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MUSEUS, ARQUIVOS E PATRIMÔNIO

HISTÓRICO
A CONSTRUÇÃO DE UMA
“CIDADE HISTÓRICA”: O
CASO DE OURO PRETO
Autor: Me. Juscelino Pereira Neto
Revisor: Vinnícius Pereira de Almeida

INICIAR

introdução
ç
Introdução
As mudanças sociais e econômicas estão rapidamente causando a deterioração de
muitas cidades históricas cujo conjunto arquitetônico histórico vem sendo substituído
por edificações modernas. Existe uma falta de conscientização pública sobre seu
valor, enquanto as atividades de planejamento urbano dão pouca atenção à
integração de velhas e novas estruturas em uma estrutura funcional.

Conservação e desenvolvimento não são excludentes, de maneira que fazem-se


necessários projetos de conservação que não desconsiderem crescimento econômico
sem que se descuide do respeito à tradição. A discussão relativa a essa convergência
pode ser encontrada na histórica Ouro Preto, cidade que preserva um dos maiores
patrimônios históricos do Brasil do período barroco, em harmonia com as
transformações históricas mais recentes.
Permanências
Históricas em Ouro
Preto

As potências coloniais que exploravam as Américas se misturavam com os habitantes


existentes e trouxeram à força pessoas africanas escravizadas. Essa composição
sócio-histórica deu origem a uma herança cultural multiétnica.

Portugueses, espanhóis, colonizadores holandeses, ingleses e franceses e


comerciantes de escravos iniciaram a construção, com elementos autóctones, de
cidades nas áreas costeiras e depois na região mais continental, onde eles travaram
guerras uns contra os outros. Alguns desses monumentos – como os que estão na
cidade de Ouro Preto – foram bem preservados e atestam rico passado histórico e
cultural de estilo arquitetônico barroco. A arquitetura e o planejamento urbanístico
da cidade de Ouro Preto evidenciam as motivações estilísticas harmoniosas dos
estilos europeus e das tradições de planejamento adaptadas às circunstâncias
climáticas locais e à exuberância da fauna e da flora brasileira.

O objetivo da unidade é possibilitar o conhecimento básico necessário a respeito de


como as cidades históricas são um meio privilegiado de construção identitária. Assim
como, de que forma o histórico de medida implementa planos de gerenciamento
para cidades históricas.

Com efeito, pretende-se proporcionar aos estudantes um conhecimento básico da


gestão da cidade histórica de Ouro Preto e, particularmente, seu planejamento
espacial, incluindo conceitos, perspectivas e metodologias associadas à descrição, à
interpretação e à análise do patrimônio arquitetônico e urbano da cidade histórica
mineira. A unidade também visa proporcionar uma compreensão dos desafios que
se deparam com as perspectivas preservacionistas do patrimônio urbano de Ouro
Preto, ao mesmo tempo, pretende conscientizar os profissionais do Patrimônio
Histórico acerca de sua importância cultural, com relação a outras tradições culturais.

Faz-se necessário também um exame integrado das cidades históricas, incluindo uma
análise sobre seus significados – estabelecendo por que a cidade histórica é
importante e para quem –, estado de conservação, causas de deterioração, pressões,
riscos e ameaças, avaliação do contexto atual de gestão, em conjunto com os
métodos e as ferramentas para conduzir tais avaliações. É imprescindível um
entendimento adequado do patrimônio urbano da cultura subjacente à cidade de
Ouro Preto e a conscientização dos profissionais de preservação sobre sua
importância cultural.

praticar
Vamos Praticar
O apogeu de Ouro Preto ocorre em meados do século XVIII, com o auge da extração de ouro
e diamantes da província mineira e região. No século XIX, houve uma evolução das
atividades econômicas migrando para o cultivo de café e criação de gado. Sobre a história de
Ouro Preto, assinale a alternativa correta.

