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O DILEMA DA CRIAÇÃO
Marcelo Berti

Estudar o início do livro de Gênesis certamente exige de nós conhecimento: Muitas


são as teorias que tentam compreender o que se passa nos primeiros versos de Gênesis.
Alguns o entendem como uma poesia; outros preferem encontrar nele um relato
apologético das origens do mundo; outros associam suas crenças científicas ao relato
enquanto outros ainda preferem identificar nesse um relato inspirado por Deus de acordo
com o conhecimento de Moisés, seu agente intermediário.
É bem verdade que todos os que se aproximam do texto tentam verificar-lhe a
beleza e veracidade, entretanto, por não poderem equalizar ambas as características
teorizam para harmonizar suas crenças com as escrituras que defendem. De fato, não existe
um manual inspirado por Deus que defina como o texto deve ser lido, mas há certamente
algumas observações de natureza hermenêutica e histórica que poderiam nos auxiliar a
observar o texto sem violar-lhe a beleza e veracidade:
1. Gênesis 1 não é uma poesia hebraica: A poesia hebraica tal como vista
nos livros poéticos do antigo testamento tem forma e métrica extremamente
oposta àquela encontrada aqui. Enquanto os paralelos hebraicos (Pv.10.27),
suas rimas ideológicas (Pv.16.4) fazem parte da poesia hebraica, Gênesis
apresenta-se com um texto lógico e estruturado historicamente.
2. Gênesis 1 não é um tratado primariamente apologético: Um dos
freqüentes equívocos que se comete ao ler Gênesis 1 é entende-lo como
primariamente apologético. Muito embora, Gênesis 1 tenha grande valor
apologético, esse não parece o propósito do autor do relato, nem mesmo a
compreensão dos seus primeiros leitores: Gênesis foi escrito para o povo de
Deus, não para os infiéis. “Aqueles que se recusam a aceitar o criacionismo
não o fazem por falta de provas (Rm.1.18ss), ou por causa do seu grande
conhecimento (Sl.14.1), mas por falta de fé (Hb.11.3). Gênesis é mais uma
declaração que uma defesa1”.

1
DEFFINBAUG, Bob, The creation of Heavens and the Earth (Gênesis 1.1-2.3). IN:
http://bible.org/seriespage/creation-heavens-and-earth-genesis-11-23

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3. Gênesis 1 não é um tratado científico: Ainda que o Deus revelado nas


escritas é o mesmo que se revela na natureza e que Sua Auto-revelação não
é contraditória, Deus revelou-se a Moisés (ou a outras pessoas antes dele
que preservaram sua declaração oralmente) de modo que pudesse ser
compreendido corretamente diante do conhecimento que ele dispunha. Não
faria sentido para Deus manifestar-se a Moisés de acordo com o
conhecimento científico de nossa era, pois seus leitores primários seriam
incapazes de compreendê-lo. Portanto, ainda que o valor científico desse
relato ainda seja fundamental para a apologética cristã, esse não é o caráter
fundamental desse texto.
4. Gênesis 1 é o relato inspirado por Deus para revelar-se ao Seu povo:
Eventualmente a falta de atenção ao contexto histórico de Gênesis nos força
a compreender o texto for a de sua origem: Aqueles que saíam do Egito,
certamente precisavam conhecer o Deus que os retirava da escravidão. O
Grande “Eu Sou” também é o criador e originador de todas as coisas, povos
e culturas, e precisava ser conhecido mais amplamente.
A verdade sobre Gênsis 1 é que o dilema normalmente é visto do ponto de vista
errado. B.B. Warfield provavelmente está certo quando diz:

“Uma janela de vidro está diante de nós. Levantamos os olhos e vemos o vidro; notamos
sua qualidade, observamos seus defeitos e especulamos sobre sua composição. Ou
olhamos através dele na perspectiva de ver além terra, céu e mar. Da mesma forma, há
duas maneiras de se olhar o mundo. Podemos ver o mundo e ficar absorvidos pelas
maravilhas da natureza. Essa é a maneira científica. Ou podemos olhar diretamente
através do mundo e ver Deus por detrás dele. Essa é a maneira religiosa. A maneira
científica de olhar para o mundo não é mais errada do que a maneira do fabricante do
vidro olhar a janela. Essa maneira de olhar para as coisas tem um uso muito importante.
No entanto, a janela foi colocada não para ser observada, mas para observarmos através
dela, e o mundo falha em seu propósito a menos que também olhemos através dele e os
olhos repousem não nele mas no Deus que o fez2”

2
WARFIELD, Benjamin B., Selected shorter writngs of Benjamin B. Warfield, Vol 1, pp.108.

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O que podemos dizer com certeza é que o relato de Gênesis não foi escrito para o
fabricante de vidros, mas para pessoas como nós que param diante da janela e admiram a
paisagem d'além dela. Gênesis foi escrito para que as pessoas pudessem olhar Deus por
detrás do universo e ser admirado como tal.

