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Os BRICs e a liderança diplomática do Brasil

por Nehemias Gueiros, Jr.


O efeito imediato da recente reunião dos líderes dos quatro países emergentes que formam o
grupo denominado de BRIC foi uma recuada do valor do dólar em nível mundial, após a
declaração do presidente russo Medvedev de que “para consolidar o sistema monetário
internacional será necessário complementar o dólar com novas moedas de reserva”. Analistas
especulam que o célere crescimento desses países projeta ao primeiro plano a incapacidade
do dólar americano de sustentar-se sozinho como moeda global de reservas e negócios por
muito mais tempo. E não há dúvida de que a ascensão de Brasil, Rússia, Índia e China
incomoda o poder econômico global atual, há séculos encastelado entre os países ricos da
Europa e da América do Norte. A crise financeira desencadeada no segundo semestre de 2008
foi apenas o descerramento do véu que cobria um mercado podre de derivativos, especulação
e fortuna fácil, em detrimento dos verdadeiros objetivos economia globalizada como a atual e o
resultado não se fez esperar: brutal recessão em países antes considerados inquebráveis, uma
forte guinada à esquerda em economias capitalistas com a estatização de grandes
conglomerados multinacionais e desemprego em massa. Quem poderia prever esta situação?
Ainda no primeiro semestre de 2008, marcado por forte crescimento econômico nos primeiros
dois trimestres em quase todos os mercados, as agências internacionais de vigilância
financeira global vaticinavam um ano bem-sucedido, de expansão e crescimento dos mercados
internos das nações ditas industrializadas. O que se viu foi exatamente o oposto. Uma debacle
sem precedentes, que culminou com falências, concordatas e fusões de vigorosas empresas
multinacionais como a General Motors e a Chrysler.

Criado em 2001 pelo economista Jim O’Neill, do grupo Goldman Sachs, a partir de um relatório
intitulado Building Better Global Economic Brics ou “Construindo Tijolos Econômicos Globais
Melhores”o acrônimo BRIC resultou de um amplo estudo que analisou e projetou as economias
de Brasil, Rússia, Índia e China até 2050, concluindo, sem qualquer exagero, que esse grupo
de países pode efetivamente vir a representar a força econômica mundial dominante até lá,
superando os PIBs do atual grupo do G8. E não seria mera especulação ponderar que uma vez
alçado a esse posto de liderança, os BRICs certamente expandirão sua influência política,
cultural e até militar sobre o resto do mundo. Segundo as projeções, o grupo deverá concentrar
cerca de 40% da população mundial e um PIB de mais de 85 trilhões de dólares. Todavia, os
BRICs ainda estão longe de constituir um bloco político como a União Europeia ou uma
associação comercial como a ALCA ou o Mercosul, mas já ajustaram vários tratados e
convenções de comércio e cooperação desde 2002 e lentamente sua influência econômica
começa a ser sentida em organismos multilaterais como a OMC, o GATT e a OIT. Dentro de
duas décadas, com a pressão do crescimento populacional, da escassez de água potável e da
busca incessante por novas formas de energia, os BRICs figurarão entre os principais
fornecedores de matéria-prima, alimentos, petróleo, tecnologia e mão-de-obra, além de
produtos manufaturados e serviços. Somente o Brasil será capaz de alimentar mais de 30% da
população mundial com carne bovina e soja, sem falar nos combustíveis renováveis e
ecologicamente corretos como o biodiesel e álcool, além da água potável, da qual possuímos
25% das reservas mundiais. A Índia provavelmente irá ostentar a maior média de crescimento
nas próximas décadas, tanto por sua grande população quanto pelos consideráveis
investimentos que vem realizando em mão-de-obra e tecnologia. Deverá ocupar o 3º lugar do
ranking até 2050 atrás de China (1º) e Estados Unidos (2º). É certo que todos esses números
representam meras projeções e que os países emergentes, mais do que os ricos, estão muito
mais sujeitos a revoluções e sedições internas e governantes corruptos, mas as possibilidades
de se eliminar a linha divisória entre países pobres do sul e países ricos do norte são mais
reais do que em qualquer período da História Moderna.

Naturalmente que esse quadro não significa que o entendimento entre os próprios países
integrantes dos BRICs será tranquilo e sem incidentes, justamente por causa das grandes
diferenças econômicas, políticas, culturais e militares que ostentam, mas nesse particular, o
Brasil, apesar de apontar diversas contradições e objetivos até concorrentes com seus pares
no grupo, desponta como a única nação capaz de liderar, com absoluta isenção, o diálogo com
os países ricos e industrializados do Ocidente e o Japão. Somos o único país do grupo sem
objetivos belicistas, não fazemos das armas o nosso baluarte de imposição política e cultural e
não possuímos qualquer conflito de interesses ou relacionamento com nenhuma nação do
planeta, enquanto Rússia, Índia e China professam ideologias confrontantes com os regimes
ocidentais e são potências militares. A diplomacia brasileira, malgrado algumas gafes recentes
no setor comercial, tem apresentado excelente resultado no desenvolvimento das nossas
relações com o resto do mundo, ao passo que Rússia, Índia e China têm ainda grandes
diferenças a equacionar com o mundo ocidental, especialmente os Estados Unidos, por força
dos seus programas nucleares com fins militares e agendas políticas dissonantes do chamado
mundo livre. Ao Brasil caberá um papel fundamental na transição dos BRICs de simples grupo
econômico para uma aliança comercial e política capaz de influenciar e impor seus valores e
culturas ao sistema monetário internacional, com o objetivo de conferir mais equilíbrio no
âmbito das forças econômicas que controlam o mundo há mais de quatro séculos.

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