a) A antiga Vila Rica de Ouro Preto é considerada o maior conjunto arquitetônico de


estilo romântico no mundo.
b) Na arquitetura religiosa de Ouro Preto, encontram-se várias igrejas de orientações
religiosas diversas, como a ortodoxa e a protestante.
c) Desde o surgimento da capitania da Província de Minas Gerais, a capital Mariana
foi transferida para Vila Rica de Ouro Preto.
d) Episódio importante na história da cidade foi a Inconfidência Mineira, em fins do
século XVIII, período que foi o auge da extração de ouro na região.
e) No ano de 1823, Vila Rica deixou de ser capital da Província de Minas Gerais,
passando esse título para Belo Horizonte.
Breve Síntese da
História de Ouro
Preto

A cidade de Ouro Preto data do início do século XVIII e está localizada a 400
quilômetros ao norte da cidade do Rio de Janeiro. A cidade histórica de Ouro Preto
está encravada nas encostas montanhosas da antiga capital da província de Minas
Gerais (1720-1897), Vila Rica de Ouro Preto, centro de uma pujante área mineradora
responsável por atrair para a região milhares de aventureiros em busca de ouro.

A cidade de Ouro Preto (então chamada de Vila Rica) foi fundada em 8 de julho de
1711, após a descoberta de ouro pelos bandeirantes nas cercanias dos rios de Minas
Gerais, por volta do fim do século XVII. Deslocou-se até lá uma multidão de
aventureiros que buscavam a riqueza pela coleta de ouro, que foi logo acompanhada
por comerciantes que vieram se estabelecer na tentativa de fazer fortuna.

Vila Rica rapidamente se tornou uma cidade não apenas próspera, mas também
muito importante: por volta de 1750, possuía mais habitantes que Rio de Janeiro ou
Nova York. Data desse período um enorme florescimento da riqueza da cidade que
permitiu a construção de uma infinidade de igrejas barrocas e outros edifícios.

Ao longo da estrada sinuosa original e dentro de um traçado irregular, seguindo os


contornos singulares da paisagem mineira, encontram-se praças, prédios públicos,
residências, fontes, pontes e igrejas que, juntos, formam um grupo homogêneo
excepcional e um conjunto arquitetônico que exibe a forma inequívoca de um dos
mais finos exemplos da arquitetura barroca mundial.
A qualidade estética da arquitetura erudita e o padrão urbano irregular de Ouro Preto
fazem da cidade uma joia da engenhosidade humana, localizada em uma paisagem
remota do período colonial brasileiro.

Com o fim da mineração de ouro no Estado de Minas Gerais, a cidade é gradualmente


abandonada e, como tal, mudou muito pouco desde então. A cidade de Ouro Preto,
portanto, permanece uma cidade colonial, pavimentada. Também é construída em
várias colinas com declives relativamente íngremes, nas quais pode-se apreciar
muitas vistas, o que lhe confere um caráter muito especial.

Figura 4.1 - Ouro Preto, 1870


Fonte: Tetraktys / Wikimedia Commons.
Além da supracitada relevância arquitetônica, Ouro Preto também preserva sua
importância histórica por seu envolvimento em eventos históricos de grande
significado para a história do país.

A CORRIDA DO
OURO NO BRASIL
Pelas estimativas oficiais, no auge
da mineração do Brasil Colônia,
foram extraídas da Capitania de
Minas Gerais cerca de 128
toneladas de ouro. A imagem traz
a cidade histórica de Ouro Preto,
Minas Gerais, Brasil, rua de
paralelepípedos com casas
coloniais da época da mineração
de ouro, com igreja ao fundo.

Local de origem de destacados artistas de vanguarda, responsáveis por muitas das


obras mais importantes do período barroco colonial brasileiro, em Ouro Preto, é
possível encontrar a Igreja de São Francisco de Assis, cuja autoria é dada ao ilustre
arquiteto e escultor Antônio Francisco Lisboa (1738-1814), o Aleijadinho, apelidado
dessa forma por ser afetado pela hanseníase. Aleijadinho comandou os trabalhos de
mestre pedreiro Domingos Moreira de Oliveira. A Igreja – que apresenta pinturas do
Mestre Ataíde, um dos maiores nomes da pintura colonial brasileira – foi tombada
pelo IPHAN e classificada em 2009 como uma das Sete Maravilhas de Origem
Portuguesa no Mundo.
saiba
mais
Saiba mais
A cidade de Ouro Preto passou por
transformações desde sua fundação, no século
XVIII. É com esse objetivo que Salgueiro busca
compreender, em seu artigo, os esforços
modernizadores na cidade de Ouro Preto no
século XIX. Tratava-se de iniciativas que
pretendiam melhorar a cidade urbanisticamente
sem descuidar-se da preocupação de que ela
fosse uma cidade-patrimônio, por seus traços
ainda presentes da época colonial.