A. Visões sobre a Criação


Como já sabemos, muitas visões são oferecidas para o relato de Gênesis, por isso
abaixo transcrevo o sumário oferecido por Keith Krell3, como algumas adaptações, sobre
as opções de abordagem do relato de Gênesis:

1. Criacionismo Científico: Defensores da criação da Terra jovem acreditam


que Deus criou a terra em seis dias literais, e que todo o universo é de
aproximadamente 10.000 anos de idade. Acredita-se também que a maioria
dos fósseis foram formados durante o dilúvio de Noé, que eles vêem como
uma catástrofe mundial (Gn 6:17; 7:21-23). Criacionistas aplicar os seus
métodos científicos para a conta de inundações em Gênesis 6-9 e estão
convencidos de que a atual condição da terra, que dá a aparência de ser
muito mais velha, reflete a catastrófica destruição causada pelo dilúvio de
Noé. Proponentes: Henry Morris, Duane Gish e Adauto Lourenço. Sugiro a
leitura do livro “Onde tudo começou” de Adauto Lourenço como referência
para esse grupo.
2. Criacionismo histórico: Deus criou o universo durante um tempo
indeterminado, que o autor chama "o princípio" (Gn 1:1). Esse "princípio"
não foi uma questão de tempo, mas um período de tempo, com toda a
probabilidade de um longo período de tempo. Após esse período de tempo,
Deus passou a preparar a terra "como um lugar para os seres humanos a
habitar”. Essa visão compreende 1:2-2:4 como uma descrição da preparação
de Deus do Jardim do Éden, ou mais especificamente, a Terra Prometida.

3
KRELL, Keith, Gênesis – The Book of Beginnings. pp. 15-16. Escrito como artigo, Creative Gennius,
também encontrado em: http://www.timelessword.com/?p=147

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Proponente: John Sailhamer. Sugiro a leitura de “Genesis Unbound: A


Provocative New Look at the Creation Account ” de John Sailhamer
3. A Teoria do Intervalo: Defensores do que é chamado a teoria do intervalo
acreditam que Gênesis 1:1 fala de uma criação inicial, seguido por um
período de tempo extremamente longo. A maioria dos organismos que agora
encontrar no registro fóssil viveu durante esse tempo. Segundo a teoria do
Intervalo, Gênesis 1:2 descreve um momento da morte e ruína, causado por
Satanás, quando Deus expulsou-o para a terra. O restante de Gênesis 1
descreve como o Senhor restaurou a criação em seis dias literais. Embora
essa visão permita que se veja Gênesis como história factual, enquanto
ainda acreditar em uma terra antiga, a Escritura não parece mostrar grande
apoio. Em nenhum lugar da Bíblia mencionar diretamente tal lacuna ou
qualquer destruição universal causada por Satanás. Além do mais, outras
passagens (como Êxodo 20:11) referem explicitamente a seis dias da
criação, não re-criação. Proponentes: C.I. Scofield, Merrill Unger, MR
DeHaan, e J. Vernon McGee. Esta visão não é muito difundida hoje. Sugiro
a leitura da “Bíblia em ordem cronológica”, organizada por Edward Reese e
Frank Klassen.
4. Criacionismo Progressivo: Os defensores desta posição de dia-era
acreditam que o dia em Gênesis 1 não se referem a seis períodos literais de
24 horas, mas a seis períodos indefinidamente longos séculos. Acredita-se
que o universo tem entre oito a desesseis bilhões de anos e que a vida
começou na Terra há 3,5 bilhões de anos atrás. Criacionistas Progressivos
salientam que a palavra hebraica para dia (yom) é usado em três diferentes
maneiras na narrativa da criação (1:4-5; 2:4). Nesses três versos, yom é
usado para descrever um período de 12 horas, um período de 24 horas, e
durante todo o período de criação. Criacionistas Progressivos também citam
o Salmo 90:4 e 2 Pedro 3:8 como prova de que "dias" no calendário de Deus
são muito mais do que os nossos dias. Proponentes: Hugh Ross, Gleason
Archer, e Millard Erickson. Sugiro a leitura do livro “The Genesis question”
escrito por Hugh Ross.

