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hierarquia & hipertexto

[a partir de Pierre Lévy]

Aluysio Robalinho

Qual a relação entre os dois conceitos? O que tem a ver o conceito de hierarquia com o
conceito de hipertexto?

hierarquia
[Do b.-lat. hierarchia, ‘hierarquia eclesiástica’ (< gr. hierós, ‘sagrado’, + gr. arché, ‘comando’,
‘autoridade’, + gr. -ía), retomando a prosódia gr.]
Substantivo feminino.
1.Ordem e subordinação dos poderes eclesiásticos, civis e militares.
2.Graduação da autoridade, correspondente às várias categorias de funcionários públicos; classe.
3.Fig. Série contínua de graus ou escalões, em ordem crescente ou decrescente; escala:
hierarquia de valores.
4.Inform. Na orientação a objetos (q. v.), organização de classes [v. classe (21)], que indica suas
subordinações com relação à herança (5 e 6).
5.Rel. Ordem e subordinação dos diferentes coros dos anjos. [Var.: jerarquia.]

hipertexto
(ês) [De hiper- 'além' + texto; do ingl. hypertext.]
Substantivo masculino.
1.Forma de apresentação ou organização de informações escritas, em que blocos de texto estão
articulados por remissões, de modo que, em lugar de seguir um encadeamento linear e único, o leitor
pode formar diversas seqüências associativas, conforme seu interesse.
2.Conjunto de textos estruturados ou organizados dessa forma, e ger. implementado em meio
eletrônico computadorizado, no qual as remissões correspondem a comandos que permitem ao leitor
passar diretamente aos elementos associados.
[transcrito do Dicionário Aurélio]

A ideia do hipertexto foi proposta pela primeira vez pelo renomado físico e matemático
Vannevar Bush em 1945. Na época [e em grande parte até agora] os sistemas de indexação e
organização das informações em uso eram artificiais. Cada item é classificado apenas sob uma
única rubrica, e a ordenação é puramente hierárquica (classes, subclasses, etc.). Bush
descobriu que a mente humana não age dessa forma quando busca informação, mas sim
através de associações. A mente pula de uma representação para outra ao longo de uma rede
intrincada e quase infinita de nós para construir uma imagem que represente o fim onde
deseja chegar. Propõe ele então a construção de um dispositivo, que chamou de Memex, para
mecanizar a classificação e a seleção por associação, em paralelo ao princípio da indexação
clássica. Assim, seria possível criar ligações independentes de qualquer classificação
hierárquica entre uma dada informação e uma outra. Uma vez estabelecida a conexão, cada
vez que determinado item fosse visualizado, todos os outros que tivessem sido ligados à ele
poderiam ser instantaneamente recuperados, através de um simples toque em um botão.
Bush retrata o usuário de seu dispositivo imaginário traçando trilhas transversais e pessoais no
imenso e emaranhado continente do saber. Tais conexões ainda não eram hipertextuais como
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as conhecemos hoje, mas o princípio estava criado.

Foi somente nos anos sessenta que outro cientista, Theodore Nelson, consagrou o termo
"hipertexto" para designar a ideia de escrita/leitura não linear em um sistema de informática.
A partir de então, passou ele a perseguir a ideia de uma biblioteca universal, inteiramente
inter-linkada, que conteria todas as informações, fossem elas em áudio, vídeo, textuais, etc.

O dispositivo imaginado por Bush e a biblioteca universal de Nelson permaneceram no plano


mental e jamais foram efetivados, mas o caminho para a criação de novas maneiras, não só
para a busca de informações, mas no interrelacionamento entre seres pensantes havia sido
desbravado.

Efetivamente, quando o ser humano pensa, o faz de forma associativa, transversal, direta.
Ninguém pensa hierárquicamente, em classes e subclasses. Para pensar hierarquicamente,
cumprindo uma regra externa, é preciso adestramento, coerção, amoldamento, pois não é
forma natural de pensar e se relacionar com as pessoas. A mesma dificuldade foi encontrada
pelos taxonomistas ao tentar indexar as espécies da Natureza através de chaves dicotômicas.
Elas funcionam até certo ponto, mas... deixam a desejar em muitos casos.

Observemos as crianças. Elas expressam a atualização mais evidente do pensamento


associativo. Por não possuírem preconceitos e as auto-censuras do adulto, falam com qualquer
um, de forma igualitária. Mas, com o passar do tempo, elas vão aprendendo ou
'desaprendendo' a forma natural, vão adquirindo preconceitos sociais, raciais, o medo e a
timidez se instalam aos poucos, e embora continuem pensando transversalmente, como
qualquer pessoa normal, suas ações e relações com o outro se tornam hierárquicas, isto é,
reduzidas, contidas, distantes, desconfiadas. Isso acaba reduzindo as potencialidades do seu
ser; inicia-se a construção dos alicerces que sustentarão discórdias e desarmonias futuras...

Jung lançou mão da técnica associativa em seus pacientes, obtendo grandes resultados. Ora,
associação significa unidade semântica... Qual a relação entre o as sístoles e diástoles do
coração com os dias e as noites? Se pensarmos de maneira indexada, hierárquica, a
comparação não se aplica... pois estaremos comparando duas coisas inteiramente distintas.
Distintas porque as olhamos dessa forma! Há um link, uma associação, tendo por base a
analogia, entre os movimentos polares do coração e a polaridade entre os dias e as noites,
bem como com o sono e a vigília, o quente e o frio, o Yin e o Yang, etc. Através da associação e
da analogia, descobrimos que o princípio que está por detrás dos dois fenômenos acima É UM
SÓ! Ao comparar sístoles com o dia, ou com algo quente, Yang, rompemos todas as hierarquias
de indexação e estabelecemos um corte transversal entre todas as camadas de cognição
existentes para tal informação, para encontrar por fim um nexo que una os dois objetos. Pierre
Lévy imagina uma bola feita com diversas folhas de jornal amassado - e portanto, repletas de
informações dobradas e redobradas sobre si mesmas - sendo transfixada por uma grande
agulha ou objeto filiforme [o processo associativo] que vai varando todas as camadas de
conhecimento, independentemente de qualquer indexação.
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Por outro lado, transversalidade não significa anarquia! Dentro de um grupo, que se reúne
para determinado fim, cada qual assume o seu papel, ligado a determinada tarefa ou campo
de atuação. E isso deve ser plenamente respeitado, pois o respeito não deriva da obediência
cega à uma instância hierárquica, mas sim ao acatamento consciente em relação à atuação do
outro.

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