Fonte: Salgueiro (1996, p. 125).

ACESSAR

A cidade foi centro simbólico da Inconfidência Mineira em 1789, um movimento


insurgente contestatório da coroa portuguesa, de natureza separatista que, entre
outros motivos, questionava a cobrança de impostos e o domínio português na
região.

praticar
Vamos Praticar
Leia o trecho a seguir.
“A cidade de Ouro Preto foi oficialmente elevada à condição de Monumento Nacional, graças
ao decreto do governo provisório federal que vinha acolher as solicitações de que haviam se
originado principalmente de intelectuais mineiros”.

LEMOS, C. A. C. O que é patrimônio histórico . São Paulo: Brasiliense S.A., 2009. p. 32.

Sobre o ato governamental que elevou a cidade de Ouro Preto à condição de monumento
nacional, assinale a alternativa correta.

a) A cidade de Ouro Preto se torna um marco nacional, um local de cultura e


identidades nacionais.
b) O Decreto-lei n. 22.928, de 12 de junho de 1933, elevava a cidade de Ouro Preto a
Patrimônio Mundial da Humanidade de acordo com a Unesco.
c) O SPHAN inscreveria Ouro Preto no Livro do Tombo arqueológico etnográfico e
paisagístico apenas em 1947.
d) A elevação à condição de monumento nacional era uma medida que valorizava o
elemento estrangeiro (português) levada a cabo pelo governo de Jânio Quadros.
e) A elevação da cidade de Ouro Preto à qualidade de monumento nacional era um
ato que valorizava o futuro colonial brasileiro e pretendia criar novas tradições
nacionais.
A Construção de uma
“Cidade Histórica”

O patrimônio construído da cidade histórica de Ouro Preto é um testemunho


excepcional dos talentos criativos de uma sociedade construída sobre a riqueza
mineira pioneira sob o domínio colonial português, embora a arquitetura, as
esculturas, as pinturas, isto é, o conjunto dos bens históricos em Ouro Preto tenha se
baseado em modelos que foram introduzidos no país pelas preferências e pelo estilo
português. O conjunto das obras arquitetônicas em Ouro Preto se distingue
significativamente da arte europeia contemporânea.

As obras se diferem não somente em relação à sua concepção artística e espacial,


mas também em seu tratamento decorativo, em específico, em esculturas de pedra e
ornamentos esculpidos, as fachadas diferenciadas por sua originalidade e no uso
combinado de dois materiais muito comuns de duas rochas região, a gnaisse e a
pedra-sabão (AGUIAR, 2013).

Na paisagem histórica da cidade ouropretana, percebe-se a falta de conventos ou


mosteiros de ordens religiosas. Essa ausência se justifica graças ao decreto da Coroa
Portuguesa que proibia o estabelecimento de ordens na Província de Minas Gerais. A
proibição restringiu as possibilidades de construção de prédios sacros e levou à
construção de igrejas e capelas que exibiam o fausto, o esplendor e a originalidade
das tradições artísticas.
Com isso, as mais representativas obras arquitetônicas da cidade evocam o barroco
mineiro e são representadas pelas construções de cunho religioso e prédios
administrativos, incluindo o antigo Palácio dos Governadores, hoje Escola de Minas
(localizada na praça Tiradentes) e a antiga Casa de Câmara e Cadeia (Casa
Administrativa e Prisional).