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5. Evolução Teísta: Defensores da evolução teísta ensinam que as plantas,


animais e homem evoluiram gradualmente a partir de formas inferiores, mas
que Deus supervisionou o processo. Enquanto os criacionistas da Terra-
jovem e Terra-velha acreditam que Deus criou formas de vida, por ordem
divina, os evolucionistas teístas acreditam que Deus usou a evolução, ou
algo semelhante, para fazer parte de sua obra. A maioria dos evolucionistas
teístas tem dificuldades em passagens como Gênesis 1:1-1:24 por
argumentar que Deus criou formas vivas indiretamente, usando as leis da
natureza. Por sua própria confissão, evolucionistas teístas tem uma
abordagem poética ou alegórica na interpretação de Gênesis 1:1-2:4.
Proponentes: C. S. Lewis, Howard Van Till e Francis Collins. Sugiro a
leitura do livro “A Linguagem de Deus” de Francis Collins.
6. Design Inteligente: Uma nova escola de pensamento está a evoluir
(desculpem o trocadilho). É conhecido como o movimento do "design
inteligente". Aqueles que defendem este ponto de vista são geralmente
agnósticos (e até mesmo ex-ateus), que agora acreditam que, com toda
probabilidade, não há um designer inteligente por trás da criação. Eles
podem não saber quem ele é, mas eles são menos dispostos a admitir que os
evangélicos têm acreditado o tempo todo. Esse movimento realmente
arrancou em 1996 com o livro, Darwin's Black Box: The Biochemical
Challenge to Evolution por Michael Behe (bioquímico de um católico na
Lehigh University).

B. Contexto histórico do Relato da Criação


Uma das convicções que temos por certeza é que Deus sempre fala com homens
selecioandos por Ele, em ocasiões específicas e com propósitos definidos. Ao que sabemos
de Deus, temos por claro o testumunho das escrituras que Ele não manifesta sua Auto-
Revelação sem que um Propósito específico tenha sido almejado (Ef.1.11). Assim,
devemos tratar o início de Gênesis desse modo: Deus em sua Soberania e Graça deu aos
antigos israelitas uma declaração de quem Ele é por meio do relato da criação.
Por meio da arqueologia, também sabemos que o relato da criação encontrado em
Gênesis não é único nem mesmo o primeiro dos relatos conhecidos: Os egípcios tinham

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diversos mitos sobre a criação do universo e do homem. Em função de esses relatos serem
anteriores ao relato bíblico, não poucos estudiosos se propuseram a estudá-los. Muitos
desses, entendem que esses mitos egípcios tem grandes relações com o relato mosaico.
No livro Caos and Creation, Watke sugere algumas similaridades entre os mitos e
informações encontradas nas escrituras. Segundo ele, o Sl.74.13-14 tem claras
similaridades com o Texto Ugarítico 67:I.1-3; 27-30:
“Salmo 74:13-14 “Tu, com o teu poder, dividiste o mar; esmagaste sobre as águas a
cabeça dos monstros marinhos. Tu espedaçaste a cabeça do crocodilo e o deste por
alimento às alimárias do deserto.”
Texto 67: I . 1-3, 27-30: “Quando esmagaste Lotan (Leviathan) o diabólico dragão,
também destruíste o dragão disforme, o poderoso de 7 cabeças...4”

A relação entre os textos mencionados acima (vale lembrar que não são so únicos)
devem ser entendidos á luz da cronologia da revelação, até por que sabe-se que existe
grande distância entre os relatos de tal forma que podem nem ser relacionados. É por isso
que alguns tem sugerido que a cosmologia hebraica é uma adaptação desmitologizada das
antigas cosmologias e por isso, são equivalentes ou de mesmo valor. Contudo,
considerando sobre essas similaridades, Bob Deffinbaug diz:
A explicação mais aceitável é que as semelhanças são explicadas pelo fato de que todos
os relatos similares da criação tentam explicar os mesmos fenômenos5.

