Você está na página 1de 7

Dom

Casmurro
sobre Resumos Literarios Por Algosobre 
conteudo@algosobre.com.br

Publicidade

[Machado de Assis]

1. Enredo

Vivendo no Engenho Novo, um subúrbio da cidade do RJ, quase recluso em sua casa,
construída segundo o molde da que fora a de sua infância, na Rua de Matacavalos, Bento
de Albuquerque Santiago, ,com cerca de 54 anos e conhecido pela alcunha de Dom
Casmurro por seu gosto pelo isolamento , decide escrever sua vida.

Alternando a narração dos fatos passados com a reflexão sobre os mesmos, no presente,
o protagonista/narrador informa ter nascido em 1842 e ser filho de Pedro de Albuquerque
Santiago e de D. Maria da Glória Fernandes Santiago. O pai, dono de uma fazenda em
Itaguaí, mudara-se para a cidade do RJ por volta de l844, ao ser eleito deputado. Alguns
anos depois falece e a viúva, preferindo ficar na cidade a retornar a Itaguaí, vende a
fazendola e os escravos, aplica o dinheiro em imóveis e apólices e passa a viver de
rendas, permanecendo na casa de Matacavalos, onde vivera com o marido desde as
mudança para o RJ.

A vida do protagonista/narrador transcorre sem maiores incidentes até a 'célebre tarde de


novembro' de 1857, quando, ao entrar em casa, ouve pronunciarem seu nome e esconde-
se rapidamente atrás da porta. Na conversa entre sua mãe e o agregado José Dias, que
morava com a família desde os tempos de Itaguaí, Bentinho, como era então chamado,
fica sabendo que sua mãe se mantém firme na intenção de colocá-lo no seminário a fim de
seguir a carreira eclesiástica, segunda promessa que fizera a Deus caso tivesse um
segundo filho varão, já que o primeiro morrera ao nascer.

Bentinho, que há muito tinha conhecimento das intenções de sua mãe, sofre violento abalo
pois fica sabendo que a reativação da promessa, que parecia esquecida, devia-se ao fato
de José Dias ter informado D. Glória a respeito de seu incipiente namoro com Capitolina
Pádua, que morava na casa ao lado. Capitu, como era chamada, tinha então catorze anos
e era filha de um tal de Pádua, burocrata de uma repartição do Ministério da Guerra. A
proximidade, a convivência e a idade haviam feito com que os dois adolescentes criassem
afeição um pelo outro. D. Glória, ao saber disto, fica alarmada e decide apressar o
cumprimento da promessa. Os planos de Capitu, informada do assunto, e Bentinho para,
com a ajuda de José Dias, impedir que D. Glória cumprisse a decisão ou, pelo menos, a
adiasse, fracassam. Como último recurso, o próprio Bentinho revela à mãe não ter
vocação, o que também não a faz voltar atrás. Tio Cosme, um viúvo, irmão de D. Glória e
advogado aposentado, que vivia na casa desde que seu cunhado falecera, e a prima
Justina, também viúva, que, há muitos anos, morava com a mãe de Bentinho, procuram
não se envolver no problema. Assim, a última palavra fica com D.Glória, que, com o apoio
do padre Cabral, um amigo de tio Cosme, decide finalmente cumprir a promessa e o envia
ao seminário, prometendo, contudo, que se dentro de dois anos não revelasse vocação
para o sacerdócio estaria livre para seguir outra carreira. Antes da partida de Bentinho,
este e Capitu juram casar-se.

No seminário, Bentinho conhece Ezequiel de Souza Escobar, filho de um advogado de


Curitiba. Os dois tornam-se amigos e confidentes. Em um fim de semana em que Bentinho
visita D. Glória, Escobar o acompanha e é apresentado a todos, inclusive a Capitu. Esta,
depois da partida de Bentinho, começara a freqüentar assiduamente a casa de D.Glória,
do que nascera aos poucos grande afeição recíproca, a ponto de D.Glória começar a
pensar que se Bentinho se apaixonasse por Capitu e casasse com ela a questão da
promessa estaria resolvida a contento de todos, pois Bentinho, que a quebraria, não a
fizera, e ela, que a fizera, não a quebraria.