Figura 4.2 - Igreja de São Francisco de Assis em São João del-Rei, projeto de autoria de
Aleijadinho
Fonte: Ricardo André Frantz / Wikimedia Commons.
O prédio da Casa de Câmara e Cadeia, no período colonial, era a sede da
administração e da justiça. Os registros das ordens reais determinadas na Câmara e
as audiências públicas realizadas atestam sua importância. A instituição é um local
representativo das forças repressoras à época, pode ser considerada um dos centros
da estrutura administrativa do regime colonial (FONSECA, 2011).
Figura 4.3 - Vista da cidade histórica de Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil, em primeiro
plano, a Praça Tiradentes, com o Museu da Inconfidência ao fundo
Fonte: silviopl / 123RF.
Ouro Preto também sedia a casa do Museu da Inconfidência. O museu se dedica a
preservar a memória da Conjuração Mineira e também dispõe de uma rica narrativa
histórica da sociedade e cultura mineiras no período do ciclo do ouro do período
colonial (BITTENCOURT, 2007).

As igrejas barrocas exibem esculturas de Antônio Francisco Lisboa, Aleijadinho, o


maior artista colonial do Brasil, e as pinturas no teto de Manuel da Costa Athaide,
entre outras. Esses foram os representantes das expressões iniciais de uma forma
artística considerada genuinamente nacional e desenvolvida em uma região marcada
por difícil acesso e escassez de materiais e mão de obra no século XVIII.
Figura 4.4 - Retrato de Aleijadinho, óleo sobre pergaminho, pequena pintura póstuma
atribuída a Aleijadinho feito por Euclásio Ventura no século XIX
Fonte: Euclásio Ventura / Wikimedia Commons.
Aleijadinho foi o artista e escultor barroco mais célebre do Brasil em fins dos séculos
XVIII e XIX. É amplamente creditada à sua autoria uma parte substancial da
arquitetura barroca de Ouro Preto. Apesar de seu aparente sucesso e prestígio, sua
trajetória de vida guardou muitas dificuldades, apesar do seu brilhantismo artístico.

Preservação, Integridade e
Autenticidade do Patrimônio em Ouro
Preto
A cidade de Ouro Preto manteve um núcleo urbano edificado no período Colonial, em
especial a rica gama de edifícios cívicos e religiosos marcados por refinadas
qualidades estéticas e arquitetônicas que expressam valor universal excepcional.
Nem todos estão em bom estado de conservação; algumas casas e igrejas sofrem de
negligência e com os efeitos do tempo.
A cidade histórica está sempre vulnerável ao crescimento urbano, ao tráfego, à
industrialização e ao impacto turístico. A expansão de Ouro Preto para as encostas
circundantes, ocupando terrenos geologicamente instáveis, áreas verdes, áreas
arqueológicas e espaços públicos, representa uma ameaça de danos irreversíveis ao
ambiente urbano.

Os exemplos relevantes de arquitetura religiosa e cívica e as obras de arte que podem


ser observadas em Ouro Preto foram preservadas graças aos esforços
preservacionistas que salvaguardaram o patrimônio da cidade histórica em termos de
forma, materiais e ambiente no entorno (MOTTA, 1987).

Os esforços do poder público para diminuir os efeitos do crescimento das áreas


adjacentes da cidade e os limites na construção de novos prédios serviram para
manter a paisagem urbana dos séculos XVIII e XIX na propriedade praticamente
inalterada. Em relação às construções residenciais e comerciais da cidade,
modificações inevitáveis foram autorizadas, salvaguardando as fachadas originais que
são mantidas por força de lei, inclusive prédios públicos.

As medidas de preservação adotadas pelo Governo Federal, com o apoio do governo


local, baseadas em normas de planejamento urbano e sucessivos projetos de
conservação e recuperação, garantiram a autenticidade do bem cultural.
Acompanharemos esse assunto no próximo tópico.

Os Esforços de Preservação e
Gerenciamento
A partir da década de 1930, Ouro Preto passou a ser objeto de estudo e de ações de
proteção por meio de uma série de medidas do poder público. Uma das ações
pioneiras vieram por iniciativa do poder municipal e envolveu Decretos emitidos pelo
prefeito João Velloso entre os anos de 1931 e 1932, que determinavam a “preservação
da fachada colonial” (OURO PRETO, 1931).