A idéia de que a similaridades apontam para uma verdade observada de pontos de


vista e opiniões culturais diferentes é interessante: Não há a necessidade de que todas as
variantes sejam falsas, apenas progressões de um conhecimento antigo que YHWH
resolveu deixar explícita ao revelar-se a Moisés. É bem possível que o conhecimento mais
antigo do relato da criação houvesse sido distorcido a tal ponto que perdesse sua
originalidade e veracidade. Contudo, YHWH salvaguardou de modo coerente com o
contexto histórico do Seu Povo quando deu a conhecer de Moisés Sua visào da criação.
Sobre esse assunto, Merril Unger diz:

4
Watke, Caos and Creation, pp.12; IN: DEFFINBAUG, Bob, The creation of Heavens and the Earth
(Gênesis 1.1-2.3). ( http://bible.org/seriespage/creation-heavens-and-earth-genesis-11-23)
5
Idem.

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“Muito cedo os povos se desviaram daquelas primeiras tradições da raça humana, e em


climas e temperaturas variadas, têm-nas modificado de acordo com sua religião e modo
de pensar. As modificações com o tempo resultaram na corrupção da tradição pura e
original. O relato de Gênesis não é o único inalterado, mas em qualquer lugar sustenta a
inerrante impressão da inspiração divina quando comparado às extravagâncias e
corrupções de outros relatos. A narrativa bíblica, podemos concluir, representa a forma
original que deve ter sido assumida por essas tradições.”6

É também salutar dizer aqui, que a despeito de alguns similaridades linguisticas ou


situacionais, o relato de Gênesis tem em grande parte material único, apenas encontrado na
Auto-Revelação de YHWH. Considerando sobre as diferenças entre os relatos, Derek
Kidner diz:

“A versão mais completa que existe do Épico de Atrahasis, de mais de 1200 versos, liga os
dois acontecimentos [criação e dilúvio] numa só história contínua que nos dá uma espécie
de paralelo de [Gn.] 1-8. Mas, ao terminarem esses poemas, Gênesis mal está
começando. A narrativa deste começa num ponto bem anterior ao daqueles (visto que,
neles, as águas, personificadas, são o princípio, e os deuses que a dominavam são apenas
seus produtos) e só termina quando a igreja do Antigo Testamento já está firmemente
alicerçada e quatro gerações de patriarcas tinham tido vida momentosa no cenário de
duas civilizações diferentes7”

Contudo, é ainda interessante investigar um pouco mais sobre o assunto para


demonstrar a clara distinção que existe entre os relatos culturais anteriores ao relato de
Gênesis e sua superioridade em relação a eles.

6
Merrill F. Unger, Archaeology and the Old Testament, p. 37, citado por DEFFINBAUG, Bob, The creation
of Heavens and the Earth (Gênesis 1.1-2.3). (http://bible.org/seriespage/creation-heavens-and-earth-genesis-
11-23)
7
KIDNER, Derek, Gênesis – Introdução e Comentário. pp.13

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C. Breve sumário das Cosmologias Egípcias8


As crenças egípcia e conceitos de criação aparecem em várias fontes: Textos em
pirâmides, Textos em caixões, no Livro dos Mortes, Na Teologia Mephita, bem como em
vários hinos. Essas fontes mostram que a cosmologia egípcia é ao mesmo tempo uniformes
e diversa. Embora existam cerca de uma dúzia de mitos de criação egípcia, as três mais
ifluentes surgiram nos locais de culto de Heliópolis, Memphis, e Hermopolis. Estes três
interligam-se com um outro, como evidenciado pelo surgimento de alguns dos deuses em
mais de uma tradição. A cosmogonia de Heliópolis e Memphis partilham mais em comum
com um outro que com Hermopolis. No entanto, todos eles apresentam os conceitos
similares de um oceano primordial, uma colina primordial, ea deificação de natureza.
Estas três cosmogonias lidam especificamente com a forma como os deuses criaram o
mundo. Eles não tratam diretamente da criação dos seres humanos e dos animais. "As
primeiras cosmogonias registados parecem mais preocupados com a origem do mundo do
que com a criação de homem ou dos animais9". Abaixo apresentamos as três principais
cosmologias egípcias.

