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A prisão dos fatos

Maria Elba Soares

Há ao nosso redor vozes que listam as prisões metafóricas. Vejamos: estaríamos


nós presos por muros altos? Dentro de carros com vidros fechados? Em nossa casa
gradeada? Enfim quais as fechaduras e cadeados contemporâneos? Seriam estes
extensivos ao pensamento? Há prisões para o nosso poder de refletir e ver além
das aparências?

Iniciamos esse diálogo com interrogações, questões que abrem nossos sentidos
para fatos tão corriqueiros que nos atravessam com uma intimidade perturbadora.
Cotidianamente nossa retina tem absorvido cenas que se repetem, compactadas e
anunciadas em manchetes, trazendo junto certo conformismo, dado ao fenômeno
da repetição e do quantitativo. Uma verdadeira overdose de marchetes acumula-se
na mídia e em nosso entorno. Temos tido tantos anúncios que nossos olhos correm
pelos mesmos e não os fixa. Estamos imersos numa realidade aparente, sentimos
dificuldade de encontrar a essência, a mensagem, a idéia das coisas vistas,
sentidas e lidas.

Essa manifestação nos amarra a um pensamento descritivo, limitado a obviedades,


ao conformismo e à rotas massificadas, sendo urgente a incursão numa nova
matriz de pensamento, avançando além das manchetes e encontrando os textos
ditos e não ditos, sua profundidade e amplitude. Subverter a mesmice do fato, é
desmascarar a face da anualidade social, é superar a falsificação do acontecimento,
é saber que o homem tem o compromisso de intervir e se posicionar no mundo.
A idéia de catástrofe permanente, de incapacidade, de alienação tem gestado bons
e passivos expectadores em contrapartida a gestação do homem sujeito de seu
processo. Pensar exige deslocamento de pontos de vistas, exige se colocar no lugar
do outro, ouvir e refletir sobre outras interpretações. Encarar a face aparente do
fato nos limita a uma visão simplista, nos orienta a ver a superficialidade do
mistério e não apreendemos os acontecimentos na sua totalidade. Desejar interagir
com a diversidade de leituras, da produção da ciência, das diversas abordagens,
nos desaliena e nos coloca mais responsáveis, esse é o preço da consciência. Na
verdade isso nos remeterá a compreendermos o nosso papel e o nosso
pertencimento.

“A humanidade humaniza o mundo”. Somos nós que nomeamos, conceituamos,


sentimos e reinventamos o universo micro e macro ao nosso redor. Sabemos que a
formiga da idade média faz à mesma atividade da formiga contemporânea. No
entanto falar do homem é falar de mudança, de reinvenção, e, sobretudo de
capacidade criativa e mobilizadora de novos mundos intelectuais e relacionais.

Assim, se o homem humaniza o mundo, pensar humanamente é ser sensível à


dinâmica social, a diversidade e a experiência singular do homem. É perceber os
muitos prismas e possibilidades criadas e acreditar que ainda serão criadas muitas
outras. De modo que não poderemos aceitar o simplismo como aspecto de conforto
ou conformismo. O exercício do pensamento complexo, nos apresentará uma
cadeia de elementos interligados, que por meio da análise, da críticidade e da
abertura às diferenças, superaremos a suposta homogeneização do mundo.

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