Enquanto isto, Bentinho continuava seus esforços junto a José Dias, que, tendo
fracassado em seu plano de fazê-lo estudar medicina na Europa, sugeria agora que
ambos fossem a Roma pedir ao Papa a revogação da promessa. A solução definitiva,
contudo, partiu de Escobar. Segundo este, D. Glória prometera a Deus dar-lhe um
sacerdote, mas isto não queria dizer que o mesmo deveria ser necessariamente seu filho.
Sugeriu então que ela adotasse algum órfão e lhe custeasse os estudos. D. Glória
consultou o padre Cabral, este foi consultar o bispo e a solução foi considerada
satisfatória.

Livre do problema, Bentinho deixa o seminário com cerca de 17 anos e vai para São Paulo
estudar, tornando-se cinco anos depois, o advogado Bento de Albuquerque Santiago. Por
sua parte, Escobar, que também saíra do seminário, tornara-se um comerciante bem-
sucedido, vindo a casar com Sancha, amiga e colega de escola de Capitu. Em l865, Bento
e Capitu finalmente casam-se, passando a morar no bairro da Glória. O escritório de
advogacia progride e a felicidade do casal seria completa não fosse a demora em nascer
um filho. Isto faz com que ambos sintam inveja de Escobar e Sancha, que tinham tido uma
filha, batizada com o nome de Capitolina. Depois de alguns anos, nasce Ezequiel, assim
chamado para retribuir a gentileza do casal de amigos, que dera à filha o nome da amiga
de Sancha.

Ezequiel revela-se muito cedo uma criança inquieta e curiosa, tornando-se a alegria dos
pais e servindo para estreitar ainda mais as relações de amizade entre os dois casais. A
partir do momento em que Escobar e a Sancha, que moravam em Andaraí, resolvem fixar
residência no Flamengo, a convivência entre as duas famílias torna-se completa e os pais
chegam a falar na possibilidade de Ezequiel e Capitulazinha, como era chamada a
pequena Capitolina, virem a se casar.

Em 1871 Escobar, que gostava de nadar, morre afogado. No enterro, Capitu, que
amparava Sancha, olha tão fixamente e com tal expressão para Escobar morto que Bento
fica abalado e quase não consegue pronunciar o discurso fúnebre. A perturbação,
contudo, desaparece rapidamente. Sancha retira-se em seguida para a casa dos parentes
no Paraná, o escritório de Bento continua a progredir e a união entre o casal segue
crescendo. Até o momento em que, cerca de um ano depois, advertido pela própria Capitu,
Bento começa a perceber as semelhanças de Ezequiel com Escobar. À medida que o
menino cresce, estas semelhanças aumentam a tal ponto que em Ezequiel parece
ressurgir fisicamente o velho companheiro de seminário.

As relações entre Bento e Capitu deterioram-se rapidamente. A solução de colocar


Ezequiel num internato não se revela eficaz, já que Bento não suportar mais ver o filho, o
qual por sua vez, se apega a ele cada vez mais, tornando a situação ainda mais crítica.

Num gesto extremo, Bento decide suicidar-se com veneno, colocado numa xícara de café.
Interrompido pela chegada de Ezequiel, altera intempestivamente seu plano e decide dar o
café envenenado ao filho mas, no último instante, recua e em seguida desabafa, dizendo a
Ezequiel que não é seu pai. Nesse momento Capitu entra na sala e quer saber o que está
acontecendo. Bento repete que não é pai de Ezequiel e Capitu exige que diga por que
pensa assim. Apesar de Bento não conseguir expor claramente suas idéias, Capitu diz
saber que a origem de tudo é a casualidade da semelhança, argumentando em seguida
que tudo se deve à vontade de Deus. Capitu retira-se e vai à missa com o filho. Bento
desiste do suicídio.