1. Heliópolis: Textos da Pirâmide de Hiliópolis contêm as expressões mais antiga da


cosmogônia egípcaia. Os Sacerdotes do Templo em Heliópolis gravaram textos em
hieróglifos dentro das pirâmides do Unis, Teti, Pepi I, Merenre I, II11 Pepi (reis das
dinastias 5 e 6, aprox. 2375-2184 a.C.). A partir destes textos vem o conhecimento
da cosmogonia de Heliópolis. Em Heliópolis, nove deuses constituem as funções
do Grande Ennead (lit. nove deuses). Atum funciona como o Deus Criador, de
quem os outros oito deuses são originados. O texto piramidal 1655 enumera os
deuses do Grande Ennead e reconhece Atum como o pai dos outros oito. Nele lê-
se: "Ó Grande Ennead você está no Ön (Heliópolis), (a saber) Atum, Shu, Tefēnet,
Geb, Nut, Osíris, Isis, Seth e Néftis, ó filhos de Atum, prolonguem a sua boa
vontade para com seu filho em seu nome de Nove Arcos 10". Atum primeiro surge a
partir das águas primordiais (personificada como Nun) de que também emerge a
montanha primitiva. Ele assume a sua posição sobre o monte primevo, e começa

8
Material adaptado de Tony L. Shetter: “Genesis 1-2 In light of Ancient Egyptian Creation Myths”.
9
Brandon, Creation Legends, pp. 61. Cyrus H. Gordon, “Khnum and El,” in Scripta Hierosolymitana:
Egyptological Studies, vol. 28, pp. 206-07
10
Brandon, Creation Legends, pp.14.

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seu trabalho de criação. Por não ter um conjugê, ele se masturba para trazer outros
deuses para ajudá-lo na criação. O texto piramidal 1248 graficamente descreve este
evento. "Tendo Atum desenvolvido seu crescimento fálico, em Heliópolis, colocou
seu pênis em sua posse de modo que ele pudesse fazer orgasmo com ele, e os dois
irmãos nasceram-Shu e Tefnut". Desde a sua emissão erótica, Shu e Tefnut,
deificaram o ar e umidade, respectivamente. Então, Shu e Tefnut copularam e
produziram Geb, a terra, e Nut, o céu. Geb e Nut, por sua vez produziram cinco
filhos: Osíris, Isis, Horus o Velho, Set, e Nephthys. No entanto, Horus o Velho não
se tornou um membro da Grande Ennead. Em vez disso, ele, junto com Thot, Maat,
Anúbis, e outras divindades que não são claramente identificadas, constituem o
pequeno Ennead.

2. Memphis: A Pedra Shabaka contém a famosa Teologia Mephita. Esculpido em uma


laje de granito negro, por ordem do rei Shabaka (716-702 aC) da vigésima quinta
Dinastia, esta pedra preserva a escrita de um documento carcomido. Infelizmente, a
pedra mais tarde sofreu danos graves. Os nomes dos Shabaka e do do deus Set
foram intencionalmente retirados, e a pedra foi usada para moer grãos. Os teólogos
de Memphis emprestaram o Grande Ennead de Heliópolis. Ptah substitui Atum
como o deus criador, entretanto, Atum, não desapareceu da nova teologia. Segundo
a Mercer, Ele "tornou-se o coração (entendimento) e língua (palavra) de" Ptah, o
Grande ', e por sua vez, Ptah era o coração ea língua do Ennead [sic] ... Ptah (isto
é, Atum) foi o Ennead em emanação ea manifestação. Assim, os outros oito
divindades do Ennead Memphite eram apenas Ptah-se na manifestação11". A linha
55 da Pedra de Shabaka corrobora a afirmação da Mercer, e revela que Ptah cria
pela palavra divina. Ela diz: "Seu (Ptah) Ennead está diante dele como dentes e
lábios. Eles são o sémen e as mãos de Atum. O Ennead de Atum surgiu com o
sêmen e os dedos. Mas o Ennead são os dentes e lábios nessa boca que pronuncia o
nome de cada coisa, desde que Shu e Tefnut saiu, e que deu origem ao Ennead12".
Neste texto, a criação de Ptah pela palavra é contrastada com a criação de Atum,
pela masturbação, e o método de Ptah é indicado para ser o verdadeiro motivo por

11
Mercer, Religion of Ancient Egypt, pp.79.
12
Miriam Lichtheim, Ancient Egyptian Literature: A Book of Readings, vol. 1, pp.54.

