1) No Brasil, há uma divisão clara entre a casa e a rua, sendo a casa um espaço de harmonia, igualdade e reconhecimento, em contraste com a rua, local de movimento, competição e anonimato.
2) A casa brasileira é vista como um espaço moral totalizante, com fortes valores de honra, vergonha e respeito, que dão identidade ao grupo familiar.
3) Além da família, a casa pode acolher agregados como parentes, amigos ou empregados, reforçando sua função como espaço inclusivo
1) No Brasil, há uma divisão clara entre a casa e a rua, sendo a casa um espaço de harmonia, igualdade e reconhecimento, em contraste com a rua, local de movimento, competição e anonimato.
2) A casa brasileira é vista como um espaço moral totalizante, com fortes valores de honra, vergonha e respeito, que dão identidade ao grupo familiar.
3) Além da família, a casa pode acolher agregados como parentes, amigos ou empregados, reforçando sua função como espaço inclusivo
1) No Brasil, há uma divisão clara entre a casa e a rua, sendo a casa um espaço de harmonia, igualdade e reconhecimento, em contraste com a rua, local de movimento, competição e anonimato.
2) A casa brasileira é vista como um espaço moral totalizante, com fortes valores de honra, vergonha e respeito, que dão identidade ao grupo familiar.
3) Além da família, a casa pode acolher agregados como parentes, amigos ou empregados, reforçando sua função como espaço inclusivo
Roberto DaMatta Observe-se uma cidade brasileira. Nela, h um ntido movimento rotineiro. Do trabalho para casa, de casa para o trabalho. A casa e a rua interagem e se complementam num ciclo que cumprido diariamente por homens e mulheres, velhos e crian!as. "elos que ganham ra#oavelmente e at mesmo pelos que ganham muito bem. $ns %a#em o percurso casa-rua-casa a p& outros seguem de bicicleta. Muitos andam de trens, 'nibus e autom(veis, mas todos %a#em e re%a#em essa viagem que constitui, de certo modo, o esqueleto da nossa rotina diria. ) uma divis*o clara entre dois espa!os sociais %undamentais que dividem a vida social brasileira+ o mundo da casa e o mundo da rua , onde est*o, teoricamente, o trabalho, o movimento, a surpresa e a tenta!*o. - claro que a rua serve tambm como o espa!o tpico do la#er. Mas ela, como um conceito inclusivo e bsico da vida social , como .rua/ ,, o lugar do movimento, em contraste com a calma e a tranq0ilidade da casa, o lar e a morada. De %ato, na casa ou em casa, somos membros de uma %amlia e de um grupo %echado com %ronteiras e limites bem-de%inidos. 1eu n2cleo constitudo de pessoas que possuem a mesma subst3ncia , a mesma carne, o mesmo sangue e, conseq0entemente, as mesmas tend4ncias. 5al subst3ncia %sica se pro6eta em propriedades e muitas outras coisas comuns. A idia de um destino em con6unto e de ob6etos, rela!7es, valores 8as chamadas .tradi!7es de %amlia/9 que todos do grupo sabem que importa resguardar e preservar. Disse que isso se chamava .tradi!*o/, e assim que normalmente %alamos desses smbolos coletivos que distinguem uma resid4ncia, dando-lhe certo estilo e certa maneira de ser e estar. Mas tais valores podem tambm ser chamados de .honra/ e .vergonha/, pois as %amlias bem-de%inidas e com alto sentido de casa e grupo s*o coletividades que atuam com uma personalidade coletiva bem-de%inida. De tal ordem que elas s*o uma .pessoa moral/, algo que age unitria e corporativamente, como um indivduo entre outros. Da a idia t*o corrente, mesmo no nosso :rasil urbano e moderno, da prote!*o das %ronteiras da casa, se6a de suas soleiras materiais 8quem n*o est preocupado com o %echamento de suas portas e 6anelas todas as noites;9, se6a , principalmente , de suas entradas e sadas morais. "or tudo isso, o grupo que ocupa uma casa tem alto sentido de de%esa de seus bens m(veis e im(veis, e, 6unto com isso, da prote!