Durante a discussão fica decidido que a separação seria o melhor caminho. Para manter
as aparências, o casal parte pouco depois rumo à Europa, acompanhado do filho. Bento
retorna a seguir, sozinho. Trocam algumas cartas e Bento viaja outras vezes à Europa,
sempre com o objetivo de manter as aparências, mas nunca mais chega a encontrar-se
com Capitu. Tempos depois morrem D.Glória e José Dias.
Bento retira-se para o Engenho Novo. Ali, certo dia, recebe a visita de Ezequiel de
Albuquerque Santiago, que era então a imagem perfeita de seu velho colega de seminário.
Capitu morrera e fora enterrada na Europa. Ezequiel permanece alguns meses no RJ e
depois parte para uma viagem de estudos científicos no Oriente Médio, já que era
apaixonado da arqueologia. Onze meses depois morre de uma febre tifóide em Jerusalém
e é ali enterrado.

Mortos todos, familiares e velhos conhecidos, Bento/Dom Casmurro fecha-se em si


próprio, mas não se isola e encontra muitas amigas que o consolam. Jamais, porém,
alguma delas o faz esquecer a primeira amada de seu coração, que o traíra com seu
melhor amigo. Assim quisera o destino. E para esquecer tudo, nada melhor que escrever,
segundo decide, uma História dos subúrbios do Rio de Janeiro.

2. Personagens principais

Bentinho/Dom Casmurro

Dividido entre a saudade da juventude irrecuperável e a meditação sobre seu caminho


existencial, Bento Santiago ora manifesta certa condescendência diante do espetáculo do
mundo, apreciando certos prazeres da vida, ora demonstra seu desencanto em reflexões
melancólicas sobre a realidade. Este último sentimento, que domina a fase de maturidade
do protagonista/narrador, acaba dando o tom a todo o romance. Consciente de sua
ingenuidade no passado, não exacerba seu pessimismo e se mantém num equilíbrio
filosófico que lhe permite assimilar as lições da vida e viver com certa paz interior. Em
termos estritamente pessoais, Bento Santiago é um homem que pagou o preço de sua
existência e aparou o suficiente os golpes do destino para poder ordenar a realidade e
manter sua identidade. Em termos sociais, é o membro de uma classe superior para quem
tudo se resume, na vida, em saber salvar as posses e as aparências, o que, em última
instância, é a mesma coisa.

Capitu

Mudando de classe social através das armas da inteligência e da sensualidade, Capitu,


com seus 'olhos de cigana oblíqua e dissimulada', se perde - para o protagonista/narrador
- em virtude de um autocontrole pouco desenvolvido, isto é, em virtude de não submeter-
se aos limites impostos pela condição social a que ascendera. Mostra-se capaz de
envolver Bentinho mas incapaz de dominar o mundo em que passa a integrar-se após seu
casamento. Seu destino é ser 'expurgada' do grupo.

Escobar

Com um perfil pouco desenvolvido no romance, Escobar é, em síntese, um homem de


ação, pouco dado a especulações sobre o mundo. Sua carreira de comerciante e seu
gosto pelo esporte - que o leva à morte - o contrapõem a Bento Santiago. É um
personagem simples e linear, o que o configura como um perfeito parceiro de traição.

Sancha

Mais limitada e menos vital que Capitu, Sancha é seu oposto, como fica claro no fugaz
incidente com Bento Santiago, quando ela recusa a dar o passo que levaria além dos
limites impostos à sua condição de mulher casada.

D. Glória

Uma boa criatura, descendente de famílias tradicionais da aristocracia mineira e paulista,


D. Glória se atém rigidamente às normas do grupo social e, apesar de ser ainda bela e
jovem ao tornar-se viúva, recusa qualquer outro tipo de ligação com homens, dedicando-
se às tarefas de administrar os bens, cuidar do lar e educar o filho. Como diz o
protagonista/narrador, 'teimava em esconder os saldos da juventude, por mais que a
natureza quisesse preservá-la da ação do tempo'. É a figura clássica da matrona ilibada e
inatacável.

José Dias

Amante dos superlativos e da bajulação, as convicções de José Dias oscilam de acordo


com os interesses dos membros da família a que se agregara. Neste personagem,
Machado de Assis traça um perfil magistral de um grupo social típico da sociedade
escravocrata brasileira do séc. XIX: o homem livre, mas sem posses, que, tanto por seu
próprio interesse quanto por interesse da classe proprietária, integra-se em um clã e perde
a própria identidade em troca dos favores que o mantêm vivo, livre e desfrutando de certo
status social.