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trás do método de Atum de criar. A Teologia Memphita não retrata Ptah ao usar a
magia para chamar o mundo à existência. "O criador divino não é imaginado como
um mago recitando suas magias, ele é visto como aquele que primeiro concebeu em
sua mente o que deve ser criado para dar forma ao mundo e, em seguida, pôs em
circulação, pronunciando o comando necessário para que seja13".

3. Hermopolis: Na cidade de Hermopolis, a cosmogonia dos Ogdoad surgiu. O


Ogdoad de Hermopolis consiste em quatro deuses e suas respectivas companheiras:
Nun e Naunet, Keku e Kauket, Hehu e Hauhet, Amun e Amaunet. Cada uma das
quatro deusas recebe o seu nome a partir da forma feminina do nome de suas
divindades masculinas. Essas deidades representam as quatro condições presentes
no início da criação egípcia. Nun e Naunet personificam as águas primordiais. Nun
encarna o oceano primordial, e Naunet, sua consorte, referiu-se ao contra-céu
deitado sob o oceano primitivo. Keku e Kauket personificam a escuridão que
assistiram ao estado primordial. Hehu e Hauhet personificam a ausência de limites
e informe da condição primordial. Amun e Amaunet apresentam alguma
dificuldade em determinar o seu significado preciso. Apesar de Amon ter sido
identificado com o deus Sol, Ra, durante o Reino Médio, ele foi originalmente
conhecido como o deus do ar e vento. Pode-se ver uma associação entre o ar eo
vento, e a idéia de "oculto" ou "invisível". Assim, Amun e Amaunet personificam o
ar escondido e vento que assistiram ao estado primordial. Frankfort comenta sobre
o papel Amun, e explica a função do Ogdoad. Ele afirma, "Amon poderia ser
concebido em épocas posteriores como o elemento dinâmico do caos, o motor da
criação, o sopro da vida na matéria morta. Mas esta não é a concepção original,
que simplesmente, por meio da Ogdoad, fez o caos mais específico, mais apto a ser
compreendido. Na ilha de Flames Oito misteriosamente fez o deus-sol saem as
águas, e com isso a sua função foi cumprida14".

4. Diferenças entre as três cosmogonias egípcias: As três cosmogonias de

13
Brandon, Creation Legends, pp.38
14
Henri Frankfort, Kingship and the Gods: A Study of Ancient Near Eastern Religion as the Integration of
Society & Nature, pp.155.

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Heliópolis, Memphis, e exibem Hermopolis semelhanças e diferenças. Às vezes as


diferenças criam contradições na mente do leitor moderno. No entanto, essas
contradições entre as três tradições e até mesmo dentro das tradições si não
representa um problema para os antigos egípcios.

5. Semelhanças entre as três cosmogonias egípcias: De estudar os diversos


elementos de prova lidar com o entendimento egípcio da criação, três conceitos
comuns trazer unidade para as histórias da criação de outro modo diverso. Toda a
criação compartilha em suas histórias a crença em um oceano primordial, uma
colina primordial, e a deificação da natureza. Estes conceitos encontram
representação em cada um dos locais templo no antigo Egito.

D. O Significado do Relato da Criação para os primeiros leitores


Tendo conhecido um pouco da cosmogonia egípcia, é evidente que o relato de
Gênesis mostra-se em grande parte distinto deles. Muito embora alguns estados similares
pudessem ser encontrados (oceano primevo como uma alusão à expressão “face das
águas”), a santidade de YHWH é claramente mantida no relato de Gênesis. Assim,
considerando o pano de fundo histórico e religioso temos por certo que o relato de Gênesis
tem dois propósitos: (1) Corrigir a cosmologia aprendida no Egito durante o tempo em que
estiveram por lá; (2) apresentar YHWH como único Deus capaz de criar.