*o de seus membros mais %rgeis, como as crian!as, as mulheres e seus servidores. "ois, di%erentemente de outros pases 2 modernos, aqui no :rasil as casas possuem servi!ais que, em certo sentido, lhes pertencem. < cuida-se de seu bem-estar porque a idia de resid4ncia um %ato social totali#ante, con%orme diria Mrcel Mauss. Ou se6a+ quando %alamos da .casa/, n*o estamos nos re%erindo simplesmente a um local onde dormimos, comemos ou que usamos para estar abrigados do vento, do %rio ou da chuva. Mas , isto sim , estamos nos re%erindo a um espa!o pro%undamente totali#ado numa %orte moral. $ma dimens*o da vida social permeada de valores e de realidades m2ltiplas. =oisas que v4m do passado e ob6etos que est*o no presente, pessoas que est*o saindo deste mundo e pessoas que a ele est*o chegando, gente que est relacionada ao lar desde muito tempo e gente que se conhece de agora. N*o se trata de um lugar %sico, mas de um lugar moral+ es%era onde nos reali#amos basicamente como seres humanos que t4m um corpo %sico, e tambm uma dimens*o moral e social. Assim, na casa, somos 2nicos e insubstituveis. 5emos um lugar singular numa teia de rela!7es marcadas por muitas dimens7es sociais importantes, como a divis*o de se>o e de idade. Mas se em casa somos classi%icados pela idade e pelo se>o como, respectivamente, mais velhos ou mais mo!os e como homens e mulheres , e aqui temos dimens7es sociais que s*o provavelmente as primeiras que aprendemos na sociedade brasileira ,, nela somos tambm determinados por tudo o que a .honra/, a .vergonha/ e o .respeito/, esses valores grupais, acabam determinando. ?uero re%erir- me ao amor %ilial e %amilial que se deve estender pelos compadres e pelos amigos, para quem as portas de nossas casas est*o sempre abertas e nossa mesa est sempre posta e %arta. A con6un!*o de tudo isso %a# com que n(s, brasileiros, tenhamos uma percep!*o de nossas moradas como lugares singulares, espa!os e>clusivos. "ois cada casa, embora tenha os mesmos espa!os e basicamente os mesmos ob6etos de todas as outras, di%erente delas. 5odas s*o 2nicas, se n*o como espa!o %sico de morada, pelo menos como domnio onde se reali#a uma convivialidade social pro%unda. Da a possibilidade de di%erenciar pro%undamente a casa ou a morada , o prdio , do lar. Mesmo quando s*o resid4ncias baratas ou casas de vila, construdas de modo id4ntico, algo marca e revela sua identidade e, com isso, a identidade do grupo que a ocupa+ um peda!o de a#ule6o estrategicamente colocado pr(>imo de uma 6anela& um nome singelo na parte de cima da soleira da porta& %lores e 6ardins& a cor de suas 6anelas e portas. "or ser um espa!o assim inclusivo e, simultaneamente, e>clusivo, a casa pode ter tambm seus agregados. "essoas que vivem no domiclio, mas que n*o s*o parte da 3 %amlia. $m parente que veio do Norte em busca de mdico ou seguran!a psicol(gica& um amigo em di%iculdade %inanceira ou crise matrimonial& um velho empregado que n*o tem para onde ir nem lugar para %icar& um compadre que precisa de emprego e necessita %alar com uma autoridade da grande cidade& um amigo que precisa de um santurio para evitar a pris*o motivada por idias e convic!7es polticas& uma mulher que temporariamente %oge do pai ou irm*o para acertar de%initivamente sua nova %ilia!*o social. At mesmo os animais domsticos podem incluir-se nessa de%ini!*o, pois de %ato participam do espa!o positivo da resid4ncia, a6udando a conceitu-la de modo socialmente positivo ou negativo. N*o @ toa que %alamos que nosso cachorro mais manso e mais esperto& que nosso gato tem o p4lo mais lu#idio e a pregui!a mais bonita e gostosa, e que nosso passarinho canta mais bonito e mais alto... 5udo, a%inal de contas, que est no espa!o da nossa casa bom, belo e , sobretudo, decente. At mesmo as nossas plantas s*o mais vi!osas que as dos vi#inhos e amigos. < como n*o podemos, por causa de uma proibi!*o e>tremamente moral 8aquilo que n(s, antrop(logos, chamamos de tabu), comer nossos animais domsticos 8noto que entre os astecas os c*es eram comidos e vendidos no mercado9, nem nossas plantas caseiras, eles cumprem uma %un!*o estritamente simb(lica. De %ato, s*o criados para di%erenciar e n*o para cumprir qualquer %un!