Um ano depois, o presidente Getúlio Vargas (1882-1954) elevou a cidade à condição


de Monumento Nacional. Data desse período também o marco inicial regulatório do
patrimônio com a criação do Serviço Nacional de Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (SPHAN), e a promulgação do Decreto-Lei n. 25, de 30 de novembro de 1937.
Com essa lei, foram criados os instrumentos legais necessários, que continuam em
vigor até os dias atuais, para garantir a proteção de todos os bens culturais
considerados de grande valor para a nação. Com base nesse Decreto-lei, o marco
arquitetônico e urbano de Ouro Preto foi formalmente inscrito no Livro do Tombo de
Belas Artes em 20 de janeiro de 1938.

Uma medida implementada para proteger a cidade do tráfego excessivo de veículos,


na década de 1950, envolveu a construção de um terminal de ônibus nos arredores
de Ouro Preto para liberar a seção central de ônibus intra e interestaduais e
turísticos. Essa medida diminuiu significativamente o fluxo de veículos que eram
consequência econômica do desenvolvimento da região da intensificação da
produção de aço e das atividades de mineração.

Com o objetivo de aprimorar a gestão do patrimônio cultural de Ouro Preto, o IPHAN


abriu um escritório técnico na cidade, na década de 1980, com uma equipe
multidisciplinar de profissionais. À luz dessas medidas, o governo brasileiro
apresentou um pedido à UNESCO solicitando a classificação de Ouro Preto como
Patrimônio Mundial (IPHAN, s/d).

Em 5 de setembro de 1980, a cidade se tornou a primeira propriedade cultural do


Brasil inserida na Lista do Patrimônio Mundial. Onze dias depois, o Iphan expandiu a
designação de patrimônio do site por meio da inscrição no Registro Histórico de
Marcos e no Registro Arqueológico, Etnográfico e de Paisagem.
Patrimônio Cultural
segundo a UNESCO

Primeiramente, é imprescindível conferir atenção ao significado das palavras. Termo


polissêmico, patrimônio é um bem cultural – acepção explorada no texto –, porém
também pode ter o sentido de uma propriedade, um bem jurídico, herdado de
gerações anteriores.

No caso de “patrimônio cultural”, o patrimônio não consiste em dinheiro ou


propriedade, mas no valor intrínseco ao bem em termos em cultura, valores e
tradições. O patrimônio cultural implica um vínculo compartilhado, pertence e evoca
uma coletividade, remete a uma comunidade. Assim como representa a história e a
identidade de um país ou um grupo; estende um vínculo com o passado, partindo o
presente e apontando o futuro.

Patrimônio s. m. […] 1.herança familiar 2.conjunto dos bens familiares


3.fig. Grande abundância; riqueza; profusão (p. artístico) 4.bem ou
conjunto de bens naturais ou culturais de importância reconhecida num
determinado lugar, região, país, ou mesmo para a humanidade, que
passa(m) por um processo de tombamento para que seja(m) protegido(s)
e preservado(s) […] 5. JUR. Conjunto dos bens, direitos e obrigações
economicamente apreciáveis, pertencentes a uma pessoa ou a uma
empresa […]. (FERREIRA, 2001, p. 2151).
Com efeito, se entende que o próprio patrimônio não é uma coisa e não existe por si
só, mas implica um movimento ou um projeto. Ao se falar de patrimônio histórico,
está a se falar sobre o processo pelo qual as pessoas usam o passado – uma
“construção discursiva” com consequências materiais (SMITH, 2006, p. 13).

Quando se estuda a história do patrimônio histórico, analisa-se uma história do


presente ou, melhor, uma narrativa histórica encadeada em um elo interminável de
presentes, de modo que o estudo do patrimônio não apresenta um ponto final. O
reconhecimento dessa visão permite uma profundidade temporal muito maior,
permitindo, assim, falar não apenas sobre uma herança medieval de Roma, nem
sobre a herança romana da Grécia, mas também sobre um senso pré-histórico de
herança (HOLTORF, 2002).

Quando se discute sobre a imanência do patrimônio cultural, é preciso dar um passo


atrás e indagar: mas o que é patrimônio cultural? E de quem é essa herança?

