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COLUNISTA DA FOLHA
VINICIUS MOTA
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO
Atualizado às 06h58.
"Não estou mais disposto a dar endosso a um PSDB que não defenda a sua
história", disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002),
ontem, em entrevista no instituto que leva seu nome, no centro de SP.
O PSDB, e não o Serra, tem outros problemas mais complicados. Não é falta
de bons candidatos. O problema é ter uma noção do coletivo, uma linguagem
que expresse o coletivo, que não pode ser fechado no partido. Numa
sociedade de 130 milhões de eleitores, a mensagem conta muito --no conteúdo
e no modo que se transmite.
Como o Lula ficou muito fixado numa comparação para trás, os candidatos
esqueceram a campanha e não definiram o futuro. Esse é o desafio --para o
PSDB também.
O nosso futuro vai ser, outra vez, fornecer produtos primários? Ou vamos
desenvolver inovação, modificar a educação, continuar a industrialização. Isso
não foi posto [na campanha]. Qual será nossa matriz energética. Preocupa-me
muito a discussão do petróleo.
Eu não posso dizer que passou a primeiro lugar, mas que o Aécio se saiu bem
nessa campanha, se saiu. Não posso dizer que passou a primeiro lugar porque
o Serra mostrou persistência e teve um desempenho razoável.
Não diria que existe um candidato que diga: "Eu naturalmente serei". Mas o
PSDB também não pode ficar enrolando até o final para saber se é A, B, C ou
D. Dentro de dois anos temos de decidir quem é e esse é tem de ser de todo
mundo, tem de ser coletivo.
Não estou disposto mais a dar endosso a um PSDB que não defenda a sua
história. Tem limites para isso, porque não dá certo. Tem de defender o que
nós fizemos. A privatização das teles foi bom para o povo, para o Tesouro e
para o país. A privatização da Vale foi um gol importante, porque, além do
mais, a Vale é uma empresa nacional. A privatização da Embraer foi ótima.
Então por que não dizer isso? Por que não defender? Privatizar não é entregar
o país ao adversário, pegar o dinheiro do povo e jogar fora. Não. É valorizar o
dinheiro do país. Tudo isso criou mais emprego, deu mais renda para o Estado.
Do ponto de vista econômico, as questões estão bem encaminhados. Os
motores da economia são fortes. Os problemas maiores são em outras áreas:
educação, segurança, democracia, igualdade perante a lei, droga. Não é para
saber se a economia vai crescer, é se a sociedade vai ser melhor.
Você se lembra de quando fui presidente? A ambição de todo mundo era cortar
a burocracia. Por quê? Porque foi politizado.
Não foi só o PSDB. Foi todo mundo. Quando o nosso sistema presidencialista
é exercido a partir de uma pessoa carismática como o Lula e que tem por trás
um partido organizado, ele quase se torna um pensamento único.
Aqui, fora da campanha, só o governo fala. Quando fala sem parar, o caso
atual, e sob forma de propaganda, fica difícil de controlar. No meu tempo,
também era o governo que falava. Como não tenho o mesmo estilo e não
usava uma visão eleitoreira o tempo todo, não aparecia tanto. Mas isso é da
cultura brasileira.
A oposição, liderada pelo PSDB, ficou mais forte nos Estados e mais
fraca no Congresso. Como fará para resistir à força gravitacional do
Planalto?
Mas o carro chefe para puxar [a oposição] não pode ser o governador. Tem de
ser o partido. E não é o PSDB só. Esses 44 milhões [votação de Serra no
domingo] não são do PSDB. É uma parte da sociedade brasileira que pensa de
outra maneira. E não se pode aceitar a ideia de que são os mais pobres contra
os mais ricos. Nunca vi uma elite tão grande: 44 milhões de pessoas.
Mas não no sentido de não ter papel para o Estado. No sentido de que esse
papel tenha de ser de um Estado que se abra para a sociedade. Não de um
Estado burocrático, que se imponha à sociedade.
Lula sempre faz a mediação para que o setor privado não seja sufocado
completamente. Não sei como Dilma vai proceder.
O sr. sente que isso tende a se aprofundar nesse novo governo?
Sim, a segunda parte do segundo mandato de Lula foi assim. A crise global
deu a desculpa para o Estado gastar mais. E o pobre do Keynes pagou o
preço. Tudo é Keynes [O economista britânico John Maynard Keynes (1883-
1946) defendeu, em sua obra "Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda",
a intervenção do Estado na economia para controlar as crises econômicas].
Investimento não cresceu, gasto público se expandiu, foi Keynes.
Como todo mundo percebia uma tendência nesse sentido, ela disse: "Olha
aqui, vou respeitar a democracia, vou dar a mão a todos". Ela tem que dizer
isso, porque senão ela não governa.
O que esperar de Dilma Rousseff, que estreia num cargo eletivo logo na
Presidência, no dia 1º de janeiro?
Nós não sabemos não só o que ela pensa, mas como é que ela faz. O Brasil
deu um cheque em branco para a Dilma. Vamos ver o que vai acontecer com a
conjuntura econômica, mundial e aqui. Há um problema complicado na balança
de pagamentos, um deficit crescente, uma taxa de juros elevada e uma taxa de
câmbio cruel.