1. Promover correção:
Diante da cosmologia egipcia, e pelo tempo que passaram em sujeição ao domínio
egípcio, não seria estranho que o Povo de Deus tivesse sido contaminado pela visão
altamente religiosa do Egito. Isso é claramente percebido nas declarações de fidelidade a
YHWH e nas diversas advertências para o povo abandonar os ídolos que carregavam.
“Agora, pois, ó Israel, que é que o Senhor teu Deus requer de ti, senão que temas o Senhor
teu Deus, que andes em todos os seus caminhos, e o ames, e sirvas ao Senhor teu Deus de
todo o teu coração e de toda a tua alma” (Dt. 10.12)
“Agora, pois, temei ao Senhor e servi-o com integridade e com fidelidade; deitai fora os
deuses aos quais serviram vossos pais dalém do Eufrates e servi ao Senhor.” (Js. 24:14)

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Por isso, não podemos descartar que Deus em sua Sabedoria está a corrigir a visão
sobre a cosmologia do seu povo, para que possam reconhecê-lo como Senhor exaltado
acima de todos os falsos deuses que haviam conhecido no Egito. Assim, “não era suficiente
honrar a Yahweh simplesmente como um deus, um entre muitos. Nem poderia ser
concebido isso do Deus de Israel. Só Yahweh é Deus. Não há outro Deus. Ele é o criador
dos céus e da terra. Ele não é simplesmente superior aos deuses das nações em derredor.
Somente Ele é Deus15”. Essa visão permeia todo o Pentateuco:
“Ouve, ó Israel; o Senhor nosso Deus é o único Senhor” (Dt. 6:4)

O Deus exaltado acima da criação é o Deus único que não precisa de mediadores
para sua Criação, em distinção dos deuses egípcios (Dt.4.32). Ele não exerce seu poder de
modo erótico, ou até mesmo promíscuo na criação, Ele em santidade mostra-se superior
moralmente (Lv.11.45). Além disso, Ele está além de sua Criação e lhe é superior. Por isso
“a tendência em se começar a confundir Deus com Sua criação foi uma parte dos
pensamentos do mundo antigo. Ele deve ser honrado como o Deus da criação, não apenas
Deus na criação. Todas as tentativas de se visua-lizar ou humanizar a Deus na forma de
alguma coisa criada foram tendências em equiparar Deus com Sua criação. Creio que foi
assim com o bezerro de ouro de Arão16”.

2. Promover Informação17:
Negativamente, Gênesis um corrige muitas concepções populares erradas a respeito
de Deus. Positivamente, retrata Seu caráter e Seus atributos.
Deus é soberano e Todo-Poderoso. Distintamente das cosmogonias de outros
povos antigos, não há nenhuma batalha na criação descrita em Gênesis um. Deus não
enfrentou forças opostas para criar a terra e o homem. Deus criou com uma simples ordem
“Haja...” Há ordem e progresso. Deus não faz experiência, mas, ao invés disso, habilmente
molda a criação conforme Seu projeto onisciente.
Deus não é simplesmente energia, mas uma Pessoa. Ainda que devamos ficar

15
DEFFINBAUG, Bob, The creation of Heavens and the Earth (Gênesis 1.1-2.3). (
http://bible.org/seriespage/creation-heavens-and-earth-genesis-11-23)
16
Idem.
17
Material aproveitado de DEFFINBAUG, Bob, The creation of Heavens and the Earth (Gênesis 1.1-2.3). (
http://bible.org/seriespage/creation-heavens-and-earth-genesis-11-23)

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atemorizados pela transcendência de Deus, devemos ficar também pela Sua imanência. Ele
não é uma energia cósmica distante, mas um Deus pessoal sempre presente. Isto é refletido
no fato de que Ele criou o homem à sua própria imagem (1:26-28). O homem é um reflexo
de Deus. Nossa personalidade é simplesmente uma sombra da personalidade de Deus. No
capítulo dois Deus deu a Adão uma tarefa significativa, com uma companheira como
auxiliadora. No terceiro capítulo aprendemos que Deus tinha comunhão diária com o
homem no jardim (cf. 3:8).
Deus é eterno. Enquanto que outras criações são vagas ou errôneas no que
concerne à origem de seus deuses, o Deus de Gênesis é eterno. O relato da criação
descreve Sua atividade no princípio dos tempos (do ponto de vista humano).
Deus é bom. A criação não teve lugar num vácuo moral. A moralidade foi tecida
dentro da estrutura da criação. Repetidamente é encontrada a expressão “e era bom”. Bom
implica não somente em utilidade e complexidade, mas em valores morais. Aqueles que
sustentam pontos de vista ateístas sobre a origem da terra não vêem nenhum outro sistema
de valores a não ser o que é sustentado pela maioria das pessoas. A bondade de Deus é
refletida em Sua criação, a qual, em seu estado original, era boa. Mesmo hoje, a graça e a
bondade de Deus são evidentes (cf. Mt. 5:45; At. 17:22-31).

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