*o prtica. Assim, s*o como n(s e nos a6udam a estabelecer nossa mais pro%unda identidade social, como membros indi%erenciados de um mundo an'nimo e as%altado onde ningum conhece ningum , esse mundo tenebroso da selva de pedra& e como membros di%erenciados que residem numa dada parte da cidade e que podem trans%ormar esse local onde moram em algo 2nico, especial, singular e .legal/. 5udo isso, repito, que n(s di%erenciamos como o espa!o do lar. Algo que contrasta terrivelmente com a morada coletiva das pris7es, dormit(rios, alo6amentos e hotis e motis, onde n*o se pode e%etivamente pro6etar nas paredes, nas portas, no ch*o e nas 6anelas a nossa identidade social. =omo espa!o moral importante e di%erenciado, a casa se e>prime numa rede comple>a e %ascinante de smbolos que s*o parte da cosmologia brasileira, isto , de sua ordem mais pro%unda e perene. Assim, a casa demarca um espa!o de%initivamente amoroso onde a harmonia deve reinar sobre a con%us*o, a competi!*o e a desordem. <m casa, sabemos todos , como bons brasileiros que somos ,, n*o devemos comprar, vender ou trocar. O comrcio est e>cludo da casa corno o Diabo se e>clui do bom Deus. Do mesmo modo, as discuss7es polticas, que revelam e indicam posi!7es individuali#adas e quase sempre discordantes dos membros de uma %amlia, est*o banidas da mesa e das salas ntimas, sobretudo dos quartos. 1e elas s*o inevitveis, transcorrem certamente nas varandas e quintais, locais marginais da casa, posto que situados entre o seu interior 8cu6o calor revela a igualdade de subst3ncia e de opini7es das pessoas que ali residem9 e a rua+ o mundo e>terior que se mede pela .luta/, pela competi!*o e pelo anonimato cruel de individualidades e individualismos. Da por que, em casa e no c(digo da %amlia brasileira, e>iste uma tend4ncia de produ#ir sempre um discurso conservador, onde os valores morais tradicionais s*o de%endidos pelos mais velhos e pelos homens. Da tambm por que na casa podemos ter de tudo, como se ali o espa!o %osse marcado por um supremo reconhecimento pessoal+ uma espcie de supercidadania que contrasta terrivelmente com a aus4ncia total de reconhecimento que e>iste na rua. <m casa, portanto, tenho tudo e sou reconhecido nos meus mais n%imos dese6os e vontades. 1ou membro perptuo de uma corpora!*o 8a %amlia brasileira9 que n*o morre e que, com sua rede de compadres, empregados, 4 servidores e amigos, tem muito mais vitalidade e perman4ncia do que o governo e a administra!*o p2blica, que sempre competem com ela pelo respeito do cidad*o. Digo que a casa, por tudo isso, prov4 uma leitura especial do mundo brasileiro. - certo que toda sociedade moderna tem casa e rua. Mas o meu argumento aqui no sentido de salientar que a casa, entre n(s, ordena um mundo @ parte. $niverso onde o tempo n*o hist(rico, mas cclico, tempo que vive de dura!7es que n*o se medem por rel(gios, mas por retratos amarelados e corrodos pelas tra!as, como naquela poesia de Drummond. $m tempo que medido pela morte dos mais velhos e pelo bati#ado dos mais novos. $m tempo cu6a dura!*o e e>peri4ncia podem ser revertidas pela doce saudade dos dias em que a %amlia estava toda reunida em torno de alguma %igura importante para a sua unidade e sobreviv4ncia, enquanto grupo uno e integrado. ?uer di#er, quando observamos que a casa contm todas essas dimens7es, temos que nos dar conta de que vivemos numa sociedade onde casa e rua s*o mais que meros espa!os geogr%icos. 1*o modos de ler, e>plicar e %alar do mundo. Mas como o espa!o da rua; :em, 6 sabemos que ela local de .movimento/. =omo um rio, a rua se move sempre num %lu>o de pessoas indi%erenciadas e desconhecidas que n(s chamamos de .povo/ e de .massa/. As palavras s*o reveladoras. <m casa, temos as .pessoas/, e todos l s*o .gente/+ .nossa gente/. Mas na rua temos apenas grupos desarticulados de indivduos , a .massa/ humana que povoa as nossas cidades e que remete sempre @ e>plora!*o e a uma concep!