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O habitual destaque para a crónica de J.L. Pio de Abreu no "Destak" de hoje (na figura quadro de
Caravaggio):
O que nos faz mexer com agrado não é o próprio prazer, mas sim o esforço feito para o obter. A chave
deste paradoxo é uma molécula que dá pelo nome de dopamina. Ela liberta-se, nos nossos neurónios,
sempre que as coisas estão a correr no sentido da expectativa desejada. A expectativa realizada reforça
este caminho mas, por si, não é tão intensa como os passos dados até lá. O facto é que, obtido o desejo,
cessa a libertação de dopamina.
Este pormenor explica porque é que os alpinistas se torturam para chegar ao cume de um monte, porque é
que os toxicodependentes insistem na difícil obtenção da droga que, a partir de certo ponto, apenas lhes
traz mais dores, ou porque é que o amor difícil é o que se vive mais intensamente. Mas ajuda-nos também
a perceber que a melhor forma de fortalecer a vontade é adiar a recompensa.
Na sociedade do "pronto-a-vestir" as recompensas estão na montra e serão obtidas logo que se arranje o
dinheiro suficiente. A dopamina vira-se então para o "vil metal", o único caminho para todos os prazeres.
Onde está o prazer de cozinhar, de construir um brinquedo, de bordar uma colcha, de preparar um
encontro? Tudo sucumbiu perante o tempo dedicado à obtenção do dinheiro.
Para aqueles que foram bem treinados na vontade de ganhar dinheiro, fica o golfe. Chegar ao primeiro,
segundo e outros buracos, é incentivo suficiente para a expectativa de alcançar o décimo oitavo. Para os
outros, resta o prazer de descascar a fruta antes de a comer. Pelo menos, enquanto os supermercados não
a venderem já sem casca.