A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) é


uma das agências especializadas das Nações Unidas cuja sede está localizada em
Paris, França. Fundada em 4 de novembro de 1946, a Unesco estabelece o patrimônio
cultural de maneira ampla como o legado de artefatos físicos e atributos intangíveis
de um grupo ou sociedades herdadas das gerações passadas, mantidos no presente e
concedidos em benefício das gerações futuras.
Figura 4.5 - Escritórios da UNESCO em Brasília
Fonte: Andréia Bohner / Wikimedia Commons.
Contudo, essa visão do patrimônio da entidade cultural evoluiu constantemente
desde a adoção da Convenção de 1972. A proteção do patrimônio cultural e natural
(Convenção do Patrimônio Mundial) passou a abranger obras arquitetônicas,
esculturas, pinturas, estruturas e inscrições arqueológicas, cavernas, grupos de
edifícios e locais compostos por obras de seres humanos, ou de seres humanos e da
natureza, de notável valor universal artístico, histórico, científico, antropológico,
etnológico ou estético (UNESCO, 1972).

Em fins dos anos de 1980, após nova convenção, essa definição evoluiu para a
proteção e a preservação de imagens em movimento, também reconheceu o
patrimônio audiovisual como parte do patrimônio cultural (UNESCO, 1989).

A Convenção para a Proteção do Patrimônio Cultural Subaquático realizada em 2001


sobre a proteção desses locais foi seguida por outra, em outubro de 2003, para a
Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, onde acrescentou um novo aspecto
referente às tradições e aos modos de vida humanos (UNESCO, 2001).

Reconhecendo a ameaça imposta pelos conflitos armados ao redor do mundo sobre


patrimônio cultural, protegida pela Convenção de Haia de 1954 para a proteção dos
bens culturais e seus dois protocolos, a instituição categorizou o patrimônio cultural
que seria composto em:
patrimônio móvel, como esculturas, pinturas, moedas e manuscritos;
monumentos imóveis, sítios arqueológicos e outros;
patrimônio cultural subaquático: naufrágios, ruínas e cidades subaquáticas;
patrimônio intangível, como tradições orais, artes cênicas, artesanato e
rituais;
patrimônio natural: paisagens culturais, formações geológicas, biológicas e
físicas;
patrimônio cultural ameaçado pela destruição e pilhagem em conflitos
armados.

O patrimônio cultural constitui o legado de artefatos físicos (propriedade cultural) e


atributos intangíveis de um grupo ou sociedade herdado do passado.

praticar
Vamos Praticar
A concepção de espaço na visão de Henri Lefebvre traz o homem como construtor do seu
espaço social e como sujeito ativo da sua própria história. O autor questiona o espaço mais
presente na vida das pessoas, o espaço do cotidiano.

LEFEBVRE, H. A vida cotidiana no mundo moderno . São Paulo: Ática,1980.

Sobre a formação dos espaços na contemporaneidade, analise as alternativas e assinale a


única correta.

a) Na visão do filósofo francês Henri Lefebvre, o espaço físico era uniforme como
reflexo do mundo social.
b) O espaço é modificado pelos indivíduos, exceto a natureza, que se mantém
intacta, imune à atuação humana.
c) O espaço é sempre uma instância abstrata que não consegue reproduzir as
contradições da vida social.
d) A fundamentação teórica de Henri Lefebvre se respalda na teoria da Teoria Política
Clássica de autores como Adam Smith, David Ricardo e Thomas Malthus.
e) Para Lefebvre, o espaço contém três dimensões: o espaço concebido, o espaço
vivido e o espaço percebido.
A Cidade como
Espaço de
Representação

As questões sobre o que é uma cidade e como as cidades são representadas através
dos seus monumentos têm ocupado a atenção de muitos estudiosos. Os bens
materiais do espaço urbano dão vida a uma comunidade imaginada. As mudanças
urbanas, por sua vez, promovem alterações nesse espaço e modificam a forma como
as pessoas enxergam a si mesmas. Esse exercício mental ficcional está em constante
construção entre urbano e ficção.

