ainda a palavra soldado
como característica do local. Não por acaso temos no objeto de estudo aqui apresentado um
soldado de bronze na praça em homenagens aos herois de guerra.
A expressão praça é trabalhada pelos autores Robba e Macedo desta forma: “Praças
são espaços livres públicos urbanos destinados ao lazer e ao convívio da população, acessíveis
aos cidadãos e livres de veículos” (ROBBA e MACEDO, 2010, p.17). A definição trabalha
com a ideia de um espaço que é publico e ao mesmo tempo ponto de encontro. Durante anos a
praça do Santíssimo Salvador teve esse significado, conforme demonstrado ao longo do
trabalho. O que difere hoje desse sentido está expresso nas palavras de Paglioto (2015):
Na tentativa de minimizar a obstrução dos intensos fluxos de pedestres nas
cidades contemporâneas, os espaços públicos abertos vêm sendo
transformados em área de passagem, perdendo, assim, seu ideal de
permanência e seu espírito aglutinador, empurrando para espaços não-
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públicos - leia-se shoppings centers, com suas praças de alimentação, como


vimos, ou os novos parques urbanos, por exemplo - a convivência, o ato de
gente querer ver e falar com gente. (PAGLIOTO, 2015, p. 15, grifo meu)

Nesse sentido, a manutenção da ideia de lugar de convivência, tendo como


característica principal, nas palavras de Robba e Macedo (2010), “trecho atraente do tecido
urbano ao usuário comum”, foi sendo perdida, simbolicamente, para uma experiência de não
vivenciar, na sua totalidade, o espaço que a praça do Santíssimo Salvador oferece.
Diante da última reforma, de 2004/2005 a nova característica central, lugar de
passagem, durante o dia, que a praça recebeu, dá ao espaço um novo estilo criado. Por possuir
um novo piso de granito, tendo poucas barreiras, ou quase nenhuma, para os transeuntes,
apenas permanecendo o monumento do soldado de bronze, em homenagem aos heróis
campistas mortos nas Guerras do Paraguai e II Guerra Mundial, e o chafariz, na Praça das
Quatro Jornadas, os skatistas e patinadores, passaram a utilizar o local assiduamente,
disputando com os pedestres.
A maior movimentação ocorre na praça durante o dia, apesar de ser frequentada à
noite. Ser um lugar de passagem representa o que a praça é em boa parte do tempo em que é
utilizada. Pode parecer dicotômico ser um lugar de passagem durante o dia e de permanêcia
durante a noite, mas assim o é. Não há muita possibilidade de se sentar nos seus bancos com o
sol a pino, ou de permanecer em pé na praça, a não ser abaixo de alguma pequena sombra
proporcionada pelas palmeiras, ou pela sombra dos prédios, dependendo do horário.
A última reforma teve como objetivo a modernização do espaço, mas os entrevistados
acentuam que a praça tinha “aspectos de praça” antes, com seus bancos de madeira
convidativos, suas frondosas árvores, com uma “harmonia” de um local de permanência. A
acessibilidade era melhor, principalmente pelo piso de hoje, que se torna escorregadio em dias
chuvosos. Uma entrevistada narrou, chateada, a queda de uma senhora que ela presenciou em
um dia de chuva. As atendentes do Museu Histórico de Campos narram que sempre em dias
assim, o museu recebe idosos a procura de abrigo e local para sentar, com medo do piso
escorregadio.
O foco das colocações dos entrevistados está na falta de manifestação da população na
época, diante de uma mudança brusca que transformou um lugar de permanência em lugar
quente, e, por consequência, de passagem. Muitos se lembram que a praça foi toda cercada na
época, com obstáculos altos, e que não proporcionava qualquer visão ao que estava
ocorrendo. Muitos saudosos dizem ser esta última reforma motivada por interesses políticos,
outros afirmam que “trazer modernidade a um espaço cheio de história não tem cabimento”,
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ou ainda, nas palavras da historiadora Graziela Escocard: ”uma praça europeia, num país
tropical”.
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REFERÊNCIAS

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