*o de cidadania e de trabalho que nitidamente negativa. De %ato, %alamos da .rua/ como um lugar de .luta/, de .batalha/, espa!o cu6a crueldade se d no %ato de contrariar %rontalmente todas as nossas vontades. Da por que di#emos que a rua equivalente @ .dura realidade da vida/. O %lu>o da vida, com suas contradi!7es, dure#as e surpresas, est certamente na rua, onde o tempo medido pelo rel(gio e a hist(ria se %a# acrescentando evento a evento numa cadeia comple>a e in%inita. Na rua, ent*o, o tempo corre, voa e passa. Muito mais que no lar, onde ele est suspenso entre as rela!7es pra#erosas e amorosas de todos com todos. Mas aqui, no negro do as%alto, no calor da caminhada para se chegar a algum lugar, no nervosismo do con%ronto com o policial imbudo de sua autoridade legal, que nos trata como coisas e como indivduos sem nome nem %ace, o reino sin'nimo de luta e sangue. Na rua n*o h, teoricamente, nem amor, nem considera!*o, nem respeito, nem ami#ade. - local perigoso, con%orme atesta o ritual a%litivo e comple>o que reali#amos quando um %ilho nosso sai so#inho, pela primeira ve#, para ir ao cinema, ao baile ou @ escola. ?ue inseguran!a nos possui quando um peda!o de nosso sangue e de nossa casa vai ao encontro desse oceano de maldade e inseguran!a que a rua brasileira. N*o , pois, ao lu que damos conselhos quando algum se aventura nesta selva. A, %alamos sempre, e nosso pr(prio comportamento na rua acaba con%irmando nossas piores e mais sombrias pro%ecias, estamos no reino do engano, da con%us*o e do logro. Aocal onde ningum nos respeita como .gente/ ou .pessoa/, como entidade moral dotada de rosto e vontade. A rua compensa a casa e a casa equilibra a rua. No :rasil, casa e rua s*o como os dois lados de uma mesma moeda. O que se perde de um lado, ganha-se do outro. O que negado em casa , como o se>o e o trabalho ,, tem-se na rua. N*o creio ser necessrio chamar a aten!*o para o %ato signi%icativo de que, em nossa classi%ica!*o de eventos, rela!7es e pessoas, a casa e a rua entram como um ei>o dos mais %undamentais. Assim, se a mulher da rua, ela deve ser vista e tratada de um modo. 5rata-se, para ser mais preciso, das chamadas mulheres da .vida/, pois rua e vida %ormam uma equa!*o importante no nosso sistema de valores. Do mesmo modo, se a discuss*o %oi na rua, ent*o quase certo que pode degenerar em con%lito. <m casa, pode promover um alto entendimento. 5ambm %alamos que comida 5 de rua ruim ou venenosa, enquanto a comida caseira boa 8ou deve ser assim9 por de%ini!*o. At mesmo ob6etos e pessoas, como crian!as, podem ser di%erentemente interpretados caso se6am da rua ou de casa. "or tudo isso, o universo da rua , tal como ocorre com o mundo da casa , mais que um espa!o %sico demarcado e universalmente reconhecido. "ois para n(s, brasileiros, a rua %orma uma espcie de perspectiva pela qual o mundo pode ser lido e interpretado. $ma perspectiva, repito, oposta , mas complementar , @ da casa, e onde predominam a descon%ian!a e a inseguran!a. Aqui, quem governa n*o mais o pai, o irm*o, o marido, a mulher e as redes de parentesco e ami#ade que nos t4m como uma pessoa e um amigo. Ao contrrio, o comando dado @ autoridade que governa com a lei, a qual torna todo mundo igual no prop(sito de desautori#ar e at mesmo e>plorar de %orma impiedosa. 5odos sabemos, por e>peri4ncia respeitvel e pro%unda, que na rua n*o se deve brincar com quem representa a ordem, pois naquele espa!o se corre o grave risco de ser con%undido com quem .ningum/. < entre ser algum e ser ningum h um mundo no caso brasileiro. $m universo ou abismo que passa pela constru!*o do espa!o da casa, com seu aconchego e sua rede imperativa de rela!7es calorosas, e o espa!o da rua, com seu anonimato e sua inseguran!a, suas leis e sua polcia. Da por que, na rua, tendemos a ser todos revolucionrios e revoltados, membros destitudos de uma massa de an'nimos trabalhadores. Mas, alm disso tudo, a rua espa!o que permite a media!*o pelo trabalho , o %amoso .batente/, nome 6 indicativo de um obstculo que temos que cru#ar, ultrapassar ou trope!ar. 5rabalho que no nosso sistema concebido como castigo. < o nome di# tudo, pois a palavra deriva do latim tripaliare, que signi%ica castigar com o tripaliu, instrumento que, na Roma Antiga, era um ob6eto de tortura, consistindo numa espcie de canga usada para supliciar escravos. <ntre a casa 8onde n*o deve haver trabalho e, curiosa e erroneamente, n*o tomamos o trabalho domstico como tal, mas como .servi!o/ ou at mesmo pra#er ou %avor...9 e a rua, o trabalho duro visto no :rasil como algo bblico. Muito di%erente da concep!