Padre Cabral

Apesar de ocupar um lugar discreto na obra, o padre Cabral encarna, claramente, a Igreja
como instituição, como um núcleo de poder que, em plano secundário mas com certa
importância, caracterizava a sociedade brasileira do séc. XIX, particularmente antes da
República, a partir da qual separaram-se Igreja e Estado.

3. Estrutura narrativa

Em 218 capítulos, geralmente bastante curtos, Dom Casmurro é a narração, feita em


primeira pessoa pelo próprio protagonista, da vida de Bento de Albuquerque Santiago, o
Bentinho. A trajetória existencial recomposta vai do ano de 1857 até meados da década de
1890, quando o narrador, já qüinquagenário, se debruça sobre o passado, apresentando-o
e, ao mesmo tempo, analisando-o à distância, do que resulta uma estrutura narrativa em
que se alternam a narração da ação e a reflexão sobre a mesma, ambas tendo por palco o
RJ da segunda de do séc. XIX.

4. Comentário crítico

Unanimente considerada como uma das obras-primas da ficção brasileira e colocada em


destaque entre as cinco principais obras de Machado de Assis - ao lado de Quincas Borba,
Memórias Póstumas de Brás Cubas, Esaú e Jacó e O Alienista - Dom Casmurro nunca
deixou de estar em evidência ao longo de quase um século de sua publicação,
enfrentando, assim, as vissicitudes críticas comuns à obra machadiana.

Diante da inegável importância da ficção de MA e de sua fluidez, que recusa qualificativos


e teorias, e não raro monta armadilhas para análises que pretendam ser totalizantes, a
crítica, ao longo do tempo, reagiu das mais variadas formas. Alguns censuram em MA a
falta de um compromisso mais direto com a realidade, posição que, de pernas para o ar,
acabou na visão, muito em voga até recentemente, segundo a qual sua obra possuía tal
universalidade que tornava impossível referi-la a um contexto histórico determinado.
Outros, numa posição que também fez fortuna, destacaram na obra machadiana a
atmosfera de humour, nascido de uma fusão de tristeza e enfado diante da vida. Este seria
o Machado de Assis 'filósofo'.

A visão biografista, aplicada a outros romancistas de sua época, também atingiu o autor de
Quincas Borba. Ao tentar explicar a obra a partir da vida do autor, o biografismo, no caso
de MA, chegou ao extremo de considerar seu humour, o desencanto diante da vida que
transparece em suas obras, como resultado de sua recusa em assumir a condição de
mulato. Neste sentido, a visão de mundo presente na obra machadiana seria o produto de
um desejo intenso, frustrado em virtude da barreira representada pela consciência da
própria cor, de arianização social e branqueamento ideológico. Como em todos os casos,
tal interpretação biografista não vai além de uma observação sobre o autor - que pode até
ser verdadeira mas que é sempre dispensável - e nada diz especificamente sobre a obra.

Nas últimas décadas, a crítica machadiana tendeu a tomar outra direção, orientando-se
decididamente no sentido de uma análise profunda da obra em si e dando especial
atenção aos elementos históricos nela contidos. E então não foi difícil perceber que, ao
contrário do que faziam supor muitas posições críticas até ali sustentadas, MA apresenta
com extrema profundidade e de maneira bastante explícita a sociedade carioca e brasileira
das últimas décadas do séc. XIX, expondo claramente sua estrutura de classes e seus
mecanismos de poder.

Nos últimos anos, esta visão histórica da obra machadiana acentuou-se ainda mais.

Assim, nesta perspectiva, a incapacidade de ação, o pessimismo existencial, a crise de


identidade e mesmo a loucura que caracterizam os personagens mais importantes do
mundo ficcional de MA seriam o símbolo de um país econômica e culturalmente
dependente e dominado por uma elite colonizada e sem perspectivas históricas diante da
maré montante do liberalismo industrial/capitalista europeu, que minara, ao longo da
segunda de do século, a última das grandes formações sociais escravistas do planeta.
Como se pode observar, a própria diversidade das interpretações dá bem a medida
daquela que talvez possa ser considerada a mais importante das características do mundo
ficcional de MA e da galeria de seus grandes personagens: o caráter esquivo e ambíguo
que parece exigir e, ao mesmo tempo, repelir todos os enquadramentos teóricos.