Tempo e espaço são duas dimensões nas quais os seres humanos invariavelmente
estão inseridos. De acordo com Cassirer (2001), espaço e tempo são a estrutura em
que toda a realidade está envolvida. Não se pode conceber nada real, exceto nas
condições de espaço e tempo.

Essa noção é reforçada pelo filósofo marxista francês Henri Lefebvre (2005), para
quem o reconhecimento do espaço social, uma instância portadora de múltiplas
representações específicas, produz uma compreensão tripla do que venha a ser o
espaço percebido, espaço concebido e espaço vivido (GARREAU, 1992).

Longe de estarem separados, as duas categorias formam um todo indivisível, isto é,


não se concebe um sem necessariamente implicar o outro se tornando um exercício
inimaginável. No entanto, as pessoas sempre atribuem maior importância ao tempo
ou espaço em um determinado período, o que resulta em diferentes formas de
pensar e diferentes ideias (LEFEBVRE, 1991).
A corrente teórica que se concentra no tempo trata as coisas em uma dimensão
diacrônica e histórica, isto é, estuda um conjunto de fatos e sua evolução no tempo. Já
o pensamento que se concentra no espaço trata as coisas em uma dimensão espacial
e justaposta, enfatizando a sincronicidade, a presença e a constituição para formar o
modo de pensamento caracterizado como espacialização (LEFEBVRE, 2000).

A noção do espaço como um local de representação sofreu influência dos estudos de


Henri Lefebvre. Trata-se de um dos autores mais destacados a pensar o espaço como
um local de construção permanente de identidades, tradições, persistências culturais
e disputas narrativas (ELDEN, 2004).

O referido autor afirma reiteradamente sobre a necessidade de ter conhecimento do


espaço não apenas como um princípio abstrato, ou um meio de controle ideológico e
material, mas também como o terreno em que a vida e as práticas cotidianas criam
significados, valores, sinais e símbolos.

reflita
Reflita
A cidade sempre ocupou um lugar
privilegiado para as representações
coletivas – é um dos locais onde todos os
estilos são possíveis. É um espaço em que
inúmeras tradições são criadas e estão
presentes. As cidades têm um desejo de
ordem que caracteriza o desenvolvimento
da arquitetura, mas simultaneamente
preserva as tradições e os mitos. Essa luta
faz dela um local de acumulações
concretas, um depósito infinito de
manifestações artísticas.

A contribuição para esclarecer a importância fundamental da compreensão e do


conhecimento do espaço na análise socioespacial multidisciplinar do urbano e da
modernidade foi explorada, expandida e aplicada por diversos autores.
Em resumo, para Lefebvre (2000), o espaço não é apenas natural, material, um vazio à
espera de ser preenchido com conteúdo, mas produzido socialmente. Segundo o
autor, espaço é uma consequência e um processo inerente à atividade social, que
grassa dentro das estruturas e das hierarquias sociais, cada vez mais sujeitas ao que
ele chamou de “revolução urbana” que continua a se desenvolver sob o capitalismo.

O espaço é produzido a partir da relação e interação entre um complexo de fatores e


elementos que prioriza como certos formas e estruturas do espaço podem ser ligadas
a funções e como isso afeta o uso do espaço no cotidiano vida. Toda sociedade em
cada época produz seu próprio espaço para atender às suas necessidades e
prioridades.

O espaço, portanto, é um produto material e os meios pelos quais o capitalismo


sobrevive, mas o espaço também é simultaneamente um processo que envolve
relações sociais entre pessoas e entre pessoas e coisas no espaço (HARVEY, 1985).

A cidade, como a encontramos na história, é o ponto de máxima concentração para o


poder e a cultura de uma comunidade. A cidade é a forma e o símbolo de um
relacionamento social integrado; é nela que os bens da civilização são multiplicados,
onde também a experiência humana é transformada em formas de conduta que
cooperam para garantir sua existência.