*o anglo-sa>* que equaciona trabalho 8work) com agir e %a#er, de acordo com sua concep!*o original. <ntre n(s, porm, perdura a tradi!*o cat(lica romana e n*o a tradi!*o re%ormadora de =alvino, que trans%ormou o trabalho como castigo numa ao destinada @ salva!*o. Mas n(s, brasileiros, que n*o nos %ormamos nessa tradi!*o calvinista, achamos que o trabalho um horror. N*o @ toa que o nosso pante*o de her(is oscila entre uma imagem dei%icada do malandro 8aquele que vive na rua sem trabalhar e ganha o m>imo com um mnimo de es%or!o9, o renunciador ou o santo 8aquele que abandona o trabalho neste e deste mundo e vai trabalhar para o outro, como %a#em os santos e lderes religiosos9 e o ca>ias, que talve# n*o se6a o trabalhador, mas o cumpridor de leis que devem obrigar os outros a trabalhar... O %ato que n*o temos a glori%ica!*o do trabalhador, nem a idia de que a rua e o trabalho s*o locais onde se pode honestamente enriquecer e ganhar dignidade. "ara n(s, esses espa!os e essa media!*o entre casa e rua pelo trabalho s*o algo muito comple>o. Mas poderia ser de outro 6eito numa sociedade em que at outro dia havia escravos e onde as pessoas decentes n*o saam @ rua nem podiam trabalhar com as m*os; - claro que n*o... No nosso sistema, t*o %ortemente marcado pelo trabalho escravo, as rela!7es entre patr7es e empregados %icaram de%initivamente con%undidas. N*o era algo apenas econ'mico, mas tambm uma rela!*o moral onde n*o s( um tirava o trabalho do outro, mas era seu representante e dono perante a sociedade como um 6 todo. O patr*o, num sistema escravocrata, mais que um e>plorador de trabalho, sendo dono e at mesmo responsvel moral pelo escravo. <ssas rela!7es s*o complicadas e, di#em os especialistas, muito di%ceis de serem mantidas em nvel produtivo. "ois aqui a rela!*o vai do econ'mico ao moral, totali#ando-se em muitas dimens7es e atingindo diversas camadas sociais. =reio que isso embebeu de tal modo as nossas concep!7es de trabalho e suas rela!7es que at ho6e misturamos uma rela!*o puramente econ'mica com la!os pessoais de simpatia e ami#ade, o que con%unde o empregado e permite ao patr*o e>ercer duplo controle da situa!*o. <le assim pode governar o trabalho, pois quem o%erece o emprego, e pode controlar as reivindica!7es dos empregados, pois apela para a moralidade das rela!7es pessoais que, em muitos casos, e sobretudo nas pequenas empresas e no comrcio, tende a o%uscar a rela!*o patr*o-empregado. O caso mais tpico e mais claro dessa problemtica , muito comple>a e a meu ver ainda pouco estudada , o das chamadas .empregadas domsticas/, as quais s*o pessoas que, vivendo nas casas dos seus patr7es, reali#am aquilo que, em casa, est banido por de%ini!*o+ o trabalho. Nessa situa!*o, elas repetem a mesma situa!*o dos escravos da casa de antigamente, permitindo con%undir rela!7es morais de intimidade e simpatia com uma rela!*o puramente econ'mica, quase sempre criando um con6unto de dramas que est*o associados a esse tipo de rela!*o de trabalho onde o econ'mico est subordinado ao poltico e ao moral, ou neles embebido. 5al como deve ocorrer quando a casa se mistura com a rua... O %ato, porm, que a concep!*o de trabalho %ica con%undida num sistema onde as media!7es entre casa e rua s*o t*o comple>as. < onde, como vimos, casa e rua s*o mais que locais %sicos. 1*o tambm espa!os de onde se pode 6ulgar, classi%icar, medir, avaliar e decidir sobre a!7es, pessoas, rela!7es e imoralidades. =ompensando-se mutuamente e sendo ambas complementadas pelo espa!o do .outro mundo/, onde residem deuses e espritos, casa e rua %ormam os espa!os bsicos atravs dos quais circulamos na nossa sociabilidade. 1obretudo porque o que %alta na rua e>iste em abund3ncia na casa. < ainda porque eles n*o podem ser con%undidos sob pena de grandes con%us7es e desordens.