Se o exposto pode ser considerado verdadeiro no que se refere à obra de MA como um


todo, o é muito mais ainda em relação a Dom Casmurro. De todos os romances do autor,
este é, com certeza, o mais popular, seja no sentido de ser, possivelmente, o mais lido,
seja no sentido de abordar um tema popular, do que deve resultar, aliás, sua capacidade
de atingir um universo mais amplo de leitores. De fato, Dom Casmurro é a história de uma
traição. É evidente que a obra é bem mais complexa do que pode fazer supor tal
afirmação, mas é inegável também que o núcleo essencial do enredo, isto é, dos fatos
narrados, é formado pela existência de um triângulo amoroso e pelas conseqüências daí
resultantes.

Como era natural, além de cair no agrado do grande público leitor, o casal de
protagonistas, Bentinho e Capitu, tornou-se, ao longo do tempo, um dos centros de
atenção das análises feitas pela crítica a respeito de Dom Casmurro, a tal ponto que, em
alguns casos, o romance ficou reduzido a única questão: Capitu traiu ou não traiu? Sob
este ponto de vista, Dom Casmurro passou a ser não a história de uma traição - afirmação
sem dúvida abonada pelo texto - mas a história da dúvida sobre uma traição, o que, a
partir de uma leitura honesta, é uma evidente e injustificada extrapolação. Para Bento
Santiago, o narrador, não há a mínima dúvida do valor das provas circunstanciais de que
dispõe: Ezequiel é filho de Escobar. E o texto não coloca, em momento algum, em questão
o valor destas provas circunstanciais, nem do ponto de vista objetivo - o valor em si das
mesmas - nem de um ponto de vista subjetivo - a capacidade de discernimento do
protagonista. No texto, Bento Santiago é antes um ingênuo - por perceber tarde demais o
problema - do que um manomaníaco ou um obsessivo. Ele é apresentado, aliás, como um
exemplo perfeito de normalidade, segundo se pode deduzir de sua vida posterior à morte
dos que o rodeavam. Afirmações como 'o texto é uma visão distorcida, pois é a visão de
Bentinho' ou 'a narrativa de Capitu seria diferente' são hipotéticos absurdos, a não ser que
se queira ver Dom Casmurro como uma grande armadilha montada por este mestre da
narrativa que é MA com o objetivo de divertir-se às custas de seus leitores de todas as
épocas.

Seja como for, esta discussão acabou sendo muito justamente relegada a um plano sem
importância e a crítica prefere hoje salientar elementos cuja presença no texto é
inegavelmente sólida. Em primeiro lugar, retomando o velho tema, nunca abandonado nos
estudos sobre Dom Casmurro, do humour machadiano, procura analisá-lo em outro plano,
localizando-o historicamente. Nesta perspectiva, a mistura de serenidade e desencanto
perante a vida - encarnada por Bento Santiago mais do que por qualquer outro
personagem de Machado de Assis - deixa de ser apenas um genérico olhar de tristeza
lançado sobre a condição humana e passa a símbolo da falta de perspectivas e da
decadência de uma elite que, sobre uma estrutura escravista, montara uma paródia
aristocrática nos trópicos dominados pelo empuxo avassalador do capitalismo industrial
anglo-francês. Sereno mas incapaz de ação, conformado mas pessimista, Bento Santiago
carrega em si o fim de um tempo e, em sua lucidez, vinga-se de todos, a todos
sobrevivendo e de todos fazendo o necrológio.
Um necrológio, contudo - e este é o segundo ponto em que insistem mais recentes - que é
um registro minucioso da sociedade do RJ e, por extensão, do Brasil litorâneo da segunda
de do século passado. Do prosaico dia-a-dia da cidade aos valores culturais então
dominantes, das formas de namoro às relações de classe, da estrutura do casamento à
estrutura econômica e aos caminhos de ascensão social dentro dela - um dos quais a
carreira eclesiástica -, tudo aí está fixado para a posteridade com o rigor de um gravurista.
Com o rigor de um mestre da narrativa realista/naturalista do Ocidente, na qual sem
dúvida, Dom Casmurro tem um lugar reservado

Você também pode gostar