As características definidoras da cidade concentram-se em seu funcionamento


estratégico para “uma comunidade”, em seu significado como parte da energia
civilizatória, além de contribuir para facilitar o mercado. As cidades são multifacetadas
como um emblema da civilização e da cultura.

praticar
Vamos Praticar
Em 1938, com a promulgação do Decreto-lei n. 25/1937, Ouro Preto foi tombada pelo
SPHAN. A cidade era merecedora do título e do tombamento como reconhecimento da arte
erudita nacional que representava.
MOTTA, L. A SPHAN em Ouro Preto: uma história de conceitos e critérios. In : Revista do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional . Rio de Janeiro: IPHAN, 1987, n. 22. p. 110.

Sobre a importância histórica que justificasse Ouro Preto como monumento nacional da
cultura brasileira, assinale a única alternativa correta.

a) O estilo característico das construções em Ouro Preto evoca a arquitetura


modernista que florescia no século XVIII, século do ouro.
b) Ouro Preto se torna a segunda cidade brasileira reconhecida como Patrimônio
Cultural da Humanidade inscrita na lista da UNESCO, em 1988, após Diamantina,
outra cidade mineira.
c) Para os intelectuais modernistas, Minas Gerais, e principalmente Ouro Preto,
passou a ser identificada como o berço da civilização brasileira.
d) Ouro Preto é inscrita na lista do Patrimônio Mundial graças ao seu conjunto de
arte arqueológica, ameríndia e popular, etnográfica e monumentos naturais.
e) Ouro Preto é inscrita na década de 1970 no Livro do Tombo das Artes Aplicadas
que designava a produção artística dos pintores locais.
indicações
Material
Complementar

FILME

Arábia
Ano : 2017
Comentário : Sob a direção segura dos cineastas mineiros
João Dumans, Affonso Uchoa, o longa-metragem Arábia se
passa em Ouro Preto-MG e é narrado pelo jovem André
(Murilo Caliari) que encontra, por acaso, o diário de um
operário metalúrgico que havia deixado o interior do Estado
e vai para a cidade grande em busca de uma vida melhor.
Cristiano (Aristides de Sousa), que interpreta o metalúrgico,
sofre um acidente é hospitalizado, mas nunca mais sai.
André, então, assume as memórias de Cristiano e vai reviver
a vida de trabalhadores marginalizados. O filme é uma
análise da vida de um indivíduo a partir de suas lembranças e
vivências na cidade de Ouro Preto. É mostrada a importância
da preservação do patrimônio histórico mineiro como
elemento aglutinador de identidade e singularidade – tema
fundamental da compreensão desta unidade.
Para conhecer mais sobre o filme, acesse o trailer a seguir.

TRAILER

LIVRO

Patrimônio da Humanidade no Brasil: Suas


Riquezas Culturais e Naturais
Editora : Brasileira
Marilúcia Bottallo
Comentário : A obra de Bottallo – que conta com apoio da
UNESCO – lista os patrimônios fundamentais para a
preservação da memória e da identidade nacional do povo e
da cultura brasileira. A autoria lista os patrimônios nacionais
escolhidos pela UNESCO por seu valor excepcional. O livro
discute “Patrimônio Cultural” (páginas 17 até 30), com a
apresentação de uma síntese da formação histórica de Ouro
Preto. A autora passeia pela rica cultura brasileira, mostra o
centro histórico de Salvador, primeira capital brasileira, e
explora o Parque Nacional do Iguaçu, entre outros lugares. O
livro oferece subsídios teóricos de relevo para estudo e
compreensão da unidade, em especial das cidades históricas
brasileiras.
conclusão
Conclusão
A cidade de Ouro Preto se tornou um monumento nacional em 1933. Desde aquela
época, foram imensos os esforços de preservação. Haja vista os centros históricos
serem entidades dinâmicas expostas a mudanças constantes, sua monumentalização
é uma resposta a elas.

Sobre a análise da constituição do município mineiro, restou claro que seus atores
encontraram um equilíbrio entre reabilitação urbana, restauração e manutenção da
identidade e puderam enfrentar processos como o desaparecimento.

O Patrimônio Cultural é um conceito que oferece uma ponte entre o passado e o


futuro com a aplicação de abordagens particulares no presente. Devido a seus valores
associados, o patrimônio cultural é mantido no presente e concedido em benefício
das gerações futuras.

referências
Referências
Bibliográficas
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